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O FALACIOSO MONOPÓLIO DA ÚLTIMA PALAVRA

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Abstract

Intitulando-se árbitro imparcial, o Supremo Tribunal Federal tem declarado reiteradamente que dispõe do monopólio da última palavra. Se, por um lado, tal declaração transparece vivenciarmos a tão propalada supremacia judicial, por outro, evidencia suposto desequilíbrio das relações interpoderes. Diante disso, objetiva-se neste artigo a investigação do sentido e alcance da expressão “monopólio da última palavra” e de como esta se desenvolve num contexto de comunidade de instituições. Ao se ampliar o campo comumente investigado, empreende-se um estudo que, mediante o delineamento da extensão e profundidade da expressão abordada, não se restringe apenas à maneira de como a Suprema Corte compreende o sentido da expressão “última palavra”, mas também procura verificar se outros Poderes constituídos também proferem palavras derradeiras acerca de determinadas matérias e sob certas circunstâncias sócio-políticas. Com suporte na teoria institucional e na jurisprudência, conclui-se, ao final, que o Supremo Tribunal Federal deve ser compreendido como guardião constitucional em potência, tendo em vista que a emissão de sua palavra fica subordinada à atuação de outras instituições e à configuração de determinadas circunstâncias sobre as quais exerce pouca ou nenhuma influência.
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uaestio Iuris
vol. 10, nº. 03, Rio de Janeiro, 2017. pp. 1349-1369
DOI: 10.12957/rqi.2017.25249
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O FALACIOSO MONOPÓLIO DA ÚLTIMA PALAVRA1
A Constituição é direcionada a todos, não apenas aos juízes
Cass Sunstein
Antônio Guimarães Sepúlveda2
Carolina Almeida Barbosa3
Resumo
Intitulando-se árbitro imparcial, o Supremo Tribunal Federal tem declarado reiteradamente que dispõe do
monopólio da última palavra. Se, por um lado, tal declaração transparece vivenciarmos a tão propalada supremacia
judicial, por outro, evidencia suposto desequilíbrio das relações interpoderes. Diante disso, objetiva-se neste artigo
a investigação do sentido e alcance da expressão “monopólio da última palavra” e de como esta se desenvolve num
contexto de comunidade de instituições. Ao se ampliar o campo comumente investigado, empreende-se um
estudo que, mediante o delineamento da extensão e profundidade da expressão abordada, não se restringe apenas
à maneira de como a Suprema Corte compreende o sentido da expressão “última palavra”, mas também procura
verificar se outros Poderes constituídos também proferem palavras derradeiras acerca de determinadas matérias e
sob certas circunstâncias sócio-políticas. Com suporte na teoria institucional e na jurisprudência, conclui-se, ao
final, que o Supremo Tribunal Federal deve ser compreendido como guardião constitucional em potência, tendo
em vista que a emissão de sua palavra fica subordinada à atuação de outras instituições e à configuração de
determinadas circunstâncias sobre as quais exerce pouca ou nenhuma influência.
Palavras-Chave: Diálogo Institucional. Comunidade de Instituições. Supremacia Judicial. Separação de Poderes.
Deliberação.
INTRODUÇÃO
A análise e o aperfeiçoamento das instituições públicas nacionais têm exigido dos estudiosos e
pesquisadores brasileiros a adoção de referenciais teóricos mais amplos e adaptáveis para o enfrentamento das
1 Este artigo foi elaborado no âmbito do Laboratório de Estudos Teóricos e Analíticos sobre o Comportamento das Instituições
(LETACI), vinculado à Faculdade Nacional de Direito e ao Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do
Rio de Janeiro, com financiamento da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro
(FAPERJ) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
2 Doutorando em Direito pelo Programa de Pós-Graduação da Universidade Estadual do Rio de Janeiro e professor convidado do
Programa de Pós-Graduação em Direito Financeiro e Tributário da Universidade Federal Fluminense (UFF), do Programa de
Pós-Graduação em Direito Tributário da Fundação Getúlio Vargas (FGV-Rio) e da Escola de Administração Fazendária do
Ministério da Fazenda (ESAF). E-mail: agsepulveda@ig.com.br
3 Mestranda pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Pesquisadora do
Laboratório de Estudos Teóricos e Analíticos sobre o Comportamento das Instituições (LETACI). Bolsista de Apoio Técnico à
Pesquisa de Nível Superior 1A (CNPq). E-mail: carolina.almb@gmail.com
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questões relacionadas com a realidade jurídica nacional. Diferentemente do passado, em que as investigações
jurídicas se apegavam predominantemente a temas de alta abstração, hoje, há forte tendência para o
desenvolvimento de pesquisas jurídicas mais conectadas com a realidade, com o contexto nacional4.
No dinamismo das sociedades contemporâneas, em que a insegurança, a imprevisibilidade e as
incertezas aumentam, é notável como as expressões e os conceitos jurídicos, muitos deles outrora inabaláveis,
sofrem constantes aperfeiçoamentos ou, até mesmo, profundas reformulações, com vistas a acompanhar as
cambiantes dimensões social, política, econômica e institucional. Tanto o surgimento de novas categorias quanto
o aperfeiçoamento e reformulação de expressões e conceitos jurídicos, ditos clássicos, denotam a constante
necessidade de o Direito estar sempre atento às mudanças do cenário nacional. Esta é a razão de alguns estudiosos
afirmarem que o Direito a cada dia se torna menos abstrato e dirige-se a uma dimensão de maior concretude5.
Da mesma forma que, num passado recente, já se compreendera amplamente que a Constituição
consistia num simples repositório de princípios e regras jurídicas, gerais e abstratas. Nos dias atuais, há quem
entenda, por influência do estudo comparado, que a mesma deva ser entendida como um processo de viva
participação popular - isto é, como “Constituição viva”6 - ou mesmo como um “sistema de sistemas”
(VERMEULE, 2011, p. 3).
A despeito de vivenciarmos no País a tão propalada “juristocracia” (HIRSCHL, 2004, p.11) ou, em
termos nacionais, a “supremocracia” (VIEIRA, 2007), em que, por omissão ou conveniência (BOLONHA
et. al.
,
2013, p. 6) dos demais Poderes, a intervenção do Poder Judiciário deixa marcas indeléveis de sua atuação
institucional, remanesce ainda a nebulosa questão de se saber se essa [aparente] supremacia confere outrossim ao
Poder Judiciário a prerrogativa de sempre proferir “a última palavra”, seja em que situação for. Em contraste ao
4 Vale mencionar, exemplificadamente, duas pesquisas que retratam a maior preocupação acadêmica na compreensão e
aperfeiçoamento das instituições públicas nacionais. A primeira, realizada pelo Laboratório de Estudos Teóricos e Analíticos sobre
o Comportamento das Instituições (LETACI), vinculado à Faculdade Nacional de Direito e ao Programa de Pós-Graduação em
Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro, tratou do tema “O Processo Administrativo Disciplinar em uma análise
institucional: RFB, INSS e UFRJ” (BRASIL, 2013, p.95-154). A segunda pesquisa, igualmente de enorme importância para o
Direito, vem sendo desenvolvida pelo Centro de Justiça e Sociedade (CJUS) da Fundação Getúlio Vargas (FGV Direito Rio) e
intitula-se “Supremo em Números”. O Projeto Supremo em Números tem por objetivo produzir conhecimento sobre o papel
institucional e o modo de funcionamento do Poder Judiciário e das outras instituições do sistema de justiça.
5 Afirmação feita pelo Drº Francisco Amaral, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro e presidente da Academia
Brasileira de Letras Jurídicas, durante o IX Seminário Ítalo-Ibero-Brasileiro de Estudos Jurídicos realizado no Superior Tribunal de
Justiça, intitulado como “A crise da complexidade e o direito”. Nesse evento, alegou que o conceito do direito vem passando por
profundas transições, superando assim, em larga medida, a concepção de Direito como “conjunto de normas”. Segundo o
catedrático, valendo-se da observação de princípios jurídicos, cultura e demais elementos, o Direito caminha para uma dimensão
mais concreta. Disponível em <http://www.stj.jus.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=107898>
Acesso em 8 de junho de 2016. Em arremate: “[...] daí dizer que interpretar é construir a partir de algo, por isso significa reconstruir:
a uma, porque utiliza como ponto de partida os textos normativos, que oferecem limites à construção de sentidos; a duas, porque
manipula a linguagem, à qual são incorporados núcleos de sentido” (ÁVILA, 2005, p. 25).
6 Um sentido à expressão Constituição viva pode ser encontrada na obra de Bruce Ackerman (ACKERMAN, 2009, p. 552).
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pensamento defendido por Häberle7 ou por Balkin8, a hermenêutica constitucional tradicional, de fundo
positivista, a jurisprudência constitucional nacional e parte da doutrina9 sugerem que a “última palavra” sobre o
sentido e o alcance da Constituição deva sempre caber à Suprema Corte.
As autoridades públicas de alto escalão10 fazem coro. E, constantemente, transmitem, por meio de seus
pronunciamentos públicos, de forma irrefletida e sem qualquer ressalva, a ideia de que o Supremo Tribunal
Federal (STF) detém o “monopólio da última palavra”. Não só os membros das instituições republicanas, mas
também toda a sociedade brasileira é induzida a pensar que o diálogo institucional11 cessa, quando o Supremo
Tribunal Federal profere a última palavra.
7 Na obra Hermenêutica Constitucional: a sociedade aberta dos intérpretes da Constituição: contribuição para a interpretação
pluralista e “procedimental” da Constituição, escrita em 1975, o estudioso alemão, Peter Häberle defende a ideia, apoiado na
teologia do protestantismo alemão, de que toda e qualquer pessoa que leia livremente a Lei Fundamental torna-se co-intérprete das
normas constitucionais. Segundo o autor, “o tribunal constitucional nunca deverá arrogar-se o papel de preceptor da nação. O ideal
é que ele consiga cooperar com os outros Poderes da República”. Entrevista de Peter Häberle disponível em
<http://www.conjur.com.br/2011-mai-29/entrevista-peter-haberle-constitucionalista-alemao>. Acesso em 8 de junho de 2016.
8 Com amparo na noção de “protestantismo constitucional”, cunhada por Sanford Levinson, Jack Balkin reafirma a ideia de que
nenhuma instituição estatal tenha o monopólio da interpretação da Constituição. (BALKIN, 2011, p. 10).
9 Por todos, cite-se a seguinte passagem: “[...] Outra característica dos atos jurisdicionais é que só eles são suscetíveis de se tornar
imutáveis, não podendo ser revistos ou modificados. A Constituição brasileira, como a da generalidade dos países, estabelece que “a
lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada” (Art. 5º, inc. XXXVI). Coisa julgada é a
imutabilidade dos efeitos de uma sentença, em virtude da qual nem as partes podem repropor a mesma demanda em juízo ou
comportar-se de modo diferente daquele preceituado [...]. No Estado-de-Direito só os atos jurisdicionais podem chegar a esse
ponto de imutabilidade, não sucedendo o mesmo com os administrativos ou legislativos. Em outras palavras, um conflito
interindividual só se considera solucionado para sempre, sem que se possa voltar a discuti-lo, depois que tiver sido apreciado e
julgado pelos órgãos jurisdicionais: a última palavra cabe ao Poder Judiciário. (grifos nossos) (CINTRA, 2009, p. 147, 149, 150,
152 e 337). É ilustrativa a seguinte transcrição: “[...] A opção pela discussão judicial, antes do exaurimento da esfera administrativa,
demonstra que o contribuinte desta abdicou, levando o seu caso diretamente ao Poder ao qual cabe dar a última palavra quanto à
interpretação e à aplicação do Direito, o Judiciário [...]” (PAULSEN, 2012, p. 519).
10 O decano do Supremo Tribunal Federal, Min. Celso de Mello, defendeu, ao apagar das luzes de 2012, o “monopólio da última
palavra” em seu voto para que a Câmara dos Deputados apenas declare a perda dos mandatos dos deputados condenados no
processo do mensalão. Naquela oportunidade asseverou que é “preciso reafirmar a soberania da Constituição e, em particular,
destacar a intervenção e a posição do Supremo Tribunal Federal, que detém em tema de interpretação constitucional e, por força
de delegação da Assembléia Constituinte, o monopólio da última palavra”. Disponível em
<http://exame.abril.com.br/brasil/noticias/celso-de-mello-stf-tem-monopolio-da-ultima-palavra>. Acesso em 8 de junho de
2016. Em 4 de fevereiro do ano corrente, o Presidente do Supremo Tribunal Federal, Min. Joaquim Barbosa, em resposta ao
discurso do ex-presidente da Câmara dos Deputados, o parlamentar Marco Maia, disse que “qualquer assunto que tenha natureza
constitucional, uma vez judicializado, a palavra final é do Supremo Tribunal Federal”. Disponível em
<http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2013-02-04/stf-tem-palavra-final-em-assuntos-constitucionais-diz-barbosa>. Acesso em
8 de junho de 2016.
11 Parafraseando Jean Leclair, a metáfora do diálogo é utilizada para descrever a capacidade de reação de um Poder frente às
decisões dos demais, em especial, em temas de natureza constitucional, isto é, em deliberações que veiculem interpretação das
disposições constitucionais. Para Leclair, o Judiciário não detém a última palavra e, muito menos, está acima dos demais como um
superpoder. Afirma que toda referência ao diálogo só é relevante se promover a participação cidadã nos processos de governança.
De acordo com o mencionado autor, se a invocação dialógica serve apenas para legitimar o poder das autoridades públicas, sem
levar em conta os interesses dos cidadãos, este é um conceito que não tem nenhum propósito (LECLAIR, 2003, p. 381-382).
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Todavia, sob perspectiva sistêmica12, parece que o sentido atribuído a essa expressão não condiz
precisamente nem com a realidade e, nem muito menos, com a teoria institucional contemporânea. Ainda que
cada um dos poderes constituídos,
de per si
, tenham sido constitucionalmente (re)desenhados13 para suprir certa
demanda deliberativa dentro de sua própria esfera de competência e
expertise,
parece razoável supor que, mesmo
que atendidas essas expectativas, o simples exercício das respectivas atribuições constitucionais é insuficiente para
a constituição e manutenção de um típico Estado Democrático de Direito14.
Por meio deste ensaio, não se ambiciona propor um novo conceito jurídico ou a reformulação de
determinada categoria jurídica. Não, não se vai tão longe. O propósito deste artigo se circunscreve apenas a
analisar, sob uma perspectiva positiva15,o sentido e o alcance da afirmação que declara que o Supremo Tribunal
Federal “dá a última palavra”. Pretende-se, ao final, concluir se outros Poderes podem coordenadamente,
in
concreto
, independentemente da prática retórica do STF, dar a última palavra. Neste estudo, deliberadamente,
será privilegiado o exame da noção tecida pelos Ministros da mais Alta Corte do País, num cenário marcado por
uma aparente afirmação da supremacia do Poder Judiciário 16, inserido em uma comunidade de instituições, e de
constante redesenho constitucional 17.
Essa é a temática que motiva o presente trabalho. Precisar o sentido emprestado pelos Ministros da
Suprema Corte brasileira à expressão que intitula este artigo e confrontá-lo à perspectiva sistêmico-dialógica. É
12 Vermeule utiliza o termo sistema para designar agregados cujas propriedades são determinadas pela interação de seus
componentes tais como, indivíduos, proposições legais e instituições. Esses componentes, em um primeiro nível, são os
indivíduos, que se agregam para criar instituições (sistema institucional). E, em um segundo nível, as instituições, ao se interagirem,
constituem outro agregado, isto é, “agregados de agregados” (sistema constitucional global). É, em razão disso, que Vermeule
afirma que as ordens constitucionais são “sistemas de sistemas” aninhados. As ordens jurídicas são sistemas de dois níveis que
emergem a partir das interações estabelecidas entre as instituições para formar uma ordem global. (VERMEULE, 2011, p. 27).
13 A expressão “intervenção institucional” denota o conjunto de medidas necessárias, avaliadas conscientemente, para redefinição
intencional de certo desenho v.g., constitucional - na busca de resultados potencialmente melhores. A partir da verificação de
disfunções ou produção de resultados subótimos apurados a partir da análise interna do desenho institucional previamente
estabelecido, almeja-se, por meio da intervenção institucional, o delineamento de novo desenho (redesenho institucional), com
vistas à obtenção de certo prognóstico, ou seja, de resultados potencialmente melhores. A ocorrência de mudanças circunstanciais
significativas, que tornem a regulação normativa defasada e anacrônica, enseja a intervenção do desenhista institucional, no intuito
de substituir os mecanismos institucionais que não mais produzem os resultados desejados. (SUNSTEIN, 1990, p.91).
14 O liberal legalism a teoria legal definida pela crença de que os Poderes ou a política podem ser moldados por meio de
mecanismos ou desenhos constitucionais falha em pressupor a submissão dos poderes constituídos ao rule of law. O rule of law
exerce eventuais constrangimentos à ação dos Poderes, porém, crises, emergências e conveniências constitucionais (v.g.,
delegações, conivência), submetem a interpretação constitucional à discrição do hermeneuta, seja que Poder for. Com relação a
essa matéria confira o artigo “A Conveniente Supremacia do Poder Executivo vis-à-vis a Coordenação Constitucional de Poderes”.
(BOLONHA, 2013, p.5). Disponível em <http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=eb6bdd281dfc2688> Acesso em 30
de abril de 2016.
15 Perspectiva positiva ou factual, opondo-se à perspectiva normativa, de natureza subjetiva e valorativa.
16 A centralidade assumida pelo Poder Judiciário é tema cuja abordagem é recorrente nos estudos do professor Luís Roberto
Barroso. (BARROSO, 2009, p.1). Disponível em <http//:www.conjur.com.br/static/text/72894,1> Acesso em 20 de março de
2016.
17 Vários estudos contemporâneos, tanto no Brasil (SEPULVEDA, 2013, p.2) como no exterior (VERMEULE, 2007, p.4), têm
concluído que o rule of law é mecanismo insuficiente para fins de controle mútuo dos poderes constituídos. Nesse aspecto, o rule of
law se mostra ineficaz como instrumento único para a implantação do sistema de freios e contrapesos.
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demanda que se coloca sob investigação principalmente quando são sensíveis os efeitos causados por essa
repetida assertiva no macro contexto de relações interpoderes.
Para essa análise, este artigo se estrutura em outras três partes.
De início, investiga-se sob que noção a Suprema Corte brasileira compreende a afirmação de que detém
a competência para declarar terminantemente “a última palavra”. Neste primeiro ato, pretende-se explicitar como
os Ministros, em seus votos, concebem a definição dessa expressão e em que contexto a mesma é utilizada. Em
suma, procura-se inicialmente demarcar o campo semântico da expressão a “última palavra” construída por meio
das deliberações tomadas no seio da mais alta Corte, em temas de alta complexidade e suscetíveis de profundos
desacordos morais.
Passo seguinte, alguns casos de destaque, com propósitos exemplificativos, submetidos ao crivo do
Supremo Tribunal Federal, são analisados. Sob reduzido espectro, considerados os limites deste tipo de
abordagem, procurar-se-á verificar se o sentido jurisprudencial conferido pelo Supremo Tribunal à expressão
“última palavra” é capaz de abranger alguns casos concretos. Nesse ponto, confronta-se o significado atribuído
pelos Ministros à expressão a “última palavra” e determinadas situações concretas, extraídas da jurisprudência do
próprio Supremo Tribunal Federal.
A questão que se coloca nesse passo é verificar se há situações concretas reveladoras de que a “última
palavra” não foi proferida pelo Supremo Tribunal Federal ou que, a deliberação da Corte foi, em certa medida,
superada por decisão de outra instituição republicana partícipe do “sistema de sistemas”. Descortina-se, nesta
etapa, se a “última palavra” dada pelo Supremo Tribunal Federal molda, em termos absolutos, a atuação dos
demais Poderes, incentivando ou desestimulando-os de certa ação, apontando-se hipóteses nas quais (i) o
Supremo Tribunal Federal efetivamente dá a “última palavra”, (ii) outros tribunais, inclusive com reconhecimento
da própria Suprema Corte, devem proferir a palavra final; (iii) o próprio Supremo reconhece que a palavra
derradeira compete à instância decisora de outro Poder; (iv) a palavra final da mais alta Corte é superada por
pronunciamento de outro Poder ou, por fim, (v) o Supremo não declara palavra alguma.
Por fim, nossas conclusões. A partir dos casos concretos analisados ao longo do artigo, são explicitados,
na fase final, os fatores e as causas que motivam afirmar que o Supremo Tribunal Federal não detém o monopólio
da última palavra.
Além de se oferecer resposta ao questionamento formulado, espera-se ao final deste artigo que fique
ressaltada, sob visão sistêmica, a importância dos diálogos interpoderes para o bom funcionamento do Estado
Democrático de Direito18. Em síntese, procurar-se-á responder, sob ótica do institucionalismo contemporâneo, se
18 A Constituição de 1988 inova ao incorporar a expressão Estado Democrático de Direito. Ao lado de princípios fundamentais de
organização estatal - tais como, a forma federativa e o princípio republicano - o ideal democrático é conjugado ao Estado de Direito,
no intuito de salientar as históricas conquistas democráticas, as garantias de caráter legal e o viés social.
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toda decisão final proferida pelo Supremo Tribunal Federal tem o condão de inviabilizar o diálogo interpoderes
sobre assuntos tidos por relevantes pela sociedade brasileira.
O EMPREGO JURISDICIONAL DA EXPRESSÃO “A ÚLTIMA PALAVRA”
É natural ao senso comum deduzir, sem maiores aprofundamentos teóricos, que as decisões proferidas
pelo Supremo Tribunal Federal, seja como Corte Constitucional atuando como intérprete constitucional nas
ações declaratórias - seja como Suprema Corte desempenhando o papel de tribunal de última instância -
resolvam terminantemente todas as demandas e desacordos sociais que possam abalar a paz social, a ordem
democrática ou a estabilidade estatal.
A reiterada anunciação de que o Supremo Tribunal Federal é o “guardião da Constituição19” e, por via de
conseqüência, o detentor da “última palavra”, se traduz em adjetivação fundamental para afirmação e reafirmação
de seu
status
como poder hegemônico na interpretação constitucional. A constante proclamação pública dessa
expressão, livre de qualquer ressalva, tende a incutir a ideia de que a “última palavra” alcança todo e qualquer tema
que seja submetido à apreciação do Supremo Tribunal, não ensejando, após a enunciação da palavra derradeira,
novos pronunciamentos por parte dos outros poderes, ainda que modificado o contexto em que fora emitida a
expressão “última palavra”.
Se, por um lado, a incondicional repetição de que o Supremo Tribunal Federal é o detentor da “última
palavra” procura reconhecer a hegemonia de sua discricionariedade no relacionamento interpoderes, por outro,
pode ser um indício de que o princípio da tripartição de poderes, o mecanismo de freios e contrapesos e a cláusula
constitucional da independência e harmonia dos Poderes - em suma, os instrumentos institucionais instalados na
Constituição - não conseguem, por si sós, proporcionar a necessária dinâmica dialógica entre os Poderes
Republicanos.
O uso, sem reservas, de tal expressão transmite uma noção mais fotográfica (dimensão estática) do que
cinematográfica (dimensão dinâmica) do contexto interpoderes, nos induzindo a pensar que sempre que o
Supremo Tribunal Federal profere a “última palavra”, o diálogo institucional cessa ou, nem mesmo, principia.
Atualmente, não são raras as ocasiões em que os próprios Ministros expressam em seus acórdãos que “o
monopólio da última palavra”, em matéria de interpretação constitucional, cabe sempre à Corte Suprema, dado
que “o modelo político-jurídico vigente em nosso País20” assim estabeleceu. Tal manifestação ganha maior
19 Com fundamento no caput do artigo 102 da Constituição da República Federativa do Brasil e reafirmado reiteradamente em
diversos acórdãos (Em complemento, vide nota 39 deste artigo).
20O exercício da jurisdição constitucional, que tem por objetivo preservar a supremacia da Constituição, põe em evidência a
dimensão essencialmente política em que se projeta a atividade institucional do Supremo Tribunal Federal, pois, no processo de
indagação constitucional, assenta-se a magna prerrogativa de decidir, em última análise, sobre a própria substância do poder. - No
poder de interpretar a Lei Fundamental, reside a prerrogativa extraordinária de (re)formulá-la, eis que a interpretação judicial acha-
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significância ao reforçar gradativamente no intelecto social que as decisões que dimanam do Supremo Tribunal
Federal são absolutas, isto é, dotadas de caráter definitivo, terminativo, independentemente do contexto
considerado.
Pela via da interpretação constitucional, a mais alta Corte, partícipe do concerto institucional, atribui-se
paradoxalmente o monopólio da última palavra. No sistema madisoniano, o Supremo Tribunal Federal, que
deveria atuar em pé de igualdade perante as demais instituições legislativas e executivas21, parece agir como árbitro
imparcial, no intuito de impedir a invasão ou o engrandecimento de qualquer departamento estatal. Todavia, a
própria jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, principalmente aquela consolidada a partir do final dos anos
90, bem como outras deliberações proferidas pelos demais Poderes denotam outro sentido.
Em diversas decisões proferidas pela Suprema Corte brasileira, a expressão “última palavra” é empregada
em um sentido mais restrito e, normalmente, acompanhada de expressas ressalvas. Embora recorrentemente
utilizada em demandas quer objetivas22, quer subjetivas23 - dos mais variados assuntos, vale dizer, direito penal24,
tributário25, previdenciário26, eleitoral27, constitucional28, trabalhista29, civil30 e processual31, dentre outros assuntos
se compreendida entre os processos informais de mutação constitucional, a significar, portanto, que "A Constituição está em
elaboração permanente nos Tribunais incumbidos de aplicá-la". Doutrina. Precedentes. - A interpretação constitucional derivada
das decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal - a quem se atribuiu a função eminente de "guarda da Constituição" (CF,
art. 102, "caput") - assume papel de fundamental importância na organização institucional do Estado brasileiro, a justificar o
reconhecimento de que o modelo político-jurídico vigente em nosso País conferiu, à Suprema Corte, a singular prerrogativa de
dispor do monopólio da última palavra em tema de exegese das normas inscritas no texto da Lei Fundamental (STF, MS nº
26.603/DF , rel.: Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno. Data de julgamento: 04.10.2007).
21 Vermeule critica o “julgamento madisoniano” que supõe que o papel adequado dos tribunais, em controvérsias que envolvam a
separação dos poderes e a estrutura de governo, deva ser o de impedir a invasão ou o engrandecimento de um poder sobre outro.
Para ele, os argumentos do “julgamento madisoniano” falham ao supor que os juízes estão fora do sistema. Parte do pressuposto
que não há como o Judiciário ser o regulador da implacável concorrência entre os poderes políticos, uma vez que integra o jogo
concertado interpoderes. Contrariamente, Vermeule diz que o desafio do projetista constitucional é precisamente estabelecer,
naturalmente, mecanismos institucionais de auto-regulação, apoiado sobre os poderosos motivos de ambição e auto-interesse, ao
invés de se fundar sobre o fraco motivo de promoção do bem comum. Segundo Vermeule, o sistema de freios e contrapesos deve
surgir endogenamente a partir da concorrência estrutural, ao invés de se apoiar sobre comandos exógenos de um regulador
imparcial. (POSNER, 2013, p.7).
22 Confira STF, ADI nº 3345/DF, Relator: Min. CELSO DE MELLO. Data de Julgamento: 23.08.2005.
23 Confira STF, HC nº 80245/MG, Relator: Min. SEPÚLVEDA PERTENCE. Data de Julgamento: 21.06.2000.
24 Confira STF, HC nº 103805/SP, Rel. Min. LUIZ FUX. Data de julgamento: 05/04/2011; HC nº 117212/SP, Rel. Min. ROSA
WEBER. Data de julgamento: 18.04.2013.
25 Confira STF, RE nº 201160/DF, Rel. Min. MOREIRA ALVES. Data de julgamento: 06.11.2001.
26 Confira STF, RE nº 456689 AgR/SE, rel. Min. JOAQUIM BARBOSA, 2ª Turma. Data de julgamento: 31.08.2010.
27 Confira STF, MS nº 26603/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno. Data de julgamento: 04.10.2007; AI nº
733387/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, 2ª Turma. Data de julgamento: 16.12.2008; RE nº 467499/RS, Rel. Min. GILMAR
MENDES. Data de julgamento: 07.02.2013.
28 Confira STF, ADI nº 2396/MS, Rel. Min. ELLEN GRACIE, Tribunal Pleno. Data de julgamento: 08.05.2003.
29 Confira STF, MI nº 708/DF, Rel. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno. Data de julgamento em 25.10.2007; MI nº 670/ES, Rel. Min.
Maurício Corrêa, Tribunal Pleno. Data de julgamento: 25.10.2007.
30 Confira STF, RE nº 477554 AGR/MG, Rel. Min. CELSO DE MELLO, 2ª Turma. Data de julgamento: 16.08.2011.
31 Confira STF, AI nº 261694 AgR/RS, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, Rel. p/acórdão Min. CELSO DE MELLO, 2ª Turma. Data
de julgamento: 13.03.2001.
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é comum que tal expressão seja enunciada ao lado de especificações restritivas, tais como: “em matéria de32”,
“sobre determinadas matérias, como [...]33”, “em tema de34”, “sobre questão de35”, “nestes termos específicos36” ou,
então, “sobre o sentido de37”.
Notável como a menção à expressão “última palavra” ao mesmo tempo que é empregada de forma
restrita aos casos que expressamente especifica, alimenta um perfil generalista quando é repetidamente aplicada no
cenário judicial. O perfil generalista ganha contornos mais nítidos, quando a citada expressão é
indiscriminadamente reverberada no contexto sócio-político38.
As decisões proferidas pelos Ministros do Supremo Tribunal Federal39, ao expressarem que “a ele é
conferido o monopólio da última palavra40”, fundam-se basicamente em uma racionalidade que se assenta sobre
duas premissas centrais, quais sejam: (i) a Constituição está no ápice do ordenamento jurídico brasileiro41 e (ii) o
Supremo Tribunal Federal é o guardião da Constituição (CF, art. 102, "caput").
32 Confira STF, RE nº 477554 AGR/MG, Rel. Min. CELSO DE MELLO, 2ª Turma. Data de julgamento: 16.08.2011.
33 Confira STF, MS nº 23452/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno. Data de julgamento: 16.09.1999.
34 Confira STF, HC nº 115549 MC/Ba, Rel. Min. CELSO DE MELLO. Data de julgamento: 04.02.2013.
35 Confira STF, HC nº 116532 MC/BA, Rel. Min. ROSA WEBER. Data de julgamento: 31.01.2013.
36 Confira STF, MS nº 23452/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno. Data de julgamento: 16.09.1999.
37 Confira STF, RE nº 599633 AgR-AgR/DF, Rel. Min. LUIZ FUX, 1ª Turma. Data de julgamento: 02.04.2013.
38 Em entrevista concedida a repórter do jornal O Estado de São Paulo, no contexto da Operação Satiagraha, o então presidente do
STF, Gilmar Mendes, ao comentar o embate travado com o Ministro da Justiça em exercício à época, Tarso Genro, assim se
pronunciou: “Não há perdedores nem ganhadores. Temos uma estrutura definida no texto constitucional e cabe ao Supremo
guardar e velar pela Constituição em última instância. Ele acerta e erra por último”. Disponível em
<http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,tarso-nao-tem-competencia-para-opinar,206058,0.htm>. Acesso em 22 de
março de 2016. Em cerimônia de abertura dos trabalhos do Ano Judiciário de 2013, o vice-presidente da República, Michel Temer,
no plenário do STF e representando a presidenta da República, salientou “a harmonia e independência entre os Poderes Executivo,
Legislativo e Judiciário como pilares da democracia brasileira” e “enalteceu o papel do judiciário brasileiro em dar a última palavra
sobre o que é ou não lei em nosso país, bem como dos instrumentos jurídicos criados a partir da Constituição Federal de 1988 para
dar ao cidadão maneiras de cobrar eventuais omissões do Estado”. Disponível em
<http://www2.stf.jus.br/portalStfInternacional/cms/destaquesClipping.php?sigla=port
alStfDestaque_pt_br&idConteudo=229752>. Acesso em 7 de março de 2016.
39 O emprego da expressão “a última palavra” foi e tem sido utilizada por diversos Ministros, dentre aqueles que mais lançaram mão
de tal expressão cabe salientar os seguintes magistrados do Supremo Tribunal Federal: Carlos Velloso, Celso de Mello, Ellen
Gracie, Gilmar Mendes, Joaquim Barbosa, Luiz Fux, Marco Aurélio, Maurício Correa, Moreira Alves, Nelson Jobim, Rosa Weber,
Sepúlveda Pertence, Sidney Sanches e Teori Zavascki.
40 “Incumbe, por isso mesmo, ao Supremo Tribunal Federal, em sua condição institucional de guarda da Constituição (o que lhe
confere “o monopólio da última palavra” em matéria de interpretação constitucional), desempenhar função contramajoritária, em
ordem a dispensar efetiva proteção às minorias contra eventuais excessos (ou omissões) da maioria, eis que ninguém se sobrepõe,
nem mesmo os grupos majoritários, à autoridade hierárquico-normativa e aos princípios superiores consagrados na Lei
Fundamental do Estado". Confira em STF, RE nº 477554 AGR/MG, Rel. Min. CELSO DE MELLO, 2ª Turma. Data de
julgamento: 16.08.2011.
41 Relevante contribuição dos pais fundadores da República dos Estados Unidos da América para o Princípio da Separação dos
Poderes foi o sistema de freios e contrapesos. Os Federalistas, visando estabelecer o equilíbrio entre os departamentos, alçaram a
Constituição à posição altaneira, não conferindo primazia a qualquer dos poderes constituídos. À propósito, cabe mencionar: “We
see it particularly displayed in all the subordinate distributions of power, where the constant aim is to divide and arrange the several
offices in such a manner as that each may be a check on the other that the private interest of every individual may be a sentinel
over the public rights. These inventions of prudence cannot be less requisite in the distribution of the supreme powers of the State”
(MADISON, 1788).
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A partir da interpretação constitucional, com base em um marco teórico jusfundamental eminentemente
germânico e direcionado à efetividade as normas encartadas na Carta Magna42, o Supremo Tribunal Federal
estabelece os fundamentos de suas decisões sobre teses como a judicialização da política e a supremacia judicial43.
Endogenamente, o Supremo interpreta a substância de seu próprio poder44, culminando por asseverar que atua na
qualidade de “último guardião da Constituição”, de detentor da “última palavra”.
Os argumentos por meio dos quais o Guardião Constitucional lança mão e justifica sua supremacia45
revelam que a singular prerrogativa de dispor do monopólio da “última palavra” decorre de um cenário fotográfico
da Constituição, em que a participação de qualquer outra instituição fica excluída, a princípio.
DESCONSTRUINDO A NOÇÃO DO MONOPÓLIO DA ÚLTIMA PALAVRA: ALGUNS
CASOS CONCRETOS
Sob perspectiva sistêmica, neste tópico são analisadas várias deliberações dos Poderes Republicanos
com a finalidade de descrever os casos em que: (i) o Supremo Tribunal Federal efetivamente dá a “última palavra”,
(ii) outros tribunais, inclusive com reconhecimento da própria Suprema Corte, devem proferir a palavra final, (iii)
o próprio Supremo reconhece que a palavra derradeira compete à instância decisora de outro Poder, (iv) a palavra
final da mais alta Corte é superada por pronunciamento de outro Poder e, por fim, (v) o Supremo não declara
palavra alguma.
Casos em que o STF efetivamente dá a “última palavra”
A expressão “última palavra”, dotada de indiscutível caráter de definitividade, pode ser encontrada em
42 A título de exemplo confira os seguintes acórdãos: STF, RMS nº 24.536, Rel. Min. GILMAR MENDES, 2ª Turma. Data de
Julgamento: 02/12/2003; MS nº 24.547/DF, Rel. Min. ELLEN GRACIE, Tribunal Pleno. Data de Julgamento: 14.08.2003; ADI
nº 3.324/DF, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno. Data de Julgamento: 16.12.2004 e ADI nº 3.305/DF, Rel. Min.
EROS GRAU, Tribunal Pleno. Data de Julgamento: 13.09.2006.
43 Originalmente, a tese da judicialização da política foi defendida por Tate e Vallinder (1995). A noção de supremacia judicial, ao
contrário, possui registros nos debates políticos Lincoln-Douglas, mas se fortaleceu em precedentes da Suprema Corte norte-
americana, como Cooper vs. Aaron, 358 U.S. 1 (1958); e City of Boerne vs. Flores, 521 U.S. 507 (1997) (GRABER, 2006, p. 923).
44 Vide nota 16.
45 “O exercício da jurisdição constitucional - que tem por objetivo preservar a supremacia da Constituição - põe em evidência a
dimensão essencialmente política em que se projeta a atividade institucional do Supremo Tribunal Federal, pois, no processo de
indagação constitucional, assenta-se a magna prerrogativa de decidir, em última análise, sobre a própria substância do poder. No
poder de interpretar a Lei Fundamental, reside a prerrogativa extraordinária de (re)formulá-la, eis que a interpretação judicial acha-
se compreendida entre os processos informais de mutação constitucional, a significar, portanto, que "A Constituição está em
elaboração permanente nos Tribunais incumbidos de aplicá-la". Doutrina. Precedentes. A interpretação constitucional derivada das
decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal - a quem se atribuiu a função eminente de "guarda da Constituição" (CF, art.
102, "caput") - assume papel de essencial importância na organização institucional do Estado brasileiro, a justificar o
reconhecimento de que o modelo político-jurídico vigente em nosso País confere, à Suprema Corte, a singular prerrogativa de
dispor do monopólio da última palavra em tema de exegese das normas inscritas no texto da Lei Fundamental”. Confira ADI nº
3.345/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno. Data de julgamento: 25.08.2005.
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vários casos concretos decididos pelo Supremo Tribunal Federal. Na maioria dos casos em que o Supremo
efetivamente dá a “última palavra”, é possível identificar alusões diretivas acompanhadas de referenciais, tais como,
“em matéria constitucional”46 e “pressupostos de reserva de jurisdição”47, por meio das quais o Supremo Tribunal
Federal traz delimitações contextuais, fundamentalmente fixadas a partir de normas constitucionais de
competência, que tendem à edificação de uma argumentação que ratifica o emprego da expressão “última palavra”.
Nas demandas judiciais, de um modo em geral, é imprescindível que, em um dado momento, os litígios
tenham que ser terminantemente resolvidos, com a finalidade de debelar conflitos intersubjetivos. Por meio de
decisão final, alcança-se assim a estabilização da relação conflituosa, a segurança jurídica e a paz social.
Evidencie-se, neste ponto, que, se por um lado, a decisão transitada em julgado - voltada, em regra, para o
passado - é imutável, por outro, a interpretação é sempre passível de modificação por meio de uma nova exegese
judicial de feição prospectiva48. Decisão judicial final em matéria de condenação penal retrata exemplarmente o
que se expõe, a exemplo do que aconteceu no curso da Ação Penal nº 47049. A cláusula constitucional da reserva
de jurisdição é também um outro bom exemplo. Essa cláusula incide sobre determinadas matérias, tais como,
busca domiciliar50, interceptação telefônica51 e decretação da prisão de qualquer pessoa, ressalvada a hipótese de
flagrância52.
Nesses assuntos específicos impera a norma jurídica de que assiste exclusivamente ao Poder Judiciário
46 Confira STF, Rcl nº 1.203 AgR/BA, Rel. Min. MOREIRA ALVES, Tribunal Pleno. Data de julgamento: 27.09.2000; AI nº
245.136/PE, rel. Min. MARCO AURÉLIO. Data de julgamento: 02.08.1999; AI nº 253.149 AgR/SP, rel. Min. CELSO DE
MELLO. Data de julgamento: 29.02.2000; RE nº 268.591/PR, rel. Min. NELSON JOBIM. Data de julgamento: 03.10.2000; AI nº
255.351/RJ. Rel. Min. MARCO AURÉLIO. Data de julgamento: 22.03.2000; AI nº 257.018/RJ, rel. Min. MARCO AURÉLIO.
Data de julgamento: 22.03.2000; AI nº 257.104/RJ, rel. Min. MARCO AURÉLIO. Data de julgamento: 22.03.2000; AI nº
255.454/RJ, rel. Min. MARCO AURÉLIO. Data de julgamento: 13.03.2000; RE nº 221.538/SP, rel. Min. SYDNEY SANCHES.
Data de julgamento: 28.02.2002; Rcl nº 2.986 MC/SE, rel. Min. CELSO DE MELLO. Data de julgamento: 11.03.2005; AI nº
733.387/DF, rel. Min. CELSO DE MELLO, 2ª Turma. Data de julgamento: 16.12.2008; RE nº 671.228/DF, rel. Min. TEORI
ZAVASKI. Data do julgamento: 01.02.2013.
47 Confira MS nº 23.452/RJ, rel. Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno. Data de julgamento: 1.09.1999; AI nº 252.889/MT,
rel. Min. CELSO DE MELLO. Data de julgamento: 10.12.1999; AI nº 250.000/SP, rel. Min. MARCO AURÉLIO. Data de
julgamento: em 03.11.1999; AI nº 255.470/SP, rel. Min. CELSO DE MELLO. Data de julgamento: 01.08.2000; RE nº
201.160/DF, rel. Min. MOREIRA ALVES. Data de julgamento: 15.08.2001; RE nº 195.745/MG, rel. Min. MOREIRA ALVES.
Data de julgamento: 26.02.2002 e AI nº 261.694 AgR/RS, rel. Min. CELSO DE MELLO, 2ª Turma. Data de julgamento:
13.03.2001.
48 Exemplar é a lição de Karl Larenz ao afirmar que “[...] na nossa ordem jurídica os tribunais não estão vinculados à interpretação
em certa altura aceite. Podem, ou melhor, devem, desviar-se dela quando, segundo a convicção do tribunal, no caso a julgar,
melhores razões se inclinam para uma outra interpretação”. (LARENZ, 2005, p. 442)
49 No dia 27 de fevereiro do ano corrente, o Supremo Tribunal Federal, alterando decisão anterior, deliberou, por seis votos a cinco,
absolver vários condenados no processo conhecido como o “caso do mensalão”. A decisão foi tomada no julgamento dos
embargos infringentes considerados um novo processo que pode efetivamente mudar decisão anterior. Diferentemente da
decisão anterior, na recente deliberação seis ministros que votaram pela absolvição entenderam que não ficou configurado o crime
de quadrilha. Fator determinante para a alteração da palavra do Supremo foi a nova composição da Corte, que contou em sua
composição com a atuação de dois novos integrantes, quais sejam: os Ministros Roberto Barroso e Teori Zavaski.
50 Confira art. 5º, inc. XI da Constituição da República Federativa do Brasil.
51 Confira art. 5º, inc. XII da Constituição da República Federativa do Brasil.
52 Confira art. 5º, inc. LXI da Constituição da República Federativa do Brasil.
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(e,
ipso facto
, ao Supremo Tribunal Federal, que atua como tribunal de recursos) não apenas o direito de proferir
a palavra derradeira, mas, sobretudo, a prerrogativa de dizer, desde logo, a primeira palavra. Por força e autoridade
do que disciplina o próprio ordenamento jurídico, fica afastada terminantemente a possibilidade de exercício de
iguais competências por parte de quaisquer outros departamentos estatais.
Esses exemplos, assim como tantos outros aqui não abordados, indicam que há um amplo setor de
atuação em que não se discute se o Supremo Tribunal Federal dá a última palavra sobre determinados temas
jurídicos.
Casos em que outros tribunais, inclusive com reconhecimento do STF, dão a última
palavra
Quando os conflitos são resolvidos definitivamente pela instância máxima do Poder Judiciário,
robustece-se a noção de que o Supremo Tribunal Federal é o detentor da última palavra. Por outro lado, quando a
própria Suprema Corte reconhece ser de competência de outros tribunais a prolação da palavra derradeira, a ideia
da aludida expressão perde muito de seu significado. O reconhecimento pelo Supremo de que a palavra final em
determinados casos cabe a outros tribunais implica necessariamente reduzir a amplitude da noção de que o
Supremo Tribunal Federal é o detentor da palavra final.
De início, cite-se, como exemplo, o RE nº 456.689 AgR/SE53. Nesse caso, foi analisada a questão
concernente à possibilidade de acumulação de pensão especial e benefício previdenciário por parte de militar.
No julgamento do citado recurso extraordinário, o relator designado para a feitura do acórdão entendeu
que o caso cuidava eminentemente de matéria de cunho legal e que os autos careciam de provas que ratificassem a
qualidade de ex-combatente. Segundo a ótica do colegiado, não caberia àquela instância o enfrentamento de tais
matérias, sob pena de ofensa à competência recursal extraordinária. Sob tal entendimento e considerando tratar-se
de matéria de cunho legal, foi reconhecida a competência do Superior Tribunal de Justiça para anunciar a “última
palavra” no caso
sub judice
e,
incontinenti
,
determinou-se o retorno dos autos à instância de origem.
Merece destaque, a essa altura, a pacífica jurisprudência da Suprema Corte no sentido de declarar a
inadequação de interposição de recurso extraordinário quando a alegada ofensa envolva reapreciação de
interpretação de normas infraconstitucionais dada pelo Superior Tribunal de Justiça54.
Outro exemplo que se aduz neste tópico é o Habeas Corpus nº 103.805/SP, julgado em 2011. Nesse
outro caso, o relator, Ministro Luiz Fux, considerou ser a apelação um instrumento para aplicação do duplo grau
53 Confira STF, RE 456.689 AgR/SE, rel. Min. JOAQUIM BARBOSA, 2ª Turma. Data de julgamento: 31.08.2010.
54 Segundo o Min. Ricardo Lewandowski, com a negativa de provimento ao recurso especial pelo Superior Tribunal de Justiça
tornaram-se definitivos os fundamentos infraconstitucionais que amparam o acórdão recorrido (Súmula 283 do STF) [...]” (STF,
AI nº 842.496 AgR/RS, rel. Min. RICARDO LEVANDOWSKI, 1ª Turma. Data de julgamento: 14.06.2001.
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de jurisdição. Na oportunidade, o Ministro esclareceu que um juiz togado não pode substituir o corpo de jurados,
quando necessária a aferição da “última palavra” em circunstância de crime doloso. Sinteticamente, o Ministro
Luiz Fux asseverou que, havendo erro por parte do juiz togado, é cabível ao Tribunal Popular proferir a última
decisão de caráter satisfativo.
Embora a introdução da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental no ordenamento tenha
ocorrido
a posteriori
da jurisprudência que se traz à colação, não deixam de ter importância, para fins acadêmicos,
os casos concretos aos quais não se asseguravam o efetivo, mas apenas o potencial, controle de
constitucionalidade. Antes da referida e significativa alteração do conjunto de mecanismos de controle de
constitucionalidade, o Supremo Tribunal Federal reconhecia que, na hipótese ora tratada, outra instância decisora
deveria proferir a última palavra:
O nosso sistema constitucional não admite o controle concentrado de constitucionalidade
de lei ou ato normativo municipal em face da Constituição Federal; nem mesmo perante o
Supremo Tribunal Federal que tem, como competência precípua, a sua guarda, art. 102.
O único controle de constitucionalidade de lei e de ato normativo municipal em face da
Constituição Federal que se admite é o difuso, exercido ‘incidenter tantum’, por todos os
órgãos do Poder Judiciário, quando do julgamento de cada caso concreto55. (grifos
nossos)56
Nessas hipóteses, há grande possibilidade da última palavra ser proferida por outra instância judicial,
desde que a matéria controvertida não seja alçada à Suprema Corte.
Por meio desses casos concretos, constata-se que há situações em que o próprio Supremo Tribunal
Federal, como guardião constitucional das normas jurídicas inscritas na Lei Fundamental, declara, fotográfica e
expressamente, que outros tribunais pátrios, partícipes da comunidade de instituições, detêm a competência para
proferir a palavra final em determinadas hipóteses57.
55 Confira STF, Rcl nº 337/DF, rel. Min. PAULO BROSSARD, Tribunal Pleno. Data de julgamento: 18.08.1994.
56 As seguintes decisões exemplificam a sólida jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no sentido de que o desenho
constitucional brasileiro não admite o controle de constitucionalidade concentrado de lei e de ato normativo municipal em face da
Constituição Republicana: “[…] Se a base da ação direta de inconstitucionalidade em trâmite no Tribunal de Justiça do Estado do
Paraná é a declaração de inconstitucionalidade de lei municipal em face da Carta Federal, impõe-se declarar extinta a ação direta,
por exorbitar da competência da Corte reclamada [...]” (RTJ 174/3, Rel. Min. ILMAR GALVÃO, Pleno). “[...] É pacífica a
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, antes e depois de 1988, no sentido de que não cabe a tribunais de justiça estaduais
exercer o controle de constitucionalidade de leis e demais atos normativos municipais em face da Constituição Federal [...]” (RTJ
200/636, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA, Pleno).
57 Os casos de inconstitucionalidades reflexas ou imediatas são casos que igualmente o Supremo Tribunal Federal se furta de
apreciar. Confira, por todos o ADI nº 3.190/GO, rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Tribunal Pleno. Data de julgamento:
05.10.2006, p. 60.
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Casos em que o STF reconhece que a última palavra cabe a instância decisora de outro
Poder
Igualmente, destacam-se julgados em que o pronunciamento da Suprema Corte direciona-se ao
reconhecimento de que a última palavra compete a instâncias decisoras de outro Poder.
Exemplo do que se afirma está retratado na ADI nº 2.396/MS58, no qual se verifica explícita manifestação
no sentido de que não compete ao Supremo Tribunal Federal se manifestar sobre as propriedades técnico-
científicas do amianto e dos riscos de sua utilização para a saúde da população. A principal questão que circundava
a ADI nº 2.396/MS dizia respeito à verificação da constitucionalidade de vários dispositivos da Lei nº 2.210, de
2001, editada pelo Estado do Mato Grosso do Sul, e que regulava, dentre outros aspectos, a proibição de
fabricação, ingresso, comercialização e estocagem de amianto ou de produtos à base de amianto destinados à
construção civil.
No caso enfrentado, a Corte Constitucional ao mesmo tempo que reconheceu sua incompetência para
se manifestar sobre aspectos técnico-científicos59, limitou-se a analisar o contraste e a disparidade existentes entre
a Lei editada pelo Estado do Mato Grosso do Sul e os parâmetros constitucionais. Nesse sentido, deixou assente
que o ente político estadual excedeu a margem de competência concorrente que lhe é assegurada para legislar
sobre produção e consumo, proteção do meio ambiente e controle de poluição e proteção e defesa da saúde.
Outro exemplo merecedor de destaque é o conhecido caso Cesare Battisti 60.
Com o pedido de extradição apresentado pelo Estado italiano para que o Brasil entregasse o ex-militante
que aqui se refugiou, coube ao Supremo Tribunal Federal deliberar se o deferimento da extradição vinculava o
Presidente da República. Uma vez mais, de maneira explícita, houve manifestação do Pretório Excelso no sentido
de que a última palavra caberia a outro Poder, que não a Suprema Corte. Por se tratar de uma decisão diretamente
conectada ao exercício da soberania brasileira, em sua feição externa, determinou-se que a decisão pertencia
exclusivamente ao Presidente da República.
No campo da soberania, relativamente à extradição, é assente que o ato de entrega do extraditando é
exclusivo, de competência indeclinável do Presidente da República, conforme consagrado na Constituição, nas
Leis, nos Tratados e na própria decisão do Egrégio Supremo Tribunal Federal proferida no curso do processo de
58 Confira STF, RE 456.689 AgR/SE, rel. Min. JOAQUIM BARBOSA, 2ª Turma. Data de julgamento: 31.08.2010.
59 A Min. Ellen Gracie, no julgamento da ADI nº 2.396/MS, pontuou nos seguintes termos: “[c]onforme ressaltei no julgamento
cautelar, não cabe a esta Corte dar a última palavra a respeito de propriedades técnico-científicas do elemento em questão e dos
riscos de sua utilização para a saúde da população. Os estudos nesta seara prosseguem e suas conclusões deverão nortear as ações
das autoridades sanitárias. O que nos compete verificar é a ocorrência de contraste inadmissível entre a lei em exame e o parâmetro
constitucional [...]” (grifos nossos)
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Extradição nº 1.085. No que tange ao tema extradição, ao Supremo Tribunal Federal cumpre apenas analisar a
legalidade e a procedência do pedido. Assim, se indeferida a solicitação, deixa-se de constituir o título jurídico sem
o qual o Presidente da República não pode efetivar a extradição. Caso contrário, isto é, se deferida, a entrega do
súdito ao Estado requerente fica a critério discricionário do Presidente.
Os casos ora analisados demonstram que, de fato, a palavra final não é dada pelo Supremo Tribunal
Federal em todo e qualquer tema submetido a sua apreciação.
Casos em que a palavra final da mais alta Corte é superada por pronunciamento de outro
Poder
Vários casos envolvendo matéria tributária são exemplares para os propósitos deste tópico. Dentre esses,
vale mencionar o caso do imposto sobre propriedade predial e territorial urbana (IPTU)61; os casos das taxas de
iluminação pública62 e da contribuição para o custeio do serviço de iluminação pública (COSIP); o caso do
imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestação de serviços de transporte
interestadual e intermunicipal e de comunicação (ICMS)63 incidente sobre a importação de bens e mercadoria
por pessoas físicas e, por fim, o caso da contribuição previdenciária incidente sobre os proventos de
aposentadorias e pensões concedidas pelo regime próprio dos servidores públicos 64.
Ressalte-se que, em todos os mencionados casos, a aprovação de emenda constitucional pelo Poder
Legislativo foi o instrumento institucional utilizado para fins de superação da palavra proferida pelo Supremo
Tribunal Federal. Embora as decisões da instância máxima do Poder Judiciário tenham permanecido incólumes,
por meio da edição de emendas constitucionais superou-se a palavra, o entendimento emanado pelo Supremo.
No caso do IPTU, imposto de natureza real, o Congresso Nacional alterou a redação do artigo 156 da
Constituição Republicana65, por meio da Emenda Constitucional nº 29, de 2000, a fim de possibilitar a instituição
60 Confira STF, Rcl nº 11.243/República Italiana, rel. Min. GILMAR MENDES, rel. p/acórdão Min. LUIZ FUX. Data de
julgamento: 08.06.2011.
61 Confira STF, Rcl nº 11.243/República Italiana, rel. Min. GILMAR MENDES, rel. p/acórdão Min. LUIZ FUX. Data de
julgamento: 08.06.2011.
62 Confira STF, RE nº 233.332/RJ, Rel. Min. ILMAR GALVÃO. Data de julgamento: 10/03/1999; STF, AI nº 588.248 AgR/RJ,
Rel. DIAS TOFFOLI. Data de julgamento: 14/02/2012.
63 Confira STF, RE 203.075/DF, Rel. Min. ILMAR GALVÃO, Rel. p/acórdão Min. MAURÍCIO CORREA. Data de julgamento:
05/08/1998.
64 Confira STF, ADI nº 2.010/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno. Data de julgamento: 30.09.1999. As alterações
promovidas pela Emenda Constitucional nº 41, de 2003, sobre o artigo 40 da Constituição da República Federativa do Brasil,
objetivaram superar a decisão proferida no curso da ADI nº 2.010/DF..
65 Constituição Republica, de 1988: [...] Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre: [...] I - propriedade predial e
territorial urbana; [...] § 1º Sem prejuízo da progressividade no tempo a que se refere o art. 182, § 4º, inciso II, o imposto previsto no
inciso I poderá: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000) I - ser progressivo em razão do valor do imóvel; e
(Incluído pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000) II - ter alíquotas diferentes de acordo com a localização e o uso do imóvel.
(Incluído pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000) (grifos nossos)
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do IPTU progressivo em razão do valor venal do imóvel. A alteração constitucional teve por objetivo superar
deliberação do Supremo que assentara que a fixação de alíquotas progressivas somente poderia se dar, à vista da
moldura constitucional vigente à época, para fins de cumprimento da função social da propriedade (finalidade
extrafiscal), jamais sob a perspectiva estritamente fiscal, vale dizer, estritamente arrecadatória.
Em outra ocasião, como o Supremo Tribunal Federal houvera declarado inconstitucionais várias taxas
de iluminação pública66, “visto que possuíam fato gerador inespecífico, não mensurável, indivisível e insuscetível
de ser referido a determinado contribuinte”, a Emenda Constitucional nº 39, de 200267, veio ao mundo jurídico
para permitir que os municípios criassem contribuições para o custeio do serviço de iluminação pública (COSIP)
em substituição às taxas que foram declaradas inválidas. Por meio desse instrumento normativo, o Poder
Legislativo autorizara os Municípios que instituíssem o novel tributo e pudessem angariar os recursos financeiros
necessários para manutenção do essencial serviço de iluminação pública68.
Igual desfecho teve o caso do ICMS na importação praticada por pessoa física. À época, a Suprema
Corte decidiu que a pessoa natural, por não se qualificar como comerciante, não praticaria atos de natureza
mercantil. Não caracterizada a circulação de mercadoria, fato necessário e suficiente para a incidência do ICMS,
inexigível seria o imposto quando se tratasse de importação de bem importado por pessoa física. Tal qual nos
casos anteriores, a superação de tal deliberação veio por meio da Emenda Constitucional nº 33, de 200169.
É de se concluir que a emenda constitucional é instrumento dialógico institucional, típico de superação
de determinadas deliberações do Supremo Tribunal Federal70. Frequentemente as emendas constitucionais têm
66 A teor do artigo 145 da Constituição combinado com o artigo 77 do Código Tributário Nacional Lei nº 5.172, de 1966 -, as
taxas têm como fato gerador o exercício regular do poder de polícia, ou a sua utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos
específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição. Segundo o entendimento do Supremo Tribunal
Federal, a incompatibilidade das leis municipais instituidoras de taxas de iluminação pública e a Constituição é patente. O serviço
de iluminação pública por se revelar inespecífico e indivisível não pode ser custeado por meio de taxas, ainda que a arrecadação
tributária seja imprescindível aos cofres públicos.
67 Constituição Republica, de 1988: [...] Art. 149-A Os Municípios e o Distrito Federal poderão instituir contribuição, na forma das
respectivas leis, para o custeio do serviço de iluminação pública, observado o disposto no art. 150, I e III. (Incluído pela Emenda
Constitucional nº 39, de 2002) Parágrafo único. É facultada a cobrança da contribuição a que se refere o caput, na fatura de
consumo de energia elétrica. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 39, de 2002) [...] (grifos nossos).
68 Parte da doutrina nacional entende que a EC nº 39, de 2002, é verdadeira correção legislativa cujos objetivos são meramente
arrecadatórios.
69 Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: [...] II - operações relativas à circulação de
mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações
e as prestações se iniciem no exterior; [...] § 2.º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: (Redação dada pela Emenda
Constitucional nº 3, de 1993) [...]IX - incidirá também:[...] a) sobre a entrada de bem ou mercadoria importados do exterior por
pessoa física ou jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto, qualquer que seja a sua finalidade, assim como sobre
o serviço prestado no exterior, cabendo o imposto ao Estado onde estiver situado o domicílio ou o estabelecimento do destinatário
da mercadoria, bem ou serviço;(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001) [...] (grifos nossos)
70 Vermeule e Posner sugerem que não é o constituinte derivado, as doutrinas judiciais ou mesmo as emendas constitucionais que
promovem, como mecanismos centrais, as mudanças constitucionais. Entendem os referidos estudiosos que as modificações
constitucionais derivam do embate travado entre as instituições: We suggest that the central mechanism of constitutional change is
not amendments, higher lawmaking, or even judicial doctrine, but episodes of conflict between institutions over the distribution of
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sido utilizadas como meio de resposta do Poder Executivo e do Legislativo às decisões do Supremo Tribunal
Federal71. Inclusive, o próprio Tribunal admite a emenda constitucional como meio de revisão do sistema global
vigente72.
Casos em que o STF não dá palavra alguma, seja em decorrência de falta de provocação ou
por falhas do ordenamento jurídico
Há casos que não são judicializáveis e, por consequência, não chegam ao conhecimento do “guardião da
Constituição”.
A evidência do que se afirma pode ser bem exemplificado a partir da Súmula do Conselho
Administrativo de Recursos Fiscais (CARF)73 nº 2 que declara a incompetência daquele tribunal administrativo
para manifestar-se sobre inconstitucionalidades de lei tributária.
Em razão da gravidade dos pronunciamentos outrora emitidos pela Administração Tributária judicante
acerca da constitucionalidade de determinadas normas tributárias, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais
deliberou, já na vigência do artigo 26-A do Decreto nº 70.235, de 6 de março de 197274, editar a Súmula nº 2, a fim
policymaking authority. Constitutional change is a special kind of politics, one that emerges from institutional struggle in a twilight
world without clear or settle rules. This process is far removed from the clear rule of law that is central to liberal
legalism. Constitutional law is pervasively shaped by (what the headlines call) "showdowns" between and among branches of
government (POSNER, 2010, p. 67).
71 Sob mesma linha de compreensão de Vermeule (2007, p. 24) não entendemos que a simples publicação de determinada
emenda constitucional necessariamente promova os efeitos desejados. Somente a dinâmica institucional poderá revelar os efeitos
emergentes decorrentes de sua introdução no ordenamento jurídico. A emenda, em tradução livre, deve “ser colocada em uso e se
mostrar eficaz em ordem a moldar a conduta dos demais” (VERMEULE, 2007, p. 26).
72 É dever rememorar a irrepreensível observação do eminente Ministro Gilmar Mendes (1999, 503) em que apresenta
considerações de irrecusável pertinência quanto ao tema exposto: [...] É que as decisões da Corte Constitucional estão
inevitavelmente imunes a qualquer controle democrático. Essas decisões podem anular, sob a invocação de um direito superior
que, em parte, apenas é explicitado no processo decisório, a produção de um órgão direta e democraticamente legitimado. Embora
não se negue que também as Cortes ordinárias são dotadas de um poder de conformação bastante amplo, é certo que elas podem
ter a sua atuação reprogramada a partir de uma simples decisão do legislador ordinário. Ao revés, eventual correção da
jurisprudência de uma Corte Constitucional somente há de se fazer, quando possível, mediante emenda. Essas singularidades
demonstram que a Corte Constitucional não está livre do perigo de converter uma vantagem democrática num eventual risco para
a democracia. Assim como a atuação da jurisdição constitucional pode contribuir para reforçar a legitimidade do sistema,
permitindo a renovação do processo político com o reconhecimento dos direitos de novos ou pequenos grupos e com a
inauguração de reformas sociais, pode ela também bloquear o desenvolvimento constitucional do País. O equilíbrio instável que se
verifica e que parece constituir o autêntico problema da jurisdição constitucional na democracia afigura-se necessário e inevitável.
Todo o esforço que se há de fazer é, pois, no sentido de preservar o equilíbrio e evitar disfunções [...] (grifos nossos).
73 Sucedendo o antigo Conselho de Contribuintes, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) foi criado pela Medida
Provisória nº 449, de 3 de dezembro de 2008, convertida na Lei nº 11.941, de 27 de maio de 2009, e instalado pelo Excelentíssimo
Senhor Ministro de Estado da Fazenda em 15 de fevereiro de 2009, mediante Portaria MF nº 41, de 2009. É órgão colegiado,
paritário, integrante da estrutura do Ministério da Fazenda e tem por finalidade julgar, em última instância administrativa, recursos
de ofício e voluntário de decisão de primeira instância, bem como os recursos de natureza especial, que versem sobre a aplicação da
legislação referente a tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil.
74 O Decreto nº 70.235, de 1972, regula o processo administrativo fiscal na esfera federal. Quanto ao ponto é importante evidenciar
que a norma inscrita no artigo 26-A do Decreto nº 70.235, de 1972, é fruto da conversão da Medida Provisória nº 449, de 2008, e
vigia anteriormente à edição da Súmula CARF nº 2.
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de declarar que aquela instância administrativa “não é competente para se pronunciar sobre a
inconstitucionalidade de lei tributária” 75. A edição da Súmula CARF nº 2 se apoiou em acórdãos exarados em um
interregno de aproximadamente cinco anos76, período esse que certamente não delimita o lapso temporal em que
diversas declarações de inconstitucionalidade foram proferidas no curso do contencioso administrativo.
A prolação de diversas declarações de inconstitucionalidade em matéria tributária por parte de um
tribunal administrativo evidencia a gravidade de uma situação que culminou na publicação de uma regra jurídica
insculpida na Medida Provisória nº 449, de 2008, e da própria súmula administrativa. As decisões administrativas
que declararam (e ainda declaram) inconstitucionalidades de normas da legislação tributária demonstram que
órgãos administrativos usurparam (e talvez ainda usurpem) a singular prerrogativa do Supremo Tribunal Federal
“de dispor do monopólio da última palavra em tema de exegese das normas inscritas no texto da Lei
Fundamental”. A afirmação que se faz não é descabida, pois decisões administrativas de sedimentação tributária
negaram (e continuam a negar) vigência ou decretaram (e continuam a decretar77) inconstitucionalidades de
normas jurídicas vigentes e presumivelmente válidas.
Evidencie-se igualmente outros casos em que o próprio sistema jurídico adota soluções que impedem a
atuação do Supremo Tribunal Federal na qualidade de guardião da Constituição.
A jurisprudência pátria, mais uma vez, nos apresenta um caso exemplar. No REsp nº 1.415.033/RS78, a
sentença que afastara a cobrança do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) incidente sobre
atividades notariais e registrais fora restabelecida em razão da ocorrência da coisa julgada em momento anterior ao
pronunciamento do Tribunal local. Os Ministros do Tribunal da Cidadania vislumbraram que a sentença
transitada em julgado não poderia ter sido reformada, ainda que o acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do
Rio Grande do Sul (TJ-RS) estivesse amparado em decisão do Supremo. Apesar de a jurisprudência do Supremo
proclamar que as pessoas que exercem atividade notarial e registral não são imunes à tributação do ISS, porque
desenvolvem serviços com intuito lucrativo, tal entendimento jamais poderia ter sido invocado pelo TJ-RS, haja
vista a caracterização do trânsito em julgado em momento anterior à decisão do tribunal gaúcho. Assim, como a
sentença reconheceu a não incidência tributária, esta só poderia ser contestada, dentro do prazo legal, por ação
rescisória, o que, no caso, não ocorreu.
75 Confira, em especial, o Decreto nº 70.235, de 1972, que regula o processo administrativo fiscal.
76 De acordo com a Portaria nº 52, de 1º de dezembro de 2010, foram os seguintes acórdãos que motivaram a edição da
mencionada Súmula: Acórdão nº 101-94876, de 25/02/2005, Acórdão nº 103-21568, de 18/03/2004, Acórdão nº 105-14586, de
11/08/2004, Acórdão nº 108-06035, de 14/03/2000, Acórdão nº 102-46146, de 15/10/2003, Acórdão nº 203-09298, de
05/11/2003, Acórdão nº 201-77691, de 16/06/2004, Acórdão nº 202-15674, de 06/07/2004, Acórdão nº 201-78180, de
27/01/2005, e Acórdão nº 204-00115, de 17/05/2005.
77 Confira STJ, Resp nº 1.415.033, rel. Min. ARI PARGENDLER, 1ª Turma. Data de julgamento: 22.10.2013.
78 Confira o Acórdão referido na nota anterior.
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O desenho constitucional, aliado à análise casuística, revelam que o sistema não absolutiza o papel do
Supremo Tribunal Federal como guardião constitucional79.
CONCLUSÕES
O Supremo Tribunal Federal, atuando como guardião da Constituição, tem a elevada responsabilidade
política, social e jurídico-institucional de decidir acerca da juridicidade de determinados atos emitidos pelos
demais Poderes de Estado. No exercício de seu papel constitucional, o Supremo Tribunal Federal deve ter sob
perspectiva o princípio da “independência e harmonia dos poderes”, com o fito de evitar invadir, por meio de suas
deliberações, a esfera de atuação política dos demais poderes ou, mesmo, de impedi-los de agir no cumprimento
de suas respectivas missões constitucionais.
Certamente a defesa da Constituição representa o encargo mais relevante do Supremo Tribunal Federal,
pois contribui, pelo menos, para a manutenção da integridade do sistema político e a estabilidade do
ordenamento jurídico. Todavia, o encargo de proteger a Constituição e a hermenêutica constitucional não se
traduzem em monopólio do Poder Judiciário. O desenho constitucional não assegura aprioristicamente o
monopólio da palavra final ao Supremo Tribunal Federal para toda e qualquer hipótese. A dinâmica institucional,
que, por meio de seus efeitos emergentes, poderia revelar o contrário, igualmente não aponta para a caracterização
de uma situação de monopólio. Realmente, a Lei Maior confere ao Supremo Tribunal Federal a função precípua
de ‘guardar a Constituição’. Entretanto, não em sentido exclusivo.
A despeito da relevante missão constitucional atribuída ao Supremo Tribunal Federal, não se sustenta o
dogma de que a mais alta Corte do País detém o “monopólio da última palavra”. O estudo de alguns casos
concretos revela que há situações em que o Supremo Tribunal Federal não profere a última palavra em razão de
diversas causas e fatores, tais como: superação de decisões do Supremo Tribunal Federal por meio de uso de
mecanismos institucionais (v.g., emendas constitucionais) utilizados como meio de resposta; bloqueios
institucionais internos ou externos (v.g., imutabilidade da coisa julgada, inconstitucionalidades reflexas ou
79 Decisões administrativas do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, embora não declarem expressamente
inconstitucionalidades, por via indireta o fazem, pois continuam a negar vigência a determinadas normas jurídicas. Exemplo disso é
o disposto no § 4º do artigo 16 do Decreto nº 70.235, de 1972, que, em regra, tem sua vigência ofuscada pela aplicação do Princípio
da Verdade Material. Cite-se parte do Acórdão nº 2803-002.593-3, exarado por turma especial, na sessão do dia 13 de agosto de
2012: “[...] O princípio da verdade material no processo administrativo admite a juntada de documentos a qualquer tempo nos
autos, independentemente do pedido de juntada prévio [...]” (grifos nossos). A Súmula Vinculante nº 10 do Supremo Tribunal
Federal é exemplar para a elucidação do ponto. In verbis: “viola a cláusula de reserva de plenário (CF. artigo 97) a decisão de órgão
fracionário de Tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público,
afasta sua incidência, no todo ou em parte”.
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imediatas); a própria estrutura do Poder Judiciário (v.g., inércia) e o caráter hierarquizado (Supremo Tribunal
Federal é órgão de cúpula).
Em razão de suas propriedades institucionais e em função da dinâmica interpoderes, o Supremo
Tribunal Federal deve ser compreendido como guardião constitucional em potência, tendo em vista que a
emissão de sua palavra fica subordinada à atuação de outras instituições e à configuração de determinadas
circunstâncias sobre as quais exerce pouca ou nenhuma influência.
A perspectiva sistêmica sugere que a autoridade hierárquico-normativa da Constituição só é preservada
se todos os Poderes constituídos se investem na função de guardiões constitucionais. Não é à toa que já se afirmou
que a “Constituição é direcionada a todos, não apenas aos juízes” (SUNSTEIN, 1993, p.10).
THE MISLEADING MONOPOLY OF THE FINAL WORD
Abstract
Called by itself an “impartial arbiter”, the Supremo Tribunal Federal has repeatedly held that it has the monopoly
of the final word, when it comes to constitutional interpretation. If, on one hand, this statement demonstrates the
experience of judicial supremacy, on the other it shows a presumed imbalance in the relationship among powers,
which, according to the Constitution, should be harmonic and balanced. Therefore, this paper aims the
investigation of the meaning and scope of the expression "final word" and how it develops in the context of a
community of institutions. By enlarging the commonly studied framework, through outlining the length and
depth of the addressed expression, this study does not become restricted in the manner of how the brazilian
Supreme Court understands the meaning of the "last word", but it also tries to verify if other branches also proffer
final words on specific issues under certain circumstances. Based on institutional theory and judicial precedents,
the paper concludes that the Supremo Tribunal Federal must be understood as a potential constitutional
guardian, since its decisions are subordinate to the performance of other institutions and the configuration of
certain circumstances over which it exercises little or no influence.
Keywords: Institutional Dialogue. Community of Institutions. Judicial Supremacy. Separation- of -Powers.
Deliberation.
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Trabalho enviado em 25 de agosto de 2016.
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TO WHAT expedient, then, shall we finally resort, for maintaining in practice the necessary partition of power among the several departments, as laid down in the Constitution? The only answer that can be given is that, as all these exterior provisions are found to be inadequate, the defect must be supplied, by so contriving the interior structure of the government as that its several constituent parts may, by their mutual relations, be the means of keeping each other in their proper places. Without presuming to undertake a full development of this important idea, I will hazard a few general observations, which may perhaps place it in a clearer light, and enable us to form a more correct judgment of the principles and structure of the government planned by the convention. In order to lay a due foundation for that separate and distinct exercise of the different powers of government, which to a certain extent is admitted on all hands to be essential to the preservation of liberty, it is evident that each department should have a will of its own; and consequently should be so constituted that the members of each should have as little agency as possible in the appointment of the members of the others. Were this principle rigorously adhered to, it would require that all the appointments for the supreme executive, legislative, and judiciary magistracies should be drawn from the same fountain of authority, the people, through channels having no communication whatever with one another. Perhaps such a plan of constructing the several departments would be less difficult in practice than it may in contemplation appear. Some difficulties, however, and some additional expense would attend the execution of it. Some deviations, therefore, from the principle must be admitted. In the constitution of the judiciary department in particular, it might be inexpedient to insist rigorously on the principle: first, because peculiar qualifications being essential in the members, the primary consideration ought to be to select that mode of choice which best secures these qualifications; secondly, because the permanent tenure by which the appointments are held in that department, must soon destroy all sense of dependence on the authority conferring them. It is equally evident, that the members of each department should be as little dependent as possible on those of the others, for the emoluments annexed to their offices. Were the executive magistrate, or the judges, not independent of the legislature in this particular, their independence in every other would be merely nominal.
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In countries and supranational entities around the globe, constitutional reform has transferred an unprecedented amount of power from representative institutions to judiciaries. The constitutionalization of rights and the establishment of judicial review are widely believed to have benevolent and progressive origins, and significant re-distributive, power-diffusing consequences. "Towards Juristocracy" challenges this conventional wisdom. Drawing upon a comprehensive comparative inquiry into the political origins and jurisprudential consequences of the recent constitutional revolutions in Canada, Israel, New Zealand, and South Africa, the book shows that the trend toward constitutionalization is hardly driven by politicians' genuine commitment to democracy, social justice, or universal rights. Rather, it is best understood as the product of a strategic interplay among hegemonic yet threatened political elites, powerful economic stakeholders, and judicial leaders. This self-interested tripartite coalition determines the timing, extent, and nature of constitutional reforms. This book demonstrates that whereas the constitutionalization of rights may promote procedural justice and negative liberties, it does little if anything for advancing progressive notions of distributive justice. At the same time, judicial empowerment through constitutionalization has a transformative effect on political discourse. From foundational collective identity and nation building quandaries to restorative justice and regime change controversies, constitutional courts have become crucial fora for dealing with the most fundamental questions a democratic polity can contemplate. The global trend towards juristocracy is part of a broader process, whereby proponents of powerful social and economic interests, while they profess support for democracy, attempt to insulate policy-making from the vicissitudes of democratic politics. Given this dramatic development, the traditional neglect of the study of comparative law and politics is becoming harder to justify. An informed, genuinely comparative, problem driven research agenda will not only help to bridge the traditional gap between grand constitutional theory and real-life constitutional politics worldwide; it is also likely to yield novel insights concerning the origins and consequences of the ever-accelerating transition to juristocracy.
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To evaluate theories of interpretation, it is necessary to focus on institutional considerations - to ask how actual judges would use any proposed approach, and to investigate the possibility that an otherwise appealing approach will have unfortunate dynamic effects on private and public institutions. Notwithstanding this point, blindness to institutional considerations is pervasive. It can be found in the work of early commentators on interpretation, including that of Jeremy Bentham; in the influential work of H.L.A. Hart, Ronald Dworkin, and Henry Hart and Albert Sacks; and in much contemporary writing. This blindness to institutional considerations creates serious problems for the underlying theories. The problems are illustrated with discussions of many disputed issues, including the virtues and vices of formalism; the current debate over whether administrative agencies should have greater interpretive freedom than courts; and the roles of text, philosophy, translation, and tradition in constitutional law. In many cases, an understanding of institutional capacities and dynamic effects should enable diverse people, with different views about ideal legal interpretation, to agree on what actual legal interpretation should entail.
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This article is the third in a series rethinking the relationship between originalism and living constitutionalism, and arguing that the two approaches are compatible rather than opposed. This compatibility helps us understand how legitimate constitutional change occurs in the American constitutional system. The most plausible version of orignalism is framework originalism, which views the Constitution as an initial framework for governance that sets politics in motion, and that must be filled out over time through constitutional construction. In implementing the Constitution, later generations must remain faithful to the basic framework, which requires fidelity to original meaning but not the original expected application of the text. This permits a wide range of possible future constitutional constructions that implement the original meaning and that add new institutional structures and political practices not inconsistent with it. Framework originalism leaves space for future generations to build out and construct the Constitution-in-practice. Living constitutionalism occupies this space. It explains and justifies the process of constitutional development. Thus, strictly speaking, living constitutionalism is not a theory of constitutional interpretation at all but a theory of constitutional construction. Today people generally associate "living constitutionalism" with judicial decisions; but the political branches actually produce most living constitutionalism. Most of what courts do in constitutional development responds to these political constitutional constructions. Courts largely rationalize, legitimate, and supplement what the political branches do. People often speak of living constitutionalism as an interpretive approach or method that judges could and should consciously follow. In fact, living constitutionalism does not offer particularized advice to judges. It is a theory of the processes of constitutional decisionmaking, and their basis in democracy and in the ideals of popular sovereignty. It focuses on the entire system of constitutional development, of which courts are only one part.
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This article responds to criticisms of my theory of constitutional interpretation offered in Abortion and Original Meaning, http://papers.ssrn.com/abstract=925558, and expands on various parts of the theory. Fidelity to original meaning follows from our commitment to a written constitution that preserves enforceable legal meaning over time. Originalist lawyers and scholars shifted from original intention and original understanding theories to original meaning in the 1980s to answer important criticisms of originalism. They assumed that original meaning originalism would support most of the same criticisms of judicial activism and living constitutionalism that had motivated the turn to originalism. The distinction I emphasize between original meaning and original expected application was not salient in these debates. Nevertheless, once we recognize the full implications of this distinction, original meaning originalism is fully compatible with living constitutionalism. Constitutional interpretation is premised on faith in the constitutional project. This is a faith that the constitutional system as a whole is worthy of legitimacy and respect or will come to be so over time, even if important aspects of the document and its associated institutions are imperfect and unjust. Interpretive fidelity thus requires faith in the redeemability of the Constitution over time; hence my theory of interpretation is a theory of redemptive constitutionalism. The Constitution's text and principles are central resources that make this redemption possible. Like many constitutions, the U.S. Constitution contains open ended clauses that delegate many questions to future generations and leave ample room for constitutional construction to flesh out and implement constitutional language. Constitution makers adopt these clauses – and many other features of constitutions besides - to channel and discipline future political judgment, not simply to forestall it. A successful constitution like America's must simultaneously serve three functions: It must be basic law a framework for governance that allocates powers and responsibilities. It must be higher law a source of aspiration and a reflection of values that stand above ordinary law and hold it to account. And it must be our law an object of attachment that we see as the product of our collective efforts as a people. Viewing the Constitution as our law involves a collective identification with those who came before us and those who will come after us. The Constitution as our law constitutes us as a people that extends over time. This collective identification is a constitutional story that allows us to regard the Constitution as our own even if we never officially consented to it. The theory of text and principle serves these three functions better than theories that tie constitutional principles closely to original expected application. A theory that rejects delegation to the future does not function well as basic law because it misunderstands why constitutional adopters adopt open-textured language; it cannot operate as higher law because it so distrusts aspirationalism. Finally, it fails as our law, because it does not allow us to see our present day values – for example, our commitment to sex equality as the application and fulfillment of past principles and commitments. It must treat these achievements as mistakes that we now maintain out of reliance on precedent or because they would now be too politically embarrassing to discard. Social and political movements have repeatedly argued for change by calling on the Constitution's text and its underlying principles. Constitutional change occurs because Americans persuade each other about the best meaning of constitutional text and principle in their own time. These debates and political struggles help generate Americans' investment in the Constitution as their Constitution and they create a platform for the possibility – but not the certainty of its redemption in history. Lawyers, judges and legal scholars have no normative obligation to listen to the claims of any particular political or social movement. However, as a descriptive matter they regularly translate claims of constitutional politics into claims about constitutional law. Constitutional theories offer a language for us to defend and criticize the Constitution-in-practice with the hope of moving it closer to our ideals of what the Constitution should be. They allow us to fight for the Constitution's redemption over time. Struggles over constitutional interpretation are part of the process that makes the Constitution our law, that generates our attachment to it even in dark times when our views are not shared by the majority and that helps support its overall legitimacy.
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In many constitutional regimes, constitutional powers atrophy over time. Examples of atrophied powers include the royal veto in the UK, the power of the Canadian federal government to 'disallow' provincial laws, the power of the US Congress to expand the number of Supreme Court justices ('court-packing'), the 'notwithstanding clause' that authorizes the Canadian Parliament to override judicial decisions, and congressional impeachment of executive officers. This article offers mid-level hypotheses about the atrophy phenomenon. A power that is not exercised tends, over time, to become unexercisable. When a power goes unexercised over some sufficiently long period, its use comes to seem illegitimate to boundedly informed publics. Such publics use a political precedent heuristic, according to which an attempt to revive the power at a later time amounts to an illegitimate attempt to change the rules of the political game. Accordingly, constitutional actors who wish to prevent the atrophy of particular constitutional powers would do well to engage in pointless exercises of power-a form of deliberate precedent-setting in which the power is exercised merely to preserve its existence for the future. The main illustration involves legislative power to overturn or override constitutional or quasi-constitutional decisions of the judiciary, with special reference to judicial review under the Human Rights Act in the UK.
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Among the most common criticisms of "popular constitutionalism" has been that its advocates have failed adequately to specify its underlying theory. There are, in fact, countless institutional arrangements by which popular control can be made meaningful. This paper articulates the version developed by James Madison in essays he wrote as Publius and after. It seeks to restore to modern understanding the fundamental popular and democratic character of Madison's theory of deliberative democracy, reinterpreting in particular Federalist 10 and Federalists 49-51. Contrary to conventional wisdom, Madison was wholly committed to majority rule. Rather than seeking to frustrate popular majorities, Madison saw federalism, separation of powers, and extensive size as devices that would generate the kind of public debate needed to inform citizens and secure the sovereignty of a responsible public opinion. A doctrine like judicial supremacy would have been (and was) anathema to this system. A role for courts did ultimately emerge, but it was a minor one in which judicial actions - no less than the actions of executives and legislators - were meant to be subject to popular control.