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Abstract

This article discusses quantitative data from the research -"Domestic violence against women in the municipality of Montes Claros /MG: a possible outline". The data was collected from the 10th Battalion of the Military Police of Montes Claros through the analysis of 1315 police reports, from August 2007 until August 2009. The results show a higher incidence in the outskirts of the city and a higher occurrence during the night. Mainly the victims and the aggressor are between 26 and 35 years of age and half of the women had already suffered previous aggressions. The types of violence often found are physical aggression and psychological abuse. The main reasons are domestic arguments and alcohol ingestion. We conclude that violence against women is a serious problem is this municipality
A violência contra a mulher em Montes Claros: análise estatística
Gerais: Revista Interinstitucional de Psicologia, 6 (2), jul - dez, 2013,282-297
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A violência contra a mulher em Montes Claros:
análise estatística
The violence against women in Montes Claros:
statistical analysis
Roberta Carvalho Romagnoli
*
1
, Leila Lúcia Gusmão de Abreu
**
&
Marise Fagundes Silveira
***
*
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte, Brasil
**Faculdade de Saúde Ibituruna, Montes Claros, Brasil
***Universidade Estadual de Montes Claros, Montes Claros, Brasil
Resumo
Esse artigo trata dos dados quantitativos da pesquisa “Violência Doméstica perpet rada contra a
mulher no município de Montes Claros/MG: um recorte possível”. Os dados foram coletados no 10º
Batalhão da Polícia Militar de Montes Claros, através da análise de 1315 boletins de ocorrência no
período de agosto de 2007 a agosto de 2009. Os resultados apontam para a maior prevalência do
fenômeno nos bairros de periferia e seu turno de maior ocorrência é o noturno. As vítimas e o
agressor em sua maioria possuem entre 26 e 35 anos e mais da metade das mulheres já sofreu
agressões anteriores. Os tipos de violência mais encontrados são a agressão física e o abuso moral. Os
principais motivos atribuídos são discussão doméstica e ingestão de álcool. Concluímos que o
fenômeno é um grave problema neste município.
Palavras Chaves:
Violência contra a mulher; Violência doméstica; Mulheres maltratadas.
Abstract
This article discusses quantitative data from the research –“Domestic violence against women in the
municipality of Montes Claros /MG: a possible outline”. The data was collected from the 10th
Battalion of the Military Police of Montes Claros through the analysis of 1315 police reports, from
August 2007 until August 2009. The results show a higher incidence in the outskirts of the city and a
higher occurrence during the night. Mainly the victims and the aggressor are between 26 and 35 years
of age and half of the women had already suffered previous aggressions. The types of violence often
found are physical aggression and psychological abuse. The main reasons are domestic arguments and
alcohol ingestion. We conclude that violence against women is a serious problem is this municipality.
Keywords:
Violence against women; Domestic violence; Battered women.
1
Contato: robertaroma@uol.com.br
R. C. Romagnoli, L. L. G. Abreu & M. F. Silveira
Gerais: Revista Interinstitucional de Psicologia, 6 (2), jul - dez, 2013,282-297
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Esse texto tem como objetivo apresentar
a análise quantitativa da pesquisa “Violência
Doméstica perpetrada contra a mulher no
município de Montes Claros/MG: um
recorte possível”
2
. O estudo investigou
quantitativamente e qualitativamente, os atos
violentos contra as mulheres, no que
concerne à violência doméstica em Montes
Claros, cidade polo da região norte do
estado de Minas Gerais. Em sua vertente
quantitativa, aqui examinada, o presente
estudo busca a tipificação dos atos violentos
e a avaliação desses índices, bem como seus
atravessamentos econômicos e sociais. Para
tal, efetuamos a análise estatística de 1315
boletins de ocorrência no período de agosto
de 2007 a agosto de 2009. Foram
consultados 2700 documentos para
encontrarmos os boletins de ocorrência
específicos de violência doméstica. Esses
resultados também foram utilizados para a
identificação das regiões de maior
prevalência do fenômeno junto ao 10º
Batalhão da Polícia Militar de Montes
Claros, na tentativa de cooperar com as
políticas públicas que atendam à população
envolvida e com a promoção de atitudes
preventivas no que se refere a esse tipo de
violência. Esses dados quantitativos serão
usados também, em um segundo momento,
para a complementação da análise qualitativa
da pesquisa, que busca investigar o sentido
deste fenômeno para as mulheres envolvidas
e seus reflexos na organização familiar,
através de observação participante e
entrevistas semi-estruturadas efetuadas com
2
Estudo financiado pela FAPEMIG e CNPq
usuárias das delegacias do referido
município. Na análise qualitativa, buscamos
rastrear tanto a reprodução e a cristalização
da violência doméstica na dinâmica familiar
quanto às tentativas de reorganização que
conduzem à invenção, à resistência quanto a
esse padrão, na ótica da Esquizoanálise de
Gilles Deleuze e Félix Guattari.
Definir violência não é tarefa simples. De
acordo com Arblaster (1996), esse conceito
é bastante amplo e polêmico. Pontos como
intencionalidade, legitimidade e
circunscrição da violência à agressão física
são muito debatidos, não havendo consenso
entre os teóricos. Além disso, cada sociedade
ou cultura nomeia diferentemente os atos ou
as atitudes violentas. Diante dessa
complexidade, a Organização Mundial da
Saúde (OMS) (2002) define violência como:
[...] uso da força física ou do poder real ou
ameaça contra si próprio, contra outra
pessoa ou contra um grupo ou uma
comunidade, que resulte ou tenha qualquer
possibilidade de resultar em lesão, morte ou
dano psicológico, deficiência de
desenvolvimento ou privação.
Nesse panorama, a violência contra a
mulher é uma modalidade de violência
específica que ocorre nas relações afetivas
envolvendo dimensões de poder. Esse
fenômeno pode ser compreendido como:
“Qualquer ato ou conduta baseada no
gênero, que cause morte, dano ou
sofrimento físico, sexual ou psicológico à
mulher, tanto na esfera pública quanto
privada” (Organização dos Estados
Americanos [OEA], 1994). Ao estudar a
notificação da violência doméstica pelos
profissionais de saúde, Saliba, Garbin,
Garbin e Dossi (2007) especificam um
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pouco mais o fenômeno, o indicando como:
[...] toda ação ou omissão que prejudique o
bem-estar, a integridade física, psicológica
ou a liberdade e o direito ao pleno
desenvolvimento de um membro da família.
Pode ser cometida dentro e fora do lar por
qualquer um que esteja em relação de poder
com a pessoa agredida, incluindo aqueles
que exercem a função de pai ou mãe,
mesmo sem laços de sangue (p. 473).
Independente de apresentar ou não laços
sanguíneos e do local na qual ocorra, a
violência doméstica possui estatísticas
alarmantes, sendo usual esta ser cometida
contra a mulher, efetuada por seu marido ou
parceiro, desvelando dimensões de
desigualdades e constituindo sério problema
de saúde pública. Segundo Dubose Junior
(2007), há certas condições para que um
problema de saúde seja considerado um
problema de saúde pública. Essas condições
são: elevado ônus para o sistema de saúde,
calculado em termos de mortalidade
/morbidade, qualidade de vida e custo;
distribuição do problema de forma injusta,
afetando principalmente as minorias e os
indivíduos desfavorecidos; evidências de que
estratégias de prevenção reduziriam seu
índice e constatação de que estratégias
preventivas desenvolvidas a então ainda
não foram suficientes.
A violência contra a mulher atende a
essas condições e afeta o cotidiano de
diversas mulheres em nosso país. Os dados
estatísticos nacionais acerca desse fenômeno
revelam altos índices de notificação. O
Ministério da Saúde revela que o aumento
das mortes e lesões causadas por essa
modalidade de violência mudou o perfil da
mortalidade e da morbidade nas últimas
décadas no Brasil e no mundo (Brasil, 2005).
Conforme indicam Gomes, Minayo e
Silva (2005) em pesquisa efetuada em 2004,
para cada cinco mulheres, pelo menos uma
mulher já sofreu algum tipo de violência
sexual, sendo que a violência familiar
aparece entre mulheres dos 15 aos 45 anos
de idade. Souza e Adesse (2005) declaram
que o Ministério da Saúde reconhece que
menos de 10% dos casos de violência sexual
é notificado, o que indica que esse número é
ainda superior. A constatação de que a maior
parte das mulheres não procura ajuda nos
serviços de saúde e nas delegacias também
foi feita por Fonseca, Galduróz, Tondowsky
e Noto (2009) em estudo acerca da
associação entre violência doméstica e
álcool.
Certo é que nem todas as mulheres que
sofrem violência procuram a polícia.
Observamos essa mesma postura em nosso
estudo. Ao longo da pesquisa, mulheres nos
procuraram para relatar sua experiência de
violência doméstica, embora não tenham
realizado nenhuma denúncia, por
constrangimento e sem querer se expor
socialmente, conforme relataram. Zalesky,
Pinsky Laranjeira, Ramisetty-Mikler e
Caetano (2010) destacam que a
subnotificação por parte das mulheres se
deve ao medo de represália dos parceiros.
Para os autores, “[...] O fato de que as
mulheres permanecem muitas vezes em uma
relação conjugal por medo de represálias
acaba por colocar em segundo plano fatores
como dificuldades econômicas e sociais,
dependência emocional, estigmatização e
impunidade (p. 56)”.
Independente da razão, sem dúvida, os
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números que aparecem nas notificações da
violência contra a mulher não correspondem
à realidade. Nesse contexto, para a análise
quantitativa aqui apresentada, trabalhamos
somente com os casos denunciados nos
boletins de ocorrência, sabendo que o
número de mulheres agredidas em Montes
Claros certamente é bem maior do que o
que se apresenta nessa pesquisa. A partir
desses documentos, analisamos os dados
coletados no 10º Batalhão da Polícia Militar,
identificando as regiões mais frequentes,
algumas características das mulheres e dos
agressores, os tipos de violência mais
comuns e os motivos a ela atribuídos.
Metodologia
Dada a complexidade da violência contra
a mulher, nosso objeto de estudo, optamos
por mesclar procedimentos metodológicos
distintos nessa pesquisa. A combinação
desses procedimentos no estudo de um
mesmo fenômeno tem por objetivo
abranger a máxima amplitude na descrição,
explicação a e compreensão do objeto de
estudo, como salienta Gunther (2006) ao
analisar a articulação entre a pesquisa
quantitativa e a pesquisa qualitativa.
Focando na vertente quantitativa dessa
pesquisa, é preciso evidenciar que nossa
população alvo foi composta pelas mulheres
que solicitaram a intervenção da polícia na
resolução de conflitos domésticos e
preencheram os boletins de ocorrência
pesquisados e arquivados no 10º Batalhão da
Polícia Militar de Montes Claros. A
amostragem foi aleatória simples. Esse tipo
de amostragem faz parte das amostras
probabilísticas. Segundo Gil (1991), “a
amostragem aleatória simples consiste em
atribuir a cada elemento da população um
número único para depois selecionar alguns
elementos de forma casual” (p. 93). De fato,
efetuamos uma variação dessa amostragem,
na qual não usamos a numeração dos
documentos, embora tenhamos mantido a
casualidade. Selecionamos de cada pacote de
boletins de ocorrência das 04 regiões da
polícia militar em Montes Claros, de forma
aleatória, 15 boletins por cada mês
pesquisado, iniciando-se em agosto de 2007
e terminando em agosto de 2009. É preciso
salientar que em algumas regiões não foi
possível alcançar o número previsto
estatisticamente para cada mês. Isso ocorreu
porque o fenômeno da violência contra a
mulher não foi documentado nessas regiões
no período. Essa impossibilidade aconteceu
principalmente na região central de Montes
Claros. Uma análise mais precisa desse dado
será feita mais adiante.
Os dados foram coletados a partir de
formulário próprio elaborado pela equipe de
pesquisa e tratados estatisticamente através
do pacote estatístico para Ciências Sociais
(
Statistical Package for the Social Sciences
[SPSS]).
Esse formulário foi elaborado para coletar
informações acerca das características da
vítima e do agressor, tais como: idade,
escolaridade, estado civil, trabalho. No caso
da vítima foi pesquisado também se esta
sofreu agressões anteriores e se sofre
agressões do mesmo agressor. No caso do
agressor, verificamos o envolvimento deste
em outras ocorrências e o uso de substâncias
associado à violência. Foram investigadas
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ainda as características da agressão: local e
turno em que ocorreu a violência, tipo de
violência e causa presumida, ou seja, os
motivos atribuídos aos atos violentos.
É necessário pontuar que tivemos certa
dificuldade na coleta de dados dos boletins
de ocorrência. Estes documentos, com
frequência, foram preenchidos de maneira
incompleta e com grafias de difícil leitura e
compreensão. As informações preenchidas
em menor quantidade e que continham mais
lacunas eram referentes à escolaridade, à
identificação do agressor e à idade tanto da
vítima quanto do agressor. Percebemos
ainda grande confusão no preenchimento do
estado civil da vítima: nos boletins de
ocorrência categorias de difícil
elucidação, tais como amigada e união
estável, cuja distinção é complicada para os
policiais.
Resultados e discussão
Os resultados evidenciaram que as
regiões de maior prevalência da violência
contra a mulher localizam-se nos bairros da
periferia de Montes Claros (Figura 1). E em
sua maioria, são bairros pobres, o que pode
nos conduzir à explicação equivocada de que
este fenômeno, nessa cidade, ocorre
predominantemente no estrato social das
camadas baixas. De acordo com Boudon &
Bourricaud (1993), o estrato social das
camadas baixas constitui-se como um
estrato de baixo poder aquisitivo, possuindo
moradia precária, baixa instrução e baixo
nível de qualificação. Efetuar essa leitura
simplista denota ainda o que Escorel (1999)
assinala como um dos efeitos da
permanência ao longo da história brasileira
da interdependência entre desigualdade e
carência: a estigmatização da pobreza.
Ao estudar a violência contra a mulher,
Silva (2010) coloca o preconceito em sua
base. Essa atitude sustenta a discriminação
contra a mulher, que vem sendo vítima de
violência ao longo da história da
humanidade. O referido autor aponta que
esse processo não é somente de
desqualificação da mulher, mas também um
processo de exclusão social. O preconceito
se dissemina na sociedade de massa através
de estereótipos em que “[...] as categorias
sociais subalternas no Brasil são
essencialmente constituídas por mulheres,
negros, pobres e crianças, nas quais,
hierarquicamente, a mulher negra e pobre
está em último lugar, e o homem branco
rico e adulto está no topo” (Silva, 2010, p.
565). Dessa maneira, é preciso estar atento à
associação da complexidade que atravessa a
violência doméstica com a pobreza.
Certamente os dados coletados nos boletins
de ocorrência não significam que as camadas
baixas sejam mais violentas, apenas que a
violência doméstica é mais difundida nesse
estrato social, uma vez que as camadas
médias e altas da nossa sociedade possuem
outros recursos para lidar com esse
fenômeno, sobretudo em função de seu
poder aquisitivo e de sua inclusão social.
Nesse sentido, Maia (2012) assinala que “[...]
as mulheres pobres se sentem menos
constrangidas ou não dispõem de outro
meio quando são obrigadas a buscar ajuda e
solução para o problema vivido” (p. 23).
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Figura 1: Distribuição da violência de acordo com as regiões em Montes Claros, MG
Fundamentados no mapa acima,
percebemos que a região de menor
prevalência da violência contra a mulher é a
região central de Montes Claros. Inclusive,
no exame dos boletins de ocorrência, com
foi dito anteriormente, não havia tampouco
o número suficiente de denúncias para
serem computadas estatisticamente. O
centro de Montes Claros, como a maior
parte dos centros das cidades do interior, é
composto basicamente por estabelecimentos
comerciais, e não por residências, local no
qual ocorre grande parte da violência contra
a mulher, por isso o baixo índice de
ocorrências (Tabela 3).
No que diz respeito ao perfil das
mulheres agredidas, a idade das mulheres
que deram queixa nos boletins de ocorrência
examinados, se localiza entre 26 e 35 anos
em sua maioria (34,8 %); o segundo maior
índice refere-se à idade 18 a 25 anos (25,4
%). As mulheres entre 36 a 45 anos
correspondem a 20,3% (Tabela 1). Quanto à
escolaridade das vítimas, a maioria é
alfabetizada (35,7%) e o grau de instrução
mais frequente é o ensino fundamental
(27,6) (Tabela 1). Quanto ao estado civil, por
sua vez, a maioria das mulheres vítimas de
violência é casada ou possui união estável
(36,3%). Em seguida, estão as mulheres
divorciadas (33,1%). Na categoria trabalho, a
maior parte das mulheres é do lar, o que
indica que estas dependem economicamente
dos homens (Tabela 1).
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Tabela 1: Distribuição da amostra segundo características da vítima em Montes Claros, MG
Variável
N
Idade
< 12 anos
12
13 17 anos
57
18 25 anos
321
26 35 anos
439
36 45 anos
257
46 60 anos
138
> 60 anos
39
Total*
1263
Escolaridade
Analfabeta
15
Alfabetizada
145
Ensino fundamental
112
Ensino médio
95
Ensino superior
39
Total*
406
Estado civil
Solteira
316
Casada/união estável/amigada
418
Divorciada/separada judicialmente
381
Viúva
36
Total*
1151
Trabalho
Desempregada
03
Do lar
611
Aposentada
22
Estudante
103
Ocupação informal
114
Ocupação formal
304
Total*
1167
Sofreu agressões anteriores
Não
226
Sim
264
Total*
490
Sofreu agressões pelo mesmo agressor
Não
226
Sim, mesmo agressor mais de uma vez
136
Sim, mesmo agressor várias vezes
128
Total*
490
*Os totais variam devido à falta de informações
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Esses dados nos permitem dialogar com
as teorias de gênero que concebem as
categorias homem e mulher como
construções sociais e históricas, cujas
relações são atravessadas por estratégias de
poder, dominação e submissão. Pensar a
partir da perspectiva de gênero significa
compreender as formações de poder na
sociedade, como nos atesta Scott (1990),
revelando essas construções na
subordinação feminina, em contraposição às
explicações de natureza biológica. Assim,
quando nos referimos ao gênero,
entendemos os aspectos psicológicos, sociais
e culturais da feminilidade e masculinidade,
ao conjunto de expectativas em relação aos
comportamentos sociais das pessoas de
determinado sexo.
Os índices estatísticos de nosso estudo
demonstram que a violência contra as
mulheres se dá tanto nas uniões estáveis
quanto em seu rompimento. Mas o que
mantém essa permanência, mesmo com atos
violentos? Ao estudar a violência conjugal
no norte de Minas, Maia (2012) o faz a partir
da perspectiva de gênero e aponta para
relações de poder desiguais entre as posições
construídas hierarquicamente e
historicamente de homem e de mulher.
Nesse contexto, analisa as explicações dadas
pelas mulheres para permanecer em relações
violentas. São elas:
[...] o histórico de violência familiar; a
assimilação/introspecção da ideia de ‘culpa’;
a vergonha moral; a ideologia do casamento
indissolúvel, as relações afetivas; valores
religiosos como resignação, compaixão e
perdão; a ameaça e o terrorismo psicológico
que produzem o medo e a acomodação; a
certeza da impunidade dos agressores. Além
disso, o ideal de família perfeita e o ideal de
amar e ser amada são elementos
importantes para muitas mulheres,
sobretudo aquelas constituídas dentro de
um modo de vida burguês. (Maia, 2012, p.
45).
Nesse sentido, a permanência em um
casamento ou em uma união estável, seja
qual for a justificativa para tal, desvela uma
estrutura social que prescreve uma série de
funções para o homem e para a mulher,
como próprias ou “naturais” de seus
respectivos gêneros, construindo
socialmente as relações entre eles. As
diferenças de gêneros compõem lugares
enrijecidos e cristalizados em uma relação,
que muitas das vezes sustentam a
dominância da forma masculina e
desqualificando a diferença feminina,
fundamentada em uma pretensa
superioridade. Assim, a mulher se curva,
resignada, à dominação masculina, como se
essa atitude fosse a esperada. É necessário
ressaltar que mais da metade das mulheres
que deram queixa nos boletins de ocorrência
sofreu agressões anteriores (53,9%). Das
mulheres agredidas, 46,1% o foram pela
primeira vez. Das mulheres que já foram
agredidas anteriormente, 27,8% foram
agredidas outra vez pelo mesmo agressor e
26,1% foram agredidas várias vezes pelo
mesmo agressor. Podemos notar que o total
de mulheres que foi agredida mais de uma
vez (27,8%) somado ao conjunto de
mulheres que foram agredidas várias vezes
(26,1 %) é superior às mulheres que não
sofreram agressões anteriores (46,1%)
(Tabela 1).
Esses dados apontam para uma
acomodação das mulheres nas relações em
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que há violência, sendo que esta geralmente
sustentada pelo imaginário social acerca das
relações estáveis e a indissociabilidade do
casamento, como apontado por Maia (2012).
Nesse imaginário, as alianças monogâmicas
se pautam na idealização do amor eterno, da
família feliz, em que o casamento é o
desfecho final aguardado por toda e
qualquer mulher como realização pessoal
como pontua Araújo (2002). Muitas
mulheres suportam as agressões por ser o
casamento um dispositivo de prestígio e
status social. A separação pode significar um
fracasso no projeto de vida dessas mulheres.
Todavia, a questão é quando a mulher
precisa suportar a violência para manter
esses vínculos ou ainda lidar com a agressão
como se esta fosse inerente a uma relação
conjugal.
A naturalização da violência traz
consequências nefastas para o cotidiano
desses casais e também dessas famílias. A
OMS (2002) pontua que essa naturalização
da violência contra a mulher não raro é
sustentada pelas próprias mulheres que a
vivenciam, que podem se tornar cúmplices
ao concordarem com o uso da força física,
demonstrando posturas de submissão e
legitimação do direito irrestrito do homem
sobre elas. Essa atitude é arriscada. A
naturalização da violência garante a
invisibilidade do fenômeno, mantém a
impunidade dos agressores e camuflam
complexas relações de poder nas quais
geralmente a denúncia é incomum. Nesse
sentido, podemos afirmar que:
a violência e a agressão contra mulheres,
negros e homossexuais, até bem pouco
tempo, eram práticas consideradas o
comuns que passavam despercebidas como
formas de violência em nossa sociedade,
onde os grupos oprimidos escondiam o seu
sofrimento sem poder sequer denunciá-lo
ou compreendê-lo. (Silva, 2011, p. 562).
Esses atos violentos contra a mulher,
deflagradores de dor e de padecimento, são
usualmente cometidos pelos parceiros. No
que se refere ao perfil do agressor em nosso
estudo, a maior parte dos homens agressores
tem entre 26 a 35 anos (37,3%); entre 36 a
45 anos (21,7%) e 18 a 25 anos (21,6%)
(Tabela 2). Percebemos aqui quase os
mesmos índices das mulheres, com a
diferença que, a segunda maior taxa de
mulheres que são vítimas de violência está
entre de 18 a 25 anos (25,4 %). Acreditamos
que essa diferença se porque geralmente
nos casais, em nossa sociedade, os homens
são mais velhos que as mulheres. Quanto à
escolaridade 40,7% dos agressores é
alfabetizado e 27,6% possui ensino
fundamental (Tabela 2).
Quanto ao estado civil, à maioria dos
homens é casada ou possui união estável
(64,3%); 28,7% são solteiros e 6,5%,
divorciados (Tabela 2). Vale lembrar que
uma diferença de concepção de casamento
entre homens e mulheres, a qual favorece a
acomodação do homem nesse tipo de
vínculo. Ao estudar o casamento e separação
na atualidade, Féres-Carneiro (2001) afirma
que para os homens o casamento está
associado à constituição de uma família. Por
outro lado, para as mulheres, essa união está
ligada à relação amorosa. Esse descompasso
pode conduzir à manutenção da violência
contra a mulher, uma vez que os homens
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não sentem que precisam ter cuidado com o
casamento, que priorizam a família.
Assim, em geral, não acreditam que devem
investir na relação com sua companheira
que, por sua vez, se acomoda em um
cotidiano de agressões.
Dentre os agressores, 45,7% possuem
ocupação formal e 31,9% possui ocupação
informal (Tabela 2). Esses números se
relacionam com a dependência econômica
das companheiras, pois, como vimos, a
maioria delas é do lar e não tem rendimento
próprio (Tabela 1). Os dados apresentam
ainda que 17,6% dos parceiros agressores
são desempregados, o que nos faz pensar
que nos casos em que não há dependência
econômica, uma dependência afetiva
(Deeke¸ Boing, Oliveira & Coelho, 2009).
Ao discutir o padrão de relação nesses casos,
Romagnoli (2012) destaca a dificuldade dos
casais ligados pela violência em
experimentar outra forma de relação que
não seja mediada pela violência. Estes casais
geralmente sustentam interações repetitivas
e estereotipadas, comprometendo a relação
entre eles e com seus filhos e familiares.
Essas interações são tecidas subjetivamente
em meio a rotinas, conflitos, questões sociais
e financeiras, histórias transgeracionais e
padrões de interações do casal, perpetuando
um jogo sustentado tanto pelo homem
como pela mulher.
Tabela 2: Distribuição da amostra segundo características do agressor. Montes Claros, MG
Variável
N
Idade
13 17 anos
25
18 25 anos
228
26 35 anos
395
36 45 anos
230
46 60 anos
158
> 60 anos
22
Total*
1058
Escolaridade
Analfabeto
06
Alfabetizado
135
Ensino fundamental
101
Ensino médio
58
Ensino superior
32
Total*
332
Estado civil
Solteiro
292
Casado/união estável/amigado
659
Divorciado/separado judicialmente
66
A violência contra a mulher em Montes Claros: análise estatística
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292
Viúvo
02
Total*
1019
Trabalho
Desempregado
172
Aposentado
25
Estudante
22
Ocupação informal
312
Ocupação formal
448
Total*
979
Envolvimento em outras ocorrências
Não
210
Sim
73
Total*
283
Uso de substâncias
Álcool
309
Substâncias psicoativas
76
Outros
35
Total*
420
*Os totais variam devido à falta de informações
Quanto ao envolvimento em outros
episódios de agressão contra as mulheres,
74,2% dos homens dizem não ter
participado, contra 25,8% que declara ter
vivenciado outros episódios de violência
(Tabela 2). É preciso assinalar que esse dado
contradiz os dados informados pelas
mulheres, já que mais da metade diz ter sido
agredida anteriormente (Tabela 1). Essa
contradição pode ser explicada pelo fato de
que provavelmente essas mulheres tenham
sofrido sim agressões antes de preencher o
boletim de ocorrência, contudo, não a
denunciaram. Por outro lado, é possível que
alguns homens acreditem que não agridam.
Ao estudar os motivos da agressão conjugal
contra a mulher na perspectiva dos homens
que efetuam a agressão, Rosa, Boing,
Buchele, Oliveira e Coelho (2008) salientam
que estes não demonstram compreensão
ativa de que são agressores, ou seja, não
reconhecem os atos de violência que relatam
e nem se sentem arrependidos. Esses
homens percebem o comportamento
violento como insignificante e justificam
suas atitudes como resposta ao
comportamento da companheira. Assim,
torna-se natural o uso da força física para os
homens envolvidos em episódios violentos.
Em pesquisa qualitativa feita em 2006 com
30 casais, na Delegacia de Proteção à
Mulher, à Criança e ao Adolescente de
Florianópolis, Deeke, et al. (2009)
propuseram escutar o casal e não somente a
mulher agredida, para examinar o discurso
tanto da vítima quanto do agressor,
ressaltando que muitas das vezes os homens
não têm oportunidade de verbalizar sobre o
episódio de violência. Esses autores também
notaram grande incongruência entre os
R. C. Romagnoli, L. L. G. Abreu & M. F. Silveira
Gerais: Revista Interinstitucional de Psicologia, 6 (2), jul - dez, 2013,282-297
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discursos dos homens e das mulheres, sendo
que a maioria dos homens tende a amenizar
as agressões e não raro não designar como
tal o que fizeram, além de minorar sua
periodicidade.
Nos dados obtidos nos boletins de
ocorrência pesquisados, o uso do álcool
aparece como presença constante na
violência contra a mulher (73,6%), seguido
pelo uso de substâncias psicoativas (18,1%)
e outros (8,3%) (Tabela 2). Cabe ressaltar
que esse item é geralmente preenchido pelo
policial no momento da denúncia, não só
pela colocação da vítima, mas também por
observação do estado do agressor, quando
possível. Esse alto índice de uso de álcool
nos episódios de violência corrobora com a
pesquisa de Fonseca et al. (2009). Ao
examinar as situações de violência doméstica
ocorridas com o agressor alcoolizado, os
autores efetuaram um levantamento
domiciliar que incluiu 108 cidades brasileiras
com mais de 200 mil habitantes, em 2005, e
pesquisaram 7.939 domicílios. Em 33,5% foi
relatado histórico de violência domiciliar,
sendo 17,1% com agressores alcoolizados.
Em mais da metade dos casos de violência
doméstica, o agressor estava sob o efeito do
álcool. Por outro lado, para estudar a
prevalência de violência por parceiros
íntimos e o consumo de álcool durante os
eventos dessa violência, Zalesky et al. (2010)
entrevistaram 1.445 homens e mulheres
casados ou vivendo em união estável, de
novembro de 2005 a abril de 2006. Os
autores constataram que os homens
consumiram álcool em 38,1% dos casos. Em
pesquisa realizada também em Montes
Claros na qual foram analisados 1.064
boletins de ocorrência registrados na
Delegacia de Repressão aos Crimes contra a
Mulher, durante os meses de janeiro e
fevereiro de 1998 a 2002, Durães e Moura
(2004) reconhecem que em 33,9% dos casos,
a ingestão de bebidas alcoólicas favorece que
o agressor haja de forma violenta. Maia
(2012), por sua vez, ao analisar os
processoscrime de lesão corporal e
tentativa de homicídio, ocorridos em
Janaúba e Montes Claros entre 1970 e 2007,
focando a violência conjugal contra a
mulher, destaca que muitos dos casos
examinados encontram-se associados ao
consumo de álcool, o que parece facilitar a
exteriorização da agressão masculina.
Com certeza, o uso de álcool é um forte
atravessamento nos episódios de violência
doméstica e estes tendem a ser mais graves
mediante essa combinação, embora o álcool
por si só não seja responsável pelos atos
violentos. A crença de que o álcool é o
causador da violência parece diminuir a
responsabilidade do agressor e aumentar a
tolerância da vitima, cooperando com o
surgimento de novos episódios, como
constatado por Fonseca et al. (2009). Isso
porque muitas mulheres desculpam a
violência que sofreram baseadas no fato de
seu parceiro estar bêbado. E, nesses casos, o
homem também justifica o que fez pelo uso
da bebida.
A compreensão de que o consumo de
álcool está associado à violência contra as
mulheres certamente aponta para a
necessidade de sua prevenção. Além da lei
Maria da Penha, em vigor desde 2006,
A violência contra a mulher em Montes Claros: análise estatística
Gerais: Revista Interinstitucional de Psicologia, 6 (2), jul - dez, 2013,282-297
294
Zalesky et al. (2010) afirmam que algumas
medidas nos serviços de saúde e na esfera
das políticas públicas podem ser adotadas.
Essas medidas vão desde a necessidade de
protocolos e instrumentos de rastreamento
específicos até a própria indagação acerca do
fácil acesso, do baixo custo das bebidas
alcoólicas e da necessidade de campanhas
para a redução do seu consumo.
No que se refere ao local em que se
realiza a agressão, nos documentos
examinados foi constatado que 87,8% das
agressões ocorrem em casa, 3,6% na rua, 1,3
% em local de trabalho, 2,5% em local de
lazer e 4,8% em outros lugares (Tabela 3).
Embora o conceito de violência doméstica
considere que o fenômeno pode correr
dentro ou fora do lar, como nos lembra
Saliba et al. (2007), a residência ainda é o
local no qual ela prioritariamente acontece.
Em pesquisa realizada também na cidade de
Montes Claros, no período de janeiro e
fevereiro de 1998 a 2002, Durães e Moura
(2004) constataram que 68,2% das agressões
ocorreram na residência. Comparando com
os dados obtidos em nossa pesquisa
observamos que houve um aumento
considerável (19,6%) de agressões nesse
local. Conforme os boletins de ocorrência, o
turno em que ocorre o maior número de
agressões é o noturno (46,1%), seguido do
vespertino (27,6%) (Tabela 3).
Tabela 3: Distribuição da amostra segundo característica da agressão. Montes Claros, MG
Variável
n
Local em que ocorreu a agressão
Na rua
38
Em casa
938
Local de trabalho
14
Local de lazer
27
Outros
51
Total*
1068
Turno em que ocorreu a agressão
Matutino
171
Vespertino
344
Noturno
574
Madrugada
157
Total*
1246
Tipo de violência
Abuso sexual
12
Abuso moral
210
Agressão física
809
Enforcamento
12
Estupro
05
Homicídio
02
R. C. Romagnoli, L. L. G. Abreu & M. F. Silveira
Gerais: Revista Interinstitucional de Psicologia, 6 (2), jul - dez, 2013,282-297
295
Utilização de objetos perfuro-cortantes
162
Utilização de substâncias químicas
06
Outros
75
Total*
1293
Causa presumida da agressão
Interferência da família
06
Desobediência
07
Crise financeira
02
Ciúme
131
Suspeita de traição
15
Discussão doméstica
286
Ingestão de álcool
248
Ingestão de substância psicoativa
61
Outros
292
Total*
1048
*Os totais variam devido à falta de informações
Ao examinar os tipos de violência
percebemos que a agressão física é
majoritária correspondendo a 62,6% das
denúncias. Os outros tipos de violência em
percentual são: abuso moral (16,2%),
utilização de armas perfuro-cortantes
(12,5%), enforcamento (0,9%,), abuso sexual
(0,9%,), utilização de substâncias químicas
(0,5%), estupro (0,4%) e homicídio (0,2%)
(Tabela 3).
Quanto aos motivos da agressão, em
nossa pesquisa observamos que 27,3% se
dão por discussão doméstica, 23,7% por
ingestão de álcool, 12,5% por ciúme, 5,8%
por ingestão de substâncias psicoativas,
1,4% por suspeita de traição, 0,7% por
desobediência, 0,6% por interferência
familiar com a família de origem e 0,2% por
crise financeira (Tabela 3). A categoria
“outros” teve um percentual de 27,8%. Vale
lembrar que esse item é informado pela
denunciante, a partir de sua percepção, daí a
diferença com os dados analisados na Tabela
2 acerca da ingestão de álcool e ingestão de
substâncias psicoativas. Dessa maneira,
muitas das vezes a ingestão de álcool é
minorada pela vítima, que pode
desconsiderar o seu uso.
De qualquer forma, é preciso destacar
que o uso de álcool e também o uso de
substâncias psicoativas geralmente fazem
parte dos episódios de agressão. Deeke et al.
(2009) ao explorar os motivos da violência
contra a mulher, os circunscreve em: ciúmes,
o homem ser contrariado, ingestão de álcool
e suspeita de traição. Para os autores, a
violência nas relações expressa dinâmicas de
afeto e poder e denunciam uma assimetria
nas relações de gênero. Nesse contexto, o
uso de álcool pelo homem é fator
significativo de risco. Por outro lado, Rosa et
al. (2008) pesquisaram as razões pelas quais
os homens efetuam a agressão conjugal
contra a mulher, e os resultados apontam
A violência contra a mulher em Montes Claros: análise estatística
Gerais: Revista Interinstitucional de Psicologia, 6 (2), jul - dez, 2013,282-297
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para: comportamentos e atitudes que
permitem identificar as causas da agressão
contra a companheira evidenciada a partir da
interferência de pessoas estranhas à relação
conjugal; presença de ações inadequadas da
companheira; domínio da mulher sobre o
companheiro; resposta à agressão física,
verbal ou psicológica da companheira;
dependência química e situação financeira.
Essas razões geralmente se misturam no
cotidiano sob a forma de conflitos que
eclodem em atos violentos contra a mulher.
Considerações finais
Observamos em nossa pesquisa, ao
examinar as características das mulheres e
dos agressores, os tipos de violência mais
comuns e os motivos atribuídos, que os
números da violência contra a mulher em
Montes Claros são altos. Sabemos que,
infelizmente, embora tenhamos pesquisados
os boletins de ocorrência no período de
agosto de 2007 a agosto de 2009, eles não
cobrem todos os fatos reais. A maior parte
dos casos de violência contra as mulheres
ainda se encontra oculta e não chega a ser
denunciada, perpetuando laços de imposição
e sujeição no cotidiano, difíceis de serem
rompidos. Esses laços dão sentidos às
agressões, através das representações
instituídas de família, de gênero, de lugares
sociais naturalizados de homem e mulher, de
posições marcadas de algoz e vítima. Essas
marcas sustentam círculos viciosos e nocivos
para todos os envolvidos. Em meio a
normas sociais, preconceitos e relações de
poder, a violência circula e mantém unido
vários casais.
Um dos desafios que se apresenta para os
profissionais que atuam com o fenômeno é
como interromper esse círculo vicioso e
permanente de agressão e contribuir para a
criação de outros tipos de conexões nessas
relações. Por este viés, acreditamos ser
necessário identificar e fortalecer as formas
de enfrentamento da violência contra a
mulher, refletindo também acerca dos
mecanismos pelos quais a dominação se
exerce e se mantém nessas relações, para
produzir outras maneiras de relacionar, na
tentativa de favorecer saídas construtivas
para essas mulheres e esses homens,
auxiliando na sustentação de intervenções
que reduzam esse grave problema social e de
saúde pública.
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Recebido: 04/07/2012
Aceito: 20/03/2013
... Este tipo de violação é uma modalidade específica da violência que ocorre nas relações afetivas e envolve as dimensões de poder reforçando a inequidade de gênero (Romagnoli, Abreu, & Silveira, 2013). No Brasil, em média, uma em cada cinco brasileiras já sofreu algum tipo de violência doméstica ou familiar e, em sua maioria, o agressor é o marido ou ex parceiro (Brasil, 2015;Romagnoli et al., 2013). ...
... Este tipo de violação é uma modalidade específica da violência que ocorre nas relações afetivas e envolve as dimensões de poder reforçando a inequidade de gênero (Romagnoli, Abreu, & Silveira, 2013). No Brasil, em média, uma em cada cinco brasileiras já sofreu algum tipo de violência doméstica ou familiar e, em sua maioria, o agressor é o marido ou ex parceiro (Brasil, 2015;Romagnoli et al., 2013). Além disso, dados apontam que um em cada cinco dias de ausência no trabalho é devido à violência doméstica sofrida pelas mulheres, a qual faz com que a cada cinco anos de violência sofrida, a mulher perca um ano de vida saudável (Ribeiro & Coutinho, 2011). ...
... Este fenômeno, não discrimina nível de escolaridade, camada social ou idade (Cunha, 2008;Mascarini & Miranda, 2018), mas tem relação direta com gênero. Isso significa que o conjunto de construções sociais e históricas sobre as categorias de homem e mulher, as quais envolvem estratégias de poder, dominação e submissão, são centrais nessa modalidade (Romagnoli et al., 2013). A violência doméstica e familiar contra a mulher é caracterizada como toda a ação ou omissão baseada no gênero feminino, que provoque morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial a partir das relações estabelecidas no âmbito da unidade doméstica, da família e das relações íntimas de afeto. ...
Article
Full-text available
A violência contra a mulher é uma das principais formas de violação dos direitos humanos e uma das problemáticas mais graves enfrentadas pela mulher na atualidade. Para romper com o ciclo da violência, muitas mulheres buscam ajuda com profissionais da rede de suporte social. Frente à sua complexidade e dada à importância do atendimento multiprofissional e qualificado a estas mulheres, este artigo tem como objetivo identificar o fluxo de atendimentos e os encaminhamentos desse grupo na rede de proteção em um município do interior do Rio Grande do Sul – RS. Foram coletados os dados, através de um estudo documental, de 66 casos de mulheres em situação de violência que chegaram até o CREAS no ano de 2019. Foram identificados 38 atendimentos e 28 casos encaminhados que nunca chegaram ao CREAS. Verificou-se que os caminhos que as mulheres percorrem são múltiplos e cheios rupturas. O fluxo de atendimentos na rede de proteção à violência contra mulher ainda se mostra frágil, o que prejudica a mulher no enfrentamento efetivo à violência.
... Eventos de violência estão presentes nas diversas culturas, em todas as classes sociais, expressando-se de várias formas e em diferentes circunstâncias, o que fez com que fossem reconhecidos como um dos mais comuns problemas de saúde pública na atualidade (Ministério da Saúde, 2001). Para conceituação deste fenômeno é necessário considerar as características pessoais dos envolvidos, o contexto no qual a violência ocorre, as variações culturais, a forma como ela é percebida, os modelos relacionais subjacentes, e os instrumentos de prevenção e punição a ela direcionados (Almeida & Lourenço, 2012;Gracia, 2014;Romagnoli, 2015). ...
... O estudo foi realizado de forma a produzir uma compreensão do fenômeno da violência conjugal, focalizando características biopsicossociais do autor, da vítima, da relação, da violência, dos percursos jurídicos e suas interconexões. No que refere a descrição das características sociodemográficas da população estudada, identificou-se similaridade com os resultados encontrados por autores que realizaram suas pesquisas em instituições públicas, localizando os autores de agressão como pertencentes a classe menos favorecida da sociedade, com pouca escolaridade, exercendo atividade remunerada, com baixa renda e moradia em bairros populares (Akhter & Wilson, 2015;Dourado & Noronha, 2015;Gama, Bezerra, Silva, Vieira e Parente, 2014;Romagnoli et al., 2013;Romagnoli, 2015;Silva et al., 2014). Esses achados, porém, divergem do estudo realizado por Colossi e Falcke (2015), que teve como amostra uma população que se voluntariou para participar da pesquisa, onde a predominância foi de participantes que integram as classes sociais mais abastadas, com grande incidência de pessoas com grau superior de escolarização e renda até R$ 45.000,00. ...
... Observando as diferenças existentes entre os perfis de casais em situação de violência conjugal que compõem as amostras coletadas em instituições públicas e os que definem a amostra com voluntários, é possível levantar duas hipóteses, que são distintas, mas que estão de certo modo interligadas. A primeira hipótese é de que pela falta de acesso a serviços mais especializados para tratamento dos conflitos conjugais, tais como os acompanhamentos psicoterápicos, ou de saúde em geral, as pessoas de menor poder aquisitivo recorreriam às delegacias em busca de uma ação pontual, que pudesse dar novo direcionamento à relação, um chamado de atenção ao parceiro conjugal para não mais proceder de forma violenta, uma vez que em diversos casos retomam a relação afetiva (Porto & Brucher-Maluschke, 2014;Romagnoli, 2015). ...
... Romagnoli RC, Magnani NR, 2012 (8) Fortuna CM, Monceau G, Valentim S, Mennani KLE, 2014 (33) Romagnoli RC, 2015a (9) Fractal: Revista de Psicologia (UFF) 12,1% ...
... Entrevista semiestruturada, Observação, Assembléias gerais Análise institucional Investigar a violência contra as mulheres em Montes Claros, Minas Gerais (9) Pesquisa qualiquantitativa Análise documental Observação participante ...
... Romagnoli, 2015a (9) "Vai sustentar exatamente o conflito das forças institucionais, entre o instituído e instituinte." ...
Article
Objetivo: Analisar, nos estudos da área da saúde, a utilização do referencial teórico-metodológico da Análise Institucional e do conceito central de instituição em seus três momentos – instituído, instituinte e institucionalização. Método: Revisão integrativa realizada nas bases PubMed/Medline, LILACS, Scopus, CINAHL, sendo incluídos na busca artigos originais de pesquisa, publicados entre 2012 e 2017. Resultados: Foram analisadas 26 publicações. Encontrou-se uma pluralidade de objetos de estudo, sendo mais comuns os relacionados à saúde coletiva: saúde mental, violência, relação família-equipe, saúde da família, atenção primária, saúde da mulher, infância e adolescência, saúde bucal, educação permanente, micropolítica do trabalho em saúde, vigilância em saúde, HIV, direito, práticas pedagógicas, educação escolar e Autismo. A enfermagem e a psicologia foram as áreas que mais optaram pela Análise Institucional. A polissemia do conceito de instituição se confirma nos achados, indicando uma riqueza nos modos e usos dos conceitos. Conclusão: A Análise Institucional apresenta conceitos-ferramenta capazes de operar análises de práticas em saúde condizentes com o Sistema Único de Saúde.
... Romagnoli RC, Magnani NR, 2012 (8) Fortuna CM, Monceau G, Valentim S, Mennani KLE, 2014 (33) Romagnoli RC, 2015a (9) Fractal: Revista de Psicologia (UFF) 12,1% ...
... Entrevista semiestruturada, Observação, Assembléias gerais Análise institucional Investigar a violência contra as mulheres em Montes Claros, Minas Gerais (9) Pesquisa qualiquantitativa Análise documental Observação participante ...
... Romagnoli, 2015a (9) "Vai sustentar exatamente o conflito das forças institucionais, entre o instituído e instituinte." ...
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Objective: To analyze the use of the Institutional Analysis theoretical-methodological framework and of the central concept of institution in its three moments - instituted, instituting and institutionalizing in health studies. Method: Integrative review conducted in databases of PubMed/Medline, LILACS, Scopus, and CINAHL including original research articles published between 2012 and 2017. Results: Analysis of 26 publications. A plurality of study objects was found, and the most common were related to collective health, namely: mental health, violence, family-team relationship, family health, primary care, health of women, children and adolescents, oral health, continuing education, micropolitics of health work, health surveillance, HIV, law, pedagogical practices, school education and Autism. Nursing and psychology were the areas that most opted for Institutional Analysis. The polysemy of the institution concept was confirmed in the findings, indicating the richness of modes and uses of the concepts. Conclusion: Institutional Analysis presents tool-concepts to perform analyzes of health practices consistent with the Unified Health System.
... Nesse estudo, as mulheres com baixa escolaridade relataram uma maior vitimização por agressão física quando comparadas a outras escolaridades [17]. O estudo de Romagnoli et al [18] [19]. Cerca de 20% de mulheres com nível superior sofrem algum tipo de violência física no ambiente doméstico [20]. ...
... A violência do tipo física é a que mais predomina no que se refere à violência feminina [11,18,23]. Geralmente, essa violência está associada a mais de um local do corpo [21]. ...
Article
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A agressão física contra a mulher ainda é comum na sociedade contemporânea. É preciso, portanto, ter um panorama geral dessas vítimas para que seja possível realizar intervenções significativas contra tal ameaça à saúde pública. Este estudo objetiva avaliar, através de laudos periciais, os aspectos periciais, individuais e sociais de ocorrências policiais de mulheres vítimas de agressão física doméstica no Posto Avançado de Polícia Técnica de Vera Cruz - Ba, no período de julho de 2017 a janeiro de 2020. Trata-se de um estudo descritivo, com população de 93 laudos periciais de mulheres atendidas no período de julho de 2017 a janeiro de 2020. As variáveis foram divididas em perfis individuais e sociais, e aspectos referentes à ocorrência policial das vítimas. O perfil mais prevalente foi de mulheres entre 18 e 35 anos, pardas, evangélicas, solteiras, com ensino fundamental incompleto, trabalhando em atividades domiciliares. O tipo da lesão mais comum foi contusa, em mais de um local do corpo. Este estudo aponta a importância de se conhecer o perfil da mulher agredida, para orientação de políticas públicas preventivas nesta população.
... No Brasil, a literatura científica tem buscado retratar a realidade vivenciada por mulheres em diferentes localidades. Barros et al. (2016) Há de se ter cautela ao se presumir maior prevalência de qualquer tipo de violência à mulher pela região, tendo em vista os diferentes casos de mulheres que não revelam os episódios, que não realizam denúncia e aquelas que recorrem a diferentes recursos que não a busca pela delegacia (Romagnoli, Abreu, & Silveira, 2013). Outro motivo se refere ao fato de que as mulheres em situação de violência ainda têm uma representação depreciativa sobre si mesmas, que, na maioria das vezes, é resultado da má compreensão do processo de violação sofrido e do poder masculino construído historicamente (Fonseca, Ribeiro, & Leal, 2012). ...
... Dessa forma, a procura pela DEAM pode ser o primeiro passo para a articulação de um trabalho efetivo na área da Justiça, da Saúde e da Assistência Social. Embora existam pesquisas sobre o perfil das mulheres que acessam a DEAM (Carneiro & Fraga, 2012;Griebler & Borges, 2013;Romagnoli et al., 2013), ainda são desconhecidas as principais motivações e as expectativas sobre o serviço oferecido pelo sistema de segurança. Assim, este estudo teve como objetivo compreender os motivos que levam as mulheres a buscar ajuda na DEAM e suas expectativas após a denúncia. ...
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O estudo busca compreender os motivos que levam as mulheres em situação de violência a buscar ajuda em uma Delegacia de Polícia Especializada de Atendimento à Mulher (DEAM) e suas expectativas após a denúncia. A coleta de dados foi realizada durante o plantão psicológico na DEAM, em uma cidade no Sul do Brasil, por meio de uma entrevista semiestruturada. Os dados de 24 acolhimentos a mulheres com idade entre 19 e 84 anos (M = 36,86; dp = 15,90) foram submetidos à análise qualitativa. O ex-companheiro foi o principal agressor; e a violência psicológica e física, os principais motivos para as mulheres procurarem a delegacia. Todas buscaram a polícia na expectativa de resolutividade do serviço jurídico, principalmente com medidas de segurança. O estudo evidencia a necessidade do fortalecimento da rede de atenção social, de saúde e de justiça, auxiliando na revelação da violência e no desenvolvimento de novas perspectivas futuras após o ocorrido.
... Este estudo vai de encontro a uma revisão sistemática de artigos em português, inglês e espanhol, que indicou baixa escolaridade e juventude dos agressores de parceiras íntimas (SILVA; COELHO; MORETTI-PIRES, 2014), todavia, não é seguro relacionar violência apenas aos casais jovens e adultos. Apesar da baixa porcentagem de homens acima de 60 anos indicados como agressores em nosso estudo e outros noBrasil (ROMAGNOLI;ABREU; SILVEIRA, 2013;SILVA et al., 2013;SOUSA;NOGUEIRA;GRADIM, 2013; MADUREIRA et al., 2014;VASCONCELOS;HOLANDA;ALBUQUERQUE, 2016), a violência cometida por/contra pessoas idosas existe. Uma pesquisa em Recife sobre este assunto apontou as mulheres como principais vítimas, agredidas fisicamente pelos filhos homens, em ambiente doméstico (PARAÍBA; SILVA, 2015).Chamou atenção a quantidade de agressores envolvidos com drogas, ocorrendo em 62,5% dos casos, o que justifica a existência, no local do estudo, de um grupo reflexivo específico para os homens que também têm problemas com estas substâncias. ...
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Desde 2006, o Brasil procura intervir em atos de violência contra mulheres e oferecer atendimento multidisciplinar às pessoas envolvidas. Esta pesquisa descreve características do público atendido em um serviço psicossocial em Porto Velho, Rondônia. Por pesquisa documental, foram analisadas 469 fichas de atendimentos do período de 2011 a março de 2015. Os resultados apontam baixa escolaridade e envolvimento com drogas por parte dos homens, alta incidência de violência psicológica, e baixa renda e permanência da união no tocante aos casais. A baixa reincidência dos casos no local corrobora que atividades em grupo são importantes para prevenir a repetição da violência. Discute-se a relevância de uma leitura de gênero que considere as condições históricas da região e a perpetuação de suas consequências para as relações entre homens e mulheres.
... There is strong evidence supporting the possibility of reducing the indices through effective prevention strategies [7]. So, understanding the victim's perspective is essential to developing policy and practice standards, as well as instructing professionals working in the justice system and policy-making. ...
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Introduction Intimate partner violence against women is one of the most common forms of violence. Different research fields are trying to understand the cycle of violence, such as the psychological field, to understand how these women's relational patterns and intrapsychic conflict function in the cycle of violence. Objective To investigate the operationalized psychodynamic diagnosis of women victims of domestic violence, exploring the severity and experience of violence, structural functions, dysfunctional interpersonal patterns, and intrapsychic conflicts. Method We conducted a cross-sectional quantitative study using the OPD-2 Clinical Interviews, which were recorded and transcribed. The sample was composed by 56 women victims of domestic violence, mean age 30.07 (SD = ±9.65). Reliability was satisfactory for judges interviews(k>0,6). Results According to the OPD-2 evaluation, we found that the severity of the violence was associated with the intensity of women's subjective suffering. In the relational pattern, they stay in the relationship, leaving themselves vulnerable; perceive the partner as controlling, aggressive, offensive, and fear abandonment. As a defensive mechanism to relational discomfort and suffering victims anticipate the aggressor's desire, resulting in submissive behavior. The main psychic conflict was the "need for care versus self-sufficiency" (78.6%). And medium was the predominant structure level, in which they presented insecure internal objects, presenting difficulties in emotional regulation and perceiving reality in a distorted way. Hence, they do not recognize their limitations and needs. We found that 78.6% of the cases had some psychiatric disorder: MDD, PTSD. Conclusion This study provides empirical evidence on clinical observations on the psychological functioning of this population and the issues that make up the maintenance of domestic violence against women. The understanding of internalized patterns, structural functions, and motivational tensions are fundamental for the prevention of re-victimization and improving coping mechanisms, as well as promoting greater adherence to treatment.
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Este artigo visa analisar a utilização do conceito de patriarcado nas produções científicas brasileiras da área de saúde sobre as violências contra as mulheres e questionar em que medida artigos científicos dialogam ou não com o conceito de patriarcado em Heleith Saffioti. Além disso, ressalta a importância da formação dos profissionais que atendem mulheres vítimas de violência terem uma aproximação teórica dos estudos do patriarcado. O recurso metodológico utilizado foi o da revisão de literatura narrativa na base de dados Scielo e BVS-Regional. A amostra analisada permitiu dizer que, quando as produções científicas da área da saúde abordam o conceito de patriarcado, os achados ganham maior visibilidade do poder dos homens sobre as mulheres, as desigualdades entre os gêneros e a violência como uma construção social, histórica e cultural na sociedade patriarcal.
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Este artigo analisa a dinâmica da violência doméstica a partir do discurso da mulher agredida e do parceiro autor da agressão. Foi elaborado a partir de uma pesquisa descritivo-exploratória com abordagem qualitativa, entre outubro de 2006 e janeiro de 2007, com trinta casais cujas mulheres haviam registrado na Delegacia da Mulher de Florianópolis (Santa Catarina) duas ou mais queixas por agressão contra o parceiro. Em comparação com as mulheres, os homens tenderam a negar a ocorrência e a diminuir a frequência das agressões. Os motivos das agressões mais apontados como interferentes na dinâmica do casal foram o ciúme, o homem ser contrariado, a ingestão de álcool e a suspeita de traição. O estudo revela as características das agressões percebidas pelos membros do casal e a forma de eles entenderem os fatores que repercutem na dinâmica de violência doméstica, não atribuindo somente à mulher o papel de porta-voz.
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Gênero, Gram. Categoria que indica por meio de desinência uma divisão dos nomes baseada em critérios tais como sexo e associações psicológicas. Há gêneros masculino, feminino e neutro. Novo Dicionário da Língua Portuguesa (Aurélio B. de Hollanda Ferreira). Aqueles que se propõem a codificar os sentidos das palavras lutam por uma causa perdida, porque as palavras, como as idéias e as coisas que elas significam, têm uma história. Nem os professores de Oxford, nem a Academia Francesa foram inteiramente capazes de controlar a maré, de captar e fixar os sentidos livres do jogo da invenção e da imaginação humana. Mary Wortley Montagu acrescentava a ironia à sua denúncia do "belo sexo" ("meu único consolo em pertencer a este gênero é ter certeza de que nunca vou me casar com uma delas") fazendo uso, deliberadamente errado, da referência gramatical. Ao longo dos séculos, as pessoas utilizaram de forma figurada os termos gramaticais para evocar traços de caráter ou traços sexuais. Por exemplo, a utilização proposta pelo Dicionário da Língua Francesa de 1879 era: "Não se sabe qual é o seu gênero, se é macho ou fêmea, fala-se de um homem muito retraído, cujos sentimentos são desconhecidos". E Gladstone fazia esta distinção em 1878: "Atenas não tinha nada do sexo a não ser o gênero, nada de mulher a não ser a fama". Mais recentemente – recentemente demais para encontrar seu caminho nos dicionários ou na enciclopédia das ciências sociais – as feministas começaram a utilizar a palavra "gênero" mais seriamente, no sentido mais literal, como uma maneira de referir-se à organização social da relação entre os sexos. A conexão com a gramática é ao mesmo tempo explícita e cheia de possibilidades inexploradas. Explícita, porque o uso gramatical implica em regras que decorrem da designação do masculino ou feminino; cheia de possibilidades inexploradas, porque em vários idiomas indo-europeus existe uma terceira categoria – o sexo indefinido ou neutro. Na gramática, gênero é compreendido como um meio de classificar fenômenos, um sistema de distinções socialmente acordado mais do que uma descrição objetiva de traços inerentes. Além disso, as classificações sugerem uma relação entre categorias que permite distinções ou agrupamentos separados. No seu uso mais recente, o "gênero" parece ter aparecido primeiro entre as feministas americanas que queriam insistir na qualidade fundamentalmente social das distinções baseadas no sexo. A palavra indicava uma rejeição ao determinismo biológico implícito no uso de termos como "sexo" ou "diferença sexual". O "gênero" sublinhava também o aspecto relacional das definições normativas de feminilidade. As que estavam mais preocupadas com o fato de que a produção dos estudos femininos centrava-se sobre as mulheres de forma muito estreita e isolada, utilizaram o termo "gênero" para introduzir uma noção relacional no nosso vocabulário analítico. Segundo esta opinião, as mulheres e os homens eram definidos em termos recíprocos e nenhuma compreensão de qualquer um poderia existir através de estudo inteiramente separado. Assim, Nathalie Davis dizia em 1975: "Eu acho que deveríamos nos interessar pela história tanto dos homens quanto das mulheres, e que não deveríamos trabalhar unicamente sobre o sexo oprimido, da mesma forma que um historiador das classes não pode fixar seu olhar unicamente sobre os camponeses. Nosso objetivo é entender a importância dos sexos, dos grupos de gêneros no passado histórico. Nosso objetivo é descobrir a amplitude dos papéis sexuais e do simbolismo sexual nas várias sociedades e épocas, achar qual o seu sentido e como funcionavam para manter a ordem social e para mudá-la".
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Violence against women is not new in human history. It is part of a socio-historical system that ruled women a lower ranking in the scale of metaphysic perfection and produced strength of asymmetric relations between men and women in our society. Therefore, this study aims to analyze how prejudice, discrimination and intolerance are formed as a predicative of gender violence, bringing to this discussion the interpenetration of three separate aspects: sex/gender, race/ethnicity and social class. Despite the statistics of violence against women around the world and the social, political and legal advances in the fight against violence, we defend the necessity of human rights to find out effective instruments in the promulgation of citizenship and women rights.
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Este artigo objetiva investigar as causas da agressão conjugal contra a mulher a partir da ótica do homem autor de violência. Para tanto, foi desenvolvida uma pesquisa descritiva exploratória com abordagem qualitativa. Os dados foram coletados por meio da técnica de grupos focais com homens que se envolveram em violência conjugal e participavam voluntariamente do Programa de Atenção à Violência Doméstica e Intrafamiliar de um município de médio porte de Santa Catarina. Na análise das informações, evidenciaram-se três categorias: "Ela", "Eu" e "Outros". Nossos resultados apontam comportamentos e atitudes que permitem identificar as causas da agressão contra a companheira evidenciada a partir da interferência de pessoas estranhas à relação conjugal; presença de ações inadequadas da companheira; domínio da mulher sobre o companheiro; resposta à agressão física, verbal ou psicológica da companheira; dependência química e situação financeira. Os resultados mostram também que essas causas se mesclam no dia-a-dia, acumulam-se sob a forma de conflitos e eclodem em atos que configuram a violência conjugal do homem contra a companheira. Os sujeitos da pesquisa não demonstram compreensão ativa de que são agressores, ou seja, reconhecem os atos de violência que relatam, no entanto, não identificam que essas ações os caracterizam como autores de violência.
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ABSTRACT – Given the lack of dialogue between qualitative and quantitative researchers, this article assumes an “ecumenical” position. The text argues that both perspectives present advantages, disadvantages, positive and negative points, considering that the chosen method must be adequate to the question of a certain research. The paper presents some distinctions between qualitative and quantitative research. Next it points out the complexity of qualitative research in terms of its underlying assumptions, as well as data collection, transcription and analysis. Next, quality criteria for qualitative research are considered. The paper closes with a discussion of implications for research when choosing qualitative research and/or quantitative research. Key words: qualitative research; quantitative research; multi-methodological approach; triangulation. qualidade dos dados obtidos, às possibilidades da sua ob- tenção e à maneira de sua utilização e análise,. Consideran- doque este artigo trata, predominantemente, da pesquisa qualitativa e de dados qualitativos, convém explicitar que a primeira vertente, observação, inclui registros de compor- tamento e estados subjetivos, como documentos, diários, filmes, gravações, que constituem manifestações humanas observáveis. O que une os mais diversos métodos e técnicas de pes- quisa incluídos nestas três grandes famílias de abordagem é o fato de todos partirem de perguntas essencialmente quali-
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OBJETIVO: Estimar a prevalência de violência por parceiros íntimos e o consumo de álcool durante os eventos dessa violência. MÉTODOS: Estudo transversal com amostra probabilística de múltiplos estágios, representativa da população brasileira, composta por amostra de 1.445 homens e mulheres casados ou vivendo em união estável, entrevistados entre novembro de 2005 e abril de 2006. As entrevistas foram realizadas na casa dos entrevistados, usando um questionário fechado padronizado. As taxas de prevalência de violência por parceiros foram estimadas e testes qui-quadrado foram empregados para avaliar as diferenças de gênero nessa prevalência. RESULTADOS: Homens apresentaram uma prevalência geral de 10,7% de episódios de violência por parceiros e as mulheres 14,6%. Homens consumiram álcool em 38,1% dos casos de e as mulheres em 9,2%. Com relação à percepção de consumo de álcool pela companheira, homens informaram que sua parceira consumia em 30,8% dos episódios de violência e mulheres que o seu parceiro fazia ingestão de álcool em 44,6% dos episódios. CONCLUSÕES: As mulheres se envolveram em mais episódios de (perpetração, vitimização ou ambos) leves e graves do que os homens. A freqüência quatro vezes maior de relatos de homens alcoolizados durante os eventos permitem supor que a prevenção à violência por parceiros possa se beneficiar de políticas públicas de redução do consumo de álcool.
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In this article, the author reviews the history of love, marriage and sexuality to discuss the process of development and transformation of love relationships from ancient to modern times. The analysis highlights the changes undergone by modern marriage as well as the new forms it assumes in present times.