ao se pode afirmar que a necessidade de se preci-sarem conceitos advem exclusivamente das dis-cussoes presentes na literatura especializada, re-fletindo perspectivas distintas. Trata-se nao apenas deausencia de consenso, mas tambem de confusao entre vio-lencia domestica e outras formas de violencia, como osacrificio ritualistico (Azevedo e Guerra, 1993).Emboranao se tenha a presuncao de deter a perspectiva correta, epreciso estabelecer um universo comum de discurso, a fimde tornar possivel e proficua a interlocucao.A expressao violencia domestica costuma ser empre-gada como sinonimo de violencia familiar e, nao raramen-te, de violencia de genero. Para situar o leitor, talvez con-venha tecer algumas consideracoes sobre genero. Esteconceito nao se resume a uma categoria de analise, naoobstante apresentar muita utilidade enquanto tal. Generotambem diz respeito a uma categoria historica, cuja in-vestigacao tem demandado muito investimento, podendoser concebido em varias instâncias: como aparelhosemiotico (Lauretis, 1987); simbolos culturais evocadoresde representacoes, conceitos normativos como grade deinterpretacao de significados, organizacoes e instituicoessociais, identidade subjetiva (Scott, 1988); como divisoese atribuicoes assimetricas de caracteristicas e potenciali-dades (Flax, 1987); como, numa certa instância, uma gra-matica sexual, regulando nao apenas relacoes homem-mulher, mas tambem relacoes homem-homem e mulher-mulher (Saffioti, 1992, 1997b; Saffioti e Almeida, 1995);etc. Cada feminista enfatiza determinado aspecto do ge-nero, havendo um campo, ainda que limitado, de acordo:o genero e a construcao social do masculino e do femini-no. O conceito de genero nao explicita, necessariamente,desigualdades entre homens e mulheres. Muitas vezes, ahierarquia e presumida. O uso deste conceito pode, se-gundo Scott (1988), revelar sua neutralidade, na medidaem que nao inclui, em certa instância, desigualdades epoder como necessarios. Aparentemente um detalhe, estaexplicitacao permite considerar o conceito de genero comomuito mais amplo que a nocao de patriarcado ou, se sepreferir, viriarcado, androcentrismo, falocracia, falo-logo-centrismo. Para a discussao conceitual, este ponto e ex-tremamente relevante, uma vez que genero deixa abertaa possibilidade do vetor da dominacao-exploracao, en-quanto os demais termos marcam a presenca masculinaneste polo. Neste artigo, como nao ha espaco para umadiscussao historico-teorica, considerar-se-a genero namodalidade com primazia masculina. Que isto, entretan-to, nao seja tomado como adesao ao carater supostamen-te mais neutro do conceito de genero, pois, de certo ân-gulo, pode-se afirmar exatamente o oposto (Johnson,1997).Embora aqui se interprete genero tambem como umconjunto de normas modeladoras dos seres humanos emhomens e em mulheres, que estao expressas nas relacoesdestas duas categorias sociais, ressalta-se a necessidadede ampliar este conceito para as relacoes homem-homeme mulher-mulher. Obviamente, privilegia-se o primeirotipo de relacao, inerente a realidade objetiva com a qualtodo ser humano se depara ao nascer. Ainda que histori-ca, esta realidade e previamente dada para cada ser hu-mano, que passa a conviver socialmente. A desigualda-de, longe de ser natural, e posta pela tradicao cultural,