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A Política de Identidade nas Novas Guerras e a Construção Social da Diferença: notas a partir da cultura e da identidade

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Abstract

O artigo explora, a partir da discussão sobre políticas de identidade nas novas guerras, a politização do nacionalismo a partir da problematização da diferença e como essa politização ocasionaria conflitos armados. Defendo que as políticas de identidade se baseiam na distinção entre o Eu e o Outro para criar padrões considerados civilizados e não-civilizados e, com isso, garantir àqueles o pressuposto da razão e da correção, de forma a deslegitimar a relação política entre diferentes comunidades étnicas. Em última instância, essa deslegitimação proporciona uma nova ordem, pautada na violência. Compreender como opera a política de identidades permite superar a sub-teorização de duas questões chaves para as novas guerras, as questões cultural e identitária. Palavras-chave: Relações Internacionais; Novas Guerras; Cultura; Política de Identidade.
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Marcelo M. Valença*
RESUmo
O artigo explora, a partir da discussão sobre políticas de
identidade nas novas guerras, a politização do nacionalismo a
partir da problematização da diferença e como essa politização
ocasionaria conflitos armados. Defendo que as políticas de
identidade se baseiam na distinção entre o Eu e o Outro para criar
padrões considerados civilizados e não-civilizados e, com isso,
garantir àqueles o pressuposto da razão e da correção, de forma
a deslegitimar a relação política entre diferentes comunidades
étnicas. Em última instância, essa deslegitimação proporciona uma
nova ordem, pautada na violência. Compreender como opera a
política de identidades permite superar a sub-teorização de duas
questões chaves para as novas guerras, as questões cultural e
identitária.
Palavras-chave: Relações Internacionais; Novas Guerras;
Cultura; Política de Identidade.
ABStRAct
The article explores the use of nationalistic discourses to create
and exacerbate the difference between ethnic groups in the so-
called new wars. By using as theoretical reference the debate on
politics of identity in the new wars, the paper investigates how such
use would lead to armed conicts. The article’s main argument
suggests that the politics of identity are based on the distinction
between the I and the Other to create patterns of civilized and
uncivilized behaviors in order to assure to the former the primacy of
reason and correction, delegitimizing the political relation between
these groups. Such delegitimation of politics creates a new political
A PolítIcA DE IDENtIDADE NAS NoVAS
GUERRAS E A coNStRUção SocIAl DA
DIFERENçA: NotAS A PARtIR DA
cUltURA E DA IDENtIDADE
* Doutor em Relações Internacionais (PUC-Rio, 2010), bolsista recém-doutor do Programa
de Pós-Graduação em Relações Internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(PPGRI/UERJ). Rua Visconde de Caravelas, 98/507. Botafogo, Rio de Janeiro, RJ CEP 22271-
030, email: marcelovalenca@me.com www.marcelovalenca.com
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order, based on violence. To understand the politics of identity
helps to overcome the sub-theorization of two key aspects of the
new wars, culture and identity.
Keywords: International Relations; New Wars; Culture;
Politics of Identity.
INtRoDUção
Este artigo discute a dinâmica da política de identidades nas novas
guerras a partir da obra de dois teóricos das Relações Internacionais que
trabalham com a questão cultural e a formação de identidades coletivas.
São eles Beate Jahn (2002) e Rodney Hall (1999). O objetivo é reetir sobre
a construção da diferença e do antagonismo entre grupos políticos dentro
do Estado a partir de referenciais culturais decorrentes das identidades
coletivas atribuídas a eles. O acirramento dessas diferenças levaria, por
m, ao conito armado.
Como bases teóricas, o artigo se sustenta a partir de três eixos principais:
(i) o debate sobre novas guerras, (ii) a reexão sobre cultura proposta
por Jahn e (iii) o processo de construção da identidade nacional coletiva
desenvolvido por Hall. De modo complementar, o artigo traz como
argumento crítico para a politização da diferença nas novas guerras o duplo
processo de exclusão e o conceito de internacional moderno proposto por
R. B. J. Walker (2006).
A percepção de novos espaços de atuação da política se mostra
particularmente importante para a reexão sobre os novos processos de
delimitação de fronteiras e de diferenciação entre os indivíduos, o que
conduziria à ideia de intersubjetividade dos atores políticos. A interação
entre eles é necessária para que o processo de inclusão e exclusão nas
fronteiras do internacional moderno aconteça. Pela própria existência de
diferença entre os atores políticos, um deles tomará o outro como não-
civilizado, enquanto reserva para si a prerrogativa da razão e da correção
moral. A maneira como este diálogo é estabelecido determina como
as políticas de identidade serão constituídas, estabelecendo princípios
legitimadores de uma nova ordem e, com isso, constituindo novas formas de
interação entre os atores políticos. No caso das novas guerras, esta interação
operaria de forma violenta, pois resultaria das políticas de identidade,
construída a partir de um discurso excludente e primordialista.
O presente artigo relaciona a discussão teórica sobre novas guerras
a uma parte do recente arcabouço teórico de Relações Internacionais que
trabalha com a distinção entre o Eu e o Outro e problematiza e identidade
como forma de racionalidade e exclusão tomando como foco a questão
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cultural. Contudo, apesar disso, o artigo não se detém em aspectos
empíricos: o debate sobre novas guerras servirá para introduzir a discussão
teórica que se seguirá e terá como principal função buscar um o condutor
para ligar o pensamento dos autores trabalhados em torno do conceito de
cultura e de política de identidades.
Como nas novas guerras há a aproximação entre os planos internacional
e doméstico, a discussão sobre cultura e identidade, nos termos propostos,
se mostra adequada para problematizar tal reexão. Isso é particularmente
importante especialmente pela forma como as políticas de identidade nas
novas guerras resgatam elementos pré-estatais1 para fundamentar seus
pleitos. O estabelecimento de novas fronteiras de exclusão e inclusão, que
rompem os limites estatais, evidenciam a formação de um novo padrão de
semelhança e diferença, que é compreendido como um novo “internacional”.
Em termos teóricos, o entendimento ortodoxo de internacional surge
como forma de separar o que é familiar à comunidade política (estatal)
de outros padrões morais, éticos e comportamentais. O próprio papel do
Estado para as Relações Internacionais reete esse marco. Aquilo que está
para além das fronteiras do Estado representa um espaço de diferença e
tem tratamento distinto dos temas que estão dentro de suas fronteiras.
Com o estabelecimento de novas fronteiras a partir de novos padrões de
exclusão e inclusão, novos internacionais são criados e novos elementos
caracterizadores da diferença surgem, reformulando as relações políticas
entre os grupos. Mais do que geográco, o internacional é um espaço
político.
Contudo, é preciso ressaltar que apesar da discussão trazida neste artigo
se basear em autores que propõem o diálogo com a diferença no plano
internacional, acreditamos que suas conclusões possam ser trazidas para
o plano doméstico. Beate Jahn trata do encontro e interação entre culturas
de povos diferentes, marcando a formação do pensamento moderno, mas
sua contribuição para o estudo da cultura ajuda a explicar a interação e a
remodelação da cultura entre comunidades políticas domésticas, no Estado
inclusive. Não à toa ela se vale da Antropologia Cultural para sustentar
1 Cabe aqui uma ressalva quanto a pensar em termos “pré-estatais”. Inicialmente e por
este artigo utilizar autores que discutem mudanças no sistema internacional considerando
comunidades políticas não-estatais, é importante que não quemos presos ao modelo estatal
de organização política. Ademais, e em consonância com a utilização do argumento de Walker
(2006), pensar em termos pré-estatais nos ajudaria a mostrar que as fronteiras do político não
são delimitadas exclusivamente por e a partir de unidades estatais. Com isso, podemos pensar
em outras formas de relação entre os atores, justicando tal recurso ao uso da cultura como
elemento de análise. Assim, as novas guerras pensadas em termos pré-estatais levariam ao
questionamento da legitimidade do Estado através de identidades políticas estabelecidas antes
da formação deste – a política de identidade (Kaldor, 2001).
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seus argumentos, permitindo que a unidade política de análise se desloque
da comunidade estatal para agrupamentos políticos não-estatais.
Rodney Hall, por sua vez, explora o processo de nacionalização dos
Estados através de uma lente wendtiana, que compreende a agência a
partir da atuação política dentro do Estado. Assim, as identidades coletiva
e individual que o autor utiliza como referenciais podem ser entendidas
como pertinentes aos grupos políticos domésticos e os indivíduos que os
compõem, respectivamente.
Finalmente, R. B. J. Walker trata sobre as formas de interagir e dialogar
diante da presença da diferença. Acreditamos que estas não se limitam ao
plano exterior ao Estado, podendo ser realçadas a partir do estabelecimento
de fronteiras de qualquer natureza, desde que caracterizem a diferenciação
entre o Eu e o Outro. Assim, a nacionalização dos processos de exclusão
através do binômio civilizado/não-civilizado não impede a produção de
efeitos no sistema internacional, como a ampliação da agenda de segurança
ou a securitização de novas questões políticas.
A síntese de tal debate pode ser percebida nas práticas políticas que
caracterizam as novas guerras, que reetem a construção de um novo
“internacional”. A diferença é construída a partir de valores anteriores ao
Estado, o que sustentaria uma suposta rivalidade ancestral que a gura
estatal tentou amenizar através de um projeto nacional.
Deste modo – e considerando que tal rivalidade é insuperável – o
inimigo é rotulado e caracterizado como bárbaro, o que impede que ele
seja tratado na esfera da política normal. Restaria, pois, a violência como
forma de interação. Os limites dessa violência extrapolariam o civilizado
porque ela não se dirigiria a outro individuo, mas a uma categoria derivada
dos processos de exclusão que tornaria o Outro um não-humano. A tensão
e insegurança tradicionalmente atribuídas ao plano internacional são
trazidas para o plano doméstico, redenindo o espaço do político através
de um discurso identitário ambíguo. Estes envolveriam uma combinação
de eventos contemporâneos e o resgate de mitos de origem pré-estatais na
constituição de uma retórica excludente.
Recorrer a essas práticas discursivas como forma de explicar as novas
guerras é uma saída comum para justicar a ocorrência destes conitos,
mas entendemos não ser suciente para uma análise mais consistente. A
identidade coletiva dos grupos – assim como a individual, relativa aos seus
membros – não é um elemento estanque, nem tampouco opera no vácuo:
ela sofre inuências sociais e são constantemente moldadas, reetindo
interesses políticos que não podem ser naturalizados ou menosprezados.
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O problema que recai sobre as novas guerras se dá, justamente, pela
pouca problematização sobre a dinâmica dessas políticas de identidade2
auto-referenciadas, o que gera uma subteorização da questão da identidade.
A literatura do campo se divide entre aqueles que trabalham com o
tema orbitam em áreas correlatas ao estudo da guerra – como os estudos
estratégicos, a economia política do conito e reconstrução de Estados – e
aqueles envolvidos com a História, que dão maior enfoque às práticas de
resgate de símbolos passados e uma identidade naturalizada no discurso
político. Em ambos os casos a questão identitária é apontada como elemento
explicativo importante, mas resta negligenciada por não contribuir para os
estudos históricos ou estratégicos.
De forma semelhante, a literatura que trata da questão identitária e
dos processos discursivos de construção da diferença pouco avançam
especificamente na questão das novas guerras por, justamente, não
trabalharem com a beligerância. Surge, pois, uma lacuna explicativa em
uma área que ofereceria largo espaço de discussão.
Consequentemente, perguntas importantes cam em aberto. Se existe
realmente essa auto-identicação dos atores para denir o que eles são e
quais são seus valores, a partir de que diferenças pode se pensar o Outro?
Mais, a forma como os grupos se auto-identicam é congelada no tempo
ou sofre variações contingentes historicamente?
É isso que este artigo espera problematizar. Ao propor o recurso às
teorias culturais e de formação da identidade de Rodney Hall e Beate Jahn,
pretendemos avançar nesse aspecto e, com isso, produzir um espaço para
reexão no campo dos estudos das novas guerras.
NoVAS GUERRAS, PolítIcAS DE IDENtIDADE E A SUBtEoRIzAção
DA IDENtIDADE
O debate sobre novas guerras ganhou força a partir do nal da Guerra
Fria, quando conitos armados com baixo nível de institucionalização
começaram a ganhar maior atenção principalmente no Leste Europeu e
na África (VALENÇA, 2010). A literatura acadêmica que trata das novas
guerras as apontam como originadas a partir da erosão do monopólio do
uso da força ou da própria desintegração do Estado (HOLSTI, 1996, p. 26;
2 Sobre o tema, Michael Brown (2001). Desta maneira, consideramos importante travar este
debate sobre a politização da diferença e sua inuência na construção do Outro nas novas
guerras.
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KALDOR, 2001, p. 4-6; ANGSTROM, 2005; MüNKLER, 2005; FLEMING,
2008). Estas características fazem com que os limites que separavam
o particular e o privado, o interno e o externo, o civil e o militar, sejam
mitigados e, com isso, a distinção entre o que é tradicionalmente entendido
como guerra e paz vá, gradualmente, perdendo força.
Essa aproximação entre esferas tratadas como distintas pela literatura
de Relações Internacionais e estudos da guerra pode ser compreendida a
partir de três elementos analíticos da guerra que se originam nos Estudos
Estratégicos e na losoa política e inuenciaram as Relações Internacionais.
São eles o warfare, a delimitação dos objetivos da guerra e a forma como o
confronto é nanciado. Aqui trataremos brevemente dos dois primeiros, i.e.,
do warfare e dos objetivos, como forma de encaminhar nosso argumento3.
Tradicionalmente, a forma como a guerra é travada envolve um alto
nível de institucionalização das ações e está subordinada à legitimidade
e à burocracia estatal. Estas características correspondem ao processo de
formação e consolidação do Estado e reete, na dimensão militar, a divisão
do trabalho e a organização administrativa existente em outras atividades
do Estado. A violência decorrente da guerra é limitada, envolvendo apenas
os agentes do Estado que detém tal papel, e tem como m atingir objetivos
políticos denidos como de interesse nacional. A tríade clausewitziana de
governo-exército-população é respeitada e apenas o exército se envolve
na guerra, para garantir os interesses do governo e proteger a população.
As novas guerras rompem com essa organização e senso de unidade
para se mostrarem mais fragmentadas e informais. A maneira como o
warfare é desenvolvido nas novas guerras corresponde a um tipo de
violência organizada assemelhada não apenas à guerra, mas também ao
crime organizado. O resultado é a produção de efeitos não só na esfera
doméstica, como a violação maciça de direitos humanos, como também
no plano internacional, como ondas de refugiados e instabilidade política
regional. A ruptura da institucionalização característica da guerra faz com
que a tríade clausewitziana seja negligenciada e todos os seus elementos
passem a ser parte da guerra, tanto no pólo ativo quanto no passivo.
Os objetivos das novas guerras também são distintos das chamadas
guerras tradicionais (HOLSTI, 1996). A disputa não seria apenas por poder
como tradicionalmente é compreendido, mas recairia sobre governança,
identidades políticas pré-estatais e o status destas identidades no interior
do Estado. Ademais, eles não seriam mais denidos a partir do ideal de
3 Sobre as características das novas guerras, seus elementos analíticos e uma distinção mais
completa entre as novas guerras e as guerras tradicionais, ver Valença (2010).
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interesse nacional, representando um objetivo comum aos membros daquela
sociedade. Nas novas guerras há a manipulação de símbolos culturais
e discursos para reformular os ideais de identidade e criar a diferença,
redefinindo quem representa o inimigo a ser enfrentado (KALDOR,
2001, p. 78-79). Com a fragmentação do Estado em grupos antagônicos,
a uniformidade do interesse nacional se encerra e abre espaço para o
surgimento de interesses concorrentes, conituosos e opostos. O Estado se
torna um espaço de confronto entre identidades exclusivas e excludentes
que questionam a sua legitimidade e a possibilidade da política acontecer
através de vias não-violentas. A população civil passa a ser o alvo principal
da violência, que é motivada e perpetuada por lembranças e resgates de
eventos recentes e um suposto ressentimento histórico por parte das elites.
Estas práticas, de teor predominantemente discursivo, estimulam
a mudança na forma como as identidades coletivas são percebidas e
tratadas, permitindo a reapropriação de seus signicados e a maneira
como as coletividades se enxergam e interagem. Caracterizam-se, assim,
as políticas de identidade. Elas podem ser denidas como práticas políticas
que representam e evidenciam os interesses de membros de determinado
grupo auto-denido a partir de elementos identitários em oposição a
uma determinada ameaça, real ou suposta. As políticas de identidade
representam uma resposta à negação de direitos ou prerrogativas àqueles
grupos e podem se basear em aspectos tão diversos quanto cultura, religião,
etnia ou qualquer outro elemento que permita a clara separação – e distinção
– entre os supostos grupos acuados e aqueles que o ameaçam.
O desenvolvimento e exacerbação das políticas de identidade promovem
uma fragmentação na unidade estatal, rompendo com a suposta unidade
política que o Estado proporcionaria. Isto acontece porque o recurso à
identidades pré-estatais exporia uma pluralidade identitária que o Estado
tentaria ocultar e que é operacionalizada de forma a proteger determinados
grupos.
O reforço de uma identidade pré-estatal, que desvincule os grupos
em disputa, se mostra necessário, levando à desintegração ou erosão das
estruturas do Estado moderno. De acordo com os teóricos que trabalham
com a questão das novas guerras, esses resgates nostálgicos que formam as
identidades das comunidades políticas são constituídos a partir de processos
de auto-denição dos grupos políticos em face de uma característica cultural
que delimitaria o pertencimento àquele grupo. Isto criaria uma barreira de
exclusão a todos aqueles indivíduos que não tivessem tais peculiaridades.
A não-coesão do ente estatal vai de encontro à própria noção de
Estado para as Relações Internacionais, que deixaria de ser o garantidor da
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segurança para se tornar fonte da insegurança moderna (WALKER, 1997,
p. 77). O resultado é a sensação de ilegitimidade política da autoridade
estatal e a busca por poder a partir de demandas baseadas em identidade
particular, resgatada pela representação nostálgica idealizada do passado,
de caráter exclusivo e excludente:
political groupings based on exclusive identity
tend to be movements of nostalgia, based on the
reconstruction of an heroic past, the memory of
injustices, real or imagined, and of famous battles,
won or lost. They acquire meaning through insecurity,
through rekindled fear of historic enemies, or through a
sense of being threatened by those with different labels
(KALDOR, 2001, p. 78).
Entretanto, o debate sobre novas guerras não problematiza tais
colocações ou dilemas. Ao tratar as identidades como algo natural, ainda
que socialmente constituídas, o tema é subteorizado e apenas uma dimensão
das novas guerras é trabalhada pela literatura. Neste sentido, percebe-se
duas tendências mais fortes de abordagem: uma que privilegia a dimensão
da guerra e outra que se volta para o fenômeno em sua perspectiva histórica.
Aqueles que discutem as novas guerras em sua dimensão, digamos,
beligerante, recorrem, grosso modo, aos três eixos analíticos que apontamos
acima – o seu warfare, objetivos e formas de nanciamento (VALENÇA,
2010). Nesta categoria estão incluídos autores como Mary Kaldor (2001),
Kalevi Holsti (1996), Martin van Creveld (1991) e David Keen e Mats Berdal
(1997).
Este grupo de autores discute as novas guerras a partir da comparação
com as guerras tradicionais, interestatais. É por isso que os três eixos
analíticos cam evidentes, pois eles possibilitam que padrões de distinção
sejam estabelecidos e, com isso, o fenômeno das novas guerras seja
compreendido como, de fato, novo.
Ainda que alguns autores, como Mary Kaldor e David Keen (2000)
apontem a globalização ou a difusão da cultura como fenômenos da
contemporaneidade e, por isso, auxiliem em uma mudança qualitativa
na natureza da guerra, a questão das identidades aqui é meramente
instrumental. Ela fundamenta e naturaliza os padrões de rivalidade e
inimizade e serve como justicativa para a prática da violência. Neste
sentido, análises economicistas são trazidas para mostrar a utilidade
da guerra para a perpetuação de empreendimento lucrativo (KEEN;
Berdal, 1997; KEEN, 1998; COLLIER, 2000; ANDREAS, 2008) ou, ainda,
mudanças na organização dos grupos beligerantes explicam a ruptura da
institucionalização e a quebra do Estado a partir da alteração da percepção
do espaço onde a política ocorre (KALDOR, 2001; FLEMING, 2008).
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Os adeptos da visão histórica batalham, primeiramente, para denir
se as novas guerras são novas em qualidade ou apenas temporalmente
(NEWMAN, 2004; FLEMING, 2008; SNOW, 2008; ÖBERG et al, 2009). Neste
caso, o debate gira em torno da existência de elementos de continuidade
e ruptura na beligerância, de forma a comprovar que o uso de símbolos
e discursos antagonistas é um fenômeno que se alterou com o tempo ou
apenas uma atualização de práticas pretéritas.
Ignora-se, assim, o impacto sociopolítico que o processo de construção
de identidades tem sobre as partes e sobre os grupos de apoio, pois tal
questionamento extrapola as propostas explicativas dessas correntes. De
forma semelhante, a manipulação de imagens e símbolos que caracterizam
uma identidade, mas que não levam ao conito armado, são postos de lado.
Os casos trabalhados são apenas aqueles que produzem, como resultado, o
conito político e a beligerância. Portanto, recorrer a uma problematização
dessa dimensão nos parece ser um aspecto que apenas fortaleceria o debate
sobre as novas guerras.
A PRoBlEmAtIzAção DA DIFERENçA
Como mostrado na seção anterior, as novas guerras promovem e
sustentam políticas de identidade para delimitar e separar grupos políticos
através de critérios de auto-identicação, criando a distinções entre o Eu
e o Outro onde antes não existia tal diferença. Ou melhor, a diferença
poderia existir, mas não era tomada como um elemento problemático. As
fronteiras que promoviam as diferenças internas eram tidas como de menor
importância que aquelas que separavam as comunidades políticas estatais
umas das outras, evidenciando a diferença entre estas coletividades.
Grosso modo, as relações entre comunidades políticas estatais se baseiam
em uma dialética de exclusão sustentada pelos atributos da soberania, com a
possibilidade de recurso à violência (WALKER, 2006, p. 61). Instituições como
o direito internacional, a guerra e a diplomacia sustentavam a contento as
relações políticas entre os Estados. A política aconteceria a partir do respeito
à soberania e da diferença – desde que mantida dentro dos limites do Estado.
Contudo, a dinâmica da política internacional que levou ao
questionamento das estruturas estatais – que não cabem ser analisadas
aqui – promoveu a mudança de enfoque sobre as diferenças no interior
do Estado. Estas passaram a importar e ser problematizadas, gerando
efeitos políticos e demandando maior atenção à diferença. Assim, novas
fronteiras foram erguidas, evidenciando a diferença existente os grupos
políticos localizados dentro da comunidade política estatal. Ainda que as
fronteiras geopolíticas continuassem a existir, outros limites, outras formas
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de separação, assumiam maior destaque, gerando dicotomias insuperáveis
em função da condição de modernidade (WALKER, 2006).
Este novo cenário traz à tona o que Walker chama de processos de
dupla exclusão: as fronteiras assumem novos papéis, produzindo espaços
diferenciados e contingentes que não podem ser contidos em um intervalo
determinado. A violência, antes concentrada no monopólio estatal, assume
novas formas e é empregada por outros atores, passando a ser representada
pelas práticas de discriminação e pelos espaços de diferença e semelhança
aonde o conito pode eclodir. As políticas de identidade passam a prevalecer
sobre as chamadas politicas de ideias, projetos coletivos e visando o futuro
que serviram de lastro para o desenvolvimento e fortalecimento do Estado
em seu processo de formação.
É isto que constituiria o processo de dupla exclusão do internacional
moderno: a atuação da subjetividade sobre si mesmo para criar elementos de
subjetividade para o Outro partindo de uma auto-referência para determinar
diferenças entre o Eu e o Outro (WALKER, 2006, p. 58). O novo cenário
político assume um discurso de eliminação de fronteiras onde o Eu e o Outro
constituiriam uma mesma categoria ontológica e, assim, haveria a integração
no plano internacional entre os diferentes sujeitos políticos que integrariam
esta categoria. O internacional moderno seria então um espaço livre, no
qual coexistiriam diferentes tipos de sujeitos que articulariam suas relações
entre si, todos com capacidade de agência. Ao armar que as fronteiras
promoveriam uma sensação de integração, tem-se a imagem de um mundo
sem limites, permitindo a interação entre os diferentes tipos de agentes que
atuam nas novas guerras, tanto domésticos quanto internacionais.
No entanto, como ressaltado, as fronteiras tradicionais abriram espaço para
a ascensão de outras formas e padrões de separação. Estas novas fronteiras
problematizavam a diferença entre culturas, determinando a separação entre
o civilizado e o não-civilizado. Este novo espaço que surge – o internacional
moderno – se transforma na síntese dos muitos mundos que são excluídos,
dentro e fora das comunidades políticas. A separação política que o
internacional moderno pressupõe continua a existir – anal, há a denição do
Eu e do Outro –, mas assumindo outros signicados que mascaram a realidade.
Estas novas fronteiras, que problematizariam a diferença também no
plano doméstico, passam a ter localização turva, promovendo a separação
do civilizado e não-civilizado como categorias ontológicas antagônicas,
4 Apesar deste artigo tratar da criação de diferenças entre comunidades políticas dentro do
Estado, Walker trabalha com a idéia e o termo “internacional moderno”. De forma a manter
a uniformidade no tratamento, utilizaremos a expressão internacional moderno, mesmo que
nos arrisquemos a soar contraditórios.
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reicando o modelo tradicional de política. As fronteiras tradicionais
não deixariam, porém, de existir, e continuariam a reetir o ideal da
modernidade de separação entre comunidades políticas.
Contudo, essas novas fronteiras, ao mesmo tempo em que aproximam
o internacional do doméstico, reforçam a clivagem entre as diferenças,
promovendo a exclusão de modo mais forte. Elas acabam por ser
reproduzidas em binômios e antíteses relacionados com a modernidade, tal
como as próprias concepções de dentro e fora, amigo e inimigo, universal e
especíco – presentes tanto nas novas guerras quanto na dimensão teórica
das Relações Internacionais –, adequando-se perfeitamente ao discurso
anteriormente tido como pertencente à modernidade.
A violência produzida por estas novas dicotomias não mais se
restringiria aos limites da política tradicional, reproduzindo-se em meios
antes não concebidos. As novas guerras são um sinal disso, com práticas
de eliminação e assimilação coercitiva através da caracterização do Outro
como não-civilizado. A construção social das práticas que originam as
políticas de identidade servem como novos referenciais para estabelecer as
fronteiras não só do que é politicamente aceitável, mas também de quem
pode ser incluído no rol dos civilizados e quem não o pode.
Para Walker, lidar com o bárbaro, a antítese do valor defendido pelo
Eu, seria possível, mas exigiria outras formas de relacionar-se com a
diferença. Uma dessas formas é a acomodação e aceitação diplomática, ou
seja, a aceitação da diferença como exótica, mas que não conseguiria ser
comportada a partir dos valores estabelecidos pelos padrões do Eu. Todavia,
o recurso à violência continua presente como método válido de se fazer a
política das novas guerras. É compreender este tipo de relacionamento que
nos interessa no estudo desse fenômeno.
Os cenários e relações ontológicas criados pela modernidade e pelo novo
internacional se complementariam de maneira a criar uma dualidade quase
que insuperável, apesar de não serem capazes de explicar as mudanças
percebidas nas relações entre os atores. Mas a conceituação do novo
internacional nos ajudaria a problematizar a diferença e perceber a violência
a partir das novas políticas de identidade.
Desta maneira, apesar do argumento de Walker carecer deste fator
conclusivo, ele nos instiga a perceber a importância de se considerar
a diferença na forma como a política moderna é estabelecida e como a
diferença leva a considerar novos problemas que antes não constavam nas
agendas políticas. É isto fazemos na próxima seção, através do estudo da
cultura na obra de Hall e Jahn e de sua problematização para a construção
das políticas de identidades das novas guerras.
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A coNStItUIção DA cUltURA
A problematização da diferença nos termos propostos por Walker (2006)
ajuda a entender o Estado como ator não-unitário e não-coeso, justicando
a existência de grupamentos políticos dentro deles. E através da interação
entre essas comunidades temos a formação de uma comunidade política
estatal. Esta interação promove as políticas de identidade, levando a se
pensar a forma como a diferença é ou não problematizada, como mostrado
anteriormente.
Iniciamos a análise da cultura visando a problematização do
nacionalismo e das políticas de identidade a partir de Rodney Hall. Sua
proposta é desenvolver uma teoria sistêmica de agência baseada na
nacionalização dos atores estatais para explicar as mudanças no plano
internacional. Hall – adotando a teoria de Alexander Wendt (1999)5 – opta
por tomar os eventos e relações entre atores e estruturas como contingentes
historicamente, ao contrário das teorias sistêmicas tradicionais. A agência
dos atores será demonstrada como inerentemente dinâmica e constituirá a
identidade coletiva dos Estados 6.
A m de estudar as políticas de identidade nas novas guerras através
da politização do nacionalismo na obra de Hall, é preciso entender como
as identidades dos grupos políticos domésticos se formam a partir da
compreensão da identidade coletiva do Estado. A partir daí pode-se
entender o que Hall toma por cultura, de modo a promover o seu diálogo
com Beate Jahn.
A forma como os indivíduos – que possuem capacidade de agência –
se auto-denem através da interação com outros indivíduos, dentro e fora
dos Estados, constitui as identidades individuais dos agentes domésticos
5 Apesar de Hall se valer do artigo de 1992 de Alexander Wendt, este trabalho faz a menção ao
livro daquele autor, “Social Theory of International Politics”, de 1999, para buscar os conceitos
necessários para sustentar seu argumento. O próprio Wendt remete seu livro ao artigo em
questão. Não acreditamos, portanto, que haja prejuízo em tal utilização em função do livro
conter o renamento do argumento de Wendt, sem que haja contradições com o material
referido por Hall à época de seu livro.
6 Neste ponto podemos perceber a ligação das identidades reclamadas pelas comunidades
políticas nas novas guerras com a identidade dos atores na comunidade estatal. Cabe
esclarecer que a teoria de Hall é sistêmica e se dirige ao plano internacional; quando falamos
em novas guerras tratamos de eventos que acontecem no âmbito doméstico, com repercussões
internacionais. Não vemos estas duas ideias como conitantes porque podemos transportar
o nível sistêmico para a arena política existente dentro do Estado, enquanto as identidades
individuais das coletividades intra-estatais seriam transportadas para os indivíduos que
formam os grupos políticos.
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(Hall, 1999, p. 35). Elas são os aspectos endógenos das identidades nacionais
coletivas e podem variar conforme as condições de interação com as demais
identidades, não se mantendo estáticas ao longo do tempo.
A identidade nacional coletiva do Estado, por sua vez, é denida
e reforçada a partir da co-constituição das identidades individuais no
interior do Estado e pela interação com as estruturas do sistema. Com
isso, ela é dotada de elementos endógenos e exógenos ao Estado (HALL,
1999, p. 36). É através desta identidade coletiva que a ação social se torna
institucionalizada, implicando a equiparação entre a vontade dos indivíduos
que participam da identidade coletiva com a vontade do Estado através da
denição de suas prioridades.
Esta denição de prioridades é o que Hall chama de will-to-manifest-
identity, onde os interesses dos atores não seriam naturalizados, mas
dinâmicos e denidos conforme sua percepção de determinado momento
político e também conforme a relação entre os atores e entre eles e a estrutura
do sistema. Não apenas o cálculo racional afetaria o interesse dos atores, mas
também a percepção das condições sistêmicas e das dinâmicas doméstica e
internacional para se denir prioridades e estabelecer políticas.
A identidade coletiva é formada a partir da auto-identicação dos atores
com base nos seus interesses e preferências. Pela descrição apresentada
por Hall deste processo, a formação desta identidade não problematiza
a relação com outras identidades coletivas para se constituir. Ela apenas
leva em conta a relação com as identidades individuais dos membros que
a compõem e a relação coletiva com a estrutura do sistema.
Não há, tampouco, a problematização da forma como as identidades
são mantidas, apenas que estas podem ser alteradas pelo questionamento
dos princípios do sistema. Isto acaba por prejudicar o entendimento
sobre as relações entre as unidades do sistema em análise – seja no nível
sistêmico como propõe Hall, seja no interior do Estado, com a relação entre
as comunidades políticas nas novas guerras.
Neste contexto, ca claro que a teoria de Hall não se preocupa com quais
grupos criam a identidade coletiva, nem como estes grupos adquirem certa
supremacia para que seus interesses sejam lidos como os interesses estatais.
Para ele, o importante é que o Estado se mostre como o veículo de manifestação
desta identidade coletiva historicamente situada (HALL, 1999, p. 38). Esta
manifestação não acontece tal como um aparato para classes dominantes,
como poderia ser apreendido de teorias marxistas, mas decorre da necessidade
de sobrevivência desta identidade coletiva no sistema internacional.
Desta maneira, como entender a cultura na teoria de Hall? Como o autor
não se refere especicamente a este conceito, temos de extraí-lo da tipologia
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wendtiana de identidades que Hall expressamente adota7. Wendt dene
cultura como sendo o conjunto socialmente compartilhado de conhecimentos
e valores por parte de uma comunidade política (WENDT, 1999, p.
141). Este conceito expressa três pontos que devem ser ressaltados para
possibilitar a ponte entre este marco teórico e o campo das novas guerras.
Inicialmente, trata-se de um conjunto de conhecimentos e valores. Isto
signica que se incluem práticas, posturas políticas, crenças e outras formas
de se perceber o mundo. Envolve, portanto, elementos históricos e outros
contingentes à época de análise da cultura que determinada identidade
carrega em diversos campos (WENDT, 1999, p. 142). Ademais, fala-se em
algo socialmente compartilhado, i.e., que é comum a cada um dos atores
e partilhado entre eles. Finalmente, temos a menção a uma comunidade
política, o que implica a existência de algum tipo de elo entre os indivíduos
que compartilham os valores.
Com isso, a produção da cultura na teoria de Hall teria caráter endógeno
e aconteceria a partir da interação entre as identidades individuais existentes
no interior do Estado. Sua manifestação no nível sistêmico se dá através da
gura do Estado, reproduzindo este conjunto de valores por meio de sua
identidade nacional coletiva. Mas, da mesma maneira como a identidade
coletiva, não há problematização da maneira como a cultura é formada ou
como esta cultura atua na esfera estatal. E isso nos parece que se torna um
problema para uma teoria que se propõe a analisar a importância assumida
pelo nacionalismo no sistema internacional.
A identidade individual para Hall é baseada na interação entre os
atores, mas não a coletiva: justicar a identidade coletiva como a interação
entre as identidades individuais e sua relação com a estrutura ignora a
capacidade de outras identidades coletivas de moldarem umas as outras,
em um processo de relacionamento mútuo e socialmente compartilhado.
Ademais, com a pouca relevância dada à forma como as manifestações de
nacionalismo ditam os rumos da política dentro do Estado, percebemos
que não é possível problematizar tais manifestações, nem as políticas de
identidade utilizando o arcabouço teórico de Hall.
Sua teoria se mostra suciente para explicar as mudanças sistêmicas.
Entretanto a atenção por ele dada ao nacionalismo não é capaz de explicar
as políticas de identidade nas novas guerras, mesmo que ele especique
tal falha na literatura corrente de Relações Internacionais (HALL, 1999, p.
3-4). A lacuna é apontada, mas não preenchida.
7 Esta tipologia é discutida na obra de Wendt (1999) na página 302, mais especicamente, na
nota n. 7.
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O processo de formação e difusão das políticas de identidade nas novas
guerras pode ser localizado na obra de Hall, mas não sofre a problematização
necessária para uma contribuição mais decisiva na compreensão do tema.
A teoria de Hall peca, portanto, ao ignorar esta relação mutuamente
constitutiva que existe entre os atores para a produção de suas identidades
e, consequentemente, o desenvolvimento de suas culturas: “[i]dentity is not
a fact of society: it is a process of negotiation among people and interest
groups. We cannot decide the status, or even the relevance, of identity a
priori” (MCSWEENEY, 1999, p. 73).
A identidade não pode ser percebida no vácuo, sem que haja um
elemento de contraposição a ela – o Outro. Sua constituição é um processo
pautado na intersubjetividade e não-individualizado, como apontado por
Hall. Ele considera apenas o processo intersubjetivo na construção da
identidade individual, mas para a constituição da identidade coletiva isto
não acontece. Para problematizar o nacionalismo e entender as políticas
de identidade das novas guerras é preciso, portanto, buscar a relação na
qual a identidade dos atores se forma, algo que não é buscado por ele. Nas
palavras de Walker (2006, p. 63),
[a]ny analysis of modern politics that is concerned
with only one side of this aporetic relationship must
fail to understand the dynamics of modern polities,
and will consequently either pose a dualistic choice
between particularity to universality or tell us stories
about the way we are already embarked on a journey
to particularity to universality, or to cosmopolis, or to
globalization, or to empire.
É no argumento de Beate Jahn (2000) que reside a tentativa de superar
este ponto e problematizar as manifestações de nacionalismo, de modo a
entender a questão das políticas de identidade das novas guerras. A autora
entende cultura como um elemento integrante e constitutivo da natureza
humana, não uma mera decorrência desta (Jahn, 2000, p. xii); logo não se
pode falar sobre separação entre a natureza humana e a cultura.
Esta concepção é sustentada através do resgate do argumento de Clifford
Geertz no campo da Antropologia Cultural. A ponte com outros ramos do
conhecimento se mostra necessária porque a autora não acredita que as
teorias de Relações Internacionais tratem de forma adequada o conceito de
cultura (JAHN, 2000, p. 3-4).
Graças a esta conexão, cultura é denida por Beate Jahn como um conjunto
de mecanismos e ferramentas construído socialmente através da interação entre
agentes de diferentes naturezas que facilitaria o controle sobre o comportamento
humano (JAHN, 2000, p. 4 apud GEERTZ, 1993, p. 44) através da consolidação
em uma esfera política. Esta denição, assim como a wendtiana adotada por
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Rodney Hall, nos remete a uma concepção de cultura dinâmica e socialmente
construída, que variaria conforme as condições político-sociais encontradas
pela comunidade, não cando congelada no tempo.
Pode-se perceber, portanto, que a cultura na concepção de Jahn é fruto
do processo de socialização dos indivíduos, i.e., construída a partir de
sua interação com outros indivíduos e dependente do espaço e do tempo
em que se encontram. A sua contingência é reforçada pela idéia de que a
cultura deniria as peculiaridades que possibilitariam o entendimento do
mundo e o papel dos indivíduos nele, representando as práticas políticas que
possibilitariam ou limitariam a reprodução da cultura ao longo do tempo.
Mas, diferentemente do que é tomado pela teoria de Hall, a constituição da
cultura envolve a interação entre agentes de diferentes naturezas, internos
e externos às comunidades.
O desenvolvimento cultural é, portanto, dependente de entendimentos
mútuos entre os diferentes atores que compõem o sistema, não podendo
haver a desvinculação um do outro. A interação entre os atores proporciona o
desenvolvimento daquele conjunto de mecanismos de controle e de resposta
ao enfrentamento da diferença, levando a um constante desenvolvimento
do aparato cultural conforme aumente o encontro entre as comunidades.
Desta maneira, o ideal de cultura para Jahn serve como elemento
de interação entre as diferentes comunidades políticas, possibilitando o
estabelecimento do diálogo ou outras formas de relação entre estas diferentes
comunidades. As diferenças culturais não separariam os indivíduos, mas os
levariam a buscar relações baseadas na necessidade de constituir a cultura
a m de se denirem sobre quem são e como enxergam o sistema.
A partir destes processos de interação, nota-se que os indivíduos são
produtos e produtores da cultura (JAHN, 2002, p. 5): cultura é concebida
com referência a outro ator, de forma a traçar padrões de diferenciação para
com a outra comunidade política. Logo não se pode ignorar a importância
da diferença no desenvolvimento cultural de uma comunidade política.
Neste contexto, entendemos que a utilização do conceito de cultura
proposto por Geertz se mostra adequado ao entendimento das novas guerras
porque o problema levantado por Jahn não é a existência do conito frente
às diferenças. A questão é entender a cultura como elemento dinâmico de
constituição da natureza dos indivíduos, denido em confronto com o Outro.
Como comprovação deste argumento, Beate Jahn aborda o debate sobre
os ameríndios durante o descobrimento da América e como o encontro com
uma identidade diferente, que surge em um contexto inesperado, promoveu
a revisão dos cânones tradicionais para se justicar certas posturas e práticas
adotadas pelos descobridores.
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A diferença que existia anteriormente e separava os europeus dos
não-europeus deixou de ser problematizada porque já havia formas de
lidar com ela. Contudo, uma vez que novas fronteiras foram apontadas –
representadas pela existência dos ameríndios –, houve a necessidade de se
lidar com a “nova” diferença.
A política de identidades assumida pelos europeus tinha como
justicativa a predominância de uma das culturas, de modo que o Ocidente
– eurocêntrico – constituiria o repositório legítimo de regras e preceitos
morais. A política de identidades baseada na cultura européia passou a ter
um caráter dogmático, da mesma maneira como as justicativas religiosas
o eram anteriormente.
A busca por justicativas morais para as práticas políticas de dominação
que Jahn descreve remete à relação intersubjetiva que mencionamos na
primeira seção e está presente na concepção da autora de cultura. Esta
intersubjetividade demandaria a legitimação das práticas políticas tomadas
por reconhecer o Outro como sujeito, ainda que diferente e que uma eventual
dominação de um dos lados da relação fosse estabelecida. Isto produziria e
replicaria o binômios “civilizados-não-civilizados/bárbaros”, delimitados
pelas fronteiras do internacional moderno. De todo modo, o recurso ao
elemento cultural para resolver esses “problemas” é, para Jahn, o sinal de
que esta é construída em oposição a outras culturas, servindo de lastro para
as políticas de identidade.
Considerações nais e contribuições para o debate sobre novas guerras
Este artigo oferece uma nova perspectiva no debate sobre novas guerras
ao propor a problematização da política de identidades a partir da discussão
sobre os impactos da cultura. Para viabilizar essa proposta, nos valemos dos
trabalhos de Beate Jahn e Rodney Hall. Através deles, buscamos perceber
como o processo de construção da identidade pode ser politizado, de forma a
redenir a relação com o Outro no interior do Estado e como essa redenição
repercutiria no debate sobre novas guerras.
O argumento de Walker serviu como arcabouço para a problematização
da diferença e para perceber como esta diferença pode ser visualizada a
partir de fronteiras delimitadoras. No caso das novas guerras, as fronteiras
estabelecidas pelo internacional moderno traçam padrões de exclusão com
base na dicotomia entre civilizado e não-civilizado, elementos que são
pertinentes à argumentação de resgate da cultura nas novas guerras.
Isso nos remete às fronteiras desveladas pelas novas guerras: a diferença
existente dentro dos Estados não era considerada porque havia outros
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delimitadores da política que as suplantavam. Porém, uma vez que a diferença
dentro das fronteiras se mostrou mais relevante, houve uma revisão dos
princípios identitários que motivavam o discurso político e cultural de modo a
abordar e justicar a diferença, ainda que esta justicativa busque compensar
atos de violência. A relação entre o Eu e o Outro pode ser entendida a partir
do duplo processo de exclusão da modernidade proposto pelo autor.
A partir desta ideia, a teoria de agência de Rodney Hall é resgatada para
mostrar como nacionalismo e identidade se traduzem na problematização
da cultura, produzindo efeitos na construção das políticas de identidade.
Contudo, na forma como essa teoria é pautada, percebemos que não importa
como a agência é constituída, nem tampouco como as identidades coletivas
se constroem.
A insuciência da teoria de Hall incide no fato de que as identidades
coletivas apenas representam a interação entre a manifestação das
identidades individuais dentro da comunidade política e as estruturas do
sistema onde estas comunidades estão localizadas. A problematização do
nacionalismo se torna inviável dentro desta teoria e, por consequência, o
entendimento da formação das políticas de identidade dentro de uma teoria
sistêmica, ainda que preocupada com a nacionalização dos atores estatais.
Assumir esse viés para superar a subteorização da identidade nas novas
guerras é mascarar um problema da literatura através do recurso a um
modelo complexo e com vasto potencial explicativo – mas não para este caso.
Assim, o artigo se volta para o tratamento dado por Beate Jahn à
cultura. A autora trata a cultura como um elemento relacional, onde os
atores políticos são, ao mesmo tempo, sujeitos e objetos da constituição
cultural, independentemente do grau de importância ou de “hierarquia”
que possuem na arena política. Esta abordagem mostra-se mais condizente
com as políticas de identidade que são apresentadas nas novas guerras e
também dialogam com mais força com a problematização da diferença entre
civilizados e não-civilizados no internacional moderno de Walker.
Da mesma maneira como os europeus precisaram buscar em seu
aparato cultural ferramentas para justicar as posturas tomadas frente aos
ameríndios, resgatando dogmas religiosos e os argumentos das guerras
justas até chegar à construção do estado de natureza, os beligerantes nas
novas guerras também o fazem. Ao trazerem símbolos que resgatam
glórias passadas associados a eventos recentes (KALDOR, 2001), as novas
guerras promovem a revisão do cânone cultural dos grupos envolvidos
para consolidar uma política de identidade de exclusão frente ao Outro
ao mesmo tempo em que adequaria o conjunto de valores culturais às
demandas contemporâneas.
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Apesar dos conceitos de cultura utilizados por Hall e Jahn guardarem
semelhanças entre si por sugerirem a ideia de um conjunto compartilhado
socialmente de valores que guiará a percepção do mundo, a forma como
problematizam a diferença entre as culturas é distinta. Hall não toma esta
questão como necessária, acabando por demonstrar apenas a comunidade
política como fonte de manifestação de uma cultura endógena, a partir
da identidade auto-denida pelo agente. Jahn, por sua vez, entende a
cultura como fruto do relacionamento entre os diferentes atores do sistema,
dialogando com a diferença de modo constante.
Ao mesmo tempo, não se pode tomar as características que delineiam o
comportamento dos atores como auto-referenciadas: cultura e identidades
– assim como a própria política de identidades – são elementos socialmente
constituídos, mesmo que resgatem elementos nostálgicos.
Desta maneira, as novas guerras criam padrões de relacionamento
baseados no estabelecimento de fronteiras, politizando a diferença a partir
de manifestações nacionalistas e estabelecendo diferenças a partir da
concepção de civilizado e não-civilizado, tal como acontecia com a política
“tradicional”. Entender esta dinâmica através do estudo da cultura e
como esta ajuda na formação das políticas de identidade ajudaria a suprir
uma lacuna que existe nos estudos destas novas guerras. Este artigo é um
primeiro avanço nessa direção e esperamos que traga uma maior reexão
sobre essas questões.
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Recebido em: 17/09/2011
Aceito em: 29/11/2011
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This article argues that insufficient account has been taken - both in policy-making and scholarly circles - of the political economy of civil wars and the variety of 'functions' which violence may perform, most markedly in politically fragile, ethnically divided, and economically weak states. The article is divided into two parts. The first examines how the resort to violence and the reluctance to end wars often reflect a rational analysis of cost and benefits on the part of various actors in civil wars, discussing two cases where an understanding of economic agendas and motives sheds important light on the persistence of conflict: Sierra Leone and Cambodia. The second section turns to the impact of economic agendas on the efforts of external actors to address intrastate conflict, and identifies two areas of outside involvement where the failure to account for the presence of economic interests by conflicting parties has critically undermined attempts to provide meaningful assistance. The article concludes by highlighting some general lessons to which particular attention should be given when considering third-party involvement in intrastate conflicts.
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It is widely believed that the human impact of civil conflict in the present era is especially destructive. Proponents of the ‘new wars’ thesis hold that today’s conflicts are fuelled by exclusive identities, motivated by greed in the absence of strong states, and unchecked by the disinterested great powers, resulting in increased battle severity, civilian death and displacement. The ratio of civilian to military casualties is claimed to have tilted, so that the overwhelming majority of those killed today are civilians. Using systematic data that are comparable across cases and over time we find that, contrary to the ‘new wars’ thesis, the human impact of civil conflict is considerably lower in the post-Cold War period. We argue that this pattern reflects the decline of ideological conflict, the restraining influence of globalization on governments, and the increasing rarity of superpower campaigns of destabilization and counter-insurgency through proxy warfare.
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In recent years, a number of analysts have argued that qualitative changes have occurred in the nature of violent conflict and that it is now possible to think in terms of ‘new wars’ that are distinct in significant ways from earlier forms of conflict. This article summarizes the different arguments of the ‘new wars’ thesis and argues that the distinction between ‘contemporary’ forms of conflict and wars of earlier times is exaggerated and in some instances does not stand up to scrutiny, especially when drawing upon historical material. In particular, the article questions the extent to which contemporary forms of organized violence reflect new patterns in terms of actors, objectives, spatial context, human impact, and the political economy and social structure of conflict. Moreover, the article argues that the tendency in the new wars scholarship to identify common patterns in ‘contemporary’ civil conflicts ignores important differences among them. In conclusion, the article considers the importance of recent scholarship on conflict for the security discourse and state sovereignty.
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Drawing upon philosophy and social theory, Social Theory of International Politics develops a theory of the international system as a social construction. Alexander Wendt clarifies the central claims of the constructivist approach, presenting a structural and idealist worldview which contrasts with the individualism and materialism which underpins much mainstream international relations theory. He builds a cultural theory of international politics, which takes whether states view each other as enemies, rivals or friends as a fundamental determinant. Wendt characterises these roles as 'cultures of anarchy', described as Hobbesian, Lockean and Kantian respectively. These cultures are shared ideas which help shape state interests and capabilities, and generate tendencies in the international system. The book describes four factors which can drive structural change from one culture to another - interdependence, common fate, homogenization, and self-restraint - and examines the effects of capitalism and democracy in the emergence of a Kantian culture in the West.
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At a time when uprecedented change in international affairs is forcing governments, citizens, and armed forces everywhere to re-assess the question of whether military solutions to political problems are possible any longer. Martin van Creveld has written an audacious searching examination of the nature of war and of its radical transformation in our own time.
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Those who wish to facilitate peace will be well advised to understand the nature of war. Yet the label war is one that often conceals as much as it reveals. We think we know what a war is, but this in itself is a source of difficulty: Throwing a label at the problem of conflict may further obscure its origins and functions; and the label, moreover, may be very useful for those who wish to promote certain kinds of violence. The idea of war can confer a kind of legitimacy upon certain types of violence, given the widespread belief that certain kinds of war are just and legitimate. This chapter attempts to throw some light on the nature of contemporary warfare by looking closely at some of its functions—notably, the economic functions, which are often partially obscured. The chapter challenges two common notions: that war is a contest between two sides, with each trying to win; and that war represents only a breakdown or collapse rather than the creation of an alternative system of profit, power, and protection. A number of economic functions of warfare are outlined, and attention is given to the interaction of political and economic agendas.
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The persistence and brutality of contemporary civil wars have left many analysts puzzled. Traditional interpretations describe civil wars as simple confrontations between two sides, as explosions of mindless violence, or as disrupting apparently benevolent development processes within countries. These approaches do not fully take into account the rational economic calculations that drive many civil conflicts in the late twentieth century. This paper argues that, to understand violence in civil wars, we need to understand the economic dimensions underpinning it. Economic activities arising from war fall into seven categories: pillage; extorting protection money; controlling or monopolising trade; exploiting labour; gaining access to land, water and mineral resources; stealing aid supplies; and advantages for the military. If these short-term benefits suggest that there is more to civil wars than simply winning, so too does the prevalence and persistence of behaviour that is, in military terms, counter-productive. This can take two forms: cooperating with the ‘enemy’; and mounting attacks that increase, rather than reduce, political and military opposition. This paper describes two forms of economic violence: ‘top-down’, which is incited by political leaders and entrepreneurs; and ‘bottom-up’, where violence is actively embraced by ‘ordinary’ people, either civilians or low-ranking soldiers. Seven conditions can encourage top-down economic violence: a weak state; rebel movements that lack strong external finance or support; an undemocratic or ‘exclusive’ regime under threat; economic crisis; ethnic divisions that cut across class lines; the existence of valuable commodities; and prolonged conflict. Three conditions are particularly conducive to bottom-up violence: deep social and economic exclusion; the absence of a strong revolutionary organisation; and impunity for violent acts. To achieve more lasting solutions to civil conflicts, it needs to be acknowledged that violence can present economic opportunities. This paper concludes that outside intervention must take into account the political and economic interests of the violent. Intervention must provide realistic economic alternatives to violence, and must handle democratic transitions and the introduction of free markets with sensitivity. This is likely to mean strengthening and improving the institutions of the state, such as schools, social-security systems and establishing a more accountable police force and Army.