Content uploaded by Roberta Carvalho Romagnoli
Author content
All content in this area was uploaded by Roberta Carvalho Romagnoli on Aug 17, 2018
Content may be subject to copyright.
A violência contra a mulher em Montes Claros: análise estatística
▲ Gerais: Revista Interinstitucional de Psicologia, 6 (2), jul - dez, 2013,282-297
282
A violência contra a mulher em Montes Claros:
análise estatística
The violence against women in Montes Claros:
statistical analysis
Roberta Carvalho Romagnoli
*
1
, Leila Lúcia Gusmão de Abreu
**
&
Marise Fagundes Silveira
***
*
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte, Brasil
**Faculdade de Saúde Ibituruna, Montes Claros, Brasil
***Universidade Estadual de Montes Claros, Montes Claros, Brasil
Resumo
Esse artigo trata dos dados quantitativos da pesquisa “Violência Doméstica perpet rada contra a
mulher no município de Montes Claros/MG: um recorte possível”. Os dados foram coletados no 10º
Batalhão da Polícia Militar de Montes Claros, através da análise de 1315 boletins de ocorrência no
período de agosto de 2007 a agosto de 2009. Os resultados apontam para a maior prevalência do
fenômeno nos bairros de periferia e seu turno de maior ocorrência é o noturno. As vítimas e o
agressor em sua maioria possuem entre 26 e 35 anos e mais da metade das mulheres já sofreu
agressões anteriores. Os tipos de violência mais encontrados são a agressão física e o abuso moral. Os
principais motivos atribuídos são discussão doméstica e ingestão de álcool. Concluímos que o
fenômeno é um grave problema neste município.
Palavras Chaves:
Violência contra a mulher; Violência doméstica; Mulheres maltratadas.
Abstract
This article discusses quantitative data from the research –“Domestic violence against women in the
municipality of Montes Claros /MG: a possible outline”. The data was collected from the 10th
Battalion of the Military Police of Montes Claros through the analysis of 1315 police reports, from
August 2007 until August 2009. The results show a higher incidence in the outskirts of the city and a
higher occurrence during the night. Mainly the victims and the aggressor are between 26 and 35 years
of age and half of the women had already suffered previous aggressions. The types of violence often
found are physical aggression and psychological abuse. The main reasons are domestic arguments and
alcohol ingestion. We conclude that violence against women is a serious problem is this municipality.
Keywords:
Violence against women; Domestic violence; Battered women.
1
Contato: robertaroma@uol.com.br
R. C. Romagnoli, L. L. G. Abreu & M. F. Silveira
▲ Gerais: Revista Interinstitucional de Psicologia, 6 (2), jul - dez, 2013,282-297
283
Esse texto tem como objetivo apresentar
a análise quantitativa da pesquisa “Violência
Doméstica perpetrada contra a mulher no
município de Montes Claros/MG: um
recorte possível”
2
. O estudo investigou
quantitativamente e qualitativamente, os atos
violentos contra as mulheres, no que
concerne à violência doméstica em Montes
Claros, cidade polo da região norte do
estado de Minas Gerais. Em sua vertente
quantitativa, aqui examinada, o presente
estudo busca a tipificação dos atos violentos
e a avaliação desses índices, bem como seus
atravessamentos econômicos e sociais. Para
tal, efetuamos a análise estatística de 1315
boletins de ocorrência no período de agosto
de 2007 a agosto de 2009. Foram
consultados 2700 documentos para
encontrarmos os boletins de ocorrência
específicos de violência doméstica. Esses
resultados também foram utilizados para a
identificação das regiões de maior
prevalência do fenômeno junto ao 10º
Batalhão da Polícia Militar de Montes
Claros, na tentativa de cooperar com as
políticas públicas que atendam à população
envolvida e com a promoção de atitudes
preventivas no que se refere a esse tipo de
violência. Esses dados quantitativos serão
usados também, em um segundo momento,
para a complementação da análise qualitativa
da pesquisa, que busca investigar o sentido
deste fenômeno para as mulheres envolvidas
e seus reflexos na organização familiar,
através de observação participante e
entrevistas semi-estruturadas efetuadas com
2
Estudo financiado pela FAPEMIG e CNPq
usuárias das delegacias do referido
município. Na análise qualitativa, buscamos
rastrear tanto a reprodução e a cristalização
da violência doméstica na dinâmica familiar
quanto às tentativas de reorganização que
conduzem à invenção, à resistência quanto a
esse padrão, na ótica da Esquizoanálise de
Gilles Deleuze e Félix Guattari.
Definir violência não é tarefa simples. De
acordo com Arblaster (1996), esse conceito
é bastante amplo e polêmico. Pontos como
intencionalidade, legitimidade e
circunscrição da violência à agressão física
são muito debatidos, não havendo consenso
entre os teóricos. Além disso, cada sociedade
ou cultura nomeia diferentemente os atos ou
as atitudes violentas. Diante dessa
complexidade, a Organização Mundial da
Saúde (OMS) (2002) define violência como:
[...] uso da força física ou do poder real ou
ameaça contra si próprio, contra outra
pessoa ou contra um grupo ou uma
comunidade, que resulte ou tenha qualquer
possibilidade de resultar em lesão, morte ou
dano psicológico, deficiência de
desenvolvimento ou privação.
Nesse panorama, a violência contra a
mulher é uma modalidade de violência
específica que ocorre nas relações afetivas
envolvendo dimensões de poder. Esse
fenômeno pode ser compreendido como:
“Qualquer ato ou conduta baseada no
gênero, que cause morte, dano ou
sofrimento físico, sexual ou psicológico à
mulher, tanto na esfera pública quanto
privada” (Organização dos Estados
Americanos [OEA], 1994). Ao estudar a
notificação da violência doméstica pelos
profissionais de saúde, Saliba, Garbin,
Garbin e Dossi (2007) especificam um
A violência contra a mulher em Montes Claros: análise estatística
▲ Gerais: Revista Interinstitucional de Psicologia, 6 (2), jul - dez, 2013,282-297
284
pouco mais o fenômeno, o indicando como:
[...] toda ação ou omissão que prejudique o
bem-estar, a integridade física, psicológica
ou a liberdade e o direito ao pleno
desenvolvimento de um membro da família.
Pode ser cometida dentro e fora do lar por
qualquer um que esteja em relação de poder
com a pessoa agredida, incluindo aqueles
que exercem a função de pai ou mãe,
mesmo sem laços de sangue (p. 473).
Independente de apresentar ou não laços
sanguíneos e do local na qual ocorra, a
violência doméstica possui estatísticas
alarmantes, sendo usual esta ser cometida
contra a mulher, efetuada por seu marido ou
parceiro, desvelando dimensões de
desigualdades e constituindo sério problema
de saúde pública. Segundo Dubose Junior
(2007), há certas condições para que um
problema de saúde seja considerado um
problema de saúde pública. Essas condições
são: elevado ônus para o sistema de saúde,
calculado em termos de mortalidade
/morbidade, qualidade de vida e custo;
distribuição do problema de forma injusta,
afetando principalmente as minorias e os
indivíduos desfavorecidos; evidências de que
estratégias de prevenção reduziriam seu
índice e constatação de que estratégias
preventivas desenvolvidas até então ainda
não foram suficientes.
A violência contra a mulher atende a
essas condições e afeta o cotidiano de
diversas mulheres em nosso país. Os dados
estatísticos nacionais acerca desse fenômeno
revelam altos índices de notificação. O
Ministério da Saúde revela que o aumento
das mortes e lesões causadas por essa
modalidade de violência mudou o perfil da
mortalidade e da morbidade nas últimas
décadas no Brasil e no mundo (Brasil, 2005).
Conforme indicam Gomes, Minayo e
Silva (2005) em pesquisa efetuada em 2004,
para cada cinco mulheres, pelo menos uma
mulher já sofreu algum tipo de violência
sexual, sendo que a violência familiar
aparece entre mulheres dos 15 aos 45 anos
de idade. Souza e Adesse (2005) declaram
que o Ministério da Saúde reconhece que
menos de 10% dos casos de violência sexual
é notificado, o que indica que esse número é
ainda superior. A constatação de que a maior
parte das mulheres não procura ajuda nos
serviços de saúde e nas delegacias também
foi feita por Fonseca, Galduróz, Tondowsky
e Noto (2009) em estudo acerca da
associação entre violência doméstica e
álcool.
Certo é que nem todas as mulheres que
sofrem violência procuram a polícia.
Observamos essa mesma postura em nosso
estudo. Ao longo da pesquisa, mulheres nos
procuraram para relatar sua experiência de
violência doméstica, embora não tenham
realizado nenhuma denúncia, por
constrangimento e sem querer se expor
socialmente, conforme relataram. Zalesky,
Pinsky Laranjeira, Ramisetty-Mikler e
Caetano (2010) destacam que a
subnotificação por parte das mulheres se
deve ao medo de represália dos parceiros.
Para os autores, “[...] O fato de que as
mulheres permanecem muitas vezes em uma
relação conjugal por medo de represálias
acaba por colocar em segundo plano fatores
como dificuldades econômicas e sociais,
dependência emocional, estigmatização e
impunidade (p. 56)”.
Independente da razão, sem dúvida, os
R. C. Romagnoli, L. L. G. Abreu & M. F. Silveira
▲ Gerais: Revista Interinstitucional de Psicologia, 6 (2), jul - dez, 2013,282-297
285
números que aparecem nas notificações da
violência contra a mulher não correspondem
à realidade. Nesse contexto, para a análise
quantitativa aqui apresentada, trabalhamos
somente com os casos denunciados nos
boletins de ocorrência, sabendo que o
número de mulheres agredidas em Montes
Claros certamente é bem maior do que o
que se apresenta nessa pesquisa. A partir
desses documentos, analisamos os dados
coletados no 10º Batalhão da Polícia Militar,
identificando as regiões mais frequentes,
algumas características das mulheres e dos
agressores, os tipos de violência mais
comuns e os motivos a ela atribuídos.
Metodologia
Dada a complexidade da violência contra
a mulher, nosso objeto de estudo, optamos
por mesclar procedimentos metodológicos
distintos nessa pesquisa. A combinação
desses procedimentos no estudo de um
mesmo fenômeno tem por objetivo
abranger a máxima amplitude na descrição,
explicação a e compreensão do objeto de
estudo, como salienta Gunther (2006) ao
analisar a articulação entre a pesquisa
quantitativa e a pesquisa qualitativa.
Focando na vertente quantitativa dessa
pesquisa, é preciso evidenciar que nossa
população alvo foi composta pelas mulheres
que solicitaram a intervenção da polícia na
resolução de conflitos domésticos e
preencheram os boletins de ocorrência
pesquisados e arquivados no 10º Batalhão da
Polícia Militar de Montes Claros. A
amostragem foi aleatória simples. Esse tipo
de amostragem faz parte das amostras
probabilísticas. Segundo Gil (1991), “a
amostragem aleatória simples consiste em
atribuir a cada elemento da população um
número único para depois selecionar alguns
elementos de forma casual” (p. 93). De fato,
efetuamos uma variação dessa amostragem,
na qual não usamos a numeração dos
documentos, embora tenhamos mantido a
casualidade. Selecionamos de cada pacote de
boletins de ocorrência das 04 regiões da
polícia militar em Montes Claros, de forma
aleatória, 15 boletins por cada mês
pesquisado, iniciando-se em agosto de 2007
e terminando em agosto de 2009. É preciso
salientar que em algumas regiões não foi
possível alcançar o número previsto
estatisticamente para cada mês. Isso ocorreu
porque o fenômeno da violência contra a
mulher não foi documentado nessas regiões
no período. Essa impossibilidade aconteceu
principalmente na região central de Montes
Claros. Uma análise mais precisa desse dado
será feita mais adiante.
Os dados foram coletados a partir de
formulário próprio elaborado pela equipe de
pesquisa e tratados estatisticamente através
do pacote estatístico para Ciências Sociais
(
Statistical Package for the Social Sciences
[SPSS]).
Esse formulário foi elaborado para coletar
informações acerca das características da
vítima e do agressor, tais como: idade,
escolaridade, estado civil, trabalho. No caso
da vítima foi pesquisado também se esta
sofreu agressões anteriores e se sofre
agressões do mesmo agressor. No caso do
agressor, verificamos o envolvimento deste
em outras ocorrências e o uso de substâncias
associado à violência. Foram investigadas
A violência contra a mulher em Montes Claros: análise estatística
▲ Gerais: Revista Interinstitucional de Psicologia, 6 (2), jul - dez, 2013,282-297
286
ainda as características da agressão: local e
turno em que ocorreu a violência, tipo de
violência e causa presumida, ou seja, os
motivos atribuídos aos atos violentos.
É necessário pontuar que tivemos certa
dificuldade na coleta de dados dos boletins
de ocorrência. Estes documentos, com
frequência, foram preenchidos de maneira
incompleta e com grafias de difícil leitura e
compreensão. As informações preenchidas
em menor quantidade e que continham mais
lacunas eram referentes à escolaridade, à
identificação do agressor e à idade tanto da
vítima quanto do agressor. Percebemos
ainda grande confusão no preenchimento do
estado civil da vítima: nos boletins de
ocorrência há categorias de difícil
elucidação, tais como amigada e união
estável, cuja distinção é complicada para os
policiais.
Resultados e discussão
Os resultados evidenciaram que as
regiões de maior prevalência da violência
contra a mulher localizam-se nos bairros da
periferia de Montes Claros (Figura 1). E em
sua maioria, são bairros pobres, o que pode
nos conduzir à explicação equivocada de que
este fenômeno, nessa cidade, ocorre
predominantemente no estrato social das
camadas baixas. De acordo com Boudon &
Bourricaud (1993), o estrato social das
camadas baixas constitui-se como um
estrato de baixo poder aquisitivo, possuindo
moradia precária, baixa instrução e baixo
nível de qualificação. Efetuar essa leitura
simplista denota ainda o que Escorel (1999)
assinala como um dos efeitos da
permanência ao longo da história brasileira
da interdependência entre desigualdade e
carência: a estigmatização da pobreza.
Ao estudar a violência contra a mulher,
Silva (2010) coloca o preconceito em sua
base. Essa atitude sustenta a discriminação
contra a mulher, que vem sendo vítima de
violência ao longo da história da
humanidade. O referido autor aponta que
esse processo não é somente de
desqualificação da mulher, mas também um
processo de exclusão social. O preconceito
se dissemina na sociedade de massa através
de estereótipos em que “[...] as categorias
sociais subalternas no Brasil são
essencialmente constituídas por mulheres,
negros, pobres e crianças, nas quais,
hierarquicamente, a mulher negra e pobre
está em último lugar, e o homem branco
rico e adulto está no topo” (Silva, 2010, p.
565). Dessa maneira, é preciso estar atento à
associação da complexidade que atravessa a
violência doméstica com a pobreza.
Certamente os dados coletados nos boletins
de ocorrência não significam que as camadas
baixas sejam mais violentas, apenas que a
violência doméstica é mais difundida nesse
estrato social, uma vez que as camadas
médias e altas da nossa sociedade possuem
outros recursos para lidar com esse
fenômeno, sobretudo em função de seu
poder aquisitivo e de sua inclusão social.
Nesse sentido, Maia (2012) assinala que “[...]
as mulheres pobres se sentem menos
constrangidas ou não dispõem de outro
meio quando são obrigadas a buscar ajuda e
solução para o problema vivido” (p. 23).
R. C. Romagnoli, L. L. G. Abreu & M. F. Silveira
▲ Gerais: Revista Interinstitucional de Psicologia, 6 (2), jul - dez, 2013,282-297
287
Figura 1: Distribuição da violência de acordo com as regiões em Montes Claros, MG
Fundamentados no mapa acima,
percebemos que a região de menor
prevalência da violência contra a mulher é a
região central de Montes Claros. Inclusive,
no exame dos boletins de ocorrência, com
foi dito anteriormente, não havia tampouco
o número suficiente de denúncias para
serem computadas estatisticamente. O
centro de Montes Claros, como a maior
parte dos centros das cidades do interior, é
composto basicamente por estabelecimentos
comerciais, e não por residências, local no
qual ocorre grande parte da violência contra
a mulher, por isso o baixo índice de
ocorrências (Tabela 3).
No que diz respeito ao perfil das
mulheres agredidas, a idade das mulheres
que deram queixa nos boletins de ocorrência
examinados, se localiza entre 26 e 35 anos
em sua maioria (34,8 %); o segundo maior
índice refere-se à idade 18 a 25 anos (25,4
%). As mulheres entre 36 a 45 anos
correspondem a 20,3% (Tabela 1). Quanto à
escolaridade das vítimas, a maioria é
alfabetizada (35,7%) e o grau de instrução
mais frequente é o ensino fundamental
(27,6) (Tabela 1). Quanto ao estado civil, por
sua vez, a maioria das mulheres vítimas de
violência é casada ou possui união estável
(36,3%). Em seguida, estão as mulheres
divorciadas (33,1%). Na categoria trabalho, a
maior parte das mulheres é do lar, o que
indica que estas dependem economicamente
dos homens (Tabela 1).
A violência contra a mulher em Montes Claros: análise estatística
▲ Gerais: Revista Interinstitucional de Psicologia, 6 (2), jul - dez, 2013,282-297
288
Tabela 1: Distribuição da amostra segundo características da vítima em Montes Claros, MG
Variável
N
%
Idade
< 12 anos
12
1,0
13 – 17 anos
57
4,5
18 – 25 anos
321
25,4
26 – 35 anos
439
34,8
36 – 45 anos
257
20,3
46 – 60 anos
138
10,9
> 60 anos
39
3,1
Total*
1263
100,0
Escolaridade
Analfabeta
15
3,7
Alfabetizada
145
35,7
Ensino fundamental
112
27,6
Ensino médio
95
23,4
Ensino superior
39
9,6
Total*
406
100,0
Estado civil
Solteira
316
27,5
Casada/união estável/amigada
418
36,3
Divorciada/separada judicialmente
381
33,1
Viúva
36
3,1
Total*
1151
100,0
Trabalho
Desempregada
03
1,1
Do lar
611
52,4
Aposentada
22
1,9
Estudante
103
8,8
Ocupação informal
114
9,8
Ocupação formal
304
26,0
Total*
1167
100,0
Sofreu agressões anteriores
Não
226
46,1
Sim
264
53,9
Total*
490
100,0
Sofreu agressões pelo mesmo agressor
Não
226
46,1
Sim, mesmo agressor mais de uma vez
136
27,8
Sim, mesmo agressor várias vezes
128
26,1
Total*
490
100,0
*Os totais variam devido à falta de informações
R. C. Romagnoli, L. L. G. Abreu & M. F. Silveira
▲ Gerais: Revista Interinstitucional de Psicologia, 6 (2), jul - dez, 2013,282-297
289
Esses dados nos permitem dialogar com
as teorias de gênero que concebem as
categorias homem e mulher como
construções sociais e históricas, cujas
relações são atravessadas por estratégias de
poder, dominação e submissão. Pensar a
partir da perspectiva de gênero significa
compreender as formações de poder na
sociedade, como nos atesta Scott (1990),
revelando essas construções na
subordinação feminina, em contraposição às
explicações de natureza biológica. Assim,
quando nos referimos ao gênero,
entendemos os aspectos psicológicos, sociais
e culturais da feminilidade e masculinidade,
ao conjunto de expectativas em relação aos
comportamentos sociais das pessoas de
determinado sexo.
Os índices estatísticos de nosso estudo
demonstram que a violência contra as
mulheres se dá tanto nas uniões estáveis
quanto em seu rompimento. Mas o que
mantém essa permanência, mesmo com atos
violentos? Ao estudar a violência conjugal
no norte de Minas, Maia (2012) o faz a partir
da perspectiva de gênero e aponta para
relações de poder desiguais entre as posições
construídas hierarquicamente e
historicamente de homem e de mulher.
Nesse contexto, analisa as explicações dadas
pelas mulheres para permanecer em relações
violentas. São elas:
[...] o histórico de violência familiar; a
assimilação/introspecção da ideia de ‘culpa’;
a vergonha moral; a ideologia do casamento
indissolúvel, as relações afetivas; valores
religiosos como resignação, compaixão e
perdão; a ameaça e o terrorismo psicológico
que produzem o medo e a acomodação; a
certeza da impunidade dos agressores. Além
disso, o ideal de família perfeita e o ideal de
amar e ser amada são elementos
importantes para muitas mulheres,
sobretudo aquelas constituídas dentro de
um modo de vida burguês. (Maia, 2012, p.
45).
Nesse sentido, a permanência em um
casamento ou em uma união estável, seja
qual for a justificativa para tal, desvela uma
estrutura social que prescreve uma série de
funções para o homem e para a mulher,
como próprias ou “naturais” de seus
respectivos gêneros, construindo
socialmente as relações entre eles. As
diferenças de gêneros compõem lugares
enrijecidos e cristalizados em uma relação,
que muitas das vezes sustentam a
dominância da forma masculina e
desqualificando a diferença feminina,
fundamentada em uma pretensa
superioridade. Assim, a mulher se curva,
resignada, à dominação masculina, como se
essa atitude fosse a esperada. É necessário
ressaltar que mais da metade das mulheres
que deram queixa nos boletins de ocorrência
já sofreu agressões anteriores (53,9%). Das
mulheres agredidas, 46,1% o foram pela
primeira vez. Das mulheres que já foram
agredidas anteriormente, 27,8% foram
agredidas outra vez pelo mesmo agressor e
26,1% foram agredidas várias vezes pelo
mesmo agressor. Podemos notar que o total
de mulheres que foi agredida mais de uma
vez (27,8%) somado ao conjunto de
mulheres que foram agredidas várias vezes
(26,1 %) é superior às mulheres que não
sofreram agressões anteriores (46,1%)
(Tabela 1).
Esses dados apontam para uma
acomodação das mulheres nas relações em
A violência contra a mulher em Montes Claros: análise estatística
▲ Gerais: Revista Interinstitucional de Psicologia, 6 (2), jul - dez, 2013,282-297
290
que há violência, sendo que esta geralmente
sustentada pelo imaginário social acerca das
relações estáveis e a indissociabilidade do
casamento, como apontado por Maia (2012).
Nesse imaginário, as alianças monogâmicas
se pautam na idealização do amor eterno, da
família feliz, em que o casamento é o
desfecho final aguardado por toda e
qualquer mulher como realização pessoal
como pontua Araújo (2002). Muitas
mulheres suportam as agressões por ser o
casamento um dispositivo de prestígio e
status social. A separação pode significar um
fracasso no projeto de vida dessas mulheres.
Todavia, a questão é quando a mulher
precisa suportar a violência para manter
esses vínculos ou ainda lidar com a agressão
como se esta fosse inerente a uma relação
conjugal.
A naturalização da violência traz
consequências nefastas para o cotidiano
desses casais e também dessas famílias. A
OMS (2002) pontua que essa naturalização
da violência contra a mulher não raro é
sustentada pelas próprias mulheres que a
vivenciam, que podem se tornar cúmplices
ao concordarem com o uso da força física,
demonstrando posturas de submissão e
legitimação do direito irrestrito do homem
sobre elas. Essa atitude é arriscada. A
naturalização da violência garante a
invisibilidade do fenômeno, mantém a
impunidade dos agressores e camuflam
complexas relações de poder nas quais
geralmente a denúncia é incomum. Nesse
sentido, podemos afirmar que:
a violência e a agressão contra mulheres,
negros e homossexuais, até bem pouco
tempo, eram práticas consideradas tão
comuns que passavam despercebidas como
formas de violência em nossa sociedade,
onde os grupos oprimidos escondiam o seu
sofrimento sem poder sequer denunciá-lo
ou compreendê-lo. (Silva, 2011, p. 562).
Esses atos violentos contra a mulher,
deflagradores de dor e de padecimento, são
usualmente cometidos pelos parceiros. No
que se refere ao perfil do agressor em nosso
estudo, a maior parte dos homens agressores
tem entre 26 a 35 anos (37,3%); entre 36 a
45 anos (21,7%) e 18 a 25 anos (21,6%)
(Tabela 2). Percebemos aqui quase os
mesmos índices das mulheres, com a
diferença que, a segunda maior taxa de
mulheres que são vítimas de violência está
entre de 18 a 25 anos (25,4 %). Acreditamos
que essa diferença se dá porque geralmente
nos casais, em nossa sociedade, os homens
são mais velhos que as mulheres. Quanto à
escolaridade 40,7% dos agressores é
alfabetizado e 27,6% possui ensino
fundamental (Tabela 2).
Quanto ao estado civil, à maioria dos
homens é casada ou possui união estável
(64,3%); 28,7% são solteiros e 6,5%,
divorciados (Tabela 2). Vale lembrar que há
uma diferença de concepção de casamento
entre homens e mulheres, a qual favorece a
acomodação do homem nesse tipo de
vínculo. Ao estudar o casamento e separação
na atualidade, Féres-Carneiro (2001) afirma
que para os homens o casamento está
associado à constituição de uma família. Por
outro lado, para as mulheres, essa união está
ligada à relação amorosa. Esse descompasso
pode conduzir à manutenção da violência
contra a mulher, uma vez que os homens
R. C. Romagnoli, L. L. G. Abreu & M. F. Silveira
▲ Gerais: Revista Interinstitucional de Psicologia, 6 (2), jul - dez, 2013,282-297
291
não sentem que precisam ter cuidado com o
casamento, já que priorizam a família.
Assim, em geral, não acreditam que devem
investir na relação com sua companheira
que, por sua vez, se acomoda em um
cotidiano de agressões.
Dentre os agressores, 45,7% possuem
ocupação formal e 31,9% possui ocupação
informal (Tabela 2). Esses números se
relacionam com a dependência econômica
das companheiras, pois, como vimos, a
maioria delas é do lar e não tem rendimento
próprio (Tabela 1). Os dados apresentam
ainda que 17,6% dos parceiros agressores
são desempregados, o que nos faz pensar
que nos casos em que não há dependência
econômica, há uma dependência afetiva
(Deeke¸ Boing, Oliveira & Coelho, 2009).
Ao discutir o padrão de relação nesses casos,
Romagnoli (2012) destaca a dificuldade dos
casais ligados pela violência em
experimentar outra forma de relação que
não seja mediada pela violência. Estes casais
geralmente sustentam interações repetitivas
e estereotipadas, comprometendo a relação
entre eles e com seus filhos e familiares.
Essas interações são tecidas subjetivamente
em meio a rotinas, conflitos, questões sociais
e financeiras, histórias transgeracionais e
padrões de interações do casal, perpetuando
um jogo sustentado tanto pelo homem
como pela mulher.
Tabela 2: Distribuição da amostra segundo características do agressor. Montes Claros, MG
Variável
N
%
Idade
13 – 17 anos
25
2,4
18 – 25 anos
228
21,6
26 – 35 anos
395
37,3
36 – 45 anos
230
21,7
46 – 60 anos
158
14,9
> 60 anos
22
2,1
Total*
1058
100,0
Escolaridade
Analfabeto
06
1,8
Alfabetizado
135
40,7
Ensino fundamental
101
30,4
Ensino médio
58
17,5
Ensino superior
32
9,6
Total*
332
100,0
Estado civil
Solteiro
292
28,7
Casado/união estável/amigado
659
64,6
Divorciado/separado judicialmente
66
6,5
A violência contra a mulher em Montes Claros: análise estatística
▲ Gerais: Revista Interinstitucional de Psicologia, 6 (2), jul - dez, 2013,282-297
292
Viúvo
02
0,2
Total*
1019
100,0
Trabalho
Desempregado
172
17,6
Aposentado
25
2,6
Estudante
22
2,2
Ocupação informal
312
31,9
Ocupação formal
448
45,7
Total*
979
100,0
Envolvimento em outras ocorrências
Não
210
74,2
Sim
73
25,8
Total*
283
100,0
Uso de substâncias
Álcool
309
73,6
Substâncias psicoativas
76
18,1
Outros
35
8,3
Total*
420
100,0
*Os totais variam devido à falta de informações
Quanto ao envolvimento em outros
episódios de agressão contra as mulheres,
74,2% dos homens dizem não ter
participado, contra 25,8% que declara ter
vivenciado outros episódios de violência
(Tabela 2). É preciso assinalar que esse dado
contradiz os dados informados pelas
mulheres, já que mais da metade diz ter sido
agredida anteriormente (Tabela 1). Essa
contradição pode ser explicada pelo fato de
que provavelmente essas mulheres tenham
sofrido sim agressões antes de preencher o
boletim de ocorrência, contudo, não a
denunciaram. Por outro lado, é possível que
alguns homens acreditem que não agridam.
Ao estudar os motivos da agressão conjugal
contra a mulher na perspectiva dos homens
que efetuam a agressão, Rosa, Boing,
Buchele, Oliveira e Coelho (2008) salientam
que estes não demonstram compreensão
ativa de que são agressores, ou seja, não
reconhecem os atos de violência que relatam
e nem se sentem arrependidos. Esses
homens percebem o comportamento
violento como insignificante e justificam
suas atitudes como resposta ao
comportamento da companheira. Assim,
torna-se natural o uso da força física para os
homens envolvidos em episódios violentos.
Em pesquisa qualitativa feita em 2006 com
30 casais, na Delegacia de Proteção à
Mulher, à Criança e ao Adolescente de
Florianópolis, Deeke, et al. (2009)
propuseram escutar o casal e não somente a
mulher agredida, para examinar o discurso
tanto da vítima quanto do agressor,
ressaltando que muitas das vezes os homens
não têm oportunidade de verbalizar sobre o
episódio de violência. Esses autores também
notaram grande incongruência entre os
R. C. Romagnoli, L. L. G. Abreu & M. F. Silveira
▲ Gerais: Revista Interinstitucional de Psicologia, 6 (2), jul - dez, 2013,282-297
293
discursos dos homens e das mulheres, sendo
que a maioria dos homens tende a amenizar
as agressões e não raro não designar como
tal o que fizeram, além de minorar sua
periodicidade.
Nos dados obtidos nos boletins de
ocorrência pesquisados, o uso do álcool
aparece como presença constante na
violência contra a mulher (73,6%), seguido
pelo uso de substâncias psicoativas (18,1%)
e outros (8,3%) (Tabela 2). Cabe ressaltar
que esse item é geralmente preenchido pelo
policial no momento da denúncia, não só
pela colocação da vítima, mas também por
observação do estado do agressor, quando
possível. Esse alto índice de uso de álcool
nos episódios de violência corrobora com a
pesquisa de Fonseca et al. (2009). Ao
examinar as situações de violência doméstica
ocorridas com o agressor alcoolizado, os
autores efetuaram um levantamento
domiciliar que incluiu 108 cidades brasileiras
com mais de 200 mil habitantes, em 2005, e
pesquisaram 7.939 domicílios. Em 33,5% foi
relatado histórico de violência domiciliar,
sendo 17,1% com agressores alcoolizados.
Em mais da metade dos casos de violência
doméstica, o agressor estava sob o efeito do
álcool. Por outro lado, para estudar a
prevalência de violência por parceiros
íntimos e o consumo de álcool durante os
eventos dessa violência, Zalesky et al. (2010)
entrevistaram 1.445 homens e mulheres
casados ou vivendo em união estável, de
novembro de 2005 a abril de 2006. Os
autores constataram que os homens
consumiram álcool em 38,1% dos casos. Em
pesquisa realizada também em Montes
Claros na qual foram analisados 1.064
boletins de ocorrência registrados na
Delegacia de Repressão aos Crimes contra a
Mulher, durante os meses de janeiro e
fevereiro de 1998 a 2002, Durães e Moura
(2004) reconhecem que em 33,9% dos casos,
a ingestão de bebidas alcoólicas favorece que
o agressor haja de forma violenta. Maia
(2012), por sua vez, ao analisar os
processos–crime de lesão corporal e
tentativa de homicídio, ocorridos em
Janaúba e Montes Claros entre 1970 e 2007,
focando a violência conjugal contra a
mulher, destaca que muitos dos casos
examinados encontram-se associados ao
consumo de álcool, o que parece facilitar a
exteriorização da agressão masculina.
Com certeza, o uso de álcool é um forte
atravessamento nos episódios de violência
doméstica e estes tendem a ser mais graves
mediante essa combinação, embora o álcool
por si só não seja responsável pelos atos
violentos. A crença de que o álcool é o
causador da violência parece diminuir a
responsabilidade do agressor e aumentar a
tolerância da vitima, cooperando com o
surgimento de novos episódios, como
constatado por Fonseca et al. (2009). Isso
porque muitas mulheres desculpam a
violência que sofreram baseadas no fato de
seu parceiro estar bêbado. E, nesses casos, o
homem também justifica o que fez pelo uso
da bebida.
A compreensão de que o consumo de
álcool está associado à violência contra as
mulheres certamente aponta para a
necessidade de sua prevenção. Além da lei
Maria da Penha, em vigor desde 2006,
A violência contra a mulher em Montes Claros: análise estatística
▲ Gerais: Revista Interinstitucional de Psicologia, 6 (2), jul - dez, 2013,282-297
294
Zalesky et al. (2010) afirmam que algumas
medidas nos serviços de saúde e na esfera
das políticas públicas podem ser adotadas.
Essas medidas vão desde a necessidade de
protocolos e instrumentos de rastreamento
específicos até a própria indagação acerca do
fácil acesso, do baixo custo das bebidas
alcoólicas e da necessidade de campanhas
para a redução do seu consumo.
No que se refere ao local em que se
realiza a agressão, nos documentos
examinados foi constatado que 87,8% das
agressões ocorrem em casa, 3,6% na rua, 1,3
% em local de trabalho, 2,5% em local de
lazer e 4,8% em outros lugares (Tabela 3).
Embora o conceito de violência doméstica
considere que o fenômeno pode correr
dentro ou fora do lar, como nos lembra
Saliba et al. (2007), a residência ainda é o
local no qual ela prioritariamente acontece.
Em pesquisa realizada também na cidade de
Montes Claros, no período de janeiro e
fevereiro de 1998 a 2002, Durães e Moura
(2004) constataram que 68,2% das agressões
ocorreram na residência. Comparando com
os dados obtidos em nossa pesquisa
observamos que houve um aumento
considerável (19,6%) de agressões nesse
local. Conforme os boletins de ocorrência, o
turno em que ocorre o maior número de
agressões é o noturno (46,1%), seguido do
vespertino (27,6%) (Tabela 3).
Tabela 3: Distribuição da amostra segundo característica da agressão. Montes Claros, MG
Variável
n
%
Local em que ocorreu a agressão
Na rua
38
3,6
Em casa
938
87,8
Local de trabalho
14
1,3
Local de lazer
27
2,5
Outros
51
4,8
Total*
1068
100,0
Turno em que ocorreu a agressão
Matutino
171
13,7
Vespertino
344
27,6
Noturno
574
46,1
Madrugada
157
12,6
Total*
1246
100,0
Tipo de violência
Abuso sexual
12
0,9
Abuso moral
210
16,2
Agressão física
809
62,6
Enforcamento
12
0,9
Estupro
05
0,4
Homicídio
02
0,2
R. C. Romagnoli, L. L. G. Abreu & M. F. Silveira
▲ Gerais: Revista Interinstitucional de Psicologia, 6 (2), jul - dez, 2013,282-297
295
Utilização de objetos perfuro-cortantes
162
12,5
Utilização de substâncias químicas
06
0,5
Outros
75
5,8
Total*
1293
100,0
Causa presumida da agressão
Interferência da família
06
0,6
Desobediência
07
0,7
Crise financeira
02
0,2
Ciúme
131
12,5
Suspeita de traição
15
1,4
Discussão doméstica
286
27,3
Ingestão de álcool
248
23,7
Ingestão de substância psicoativa
61
5,8
Outros
292
27,8
Total*
1048
100,0
*Os totais variam devido à falta de informações
Ao examinar os tipos de violência
percebemos que a agressão física é
majoritária correspondendo a 62,6% das
denúncias. Os outros tipos de violência em
percentual são: abuso moral (16,2%),
utilização de armas perfuro-cortantes
(12,5%), enforcamento (0,9%,), abuso sexual
(0,9%,), utilização de substâncias químicas
(0,5%), estupro (0,4%) e homicídio (0,2%)
(Tabela 3).
Quanto aos motivos da agressão, em
nossa pesquisa observamos que 27,3% se
dão por discussão doméstica, 23,7% por
ingestão de álcool, 12,5% por ciúme, 5,8%
por ingestão de substâncias psicoativas,
1,4% por suspeita de traição, 0,7% por
desobediência, 0,6% por interferência
familiar com a família de origem e 0,2% por
crise financeira (Tabela 3). A categoria
“outros” teve um percentual de 27,8%. Vale
lembrar que esse item é informado pela
denunciante, a partir de sua percepção, daí a
diferença com os dados analisados na Tabela
2 acerca da ingestão de álcool e ingestão de
substâncias psicoativas. Dessa maneira,
muitas das vezes a ingestão de álcool é
minorada pela vítima, que pode
desconsiderar o seu uso.
De qualquer forma, é preciso destacar
que o uso de álcool e também o uso de
substâncias psicoativas geralmente fazem
parte dos episódios de agressão. Deeke et al.
(2009) ao explorar os motivos da violência
contra a mulher, os circunscreve em: ciúmes,
o homem ser contrariado, ingestão de álcool
e suspeita de traição. Para os autores, a
violência nas relações expressa dinâmicas de
afeto e poder e denunciam uma assimetria
nas relações de gênero. Nesse contexto, o
uso de álcool pelo homem é fator
significativo de risco. Por outro lado, Rosa et
al. (2008) pesquisaram as razões pelas quais
os homens efetuam a agressão conjugal
contra a mulher, e os resultados apontam
A violência contra a mulher em Montes Claros: análise estatística
▲ Gerais: Revista Interinstitucional de Psicologia, 6 (2), jul - dez, 2013,282-297
296
para: comportamentos e atitudes que
permitem identificar as causas da agressão
contra a companheira evidenciada a partir da
interferência de pessoas estranhas à relação
conjugal; presença de ações inadequadas da
companheira; domínio da mulher sobre o
companheiro; resposta à agressão física,
verbal ou psicológica da companheira;
dependência química e situação financeira.
Essas razões geralmente se misturam no
cotidiano sob a forma de conflitos que
eclodem em atos violentos contra a mulher.
Considerações finais
Observamos em nossa pesquisa, ao
examinar as características das mulheres e
dos agressores, os tipos de violência mais
comuns e os motivos atribuídos, que os
números da violência contra a mulher em
Montes Claros são altos. Sabemos que,
infelizmente, embora tenhamos pesquisados
os boletins de ocorrência no período de
agosto de 2007 a agosto de 2009, eles não
cobrem todos os fatos reais. A maior parte
dos casos de violência contra as mulheres
ainda se encontra oculta e não chega a ser
denunciada, perpetuando laços de imposição
e sujeição no cotidiano, difíceis de serem
rompidos. Esses laços dão sentidos às
agressões, através das representações
instituídas de família, de gênero, de lugares
sociais naturalizados de homem e mulher, de
posições marcadas de algoz e vítima. Essas
marcas sustentam círculos viciosos e nocivos
para todos os envolvidos. Em meio a
normas sociais, preconceitos e relações de
poder, a violência circula e mantém unido
vários casais.
Um dos desafios que se apresenta para os
profissionais que atuam com o fenômeno é
como interromper esse círculo vicioso e
permanente de agressão e contribuir para a
criação de outros tipos de conexões nessas
relações. Por este viés, acreditamos ser
necessário identificar e fortalecer as formas
de enfrentamento da violência contra a
mulher, refletindo também acerca dos
mecanismos pelos quais a dominação se
exerce e se mantém nessas relações, para
produzir outras maneiras de relacionar, na
tentativa de favorecer saídas construtivas
para essas mulheres e esses homens,
auxiliando na sustentação de intervenções
que reduzam esse grave problema social e de
saúde pública.
Referências
Araújo, M. de F. (2002). Amor, casamento e
sexualidade: velhas e novas configurações.
Psicologia: Ciência e Profissão
, 22(2), 70-77.
Arblaster, A. (1996). Violência. In W. Outhwaite
& T. Bottomore (Orgs.),
Dicionário do pensamento
social no século XX
(pp. 803-804). São Paulo: Jorge
Zahar.
Boudon, R. & Bourricaud, F. (1993).
Estratificação social. In F. Boudon & F.
Bourricaud,
Dicionário Crítico de Sociologia
(p. 214).
São Paulo: Ática.
Brasil (2005).
O impacto da violência na saúde dos
brasileiros.
Brasília: Ministério da Saúde. Secretaria
de Vigilância em Saúde.
Deeke, L. P., Boing, A. F., Oliveira, W. F. &
Coelho, E. B. S. (2009). A dinâmica da violência
doméstica: uma análise a partir dos discursos da
mulher agredida e de seu parceiro.
Saúde e
Sociedade
, 18(2), 248-258.
Dubose Junior, T. D. (2007). Chronic kidney
disease as a public health threat: new strategy for
a growing problem.
Journal of the American Society
of Nephrology
, 18, 1038–1045.
Durães, S. J. A. & Moura, J. M. (2004). Alguns
tipos de violência contra as mulheres em Montes
R. C. Romagnoli, L. L. G. Abreu & M. F. Silveira
▲ Gerais: Revista Interinstitucional de Psicologia, 6 (2), jul - dez, 2013,282-297
297
Claros/MG: análise de indicadores da delegacia
de repressão aos crimes contra a mulher (1998-
2002).
UNIMONTES Científica
, 6(2), 29-37.
Escorel, S. (1999).
Vidas ao léu: trajetórias de
exclusão social.
Rio de Janeiro: FIOCRUZ.
Féres-Carneiro, T. (2001). Casamento
contemporâneo: construção da identidade
conjugal. In T. Féres-Carneiro (Org.),
Casamento e
família: do social à clínica
(pp. 67 – 80). Rio de
Janeiro: Nau.
Fonseca, A. M.; Galduróz, J. C. F.; Tondowsky, C.
S. & Noto, A. R. (2009). Padrões de violência
domiciliar associada ao uso de álcool no Brasil.
Revista de Saúde Pública
, 43(5), 743-749.
Gil, A. C. (1991).
Métodos e técnicas de pesquisa
social
. (3ª ed.). São Paulo: Atlas.
Gomes, R.; Minayo, M. C. de S. & Silva, C. F. R.
(2005). Violência contra a mulher: uma questão
transnacional e transcultural das relações de
gênero. In Secretaria de Vigilância em Saúde
(Org.),
Impacto da violência na saúde dos brasileiros
(pp. 117-140). Brasília: Ministério da Saúde.
Gunther, H. Pesquisa qualitativa versus pesquisa
quantitativa: esta é a questão? (2006).
Psicologia:
Teoria e Pesquisa
, 22(2), 201-209.
Maia, C. J. (2012). Rompendo o silêncio: histórias
de violência conjugal contra as mulheres no
norte de Minas (1970-2007). In C. de J. Maia, &
R. C. L. Caleiro, (Orgs.),
Mulheres, violência e justiça
no norte de Minas
(pp. 15-52). São Paulo:
Annablume.
Organização dos Estados Americanos (1994).
Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e
Erradicar a Violência Contra a Mulher - "Convenção de
Belém do Pará
", 1994. Retrieved September 05,
2009, from
https://www.cidh.oas.org/Basicos/Portugues/m
.Belem.do.Para.htm.
Organização Mundial da Saúde (2002).
Primeiro
relatório mundial sobre violência e saúde,
2002.
Retrieved September 07, 2009 from
http://www.saude.gov.br
Romagnoli, R. C. (2012). A violência contra a
mulher em interlocução com a Esquizoanálise:
aprisionamentos e devires. In R. C. Romagnoli &
F. F. S. Martins (Orgs.),
Violência doméstica: estudos
atuais e perspectivas
(pp. 43-63). Curitiba: CRV.
Rosa, A. G., Boing, A. F., Buchele, F., Oliveira,
W. F. & Coelho, E. B. S. (2008). A violência
conjugal contra a mulher a partir da ótica do
homem autor da violência
. Saúde e Sociedade
,
17(3),152-160.
Scott, J. (1990). Gênero: uma categoria útil para
análise histórica
. Educação e Realidade
, 16 (2), 05-
22.
Saliba, O., Garbin, C. A. S., Garbin, A. J. I. &
Dossi, A. P. (2007). Responsabilidade do
profissional de saúde sobre a notificação de
casos de violência doméstica.
Revista de Saúde
Pública
, 41 (3), 472-477.
Silva, S. G. da. (2010). Preconceito e
discriminação: as bases da violência contra a
mulher.
Psicologia Ciência e Profissão
, 30(3), 556-
571.
Souza, C. M. & Adesse, L (2005).
Violência sexual
no Brasil: perspectivas e desafios
. Brasília: Secretaria
Especial de Políticas para as Mulheres.
Zaleski, M., Pinsky, I., Laranjeira, R., Ramisetty-
Mikler, S. & Caetano, R. (2010). Violência entre
parceiros íntimos e consumo de álcool.
Revista de
Saúde Pública,
44(1), 53-59.
Recebido: 04/07/2012
Aceito: 20/03/2013