Este artigo reflete sobre a experiência pessoal de acompanhar o adoecimento do meu esposo, manifestado com câncer metastático, e a maneira como a morte se tornou uma presença constante em nosso cotidiano. A partir dessa vivência íntima, investigo como a sociedade contemporânea ocidental lida com a morte e o processo de ressignificação da vida frente à iminência do fim. O diagnóstico trouxe à tona microviolências e isolamentos, exacerbados pelas restrições da pandemia de COVID-19, destacando como o câncer, enquanto doença cercada por estigmas, afetando não só o paciente, mas também seus familiares. A reflexão parte das hipóteses de que, embora os autores descrevam a morte como um tabu no Ocidente, essa perspectiva pode ser mais complexa, envolvendo tanto a negação quanto a exposição da morte. A análise recorreu a autores como Susan Sontag e Norbert Elias, que destacam o medo e a solidão ligada à morte e ao câncer, assim como Annemarie Mol ao exploram o papel da hegemonia biomédica, que, ao privilegiar intervenções tecnológicas e farmacológicas, muitas vezes desumaniza o paciente e ignora o impacto emocional e social da doença. O artigo explora a experiência da liminaridade em doenças terminais, especialmente o câncer, à luz da teoria dos ritos de passagem de Victor Turner. Na liminaridade, o indivíduo se encontra entre categorias sociais, sem estar completamente em uma ou fora, o que provoca uma reflexão profunda sobre o próprio papel na sociedade e os valores da vida. Nas doenças terminais, essa transição se intensifica, colocando o paciente e seus cuidadores em um estado de “viver-morrer”, onde a vida e a morte coexistem em tensão. Por fim o artigo aponta para o entendimento de que a morte não é o fim abrupto da vida, mas uma transição que nos obriga a revisitar nossos valores, nossas relações e nossos significados mais profundos.