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Microrrealidades socioculturais transformadas pelo turismo em São Miguel do Gostoso, Rio Grande do Norte, Brasil

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Proposto justificado do tema: A proposta deste artigo foi alinhar perspectivas teóricas e metodológicas da Micro-História com aportes dos estudos no campo do Turismo para entender as transformações das microrrealidades do município de São Miguel do Gostoso (Rio Grande do Norte). Microrrealidades são histórias de pessoas comuns que traduzem e elucidam aspectos microscópicos de um complexo quadro de vida. Objetivo: Analisar as transformações socioculturais da localidade transformadas pelo fenômeno turístico a partir das microrrealidades locais. Design, metodologia e abordagem: No campo metodológico aliou-se a análise qualitativa com a observação direta participante, a análise documental e a investigação do material audiovisual sobre a cidade. Entrevistou-se 52 indivíduos que tiveram alguma representatividade na história da cidade, que não assumiam nenhum cargo oficial e vivenciaram as mudanças decorrentes entre 1993 e 2016. O recorte deste artigo foi de 17 entrevistados. Resultados e originalidade: Os resultados da pesquisa ressaltam que houve transformações relevantes nas microrrealidades socioculturais dos entrevistados. Os impactos mais proeminentes foram: esvaziamento das tradições culturais, hábitos alimentares e linguagem. Por outro lado, contribuições positivas foram enumeradas quanto à pluralidade de culturas e engajamento social. Concluiu-se que as microrrealidades socioculturais foram transformadas pelo fluxo turístico, definindo o turismo como a principal atividade econômica da região e relocando as forças de trabalho. A relevância e originalidade deste estudo é a aliança entre Micro-História e Turismo, quase inexistente nas investigações científicas.
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Rev. Bras. Pesq. Tur. São Paulo, 11(3), pp. 537-557, set./dez. 2017.
DOI: http://dx.doi.org/10.7784/rbtur.v11i3.1319
Microrrealidades socioculturais transformadas pelo turismo
em São Miguel do Gostoso, Rio Grande do Norte, Brasil
Sociocultural micro-realities transformed by tourism in São Miguel
do Gostoso, Rio Grande do Norte, Brazil
Micro realidades socioculturales transformadas por el turismo en São
Miguel do Gostoso, Rio Grande do Norte, Brasil
Esdras Matheus Matias
1
Aline Vieira de Carvalho
2
Resumo: Proposto justificado do tema: A proposta deste artigo foi alinhar perspectivas teóricas e metodológi-
cas da Micro-História com aportes dos estudos no campo do Turismo para entender as transformações das mi-
crorrealidades do município de São Miguel do Gostoso (Rio Grande do Norte). Microrrealidades são histórias de
pessoas comuns que traduzem e elucidam aspectos microscópicos de um complexo quadro de vida. Objetivo:
Analisar as transformações socioculturais da localidade transformadas pelo fenômeno turístico a partir das mi-
crorrealidades locais. Design, metodologia e abordagem: No campo metodológico aliou-se a análise qualitativa
com a observação direta participante, a análise documental e a investigação do material audiovisual sobre a
cidade. Entrevistou-se 52 indivíduos que tiveram alguma representatividade na história da cidade, que não as-
sumiam nenhum cargo oficial e vivenciaram as mudanças decorrentes entre 1993 e 2016. O recorte deste artigo
foi de 17 entrevistados. Resultados e originalidade: Os resultados da pesquisa ressaltam que houve transfor-
mações relevantes nas microrrealidades socioculturais dos entrevistados. Os impactos mais proeminentes fo-
ram: esvaziamento das tradições culturais, hábitos alimentares e linguagem. Por outro lado, contribuições posi-
tivas foram enumeradas quanto à pluralidade de culturas e engajamento social. Concluiu-se que as microrreali-
dades socioculturais foram transformadas pelo fluxo turístico, definindo o turismo como a principal atividade
econômica da região e relocando as forças de trabalho. A relevância e originalidade deste estudo é a aliança
entre Micro-História e Turismo, quase inexistente nas investigações científicas.
Palavras-chave: Turismo. Microrrealidades. Micro-História. Transformações socioculturais. São Miguel do Gos-
toso.
Abstract: Justified proposal of the theme: The purpose of this article was to align theoretical and metodological
perspectives of Micro-History with the contribution of studies in the realm of Tourism, in order to understand
transformations of micro-realities at São Miguel do Gostoso Municipality, in Rio Grande do Norte State. Micro-
1
Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Campus I. João Pessoa. Brasil. Definição da área de estudo; Trabalho
de campo; redação do trabalho.
2
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Campinas. Brasil. Desenho do trabalho científico; Definição da
metodologia; Fundamentação Teórica.
Artigo recebido em: 18/05/2017. Artigo aprovado em: 31/08/2017.
Artigo
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realities are histories of ordinary people that translate and clarify microscopic aspects of a complex life style.
Purpose: analyse social cultural transformations of locality changed by the touristic phenomenon starting from
local micro-realities. Design, methodology and approach: In the methodological realm, we linked qualitative
analysis to participating direct observation, as well as documental analysis and investigation of audiovisual ma-
terial on the town. 52 individuals were interviewed, among those who had a certain prominence in town history.
They should not have any official position, but have experienced changes occurring between 1993 and 2016.
This article approach was of 17 interviewed persons. Results and originality: The research results highlight rele-
vant changes in the social cultural micro-realities of interviewees. The most prominent impacts were: gradual
voidance in cultural traditions , food habits and language. On the other hand, positive contributions were listed
concerning plurality of cultures and social engagement. We concluded that social cultural micro-realities were
altered by the touristic flow, and thus defining tourism as the region’s most important economical activity, and
relocating work force. This study relevance and originality is the link between Micro-History and Tourism, almost
nonexistent in scientific investigations.
Keywords: Tourism. Micro-realities. Micro-History. Social cultural transformations. São Miguel do Gostoso.
Resumen: Justificativa: La propuesta de este artículo fue alinear perspectivas teóricas y metodológicas de la
Micro Historia con aportes de los estudios en el campo del Turismo para entender las transformaciones de las
micro realidades del municipio de São Miguel do Gostoso (Rio Grande do Norte). Las micro realidades son his-
torias de personas comunes que traducen y elucidan aspectos microscópicos de un complejo cuadro de vida.
Objetivo: Analizar las transformaciones socioculturales de la localidad transformadas por el fenómeno turístico
a partir de las micro realidades locales. Diseño, metodología y enfoque: En el campo metodológico se alió el
análisis cualitativo con la observación directa participante, el análisis documental y la investigación del material
audiovisual sobre la ciudad. Se entrevistó a 52 individuos que tuvieron alguna representatividad en la historia
de la ciudad, que no ocupaban ningún cargo oficial y vivenciaron los cambios resultantes entre 1993 y 2016. El
recorte de este artículo fue de 17 entrevistados. Resultados y originalidad: Los resultados de la investigación
resaltan que hubo transformaciones relevantes en las micro realidades socioculturales de los entrevistados. Los
impactos más prominentes fueron: vaciamiento de las tradiciones culturales, hábitos alimentarios y lenguaje.
Además, las contribuciones positivas se enumeran en cuanto a la pluralidad de culturas y el compromiso social.
Se concluyó que las micro realidades socioculturales fueron transformadas por el flujo turístico, definiendo el
turismo como la principal actividad económica de la región y reubicando las fuerzas de trabajo. La relevancia y
originalidad de este estudio es la alianza entre Micro Historia y Turismo, casi inexistente en las investigaciones
científicas.
Palabras-Clave: Turismo. Micro Realidades. Micro Historia. Transformaciones socioculturales. São Miguel do
Gostoso.
1 INTRODUÇÃO
A atividade turística tem um amplo
escopo de sentidos e a junção de todos eles
nos permite dizer que o turismo é muito mais
do que simplesmente viagem, entreteni-
mento e lazer, ao contrário, é um largo e
vasto campo de prática de estudo e de refle-
xões, que, de modo híbrido, permeia diversas
áreas de conhecimento, conecta pessoas, lu-
gares e sonhos. Os estudos em Turismo, em
especial, por conta da sua complexidade in-
trínseca, têm recebido grandes contribuições
de outras áreas de conhecimento e como o
fenômeno engloba abordagens diversas (Co-
riolano, 2006), seu estudo se fortalece no
contexto interdisciplinar. “ Tourism is a mul-
tidisciplinary subject which means that a
wide range of other subjects (…) examine it
and bring to it a range of ideas and methods
of studying it” (Page, 2013, p. 7).
Assegura-se, portanto, que a constru-
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ção do conhecimento desse campo de estu-
dos nos remete ao próprio trabalho de cons-
trução de cestas (Morin et al., 2003, p.43).
Vamos entrelaçando círculos, buscando no-
vos traçados, reconhecendo imprecisões,
buscando outras formas e arquiteturas. As
tramas surgem em vários saberes e são cos-
turadas em uma busca pelo “reencanta-
mento do mundo libere mais ainda o pensa-
mento humano” (Wallerstein, 1996, p.110).
No caso específico deste artigo, a
busca pelo reencantamento e pela produção
de saberes complexos se dá pela valorização
das microrrealidades do pequeno município
de São Miguel do Gostoso (RN): opondo-se
aos grandes modelos de existência turística
no Nordeste brasileiro, moradores de dife-
rentes idades organizam-se para impor suas
vontades contra fenômenos de massificação
de paisagens culturais. A resistência é acom-
panhada pela transformação. Muito da ro-
tina desses “nativos” (como gostam de ser
chamados) já foi profundamente alterada pe-
las práticas dos turistas. Como perceber es-
sas permanências, rupturas, resistências e re-
elaborações? Como refletir sobre os impac-
tos turísticos em diferentes escalas sobre um
determinado local? Nossas respostas foram
arquitetadas a partir de discussões teóricas e
metodológicas vindas da Micro-História.
Mas, mais do que respostas vindas do seio
acadêmico, elas foram constituídas no diá-
logo com os moradores locais.
Nesse intuito, o pilar da investigação
foi aliar os estudos em Micro-História com a
realidade do Turismo em uma comunidade
de praia. Ressalta-se ainda a escassez nos úl-
timos cinco anos de pesquisas científicas que
relacionem Turismo e Micro-História, refor-
çando as inúmeras possibilidades de investi-
gação dessas duas áreas.
A proposta deste trabalho é fruto par-
cial de um estudo de doutoramento, que pro-
curou analisar as transformações sociocultu-
rais, econômicas e ambientais num municí-
pio do litoral do Nordeste brasileiro, a partir
das microrrealidades locais. Procurou-se fa-
tiar em lâminas finas o objetivo, explorando
neste artigo especificamente as transforma-
ções de ordem sociocultural mais proemi-
nente do município de São Miguel do Gos-
toso (RN) provindas do fluxo turístico.
Este artigo foi estruturado sob três pi-
lares. Primeiro um esclarecimento sobre a
abordagem micro-histórica e influencias soci-
oculturais no turismo, em seguida a apresen-
tação dos procedimentos metodológicos e
por fim, os resultados das imersões de campo
realizadas entre 2014 e 2016.
1.1 Micro-história: a teoria do autor-retrato
Escrever uma história vista de baixo,
considerar a opinião de pessoas comuns e re-
tomar experiências passadas da massa da po-
pulação (Sharpe, 1992). Esses três critérios
de abordagem nos inspiram a fugir dos rela-
tos “concentrados nos grandes feitos ou
grandes homens” (Burke, 1992, p. 12), para
evidenciarmos a história vista de baixo, onde
a Micro- História se encaixa.
Esse campo de estudo prevê uma ên-
fase nos indivíduos que passam despercebi-
dos pelos grandes relatos. “Não já apenas os
reis, os chefes, os magistrados, mas a gente
do povo, as mulheres, as crianças fazem sua
aparição” (Ginzburg, Castelnuevo & Poni,
1989, p.181). A Micro-História como parte da
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abrangência da história vista de baixo, pre-
tende dar voz e auxiliar no fortalecimento de
identidades, das memórias, dos diários, dos
registros de pessoas comuns.
Como abordagem, a história vista de baixo
preenche comprovadamente duas funções
importantes. A primeira é servir como um
corretivo à história da elite (...) a segunda é
que oferecendo essa abordagem alternativa,
a história vista de baixo abre a possibilidade
de uma síntese mais rica de compreensão his-
tórica, de uma fusão da história de experiên-
cia do cotidiano das pessoas com a temática
dos tipos mais tradicionais de história
(Sharpe, 1992, p. 54).
A história vista de baixo explanada
pelo historiador Jim Sharpe (1992) é uma
proposta de investigação onde a fala dos
“menores” tem força de narrativa histórica e
análise. Esses indivíduos sem cargos, sem in-
sígnias, sem títulos nobres, por vezes negli-
genciados, podem agora ser representados e
ouvidos. A tentativa dessa microanálise é ve-
rificar essas informações retidas nos peque-
nos universos (nas microrrealidades), a preo-
cupação com os excluídos, as minorias, os
não privilegiados e os marginalizados, “cuja
existência é tão frequentemente ignorada”
(Sharpe, 1992, p.41).
Para Barros (2013a, 2013b,) a Micro-
História trata esses indivíduos como “peque-
nos fragmentos privilegiados”, “rejeitando
grandes generalizações” identificando reali-
dades mais substanciais mediante os discur-
sos desses atores. Essa menor partícula exa-
minada (o indivíduo e sua microrrealidade)
consiste em fatias finas e ricas de conteúdo,
embebidas de conhecimentos singulares,
muitas vezes não revelados. Essa gota de
d’agua está repleta de informações, de rea-
lismos, como um baú de significados que
transpassa a casa, invade a rua e traduz mo-
mentos das histórias de um povo.
Portanto, a micro-história não é, necessaria-
mente, a história dos excluídos, dos peque-
nos, dos distantes. Pretende ser a reconstru-
ção de momentos, de situações, de pessoas
que, investigadas com olho analítico, em âm-
bito circunscrito, recuperam um peso e uma
cor; não como exemplos, na falta de explica-
ções melhores, mas como referências dos fa-
tos à complexidade dos contextos nos quais
os homens se movem (Levi, 2009, p. 14).
Segundo o historiador argentino Da-
río Gabriel Barriera, a Micro-História é funda-
mentada em três pontas: redução de escala
de análise, exploração intensiva das fontes e
adoção de um modelo de exposição explica-
tiva (1999). Levi (1992, p.136) “A Micro-
História como uma prática é essencialmente
baseada na escala da observação, em uma
análise microscópica e em um estudo inten-
sivo do material documental”. A partir desse
tripé, esmiuçaremos a Micro-História.
O historiador italiano Carlo Ginzburg
é um dos pioneiros e um dos principais no-
mes no estudo da Micro-História (Lima Filho,
2006). Na sua obra “O queijo e os vermes”
(1976), Ginzburg nos apresenta o questiona-
mento sobre a história quantitativa das
ideias, sobre o silêncio das classes menos
abastadas e seu descarte informacional no
processo de documentação da história. “Inú-
meros são os fios que ligam um indivíduo a
um ambiente” (Ginzburg, 2006, p. 25). A par-
tir da história de Menocchio, um simples mo
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leiro
3
, que o autor explica o contexto religi-
oso, cultural e social de uma época. Nesse
cenário, Menocchio é a gota d’agua, recor-
rendo a metáfora de Barros (2013a, 2013b).
“Mas o discurso de Menocchio, embora par-
tisse do seu caso pessoal, acaba por abarcar
um âmbito mais vasto” (Ginzburg, 2006, p.
41).
Outro ponto relevante na exposição
da pesquisa de Ginzburg (2006), além do tom
indiciário, é a concepção dessa realidade ex-
plícita fora do âmbito da classe dominante.
No sentido de que quem conta a história é
um moleiro herege, e não um sacerdote,
presbítero ou pontífice. Uma pessoa comum,
desprovida de relevância no microcosmo do
estrato social (Ginzburg, 2006). Esse posicio-
namento de resgate de pessoas comuns é no-
tabilizado na segunda metade do século XX,
na opinião do historiador José Costa D’Assun-
ção Barros:
Agora os mais variados sujeitos históricos
merecem ser biografados: não apenas os he-
róis e as grandes individualidades políticas,
mas também os indivíduos anônimos que ja-
mais sairiam dos arquivos empoeirados se de
lá não tivessem arrancado os historiadores
(Barros, 2013b, p.188).
Retomaremos o pensamento basilar
da Micro-História proposto por Barriera
(1999) e Levi (1992): fugindo de grandes flu-
xos para mundos pormenorizados, análise
minuciosa de fatos cotidianos, investigação
aprofundada da realidade escolhida e uma
proposta diferenciada de narrativa.
Para Barriera (1999), enquanto os es
3
Indivíduo que é dono ou trabalha num moinho
tudos macro se organizam por meio de um
marco de referências consciente ou inconsci-
entemente pré-determinados, os estudos
micro sublinham o contrário, a dimensão de
incerteza e de possibilidades. Barriera (1999)
destaca que tanto a análise micro, quanto a
macro são carregadas de significados e graus
de importância: “Pero así como micro no es
desdeñable por pequeño, lo macro tampoco
lo es por sus dimensiones” (ibídem, p. 184).
A opinião do pesquisador argentino
assente, com a exposição de Zuluaga Ramírez
(2006a, 2006b), que a análise macro nos
presta de informações gerais (estatísticas,
médias, índices, níveis de produção, dentre
outras) baseada na grande quantidade de
elementos e generalizações, enquanto a aná-
lise micro se aporta nas interrelações entre
os atores.
A adoção de uma escala microanalí-
tica é a tentativa de entender os fenômenos
que se apresentam além do discurso oficial,
numa pluralidade de mundos sociais e que
outra história é possível a partir de um ponto
de vista particular (Revel, 2011). Segundo o
historiador Jacques Revel, “a focalização de
um objeto não é unicamente aumentar ou di-
minuir seu tamanho no visor, e sim modificar
sua forma e sua trama” (Revel, 2010, p. 438).
Embora se possa pensar que a Micro-História
é fragmentada por tratar partículas menores
de um caso, ela pode se tornar muito mais
profunda do que levantamentos, censos e
grandes amostras, que se revelam boas em
quantidade, mas rasteiras em profundidade.
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La premisa de la microhistoria es que limi-
tando el campo de observación es que emer-
gen dados más numerosos y refinados; que
constituyen configuraciones inéditas ha-
ciendo aparecer una cartografía de lo social
mucho más novedosa (Man, 2013, p. 169).
De acordo com o historiador Matti Ta-
pani Peltonen (1999) os micro-historiadores
investigam coisas de grande amplitude em
seus microscópios e com suas lentes excepci-
onais. O foco dessa vertente da história é a
focalização em áreas pequenas, em fragmen-
tos da história (Peltonen, 1999).
A análise micro-histórica é, portanto, bi-
fronte. Por um lado, movendo-se numa es-
cala reduzida, permite em muitos casos uma
reconstituição do vivido, impensável noutros
tipos de historiografia. Por outro lado, pro-
põe-se indagar as estruturas visíveis dentro
das quais aquele vivido se articula (Ginzburg,
Castelnuevo & Poni, 1989, p. 178).
Zuluaga Ramírez (2006a, 2006b) sali-
enta que a Micro-História é utilizada como
instrumento para compreender as mentali-
dades e a “pretensão de construir universos
a partir de fragmentos da realidade, de indi-
víduos ou unidades únicas” (ibidem, p. 9).
Enquanto que, para a historiadora Eva Pasek
de Pinto (2006, p. 97), “La microhistoria se
caracteriza, principalmente, por ser un
tiempo largo en un espacio corto, estudiados
en profundidad”. uma preocupação dos
historiadores citados em escutar em profun-
didade os indivíduos que escapam dos regis-
tros oficiais e se escondem nas coxias.
1.2 Micro-história, turismo e as transfor-
mações socioculturais
Três pontos merecem destaque na
nossa abordagem: a literatura científica que
trata dos impactos socioculturais do turismo
é bastante ampla (Marrero Rodríguez, 2006),
o interesse na relação entre populações lo-
cais e turismo é bastante antigo e difundido
(Marrero Rodríguez, 2006; Ramón Cardona,
2015) e as associações entre turismo e cul-
tura são frequentes, visto que “El turismo
como fenómeno multidisciplinar implica
efectos de carácter sociocultural tanto en los
turistas como en la vida diaria de los residen-
tes locales de los destinos” (Monterrubio-
Cordero, Mendoza Ontiveros & Huitrón
Tecotl, 2013, p.44). Apesar disto, associar es-
tes aspectos à Micro-História é algo excepci-
onalmente novo.
Preço da terra, aglomeração de pes-
soas, aculturação, mercantilização da cul-
tura, são algumas das transformações cultu-
rais desfavoráveis provindas do turismo des-
tacadas por Camargo Velandia (2016) e Mon-
terrubio-Cordero et al (2013). Quanto aos as-
pectos favoráveis do turismo nas localidades,
destacamos a permanência dos cidadãos em
suas localidades, evitando a migração, inter-
câmbio e enriquecimento cultural com os vi-
sitantes (Camargo Velandia, 2016), além de
mudanças decorrentes da fala, das formas de
vestir e alimentar-se. O turismo relaciona-se
com muitos elementos socioculturais na so-
ciedade contemporânea (Urry, 2001).
As cidades, comunidades, vilas, “ilhas
de história”, têm vivido essas novas configu-
rações. Nas paisagens, nas comunicações,
nas relações, nas formas de lidar com o pas-
sado, com o presente e com o futuro. Esses
efeitos não são exclusivos do Turismo, mas
de uma ressonância própria da complexidade
do ser humano. “Cultura não é propriedade
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de ninguém, nem de grupo algum (...) mas é
um processo estratificado de embates” (Yú-
dice, 2004, p. 126).
As alterações causadas pelas reverbe-
rações do sistema sociocultural são vistas na
capacidade de reorganização e readaptação
das cidades aos novos costumes, comum à
atividade turística. Para Stuart Hall (2005), o
encurtamento dessa dimensão espaço e
tempo, provocados pela própria aceleração
dos deslocamentos globais, favoreceu esse
impacto mais imediato sobre pessoas e luga-
res. Os lugares não têm mais o poder de invi-
sibilidade, da reclusão e/ou intocabilidade.
Ao mesmo tempo, suas paisagens caracterís-
ticas, seu senso de lugar, de casa ou de lar se
perdem no torvelinho das visitações, na che-
gada de grandes organizações e no afrouxa-
mento das identificações numa “Fragmenta-
ção de códigos culturais, aquela multiplici-
dade de estilos, aquela ênfase no efêmero,
no flutuante, no impermanente” (Hall, 2005,
p.73/74), próprias de uma tipologia de tu-
rismo.
A metáfora que Justo Serna e Anaclet
Pons (2002) fazem sobre o oceano explicita
coerentemente nossa intencionalidade neste
caso. Possuímos dois oceanos, um represen-
tado pelo Turismo e outro representado pe-
las questões socioculturais. Mesmo que to-
dos estudem o mesmo oceano, ora partes
maiores, ora partes menores, todos se de-
bruçam sobre a mesma realidade. A dife-
rença se dá, pois, no aparato teórico, na es-
cala de investigação, na definição de parâme-
tros, na temporalidade, na sensibilidade do
entendimento e “ninguna de ellas agota la
complejidad de lo real” (Serna & Pons, 2002,
p. 119).
Embora optemos por aprofundar em
frações, limalhas, centelhas da realidade lo-
cal, “reducir las medidas de la red no significa
investigar con menor número de informacio-
nes, significa que todas ellas hagan referen-
cia a un mismo objeto” (Serna & Pons, 2002,
p.118).
2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Retornando ao que Revel (2010) evi-
dencia, nossa escala de observação é o ho-
mem, o ator social, sua representatividade
no grupo, marcadores individuais para en-
tender a realidade mais ampla. No caso da
nossa pesquisa, as novas configurações e
constituições provindas de uma atividade tu-
rística nesse cotidiano local. Trataremos com
pessoas comuns, com suas pequenas realida-
des por vezes pormenorizadas pela história,
mas que reproduzem um mundo peculiar re-
pleto de memórias, vivências e experiências.
O presente estudo orientou-se por
parâmetros qualitativos, inserindo o pesqui-
sador na comunidade (em ambiente natural),
por meio de interações face a face, observa-
ção de comportamentos, realização de entre-
vistas, exames de documentos, complemen-
tadas por múltiplas fontes de dados
(Creswell, 2010; Silverman, 2009). Quanto
aos procedimentos de coleta de dados, utili-
zou-se a observação participante, entrevistas
semiestruturadas, documentos e materiais
audiovisuais (fotografias e vídeos).
Como o município tem cerca de nove
mil habitantes e 26 distritos, o recorte foi re-
alizado no Distrito Sede, por três motivos:
primeiro porque é onde a atividade turística
se faz presente, tanto pelos atrativos naturais
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quanto pelos equipamentos instalados para
os visitantes. Segundo porque é no Distrito
Sede que estão concentradas todas as secre-
tarias municipais e a prefeitura. Por último,
por ser o distrito com maior número de habi-
tantes e que aglutina as associações, os comi-
tês e as ONGs.
Durante dois anos foram pesquisados
52 atores divididos em quatro grupos (repre-
sentantes da esfera governamental, empre-
endedores turísticos, representantes de as-
sociações, comitês e ONGs e por último,
membros da população que sua história pes-
soal confunde-se com a própria história da ci-
dade). Neste artigo, o recorte é equivalente a
17 atores do quarto grupo, que tiveram al-
guma representatividade na história da ci-
dade, não assumiam nenhum cargo oficial e
vivenciaram as mudanças decorrentes entre
1993 e 2016. Os entrevistados foram catego-
rizados através de números, que represen-
tam a ordem sequencial de entrevistas. Os 17
depoentes deste grupo foram entrevistados
em dias e ordem alternados, por isso a nume-
ração não sequencial da relação dos depoi-
mentos. Determinou-se não especificar nos
resultados informações quanto ao gênero,
idade ou tempo de residência, para evitar
qualquer tipo de identificação dos respon-
dentes.
O quarto grupo de entrevistados foi
escolhido por meio de uma amostragem não
probabilística tipo bola de neve, inspirado no
que propõe Malhotra (2012). Esse grupo
abrangeu cidadãos locais que acompanha-
ram o processo de emancipação e/ou viven-
ciaram a transformação da cidade pelo tu-
rismo nos últimos anos. Pescadores, artesãs,
donas de casa, pequenos comerciantes, em-
presários locais, professores, aposentados,
dentre outros, formaram esse grupo, que
corresponde a 32,69% do total de entrevista-
dos.
Trabalhou-se com entrevistas semies-
truturadas, assistemática, antropológica ou
livre (Marconi & Lakatos, 2011). De fato, este
tipo de entrevista ao sujeito espaço para
que aflorem com mais liberdade às impres-
sões, avaliações, concepções, imagens que
cada um dos temas propostos evoca, que um
instrumento mais “rígido”, não permitiria.
Todas as entrevistas foram gravadas
em áudio, com duração em média de 50 mi-
nutos cada, e todas com uso de formulário de
consentimento informal (Creswell, 2010). As
transcrições dos áudios duraram cerca de
dois meses para cada grupo de entrevistados.
Neste processo o discurso dos entrevistados
foi agrupado em seis grandes áreas pelo pes-
quisador, sendo elas: transformações econô-
micas, ambientais, socioculturais, memória e
história, turismo e cenário futuro e questões
de emancipação e politica. O enfoque deste
recorte era o cruzamento do quarto grupo de
entrevistados com as transformações de or-
dem sociocultural.
A tomada de notas do trabalho de
campo adotou uma orientação proposta por
Yin (2016), quanto à organização, formata-
ção, transcrição, linguagem e esboço. Esta
abordagem possibilitou a comparação de
fontes de evidências e “versões conflitantes
ou complementares dos mesmos aconteci-
mentos da vida real” (Yin, 2016. p.151). Sali-
entamos que a dissecação das informações
fruto dos levantamentos do campo obede-
ceu a orientação de Yin (2016) presente no
ciclo de cinco fases de análise de dados qua-
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Matias, E. M. ; Carvalho, A. V.
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do Norte, Brasil
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litativos: compilar, decompor, recompor, in-
terpretar e concluir.
O local e o horário das entrevistas
eram geralmente escolhidos pelo pesquisa-
dor ou de comum acordo. Inspirado no que
propõe Flick (2009), as questões elaboradas
contemplavam três aspectos: perguntas mais
abertas, livres, sobre a vivência do entrevis-
tado na localidade, perguntas direcionadas
para os objetivos e hipóteses do trabalho e,
por fim, questões mais confrontativas sobre
a relação turismo e microrrealidades na co-
munidade. Dentro do roteiro pré-estabele-
cido, limitou-se ao número de quinze ques-
tões (ou tópicos) para cada entrevistado, re-
forçando o modelo de entrevista despadroni-
zada modalidade focal.
Conjuntamente às entrevistas, fez-se
pertinente a observação direta in loco do par-
ticipante (Marconi & Lakatos, 2010; Malho-
tra, 2012). Importante ressaltar que as obser-
vações diretas in loco aconteceram em seis
períodos de imersão na localidade. Uma das
razões da escolha da abordagem micro-histó-
rica na análise do discurso dos entrevistados
foi a tentativa de fazer emergir os “silêncios
reveladores”, como explica Barros (2013b):
Uma vez que a micro-história trabalha muito
com as contradições dos atores sociais a se-
rem investigados, com os discursos subjeti-
vos, falseados, dialógicos trazer estas sub-
jetividades, estes falseamentos, este dialo-
gismo para a superfície do texto final (Barros,
2013b, p. 167).
A pesquisa qualitativa requer desde o
seu planejamento, critérios de escolha e ex-
clusão. Assim como afirma Yin (2016, p.212)
“A brevidade dos materiais citados também
corresponde com os métodos de trabalho de
campo do autor”. A seleção de trechos dos
entrevistados intercalando e cruzando com a
abordagem teórica sobre o tema expressas
nesta pesquisa, foi uma decisão autoral. Mais
uma vez a abordagem de Yin (2016) inspirou
o formato da apresentação dos resultados “a
combinação da própria narrativa do autor in-
tercalada com as passagens citadas produz
um estilo de apresentação fácil e atrativo”
(Yin, 2016, p.212).
3 MICRORREALIDADES SOCIOCULTURAIS
EM TRANSFORMAÇÃO
O povoado de “Gostoso” foi fundado
em 29 de setembro de 1884, e um dos pri-
meiros moradores do lugar, Miguel Félix
Martins, construiu ali um templo em home-
nagem ao padroeiro da vila após sobreviver a
um naufrágio. A igreja foi inaugurada em 29
de setembro de 1899 (Tabosa, 2000; Aragão,
2001). O distrito foi desmembrado da cidade
de Touros (RN) em 1993 e segundo dados do
IBGE (2010) a população da cidade é de 8.670
pessoas.
O município de São Miguel do Gos-
toso localiza-se na mesorregião leste poti-
guar, microrregião do litoral nordeste, no
Polo Costa das Dunas e distante 100 km da
capital do Estado (Natal). De acordo com a Fi-
gura 1, o município tem como limites, ao
Norte, o Oceano Atlântico, ao Leste e Sul, o
município de Touros e a Oeste, o município
de Pedra Grande e Parazinho (Miller, 2014).
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Figura 1 - Mapa do Estado do Rio Grande do Norte com destaque para o Município de São Miguel do Gostoso
Fonte: Adaptado pelo autor a partir dos dados do IBGE (2016)
Não se sabe ao certo o que demarcou
o início do fluxo turístico em São Miguel do
Gostoso, mas dois marcos temporais são im-
portantes para entender esse movimento. O
primeiro, a criação da Pousada do Gostoso
(1985) pelo navegador potiguar Leonardo
Godoy. A pousada localizada na Ponta do
Santo Cristo foi o primeiro meio de hospeda-
gem da localidade (Neri, 2013; Pesquisa Di-
reta, 2016).
Outra dimensão temporal foi o surgi-
mento da primeira escola de kite surf
4
pelas
mãos de um italiano chamado Paolo Miglio-
rini, em 2007. Os ventos propícios, a disposi-
4
Esporte náutico praticado com uma vela e uma
prancha. Do inglês “kite”, pipa, vela ou papagaio.
ção geográfica natural e a facilidade de
acesso protagonizaram um turismo que asso-
cia esporte e um tipo de embarcação.
Assim como em outros municípios do
litoral nordestino, São Miguel do Gostoso ti-
nha na pesca e na agricultura umas de suas
principais fontes de renda. Segundo Miller
(2014), a localidade tem sua economia cen-
trada em três pilares: “a base da economia se
concentra nas seguintes atividades: agrope-
cuária (sendo a farinha de mandioca o seu
principal produto), pesqueira e o turismo”
(Miller, 2014, p. 109). A atividade de pesca
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artesanal
5
, artesanato de labirinto
6
e agricul-
tura de subsistência foram no decorrer do
tempo perdendo espaço para outras ativida-
des econômicas mais atrativas.
A primeira ruptura do isolamento foi
a chegada da energia elétrica, sequencial-
mente pela asfaltagem da RN 221
7
, que faci-
litou o acesso ao distrito. E, num terceiro mo-
mento, o turismo. Embora a estrada entre
São Miguel do Gostoso e Touros existisse nos
anos 1990, o trecho de piçarro e areia tor-
nava a deslocamento demorado e difícil. Os
moradores costumavam fazer o trajeto pela
praia, inclusive as labirinteiras, para vender
seus produtos em lugarejos vizinhos. En-
quanto o distrito permaneceu isolado, suas
características de vila de praia se mantiveram
intocadas. Para o entrevistado 12, “Aqui era
só pé de mato, cajueiro e guabiraba
8
(...) era
tudo cheio de mato”. Para outro morador,
“Todas as noites era comum as pessoas fica-
rem nas calçadas, nas ruas, até de madru-
gada” (Depoimento 14). O esquecido distrito
do final dos 1970 foi assim descrito:
São Miguel do Gostoso era uma vila de pes-
cadores com três núcleos de casas. Uma
abrangendo a área da Pousada Mar de Estre-
las, um segundo núcleo nas proximidades da
Rua dos Dourados, onde está encravada a
Igreja Católica formado com oito ou dez casas
e outro formado pelo pessoal do Cícero Mar-
tins (Depoimento 23).
Os ofícios do então distrito de São Mi-
guel do Gostoso eram a agricultura de subsis-
5
Pesca utilizada com utilização de instrumentos
artesanais, confeccionados pelos próprios
pescadores, desde a feitura de redes como
embarcações.
6
Esse tipo de artesanato é chamado de labirinto
devido ao tipo de bordado realizado no tecido.
tência, a pesca artesanal e o artesanato de la-
birinto. Este último, exclusivamente das mu-
lheres. Basicamente, “Se vivia da agricultura
e da pesca (...) e era um vilarejo com poucas
ruas e ruas estreitas” (Depoimento 25). Esse
legado era repassado aos filhos, que repro-
duziam as atividades dos pais: “Meus filhos
tudo aprenderam a pescar, os homens” (De-
poimento 4). A pesca era para os homens, e
o artesanato, para as mulheres. A chegada do
turismo, aliado a outras questões sociocultu-
rais e econômicas, foi esfacelando esses ofí-
cios, já que os trabalhos originais (como cos-
tura, pesca, plantio) perderam espaço para
os serviços turísticos nas pousadas e nos res-
taurantes. “A cultura da pesca vai ficando
para os mais velhos e não passando para as
gerações futuras” (Depoimento 29). A pesca
perdeu o espaço para o turismo devido a vá-
rios fatores: por ser um trabalho arriscado,
pesado e com pouco retorno. “Os jovens não
pescam mais (...) os jovens de hoje podem es-
tudar, o que não tinha 15 anos” (Depoi-
mento 28).
O pescado aparece como um pro-
duto essencial tanto para a alimentação dos
gostosenses, quanto para suprir os equipa-
mentos de alimentação e hospedagem, em-
bora haja reclamação, tanto dos moradores
quanto dos donos de empreendimentos, re-
ferente ao valor alto do quilo do produto.
A transformação da pesca não é algo
isolado, é macro, não acontece apenas em
São Miguel do Gostoso, é um processo de
Consequentemente as artesãs que fazem os
labirintos são chamadas de labirinteiras.
7
Rodovia que liga São Miguel do Gostoso até a BR 101.
O asfaltamento ocorreu na década de 2000.
8
Fruto comestível de um tipo de planta que era
comum na região.
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descontinuidade da atividade, além da subs-
tituição da pesca artesanal pela pesca indus-
trial. O investimento nas embarcações, nas
técnicas, no manuseio e aprendizagem da
pesca, requer muito tempo. Ainda é possível
ver em “Gostoso” artesãos construindo bar-
cos de pesca, consertando redes de arrasto e
vendendo seus peixes na feira local. Mas até
quando?
Quanto ao oficio das mulheres, há
notadamente, uma desarticulação dos gru-
pos de labirinteiras, visto que elas ainda não
têm um espaço próprio para comercializar
seus produtos, que, muitas vezes, são vendi-
dos na porta de suas residências, sem precifi-
cação definida. Devido a isso, muitas labirin-
teiras vendem seus bordados (labirintos)
com preços abaixo do valor comercial e labo-
ral, desqualificando seus trabalhos manuais.
O labirinto artesanal é um produto de difícil
confecção, e o labor das artesãs nem sempre
é compensado na hora da sua venda.
No Distrito Sede, ainda se encontram
labirinteiras, que fazem sua atividade ora ao
ar livre, ora nas suas residências. É notória,
entre os entrevistados, a descontinuidade do
labirinto, atividade ainda resistente entre as
senhoras mais velhas. “Não tem mais ne-
nhuma novinha fazendo labirinto” (Depoi-
mento 5). O turismo aqui se mostra com uma
dupla faceta. Ele corroborou com o afasta-
mento das jovens do artesanato e, ao mesmo
tempo, criou mercado para as peças elabora-
das pelas labirinteiras. Uma artesã assim
enunciou seu receio: Eu tenho pena, mas
enquanto eu tiver juízo vou tá trabalhando”
(Depoimento 12).
Não se pode culpar solitariamente o
turismo pelo desaparecimento do labirinto. É
evidente que o encantamento do turismo ar-
rebatou muitas jovens, mas as mudanças
provindas do acesso à tecnologia e à informa-
ção, aos deslocamentos mais curtos e rápi-
dos, e as facilidades de estudos e alterações
comportamentais geraram um desinteresse
por atividades pouco lucrativas e que exigiam
um grande esforço físico.
Como se pode perceber no seguinte
depoimento:
O labirinto é um artesanato muito traba-
lhoso, muito trabalhoso (...) a mulher para
poder fazer é um processo, desde a compra
do tecido, da linha, o tecido é caro, a linha é
cara, primeiro vai desenhar, leva muito
tempo desfiando (...) a mulher leva oito horas
de trabalho para fazer uma toalhinha de mão
numa barrinha de 10cm (...) é muito traba-
lhoso e pouco rentável (Depoimento 17).
Apesar dos aspectos culturais intrín-
secos na atividade do labirinto, ele também
se amoldou a uma demanda turística. Nos
dias de hoje, muitas peças são feitas sob en-
comenda, de modo que os próprios consumi-
dores determinam e/ou escolhem os mode-
los, desenhos e tamanhos. “São os bolsos
que escolhem os desenhos” (Depoimento
37). A tendência desse ajuste do fazer ao
gosto dos visitantes, nos indícios de uma
periculosidade da atividade se render ao in-
dustrianato. Quando as atividades originais
se moldam ao turista, a tradição e a originali-
dade perdem sua força, descaracterizando o
trabalho laboral. É a tentativa de ajuste aos
mercados (inclusive estrangeiros) que deter-
minam como deve ser o produto que agrada
ao público. uma resistência em produzir
peças grandes, como toalhas de mesa ou len-
çóis para a cama, tanto pelo desgaste,
quanto pelo tempo de realização.
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As labirinteiras preferem confeccio-
nar peças menores porque são mais aceitas
para compra, e o tempo para elaborar, mais
curto (conforme figura 2). Dependendo da
peça, a artesã pode levar meses: “O labirinto
é um trabalho muito demorado” (Depoimen-
to 6). Os entrevistados percebem o valor tra-
dicional do artesanato e seu risco de esvaeci-
mento, o que pode ser representado na se-
guinte afirmação: “Não tem mais nenhuma
novinha fazendo labirinto” (Depoimento 5).
Figura 2 - Pano bordado com artesanato de Labirinto
Fonte: pesquisa de campo (2016)
Uma das questões da entrevista ver-
sava sobre o futuro do artesanato de labi-
rinto e da pesca no município. Quase a tota-
lidade dos entrevistados referiu-se à pesca
como uma atividade em declínio, assim como
o artesanato. “A nossa pesca está no mo-
mento de decadência” (Depoimento 36). As
referências da pesca artesanal no passado
enaltecem principalmente a lagosta. Um pes-
cador assim define a baixa produtividade da
pesca: “Alguns peixes se mudou-se (...) mas
dá pra viver de pesca ainda” (Depoimento 4).
Um morador da cidade assim define o que
aconteceu: “Antigamente só tinha a profis-
são de agricultor e pescador... hoje tem ca-
mareira, garçom...” (Depoimento 8).
A migração da pesca e do labirinto
para o turismo e para a energia eólica é visí-
vel no seguinte depoimento:
O pescador põe uma roupa e vai trabalhar na
eólica, geralmente com máquinas pesadas e
não volta pra pesca (...) da mesma forma
acontece com a senhora que era labirinteira.
Não consegue auferir renda para se manter,
então vai ser camareira numa pousada ou co-
zinheira (...) o rapaz que trabalha na agricul-
tura vai ser garçom (...)isso tira as pessoas do
trabalho artesanal e elas não retornam, uma
vez especializados naquela atividade, não
querem mais voltar (Depoimento 22)
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O futuro do labirinto artesanal ainda
é uma incógnita. Ao mesmo tempo em que
sua fabricação manual no Distrito do Reduto
produza um bem cultural e turístico, a ma-
neira de realizá-lo está em processo de dete-
rioração devido à falta de artesãs. A pesca
transita pelo mesmo percurso, minguada em
relação aos anos anteriores, quando já se
configurou como principal atividade econô-
mica da cidade. A esperança aparece em
poucos discursos: “A pesca não vai acabar,
tem muito peixe e é tradicional” (Depoi-
mento 33).
A tendência é que o repasse da téc-
nica e do aprendizado na feitura dos barcos
se perca com o passar do tempo. Quando
uma atividade se extingue, com ela também
se esvai a tradição. Os meninos nas jangadas,
as meninas nos teares, os pais na agricultura,
tudo foi se transformando para não mais vol-
tar. “A cidade era uma vila de pescadores ori-
ginalmente, a gente chegava e via muitos
barcos no mar (...) com o desenvolvimento
essa principal fonte foi sendo esquecida,
acho que uma das mudanças mais significan-
tes para a história da cidade” (Depoimento
29).
O turismo se posiciona como uma ati-
vidade de maior interesse pelos jovens, pelas
possibilidades de crescimento pessoal, troca
cultural e interações com estrangeiros que
proporciona. Segundo um dos depoimentos,
o incentivo à atividade do labirinto poderia
retardar seu desparecimento: “O labirinto foi
mais do que a pesca (...) hoje se você procu-
rar aqui dentro da cidade, não sei se você en-
contra dez (...) eu acredito se tivesse apoio
para essas mulheres, associações que vies-
sem resgatar (...) porque é muito interessan-
te” (Depoimento 1).
Há gradativamente a diminuição de
barcos no mar, um afastamento dos jovens
da pesca, um adormecimento das raízes, um
arrefecimento da atividade frente ao turismo
que se impõe:
O crescimento da especulação imobiliária, a
fixação de estrangeiros que chegam à comu-
nidade e o turismo parecem ter definido um
novo status para os pescadores, colocando-
os numa condição não mais tão privilegiada
no seio da família e da comunidade como um
todo (Miller, 2014, p. 116).
A opinião de Miller (2014) compactua
com a observação de Grendi (2009, p. 46) de
que existem “tecidos de relações interpesso-
ais inseridos em contextos sociais mais am-
plos”, reforçado por um dos depoimentos a
seguir, onde se esclarece que as transforma-
ções são de maior magnitude, provindas de
fluxos externos.
É difícil falar o que mudou por causa do tu-
rismo e o que mudou por causa do natural de-
senvolvimento social e tecnológico. Porque
eu acho que a tecnologia teve impacto muito
mais importante que o turismo (...) tecnolo-
gia como telefone e internet (...) não é o tu-
rismo que mudou isso, é uma explosão de
tecnologia que tem um impacto social incrível
(Depoimento 2)
Um outro aspecto observado é a mu-
tação da cidade aos estrangeirismos para
acomodar-se ao fluxo contínuo de visitantes
estrangeiros, soprado de todas as direções. É
visível o número de estabelecimentos (prin-
cipalmente de alimentação e hospedagem)
que se utiliza de palavras em outras línguas,
fruto do processo híbrido do turismo perce-
bidos na linguagem.
Todas as transformações, adequa-
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ções, atualizações da língua são frutos de um
processo globalizante (García Canclini, 2008).
Tanto para o entrevistado 23 quanto para o
entrevistado 24, “O Nordeste é muito maleá-
vel na aquisição de hábitos importados” e “O
Nordeste é maleável quanto aos hábitos es-
trangeiros”. Para alguns atores consultados,
a incorporação de comportamentos estran-
geiros ao cotidiano dos jovens, lhes dá certa
diferenciação e status em relação aos de-
mais. “Mudou a maneira de vestir das meni-
nas, mudou a maneira dos rapazes cortar o
cabelo. As pessoas perderam o medo de se
vestir, pintaram o cabelo, agora é moda” (De-
poimento 3).
As mudanças em São Miguel do Gos-
toso vão desde o linguajar às vestimentas,
aos hábitos alimentares, à forma de se ex-
pressar. Essa tentativa de homogeneização
cultural na comunicação é destacada por Hall
(2005) e pelos depoimentos a seguir:
Abriu um leque para as outras línguas, eles
estão ouvindo outras línguas... alemão, in-
glês, francês, italiano... muito italiano. Isso é
uma grande coisa, uma abertura para o
mundo das pessoas daqui... coisa que não ti-
nha. Ideias novas, diferentes, às vezes um
pouco chocante (Depoimento 28).
A gente recebe muito estrangeiro (...) algu-
mas pessoas se envolvem muito ali e as pes-
soas daqui a pouco estão falando outras lín-
guas, outros costumes, outrasrias... acho
que eles estão perdendo um pouco da identi-
dade (Depoimento 14).
Nem sempre essa relação de visitante
e visitado é harmônica: “Às vezes quem vem
de fora quer impor o seu jeito, a sua maneira
de ser na cidade e na cultura do povo, sem
levar em consideração o que os nativos têm”
(Depoimento 24). Ou ainda: “Um pouco da
cultura local vai sendo esquecida porque o jo-
vem vai focar no novo” (Depoimento 29).
Tendenciosamente, os mais jovens se sen-
tem mais atraídos por hábitos diferentes dos
seus pais, e os comportamentos dos estran-
geiros vão sendo incorporados no dia-a-dia.
Essa apropriação declarada e consentida tem
favorecido e legitimado esse processo de hi-
bridismo, de renovação e esgotamento, de
renascimento e esquecimento, sempre ver-
sátil, volúvel e contínuo.
Perceptivelmente, os fluxos turísti-
cos, migrações e desterritorializações vão ali-
nhavando outros tecidos sociais, reconfigu-
rando a paisagem, o social e urbano, o cultu-
ral. “Quando a circulação cada vez mais livre
e frequente de pessoas, capitais e mensagens
nos relaciona cotidianamente com muitas
culturas, nossa identidade já não pode ser
definida pela associação exclusiva a uma co-
munidade nacional” (García Canclini, 2008,
p.131). Essas interferências e novas composi-
ções que o turismo exerce aparecem no se-
guinte depoimento:
Por uma razão ou outra, o turismo deu uma
característica própria à São Miguel do Gos-
toso e por isso que eu acho que não consiga
separar turismo de São Miguel do Gostoso,
eles estão intrinsicamente alinhados(...) (De-
poimento 22).
A rapidez desses processos híbridos
vem formando mosaicos de difícil definição e
legitimação homogênea. Essa recombinação
e transformação de elementos de uma socie-
dade por outra vai além de simples diferen-
ças culturais. É mais do que isso, é uma re-
configuração de formato. Portanto, segundo
o autor argentino, “nossa identidade já não
pode ser definida pela associação exclusiva a
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uma comunidade nacional” (García Canclini,
2008, p. 131). Para um dos entrevistados, a
troca cultural é algo positivo porque: “A
gente começa a aprender novas formas de vi-
ver” (Depoimento 17), ou ainda: “ Eu não
acredito na aculturação, eu acredito na
troca” (Depoimento 31).
A São Miguel do Gostoso de outrora e
os primeiros turistas não existem mais. “An-
tes você conhecia os turistas, conhecia pelo
nome (...) hoje em dia não tem como identi-
ficar quem são” (Depoimento 34). De acordo
com os levantamentos de campo (2014-
2016), os primeiros turistas eram desbrava-
dores, que chegavam à São Miguel do Gos-
toso pela praia ou depois de enfrentar uma
longa caminhada (já que não havia estradas),
que buscavam refúgio, isolamento e tranqui-
lidade. Não eram os praticantes de esportes
náuticos da atualidade (até porque essa ati-
vidade surgiu nos anos 2000), mas outro
tipo de turista como informa o depoente 34.
As mudanças culturais também se re-
velam na alimentação. A criação de uma
feira municipal foi uma ideia da moradora
Isabel Neri (Dona Bebé), apoiada por Leo-
nardo Godoy.
Isabel acompanhou de perto todo o cresci-
mento da cidade. E foi responsável por movi-
mentos como a criação da feira livre local,
que se realiza todas as segundas-feiras, e é
bastante concorrida. Fazia reuniões, conver-
sava com comerciantes e ouvia respostas não
incentivadoras (...) (Neri, 2013, p. 58/59).
Nos depoimentos capturados pelas
entrevistas, a feira ganhou novos produtos,
dinamizou-se e foi adequando-se a novas de-
mandas. Para os depoentes, a oferta de ali-
mentos, os tipos de produtos e a gastrono-
mia mudaram na cidade no decorrer dos
anos. Os gostosenses alteraram seus hábitos
alimentares também. Em certo aspecto, per-
cebe-se, na feira, uma proliferação de folha-
gens, leguminosas e hortaliças que antes do
boom turístico não eram comuns. Para a de-
poente 19 “Antigamente se usava muito sal e
gordura, comida com muito sal, não tinha
energia elétrica, não tinha geladeira (...)
carne seca, peixe... hoje em dia já muda”.
Nos bares e restaurantes, também
são comuns produtos mais sofisticados
(como vinhos, cogumelos e temperos).
A feira mostra a transformação do consumo
(...) agora você vê muito mais verde, antes era
um tom pardo (...) agora são hortaliças, ervas,
temperos, folhas, enfim, que isso é reflexo de
novos consumidores ligados aos restaurantes
e pousadas (Depoimento 27).
Para alguns entrevistados, a demanda
dos turistas forçou a produção local de rú-
cula, rabanete, salsinha, que não faziam
parte do dia a dia da comunidade, reforçando
a transformação destas microrrealidades.
Para o entrevistado 14 “a gente vai cres-
cendo e vai exigindo alguma coisa” ou ainda
“a coisa tem que evoluir, não pode ficar re-
troativo no tempo” (Depoimento 11).
Por um lado, há uma oferta generali-
zada de produtos e serviços, que não ocorre
nos distritos rurais vizinhos e um discreto es-
quecimento de raízes locais na gastronomia.
O pescado nas praias faz parte dos cardápios
das pousadas e restaurantes, mas outros ali-
mentos simbólicos da região (como milho e
mandioca) perderam seu status perante o
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wrap
9
, crepes e sanduíches. Segundo o de-
poimento 32, a modificação dos cardápios
atendeu a uma globalização dos visitantes,
mais interessados em outro tipo de alimenta-
ção. Mais uma vez, o local em detrimento do
global. “De certa forma, a produção e a
oferta de alimentos foram sendo moldadas
para atender hábitos dos forasteiros e devido
à irrigação” (Depoimento 8). Em contrapar-
tida, alguns habitantes e proprietários de
pousadas enaltecem as frutas e a produção
local, transformando-as em doces, geleias e
sucos. Como afirma o depoimento 29, “Co-
meçaram a vir coisas que a cidade não conhe-
cia, desde arroz arbóreo a molho de tomate
de outras marcas”.
Essa transformação dos hábitos ali-
mentares, do comércio e da linguagem é va-
lorizada por alguns entrevistados como nos
depoimentos a seguir:
A gente começa a aprender novas formas de
viver (...) O turismo veio, mas veio agregado
a uma série de valores. Eu acho isso muito
bom. Nós aprendemos com eles e eles com a
gente. O turismo fixou as pessoas aqui (...)
esse multicultural é muito importante. Por-
que a criança já cresce sabendo que existem
várias formas de linguagem. As coisas que
elas poderiam aprender mais à frente, elas
aprendem no dia-a-dia. O que trouxe isso pra
cá? O turismo! (Depoimento 18).
Um outro ponto positivo do turismo, que eu
acredito, com o público seleto e com costu-
mes diferenciados da comunidade, pessoas
que consomem comidas diferentes e que a
gente não costuma ver por aqui. Isso fez com
que o comércio se diversificasse, oferecesse
mais opções de comida e bebida e produtos
em geral. Nosso povo hoje tem acesso a no-
vos produtos que se não tivéssemos o tu-
rismo, estaríamos fadados a continuar no
9
Do inglês “wrap”, envolver, embrulhar ou cobrir. É um
tipo de sanduíche sírio-libanês.
mesmo costume. O turismo trouxe essa ca-
racterística para nossa comunidade (...) mui-
tas coisas que você encontra aqui, como cer-
vejas importadas ou alguma iguaria (...) algo
que não tinha antes, que os turistas quando
vem pra procuram e o mercado se adaptou
(Depoimento 26).
Ao expressarem as mudanças na gas-
tronomia local e na oferta de produtos dife-
renciados dos distritos ou cidades vizinhas,
os entrevistados destacam essa singulariza-
ção com orgulho. Todos que citaram a oferta
da feira municipal local, os cardápios dos res-
taurantes e a variedade de itens dos merca-
dos, exaltaram como algo positivo para uma
localidade pequena. Em São Miguel do Gos-
toso é possível até encontrar um empório de
vinhos, que pertence a um morador nascido
na cidade. A transformação dos hábitos ali-
mentares foi proporcionada pelas mudanças
provenientes do turismo, com a chegada de
novas culturas e aproximação com os visitan-
tes. O fato de muitos turistas terem fixado re-
sidência no município, é um fator que tam-
bém deve ser levado em consideração.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir da interpretação das micror-
realidades locais, esmiuçaram-se as transfor-
mações socioculturais mais proeminentes no
cotidiano de São Miguel do Gostoso. Mudan-
ças relativas ao trabalho, à linguagem, ali-
mentação e vestimentas, foram perceptíveis
após a chegada da atividade turística.
Constatou-se que as transformações
do trabalho, ora centrado na pesca, agricul-
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Microrrealidades socioculturais transformadas pelo turismo em São Miguel do Gostoso, Rio
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Rev. Bras. Pesq. Tur. São Paulo, 11(3), pp. 537-557, set./dez. 2017.
tura e no artesanato, migraram para os servi-
ços turísticos. Essa migração ocorreu mais in-
tensamente nos anos 2000, com o impulsio-
namento do kite surf. O turismo foi um estí-
mulo modificador, visto que o labor do pas-
sado não exerce atratividade, novas perspec-
tivas e estabilidade para as gerações mais no-
vas. Estas microrrealidades foram alteradas
em definitivo.
A gastronomia do município, antes do
turismo, estava concentrada nas frutas da re-
gião, nas raízes (como mandioca), no peixe,
na carne salgada e na agricultura tipicamente
familiar. O crescimento do turismo trouxe
novas experimentações e modificações dos
hábitos alimentares, desde sanduíches im-
portados, peixes mais sofisticados (como ba-
calhau), vinhos, novas folhagens e cogume-
los. Essa mudança não necessariamente re-
força que houve melhoras na alimentação,
apesar da diversidade, mas a entrada de no-
vos sabores e opções de cardápio tanto para
os estabelecimentos turísticos, como para o
cotidiano da cidade.
Com os depoimentos “Tem muita
gente aqui que fala como italiano” (Depoi-
mento 14) ou “Tem muita gente querendo se
misturar, falar italiano...” (Depoimento 3) é
perceptível que pessoas envolvidas direta-
mente com o turismo veem na diversidade
cultural, na aprendizagem de novas línguas,
uma chance de ascensão, prestígio e diferen-
ciação dos demais. Essa tendência em mistu-
rar-se é mais comum nos jovens. O turismo
proporcionou essas interações entre línguas,
ajustes e incorporações. O linguajar é mu-
tante, de geração para geração palavras se
perdem, ganham outros formatos e sentidos.
O turismo tem essa facilidade em acelerar es-
sas transformações, que chegam sorrateiras
e se incorporam nas dinâmicas locais.
A diferenciação deste estudo foi a ali-
ança entre Micro-História e Turismo, quase
inexistente na literatura cientifica. A incorpo-
ração do estudo das microrrealidades para
entendimento do turismo em São Miguel do
Gostoso possibilitou um mergulho na vivên-
cia de pessoas comuns, longe dos holofotes.
A intenção deste estudo não era em nenhum
momento evidenciar o turista, o visitante ou
viajante, mas entender como os locais lide-
ram com essas transformações que avança-
ram pelos anos, alterando suas rotinas.
As microrrealidades de um povo cons-
troem sua Micro-História. Indivíduos anôni-
mos, que cotidianamente respiram e dão a
vida à gota d’agua. Além do aquário, do pe-
queno mundo onde esses atores transitam e
se relacionam, existem outras gotas d’agua
nesse oceano de realidades transformadas.
“A partir de la comprensión de la singularidad
de una comunidad se puede descubrir su pa-
recido con otras comunidades y con la socie-
dad que la engloba” (Arias, 2006, p. 182).
Compreender foi o desafio: compre-
ensão dita, expressa no olhar, nas palavras
ensaiadas e retidas na garganta, em rabiscos
feitos a mão, no tamborilar dos dedos, na
costura do tear, na xícara de café, nas cami-
nhadas pela praia ou na lapidação da ma-
deira. Esses eram os indícios procurados, avi-
zinhamentos conflitantes, momentos únicos
e reveladores que percorreram todo traba-
lho. Como afirma a filósofa alemã Hannah
Arendt “a compreensão é um empreendi-
mento estranho” (Arendt, 2008, p. 345).
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Microrrealidades socioculturais transformadas pelo turismo em São Miguel do Gostoso, Rio Grande
do Norte, Brasil
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Muitas outras transformações são
perceptíveis em municípios de praia em que
o turismo ditou novas configurações, que se
amoldam a outras variáveis não evidenciadas
neste estudo, mas proporciona novas pers-
pectivas de investigação.
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______________
Dados dos autores
Esdras Matheus Matias
Professor do Departamento de Turismo e Hotelaria
(DTH) da Universidade Federal da Paraíba.
Doutorado em Ambiente & Sociedade pela Unicamp.
esdrasmatheus@yahoo.com.br
Aline Vieira de Carvalho
Professora e pesquisadora do curso de Pós-graduação
em Ambiente & Sociedade da Universidade Estadual
de Campinas Unicamp
Doutorado em Ambiente & Sociedade pela Unicamp.
alinenepam@gmail.com
... Estudos anteriores constatam a importância do aporte de capitais internacionais nas atividades ligadas ao turismo local (Taveira, 2015), ocasionando a apropriação do território pela e para tal atividade. A refuncionalização turística gerou complexas alterações na dinâmica sociocultural do município (Matias & Carvalho, 2017). ...
Article
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O artigo analisa a relação entre o conflito territorial envolvendo os municípios de Touros e São Miguel do Gostoso (RN) e os investimentos turísticos e imobiliários. O conflito ocorreu após a revelação de um equívoco na demarcação das fronteiras entre esses municípios, quando São Miguel do Gostoso despontava como uma destinação turística. O incremento desses investimentos em toda Região Nordeste foi decorrente da transferência de capitais europeus em busca de valorização. A coleta de dados ocorreu através da consulta de documentos, da observação sistemática, entrevistas semiestruturadas e levantamento de dados cartoriais. Com o domínio territorial questionado, São Miguel do Gostoso acumulou ônus orçamentário devido a diminuição de repasses e tributos relacionados à contagem populacional e ao uso do solo urbano. Por outro lado, assumiu o encargo de prestar serviços públicos a residentes e turistas. Os investimentos tornaram-se indutores da expansão urbana, principalmente, na Ponta do Santo Cristo, área de maior disputa e expansão de investimentos imobiliários com destacada participação de estrangeiros. Assim, os investimentos ocorridos foram decisivos para desencadear o litígio, para o qual, o termo de um acordo entre os gestores foi condicionado à manutenção das terras da Praia da Ponta do Santo Cristo para Touros.
Article
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Desarrollar políticas públicas que impulsen el turismo y respondan al cambio climático exige el análisis de múltiples variables sociales, económicas y ambientales. En el contexto de la gestión de las zonas aisladas físicamente, como los archipiélagos, dicho análisis depende de conocer las características ambientales y las necesidades socioeconómicas de las comunidades locales que permitan reconocer las percepciones de los individuos. Este trabajo se centra en este aspecto social y se interesa en conocer la percepción de la comunidad sobre los impactos socioeconómicos y ambientales que ha experimentado en los últimos años como consecuencia del turismo que se está desarrollando en el archipiélago de Bocas del Toro. En la investigación se realizaron 200 entrevistas durante 2013 en cuatro islas del archipiélago de Bocas que desarrollan actividades turísticas. Los resultados del estudio permiten caracterizar a la comunidad y conocer su percepción teniendo en cuenta que desarrollan actividades estrechamente ligadas al turismo y que este se desarrolla en un escenario altamente desregularizado, donde hay una débil capacidad de control y seguimiento por parte del Estado, lo que ha impulsado un proceso desordenado de construcción y ocupación del territorio. Se concluye que la percepción de la comunidad local se encuentra dividida marginalmente a favor del desarrollo de la industria turística por una mayor conciencia de los costos y beneficios que el turismo ha traído. Sin embargo, las voces de euforia inicial con la venta de casas y terrenos a extranjeros realizada en los años noventa han cedido espacio a una visión más crítica y más social. Los aspectos más positivos del desarrollo de la industria del turismo en este lugar son su aporte en el dinamismo de la economía local –en comparación con la situación de 1983– y la mejora en la infraestructura, que han resultado atractivos para que personas de otros lugares lleguen al archipiélago en busca de oportunidades de trabajo. Los encuestados no notan que haya un deterioro importante de los ecosistemas y reconocen que ellos no tienen una cultura ambiental para proteger las playas. La comunidad local utiliza y valora 14 servicios ecosistémicos, especialmente los de provisión, soporte y cultural, que forman parte de sus estrategias y medios de vida. Los operadores turísticos valoran seis servicios, específicamente de provisión, regulación y cultura, que están estrechamente ligados al desarrollo de la actividad turística, el acceso y la oportunidad de integrarse a la labor turística. También se descubre que las mujeres, en general, reciben menos ingresos que los hombres.
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Los científicos sociales actualmente oponen el micro y el macro análisis en términos de tópicos, desafíos y estrategias de datos. En las décadas pasadas, historiadores también discutieron y compararon las ventajas de la micro historia con diferentes versiones de la historia del macro, la transnacional o la global. Este ensayo sugiere como alternativa colocar la atención sobre la importancia del principio de variación de las escalas de la observación, en términos heurísticos y críticos. Esboza un modelo analítico que nos lleva a pensar que es en todos los niveles, desde el más local hasta el más global, que los procesos socios históricos son grabados. Sólo pueden ser comprendidos, por lo tanto, como resultados de una multiplicidad de determinaciones, proyectos, obligaciones, estrategias y tácticas individuales y colectivas.
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La actividad turística tiene una gran importancia económica y social en Canarias. La población residente se beneficia de dicho sector en términos de crecimiento económico y empleo, entre otros. Pero después de varias décadas de implantación progresiva en las Islas y pese a esta importancia, el conocimiento académico acerca de la dinámica de este sector y los impactos que genera sigue siendo insuficiente. Uno de los aspectos probablemente menos conocidos se refiere a las percepciones de los residentes acerca del turismo. Este artículo pretende contribuir al conocimiento de este aspecto de los impactos sociales. En particular, me voy a centrar en los discursos de rechazo al turismo en Canarias, aunque para ello requeriré del concurso de los discursos de aceptación. La perspectiva adoptada es fundamentalmente cualitativa, pues no se trata tanto de analizar cuántas personas en Canarias rechazan o aceptan el turismo y en qué términos, sino de comprender los discursos acerca de dicha realidad; es central en este sentido el análisis de los significados y percepciones que implica el rechazo del turismo.
Article
Conferencia Magistral dictada el 4 de noviembre de 2010 en el Salón de Honor Presidente Salvador Allende de la Universidad Academia de Humanismo Cristiano. Agradecemos la traducción de la Embajada de Francia en Chile. La edición, corrección del texto y anotaciones a pie de página es responsabilidad del Profesor Milton Godoy Orellana con el aporte del profesor Manuel Fernández.
São Miguel do Gostoso: um município construído a muitas mãos e uma história contada a muitas vozes
  • Wilson Aragão
  • Honorato
Aragão, Wilson Honorato (org.). (2001). São Miguel do Gostoso: um município construído a muitas mãos e uma história contada a muitas vozes. Natal: Natal editora.
Compreender: formação, exílio e totalitarismo. Ensaios 1930-1954
  • Hannah Arendt
Arendt, Hannah. Compreender: formação, exílio e totalitarismo. Ensaios 1930-1954. São Paulo: Cia das Letras/UFMG, 2008.
Las babas de la microhistoria del mundo seguro al universo de lo posible
  • Darío Barriera
Barriera, Darío. (1999). Las babas de la microhistoria del mundo seguro al universo de lo posible. Prohistoria, p. 177-186.
O projeto de pesquisa em história: da escolha do tema ao quadro teórico. 9
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Barros, José d'assunção (2013a). O projeto de pesquisa em história: da escolha do tema ao quadro teórico. 9. ed. Petrópolis: vozes, Barros, José d'assunção. (2013b). O campo da história: especialidades e abordagens. 9. ed. Petrópolis: Vozes.