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DIREITO CONSTITUCIONAL DE RECORRER E A JUDICIALIZAÇÃO DA INEFICIÊNCIA
EMPRESARIAL
CONSTITUTIONAL RIGHT TO APPEAL AND THE JUDICIALISATION OF BUSINESS INEFFICIENCY
Joaquim Falcão1
Ivar Hartmann2
1 Doutor em Educação pela University of Génève; Mestre em Direito pela Harvard Law School; Diretor da Escola de Direito
do Rio de Janeiro da Fundação Getúlio Vargas; Edifício Luiz Simões Lopes, Praia de Botafogo, 190, Botafogo, 22250-900, Rio
de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil; joaquim.falcao@fgv.br
2 Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul; Mestre em Direito pela Harvard Law
School; doutorando em Direito pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro; Professor Pesquisador da Fundação Getúlio
Vargas do Rio de Janeiro; Coordenador do projeto Supremo em Números; ivarhartmann@gmail.com
Resumo: A judicialização das questões consume-
ristas atinge o Supremo Tribunal Federal por via
dos juizados especiais há vários anos. Recentemen-
te uma empresa do ramo de telefonia, a Oi, des-
tacou-se pelo volume desproporcional de processos
que levou ao tribunal. Ao analisar o perfil da liti-
gância de direito do consumidor da Oi no Supremo,
identificamos que a empresa envia o dobro de pro-
cessos do segundo colocado no ranking de maiores
litigantes, apesar de ter taxa de sucesso menor do
que 0,07%. No contexto da necessidade de adequa-
da proteção dos direitos do consumidor, esse com-
portamento pode ser caracterizado como bullying
processual e demanda novas atitudes por parte dos
órgãos reguladores e do próprio Supremo.
Palavras-chave: Direito do consumidor. Judicial-
ização. Supremo Tribunal Federal.
Abstract: The consumer rights lawsuits have
reached the Brazilian Supreme Court through
small claims courts for years. Recently, one phone
company, Oi, stood out for the disproportional
number of appeals it took to the court. We found
that Oi brought double the number of appeals of
the second most frequent appellant in consumer
rights at the Supreme Court, even though Oi’s
success rate is lower than 0,07%. In the context of
appropriate consumer rights protection, this be-
havior can be characterized as lawsuit bullying and
calls for a new attitude by the regulating agencies
and the Supreme Court itself.
Keywords: Consumer rights. Lawsuits. Brazilian
Supreme Court.
http://dx.doi.org/10.18593/ejjl.v0i2.12249
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Introdução
A imensa carga de trabalho do Supremo Tribunal Federal é uma realidade enfrentada pelos
ministros e seus gabinetes há cerca de duas décadas e é conhecida pela comunidade jurídica e pela
população brasileira há pelo menos seis anos, em detalhe (FALCÃO; CERDEIRA; ARGUELHES,
2011). Nesse contexto, diversas questões importantes decorrentes do volume de processos julgados
podem ser problematizadas, especialmente no contexto do papel do Supremo no sistema jurídico
nacional e, talvez mais pertinente, sob o ponto de vista da atuação estratégica dos atores que atuam
perante o Supremo. Essa atuação é retratada empiricamente, por exemplo, em modelos inferenciais
sobre as chances de sucesso do Procurador Geral da República em ações do controle concentrado
(HARTMANN; FERREIRA; REGO, 2016). Analisar o comportamento estratégico desses atores é
especialmente pertinente quando se adota um modelo explicativo que não é exclusivamente legalista
(“A PGR ajuíza Ações Diretas de Inconstitucionalidade para proteger direitos fundamentais diante
de violações produzidas por incompatibilidades entre a legislação infraconstitucional e a Carta Mag-
na”), mas que incorpora a atuação estratégica inclusive dos próprios ministros do Supremo.3
Nesse cenário, uma das questões mais relevantes é aquela que junta as duas dimensões:
a volumosa carga de trabalho do Supremo, de um lado, e comportamentos estratégicos de atores
dentro e fora do tribunal, de outro. Mais especificamente, neste artigo procuramos trazer dados
empíricos inéditos sobre as escolhas de litigação recursal de uma grande empresa privada – a Oi – e a
grande quantidade de recursos repetitivos que atribulam o Supremo anualmente. O foco nessa em-
presa justifica-se pela dimensão de seu pedido de recuperação judicial, o maior da história do Brasil,
no valor de R$ 65 bilhões (WIZIACK et al., 2016). Assim como as práticas gerenciais da Oi, suas
práticas jurídicas e de litígio, ainda mais perante a mais alta Corte do País, são de relevância para o
estudo do sistema brasileiro de justiça.
Nosso problema de pesquisa, portanto, é: qual o perfil de atuação da Oi no Supremo, espe-
cialmente sob o ponto de vista do volume de recursos protocolados, seus assuntos e taxa de sucesso?
Nossa hipótese é que esse perfil seja destoante daquele das demais empresas privadas comparáveis
– especialmente as de telefonia – e que o volume de processos não pode ser explicado pela taxa de
sucesso da Oi em sua litigância recursal.
1 Metodologia
Para levantar dados sobre a atuação da Oi perante o Supremo Tribunal Federal adotamos
metodologia de pesquisa empírica, com técnica quantitativa. Os dados foram obtidos usando a base
de dados do projeto Supremo em Números. Trata-se de projeto de pesquisa do Centro de Justiça e
3 Se o modelo legalista não é suficiente para explicar o fenômeno Supremo, tampouco parece ser o modelo ideológico, con-
forme mostrado por Hudson e Hartmann (2017).
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Sociedade (CJUS) da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV), no Rio de Janeiro. O pro-
jeto realiza macroanálises de todos os processos do Supremo desde 1988.
Pesquisas como esta, envolvendo grandes data sets, têm permitido aos juristas analisar de
maneira muito mais minuciosas decisões judiciais (DIAMOND; MULLER, 2010). Nesse contexto,
a disponibilidade de equipamento computacional, software e suporte técnico desempenha um pa-
pel-chave na viabilização de estudos empíricos pelos pesquisadores do Direito nos Estados Unidos
(EPSTEIN; KING, 2003). A mesma situação prevalece no Brasil, onde faculdades de Direito come-
çam a se adaptar a essa realidade, tornando o acesso a tal instrumental um elemento ainda mais
importante de propostas de pesquisa (VERONESE, 2007). Os dados que subsidiam este artigo, bem
como a diversificada produção do projeto Supremo em Números são possíveis somente em razão do
uso de ferramental tecnológico potente.4
Ademais, a técnica de pesquisa escolhida pretende responder às perguntas de pesquisa
mediante um olhar do todo – não de processos ou decisões isoladas do Supremo. O novo movimento
de estudos empíricos (YANOW; SCHWARTZ-SHEA, 2006) no Direito, no qual o presente artigo
se insere, sempre se distinguiu do realismo jurídico e da sociologia jurídica em que as pesquisas são
preponderantemente quantitativas, e não qualitativas (SUCHMAN; MERTZ, 2010, p. 555-579).
A versão da base de dados utilizada nesta pesquisa está em formato MySQL e contém in-
formações até abril de 2016, incluindo dados sobre processos autuados, nomes das partes e registros
de andamentos. Também fazem parte da base metadados sobre os processos, como o assunto jurídi-
co, o órgão judicial de origem e o estado de procedência. Os andamentos abrangem informações so-
bre datas e resultados de decisões tomadas durante os processos, datas de distribuição dos processos,
datas de conclusão ao relator do processo, trânsito em julgado e similares.
2 Resultados
Entre as ações que mais cresceram no Supremo na última década estão as de direito do
consumidor (FALCÃO et al., 2014, p. 16). A Oi é a primeira das 20 empresas privadas com mais
ações desse tipo tramitando no Tribunal. Essas empresas são todas reguladas por agências e/ou são
concessionárias.
4 Há várias décadas os pesquisadores já haviam identificado os ganhos do uso da informática na pesquisa sobre
comportamento judicial. Ver, por exemplo, Schubert (1968, p. 60): “The computer is a useful instrument in research in behavioral
jurisprudence because (1) it facilitates inquiry by reducing time costs, thus freeing the investigator for routine operations […] (2) it makes
feasible many types of inquiry that could not have been undertaken heretofore […] and (3) it provides, increasingly, better data (in the
sense of empirical observations that have been transformed by the researcher into quantified units suitable for measurement manipula-
tions) by making feasible a greatly expanded repertoire of alternative modes of analysis.”
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Tabela 1 – Principais autores de processos no STF em demandas consumeristas
Empresa Total de processos
OI 6271
Banco Santander Brasil S/A 3136
Banco do Brasil S/A 2983
Bradesco 1733
Vivo S/A 1367
Unimed 354
Rio Grande Energia S/A 343
Banco ABN Amro Real S/A 320
BV Financeira S/A – Crédito, Financiamento e Investimento 300
Companhia de Eletricidade do Estado da Bahia (Coelba) 272
HSBC Bank Brasil S/A – Banco Múltiplo 252
Itaú Unibanco S/A 232
Aymoré Crédito, Financiamento E Investimento S/A 225
Banco Panamericano SA 221
Banco BMG S/A 216
Caixa Econômica Federal (CEF) 201
Centro Trasmontano de São Paulo 185
Golden Cross Assistência Internacional de Saúde Ltda 179
Elektro Eletricidade e Serviços S/A 168
Banco Cruzeiro do Sul S/A 158
Fonte: os autores.
Segundo dados do projeto Supremo em Números, da FGV Direito Rio, entre janeiro de
2011 e março de 2016, a Oi teve uma média de mais de três novos processos por dia no Supremo.
Foram exatamente 6.271 casos. Esse fluxo de litigância de uma só empresa no principal tribunal do
País é provavelmente inédito em termos globais. Mais de três processos por dia. Digno do Guinness
World Book of Records. Inédito, inclusive, em termos dos Estados Unidos, de onde vêm as inspirações
da modelagem de regulação.
A taxa de sucesso dos recursos apresentados no Supremo no mesmo período é de no má-
ximo 3,04%. Isso entre os recursos extraordinários, agravos em recurso extraordinário e agravos de
instrumento. Ou seja, para cada 100 processos julgados, menos de quatro têm resultado positivo.
Pelo menos 96 foram aparentemente judicialmente inúteis.
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Gráfico 1 – Taxa de sucesso em % em Recursos no STF (2011-2016)
Fonte: os autores.
Na área do direito do consumidor, a taxa de sucesso é pior. Apenas 0,21%, ou menos, dos
recursos contra consumidores têm sucesso. O que significa que a imensa maioria dos recursos contra
decisões favoráveis ao consumidor é aparentemente inútil.
A taxa de sucesso da Oi é, no entanto, ainda menor. A empresa tem sucesso em, no máxi-
mo, 0,07% dos recursos. Ou seja, das mais de 10 mil decisões proferidas nos mais de seis mil casos na
Corte, não mais do que sete foram favoráveis à Oi.
O Gráfico 2 revela parcialmente a natureza desses processos.
Gráfico 2 – Temas dos Recursos da Oi no STF (2011-2016)
Fonte: os autores.
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O Tribunal de origem dessas ações está apresentado no Gráfico 3. Pela estrutura ideal do
Poder Judiciário, elas deveriam ter início e fim nos juizados especiais.
Gráfico 3 – Origem dos Processos da Oi no STF (2011-2016)
Fonte: os autores.
Duas conclusões preliminares podem ser retiradas desse diagnóstico.
Primeiro, a Oi não entende o Judiciário como risco. Inexiste incerteza diante do Supremo.
Existe certeza. A Oi sabe de antemão que vai perder. Se ainda assim tenta número recorde de recur-
sos é porque não se preocupa em perder. Perder, isto é, adiar o reconhecimento e o ressarcimento do
direito lesado do consumidor, compensa. Segundo, diante do número de recursos perdidos e do pri-
meiro lugar da Oi, não estamos diante de conflitos individualizados entre a Oi e um ou outro usuário
de telefonia. Estamos diante de uma amostragem de uma política empresarial de judicialização de
suas obrigações constitucionais não cumpridas.
Trata-se de exemplo da judicialização da ineficiência empresarial.
Essa política, aparentemente legal, no fundo constitui abuso do direito de recorrer, estabe-
lecido pelo artigo 5º, LV,5 da Constituição Federal. É verdadeiro bullying, assédio processual.
Sua rationale se fundamenta em simples cálculos de custo e benefício, tanto financeiro
quanto estratégico. O cálculo financeiro é obvio e intuitivo. O custo judicial (all included, isto é, os
custos internos e externos à empresa) é menor do que os custos de investimento e custeio para a
empresa eliminar a ineficiência de seus serviços e atender seus consumidores.
Essa política de judicialização da ineficiência não é novidade no caso da Oi. A Empresa
decorre originariamente da Telemar, que em 1998 ganhou o lote das teles do Rio de Janeiro e de ou-
tros 15 estados durante a privatização dos serviços de telefonia no Brasil. Foi privatização temerária.
5 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros
residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguin-
tes: [...] LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e
ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes; [...]
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O grupo econômico vencedor não dispunha de recursos financeiros para realizar os investimentos
necessários para assegurar a qualidade dos serviços ao consumidor a que se obrigara.
A judicialização em massa no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, como indicador da
insatisfação dos consumidores, começa já nos anos 1990. A Telemar aceita essa judicialização para
adiar suas obrigações. Os juros de empréstimos de mercado eram maiores do que os custos judiciais.6
Essa judicialização da ineficiência empresarial foi pioneira no Brasil. Exemplar. Abriu cami-
nho para outras empresas reguladas e concessionárias de serviços públicos. Quanto maior o prazo da
judicialização, mais reduzidos os custos financeiros das empresas. A partir daí os advogados fizeram o
resto. Recursos atrás de recursos, com auxílio da doutrina processual adotada pelos próprios tribunais.
Desconfiguraram, em parte, os juizados especiais e abriram vias inéditas de ascensão ao Supremo.
A Tabela 2, de pesquisa do CNJ que identificou os 100 maiores litigantes do Brasil (CON-
SELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2012), confirma o quadro inicial e mostra os maiores litigantes
do Brasil. Além do governo, todas as empresas privadas ou são reguladas ou são concessionárias.
Tabela 2 – Listagem dos 100 maiores litigantes contendo o percentual de processos em relação aos 100 maiores litigantes da
Justiça
Rank Cem maiores Litigantes
Nacional (%) Justiça Federal (%) Justiça do Trabalho (%) Justiça Estadual (%)
1INSS – Instituto
Nacional do Se-
guro Social 22,33 INSS – Instituto Nacio-
nal do Seguro Social 43,12 União 16,73 Estado do Rio
Grande do Sul 7,73
2CEF – Caixa
Econômica Fe-
deral 8,50 CEF – Caixa Econômica
Federal 18,24 INSS – Instituto
Nacional do Segu-
ro Social 6,41 Banco do Brasil
S/A 7,12
3Fazenda Nacio-
nal 7,45 Fazenda Nacional 15,65 CEF – Caixa Eco-
nômica Federal 5,29 Banco Bradesco
S/A 6,70
4 União 6,97 União 12,77
Grupo CEEE –
Companhia Es-
tadual de Energia
Elétrica
5,22 INSS – Institu-
to Nacional do
Seguro Social 5,95
5Banco do Brasil
S/A 4,24 Advocacia Geral da
União 1,75 Banco do Brasil
S/A 4,82 Banco Itaú S/A 5,92
6Estado do Rio
Grande do Sul 4,24 FUNASA – Fundação
Nacional de Saúde 0,79 Telemar S/A 4,31 Brasil Telecom
Celular S/A 5,77
7Banco Bradesco
S/A 3,84 INCRA – Instituto Na-
cional de Colonização e
Reforma Agrária 0,48 Petrobras – Petró-
leo Brasileiro S/A 3,80 Banco Finasa
A/A 4,08
8 Banco Itaú S/A 3,43 EMGEA – Empresa Ges-
tora de Ativos 0,47 Fazenda Nacional 3,29 Município de
Manaus 3,81
9Brasil Telecom
Celular S/A 3,28
IBAMA – Instituto Bra-
sileiro do Meio Ambien-
te dos Recursos Natu-
rais Renováveis
0,47 Banco Itaú S/A 2,89 Município de
Goiânia 3,76
10 Banco Finasa
A/A 2,19 BACEN – Banco Central
do Brasil 0,39 Banco Bradesco
S/A 2,81 Banco Santan-
der Brasil S/A 3,14
Fonte: Conselho Nacional de Justiça (2012).
6 Sobre o tema, ver Falcão (2012).
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4 Discussão dos resultados
Poderíamos dizer que este é o resultado líquido, no âmbito judicial, do atual modelo de
regulação das agências e do atual modelo de privatização de serviços públicos.
Não são poucos os economistas que desenham esses números, considerando-os, ao contrá-
rio, indicadores do sucesso das atuais políticas. Mas o mero cálculo de custos e benefícios da judicia-
lização não é suficiente para explicar essa política. Afinal, cerca de seis mil casos no Supremo para
uma empresa que tem 70 milhões de usuários em 25 estados pouco significa em ganhos financeiros.
Para se ter uma ideia completa dos benefícios da judicialização da ineficiência empresarial,
necessitaríamos de dois outros dados.
Primeiro, o número de ações que entraram na primeira instância e foram decididas até
chegarem ao Supremo, no caso da Oi, nos Estados de Santa Catarina e Bahia, o que, nesse momento,
é impossível dada a ausência de estatísticas judiciais transparentes e comparáveis.
Estamos diante, por um lado, de uma política de judicialização de empresas de âmbito
nacional ou transestaduais e, de outro, de um Poder Judiciário fragmentado em suas próprias infor-
mações. Essa fragmentação estatística impede o Judiciário de se autodefender.
Como em toda guerra, um dos elementos mais eficientes são as técnicas e estratégias dis-
suasórias do adversário. Eis aqui o segundo ponto crucial do assédio processual. Os mais de seis mil
casos são uma mensagem clara ao consumidor: a Oi se dispõe a uma política de judicialização de sua
ineficiência ad extremis.
Aquele que pretenda reclamar no Judiciário terá que arcar com os custos do litígio. Terá
que estar preparado para pagar o custo de litigar na primeira, na segunda (tribunal estadual), na
terceira (Superior Tribunal de Justiça) e na quarta instâncias (Supremo). Ora, são poucos, muito
poucos, os usuários que a tanto se dispõem ou têm recursos para tal, e cujas indenizações buscadas
sejam compensatórias. Aliás, os litigantes na área de consumo são primordialmente as mulheres,
conforme pesquisa de Pinheiro e Barbosa Filho (2014) que buscaram entender as características so-
cioeconômicas, demográficas e geográficas as quais resultam na busca pelos serviços da justiça.7 Os
pesquisadores identificaram que a Justiça Comum foi a instituição com menor proporção de confli-
tos resolvidos, ficando atrás dos juizados, dos Procons, dos amigos e parentes. E mais. A proporção
de conflitos efetivamente resolvidos pela justiça caiu significativamente entre 1988 e 2009, de 57,6%
para 45,6%, em todas as regiões do País.8
7 “Os resultados mostram que as mulheres buscam mais a justiça do que os homens para a resolução de seus conflitos de
consumo, enquanto ocorre o contrário no que se refere às questões trabalhistas.” PINHEIRO; BARBOSA FILHO (2014).
8 “Os Procons e amigos e parentes foram as instituições mais eficazes em produzir soluções. Os juizados especiais, por sua
vez, também mostraram uma taxa de sucesso maior que a média, enquanto a justiça comum foi a instituição com menor
proporção de conflitos resolvidos. Isso atesta a importância de se contar com essas outras instituições de solução de conflitos.
Um resultado preocupante, porém, é que a proporção de conflitos resolvidos pela justiça caiu significativamente entre 1988
e 2009: de 57,6% para 45,6% (incluindo os juizados especiais). Essa queda ocorreu em todas as regiões do país.” (PINHEIRO,;
BARBOSA FILHO (2014).
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Não existe ação judicial grátis. Os custos não são somente os das partes litigantes. Incluem
custos públicos do Poder Judiciário, Ministério Público, Defensoria e tanto mais. Custos de remune-
ração de juízes, de serventuários, de uso de imóveis, de custeio, de tecnologias, de aposentadorias e
por aí vamos.
Ao usar o direito de recorrer para adiar a perda, a Oi unilateralmente impõe esses custos
ao Judiciário. O Judiciário os transfere para o Orçamento Público. O Orçamento público os transfere
para quem paga imposto: o contribuinte, o consumidor. O eleitor, inclusive. Hoje, os mesmos.
Em resumo. A ineficiência da Oi é subsidiada e alimentada pelo Estado. E contribui para a
ineficiência do próprio Judiciário. Como evitar esse bullying, assédio processual?
Primeiro de tudo é preciso reconceituar o que seja conflito de consumo e essa decorrente
política. A contrário do que se imagina, esta política não é contra o consumidor. É contra o orça-
mento público, ou seja, em nosso caso, alimentadora do déficit público, via despesas do Poder Judi-
ciário. Mas, sobretudo, é contra a concorrência entre empresas em que o indicador é a eficiência. No
fundo, assim como na Lava Jato, o mesmo ocorre com essa política de judicialização. Na Lava Jato
evidenciou-se que era uma competição não centrada na eficiência empresarial, mas na capacidade de
corromper mais. A política da judicialização da ineficiência não é centrada na eficiência da prestação
de serviços, mas em boa parte na neutralização judicial da insatisfação do consumidor.
Essa neutralização aponta diretamente para a importação seletiva por políticos e econo-
mistas do modelo de regulação e privatização de serviços públicos. Esses modelos são possíveis ape-
nas se ao mesmo tempo os consumidores tiverem poder de voz, de ação e, sobretudo, de judicializar
sua insatisfação.
Nos Estados Unidos isso tem sido viabilizado somente porque existem as Class Actions
(ações coletivas), que transformam os consumidores e os advogados em parceiros da eficiência regu-
latória e fiscal da qualidade dos serviços das concessionárias.
Conclusão
A janela de oportunidades para novas privatizações, como agora se diz, deveria ser tam-
bém uma janela de oportunidades, não para reformar o Poder Judiciário, por inteiro. Esqueçam. Esta
é estratégia para a não reforma. Mas um novo modelo de privatização e de regulação exigiria a ado-
ção de mecanismos processuais, como as Class Actions, por exemplo, que tanto temem as empresas
reguladas e concessionárias. E com razão. Consistiria em uma contribuição decisiva para implantar
a fair competition no Brasil.
Na verdade, é crescente a necessidade de análises macroeconômicas se aliarem a análises ma-
crojudiciais. Hoje, a análise macroeconômica se alia à microjudicialização, aquela que percebe litígios
como iniciativas individuais, seja de empresas, seja de indivíduos. E a análise macrojudicial inexiste.
Não espanta o melancólico fim.
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O Supremo mostra-se inerte diante do abuso. É como se pudesse tudo, poder maior, mas é
incapaz de evitar o assédio processual promovido pela Oi nos últimos cinco anos. Se não fosse a Oi
a primeira colocada, seria outra telefônica ou banco.
Os modelos econômicos de privatização não protegem suficientemente os consumidores
dos conflitos que as próprias agências, com suas normas e falta de fiscalização, e as concessionárias,
com suas práticas, geram. Omitem-se. Mesmo quando multam, não cobram.9
Conflitos com o consumidor não são com eles. Deixam tudo para o Judiciário resolver.
Depois se queixam da interferência dos juízes. Novos modelos de privatizações são necessários para
abrir o futuro que ainda nos está fechado pela falta de análise objetiva do passado.
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Methods and the interpretive turn. M. E. Sharpe, 2006.
Data da submissão: 29 de setembro de 2016
Avaliado em: 29 de novembro de 2016 (AVALIADOR A)
Avaliado em: 08 de dezembro de 2016 (AVALIADOR B)
Avaliado em: 27 de março de 2017 (AVALIADOR C)
Aceito em: 10 de maio de 2017