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SIGNIFICADOS DA ESPIRITUALIDADE
Estudos de Psicologia I Campinas I 34(2) I 269-279 I abril - junho 2017
https://doi.org/10.1590/1982-02752017000200008
1Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Faculdade de Ciências, Programa de Pós-Graduação em Psicologia do
Desenvolvimento e Aprendizagem. Av. Engenheiro Luiz Edmundo Carrijo Coube, 14-01, Vargem Limpa, 17033-360, Bauru, SP, Brasil.
Correspondência para/Correspondence to: A.C. BENITES. E-mail: <benites.acb@gmail.com>.
2Universidade Estadual “Júlio de Mesquita Filho”, Faculdade de Ciências, Departamento de Psicologia. Bauru, SP, Brasil.
3Universidade de São Paulo, Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Departamento de Psicologia. Ribeirão Preto, SP,
Brasil.
Artigo elaborado a partir da dissertação de A.C. BENITES, intitulada “Vivências de pacientes com câncer em cuidados paliativos e o
significado da espiritualidade”. Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, 2014.
Apoio: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Processo nº 2012/13092-8).
▼ ▼ ▼ ▼ ▼
Significados da espiritualidade para pacientes
com câncer em cuidados paliativos
Significance of spirituality for patients with
cancer receiving palliative care
Andréa Carolina BENITES1
Carmen Maria Bueno NEME2
Manoel Antônio dos SANTOS3
Resumo
Este estudo teve por objetivo compreender as vivências de pacientes com câncer em cuidados paliativos e o significado
da espiritualidade ante a dor do adoecimento e a possibilidade de morte. Participaram 10 pacientes adultos e idosos
com diagnóstico de câncer avançado, atendidos na enfermaria de cuidados paliativos/dor de um hospital oncológico.
Foi utilizado o método fenomenológico para coleta e análise dos relatos, que foram obtidos a partir de entrevistas
individuais. Desvelaram-se duas categorias temáticas: Fé como esperança de cura, apoio e confiança e a busca de
sentido/ressignificação da vida; e A busca de sentido na morte e nas crenças sobre o pós-morte e a vivência da
transcendência. Evidenciou-se a importância da dimensão espiritual na vivência do processo de morrer, possibilitando
a busca de sentidos para a vida e para a morte. Este estudo revelou que estar ante a morte leva à veneração da vida,
remetendo às crenças pessoais e ao que se busca como sentidos para o viver.
Palavras-chave: Cuidados paliativos; Espiritualidade; Fenomenologia; Neoplasias.
Abstract
This study aimed to understand the experiences of cancer patients receiving palliative care and the significance of
spirituality when coping with the pain caused by the illness and facing the possibility of death. A total of 10 adults and
older adult patients diagnosed with advanced cancer being treated in the palliative care/pain ward of a cancer hospital
participated in this study. The phenomenological method was used to collecting and analyzing patients’ reports,
which were obtained by individual interviews. Two thematic categories emerged, namely: Faith as hope for healing,
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support, and trust, and search for life meaning and resignification; and Search for meaning of death and beliefs in an
afterlife and in a transcendence realm. The importance of the spiritual dimension was highlighted in the experience of
the dying process, allowing the search for the meaning of life and death. The present study revealed that facing death
leads people to greatly cherish life, connecting them to their personal beliefs and to their search for a purpose in life.
Keywords: Palliative care; Spirituality; Phenomenology; Neoplasms.
Estudos têm demonstrado a existência de
relações entre religiosidade/espiritualidade, qua-
lidade de vida e saúde, destacando a importância
dos aspectos religiosos e espirituais no processo de
cura ou reabilitação de doenças, incluindo as con-
dições crônicas. Esses estudos deram margem para
novas pesquisas, que vêm abrindo espaço para a
reflexão e o tratamento da pessoa enferma levando-
-se em consideração sua dimensão espiritual (Libe-
rato & Macieira, 2008; Penha & Silva, 2012). Ao
mesmo tempo em que a temática da religiosidade/
espiritualidade se destaca como campo promissor
na pesquisa e na prática profissional em saúde, tam-
bém se revela um caminho controverso e desafiador
(Moreira-Almeida, 2007).
Embora os termos religião, religiosidade e
espiritualidade sejam frequentemente utilizados
como sinônimos e estejam intrinsecamente rela-
cionados, apresentam características e significados
diferenciados. A religião/religiosidade envolve um
conjunto de crenças, linguagem e práticas insti-
tucionalizadas que se alicerçam em uma tradição
acumulada, com seus símbolos, rituais, cerimônias
e explicações próprias acerca da vida e da morte.
Já a espiritualidade é universal e não se restringe a
uma religião propriamente dita, cultura ou deter-
minado grupo de pessoas, mas envolve valores
pessoais e íntimos, constituindo-se naquilo que dá
sentido à vida e, como tal, promove o crescimento
pessoal e a reflexão acerca das experiências vividas
(Guimarães & Azevum, 2007; Saad, Masiero, &
Battistella, 2001). Para Kovács (2007), a espirituali-
dade possibilita a contemplação e a reflexão das
experiências existenciais, além de nortear a busca
do sentido da vida.
Frente a uma doença grave e suas reper-
cussões psicossociais, a espiritualidade demarca seu
papel e importância. Segundo Valle (2005), ela
possibilita que o ser humano transponha o estado
biológico e emocional de acordo com a sua vivência,
manifestando o sentido profundo daquilo que o
indivíduo é, bem como o modo como vive em seu
cotidiano. A vivência religiosa, ou religiosidade, é
descrita pela referida autora como um gênero espe-
cífico de experiência espiritual, caracterizando uma
das formas de expressar essa dimensão. Já a espi-
ritualidade seria um elemento inerente ao ser
humano.
No adoecimento por câncer, a dimensão
espiritual propicia aos pacientes o desenvolvimento
da esperança, de um significado para a doença e
de um propósito e sentido para a vida, o que favo-
rece o amadurecimento pessoal, a integridade e o
enfrentamento da situação vivenciada (Liberato &
Macieira, 2008). A espiritualidade pode influenciar
o modo como o paciente enfrenta o processo de
adoecer e suas repercussões, bem como a maneira
como atribui significados ao adoecimento e às in-
tercorrências vivenciadas na trajetória de trata-
mento.
O câncer é um nome genérico atribuído a
um conjunto de mais de 100 doenças, as quais têm
em comum a proliferação desordenada de células
que invadem tecidos e órgãos. Atualmente, é consi-
derado uma condição crônico-degenerativa grave.
Horta, Neme, Capote e Gibran (2003) realizaram
um estudo com o objetivo de averiguar o papel da
fé no enfrentamento do câncer. Os relatos dos parti-
cipantes permitiram identificar os conteúdos psi-
coafetivos relacionados à fé e os associados à doen-
ça. Os resultados mostraram que a primeira possibi-
litou aos pacientes reagir com esperança diante do
diagnóstico, o que auxiliou na adesão ao tratamento
e na busca da cura ou da melhora da qualidade de
vida. A fé contribuiu também para manter a
confiança dos pacientes na equipe de saúde, favo-
recendo a superação das demandas negativas da
doença e do tratamento, de modo que pudessem
voltar a encarar a vida mais positivamente.
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No caso de pacientes que vivenciam uma
doença neoplásica avançada e se aproximam da fase
final de vida, observa-se que a espiritualidade
propicia a busca por um propósito ou significado
em suas vidas, auxiliando-os a transcender o de-
sespero e o sofrimento (Ferrel, Ottis-Green, &
Economou, 2013; Puchalski, 2012, 2013; Puchalski
et al., 2009). Estudos com pacientes em cuidados
paliativos têm destacado intervenções as quais
promovem a sensação de dignidade e sentido de
vida. Nesse cenário adverso, o conceito de sentido
de vida (MIL, Meaning in Life) tem despertado o
interesse de psicólogos, médicos e pesquisadores
das áreas de psico-oncologia, tendo como base
a Logoterapia de Frankl (Fegg et al., 2010). Essa
preocupação é compartilhada pelos estudos que
focalizam a relação entre espiritualidade e bem-
-estar de pacientes em cuidados paliativos
(Puchalski, 2012).
Em uma perspectiva transcultural, Kudla
et al. (2015) descrevem um estudo de validação da
escala Schedule for Meaning in Life (SMILE) para
pacientes indianos que se encontram em cuidados
paliativos, comparados com pacientes alemães. Os
resultados evidenciaram diferenças entre as duas
populações em alguns itens; aqueles relativos à espi-
ritualidade e ao compromisso social foram mais
frequentemente listados entre os indianos, ao passo
que os referentes às relações sociais foram menos
citados. O estudo mostrou que, para os indianos, a
espiritualidade claramente se constitui como uma
dimensão relacionada à busca do sentido de vida.
Asgeirsdottir et al. (2013) conduziram um
estudo qualitativo baseado na abordagem feno-
menológica, com o objetivo de investigar a dimen-
são espiritual de pacientes em cuidados paliativos
por meio da avaliação da influência das experiências
de espiritualidade em suas vidas e em seu bem-
-estar. Emergiram aspectos religiosos e não-reli-
giosos da espiritualidade (relações familiares, o
significado de Deus e bem-estar), destacando-se
práticas espirituais que foram propulsoras do
fortalecimento de recursos internos, da motivação
e da esperança. A fé evidenciou-se como elemento
fundamental da espiritualidade para os participantes
do referido estudo e os autores ressaltaram a impor-
tância da exploração da dimensão espiritual na
prática profissional em cuidados paliativos.
Dobratz (2012) investigou narrativas de 44
pessoas em fase final de vida e que abordaram a
questão da espiritualidade. Foram identificados
quatro temas espirituais: sistemas religiosos de
crenças e valores; sentido de vida, propósito e
contato com outros; sistemas não religiosos de
crenças e valores; fenômeno metafísico e trans-
cendental. Por meio da análise das narrativas,
observou-se que, apesar do grande número de
respostas envolvendo crenças religiosas e não
religiosas e valores, os temas a respeito do sentido
de vida, propósito e contato com outros também
foram aspectos importantes da dimensão da espi-
ritualidade.
Olsson, Ostlund, Strang, Grassman e
Friedrichsen (2010) realizaram um estudo buscando
investigar processos sociais e psicológicos utilizados
por pacientes em cuidados paliativos domiciliares
para manter a esperança, apesar do avanço da
doença e do risco iminente de óbito. Nesse con-
texto, a esperança aparece como forma de manu-
tenção da vida - no sentido de preservar o sentido
da mesma, além de comunicar-se com as pessoas
próximas a respeito da vida e da morte -, bem como
de preparação para a morte, favorecendo a aquies-
cência dos pacientes em relação à responsabilidade
pelo futuro, tanto o próprio quanto de seus entes
queridos, e à possibilidade de usufruírem, de certo
modo, da crença na sobrevivência após a morte.
A experiência do adoecer pode se configurar
como um acontecimento repleto de sentido, bem
como um ganho existencial, pois, quando o homem
encontra um sentido para seguir adiante, apesar
dos obstáculos inerentes à vida, pode transcender
as dificuldades imediatas impostas pelas circuns-
tâncias adversas. Até mesmo na morte o sentido
da vida se satisfaz, mobilizado pela ameaça da
morte iminente e, consequentemente, pela luta
desencadeada em prol da afirmação da vida ao se
buscar o sentido da morte e do morrer, o que contri-
bui para enriquecer esse processo com um sentido
pleno ante a existência humana (Frankl, 2003;
Moreira & Holanda, 2010).
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A despeito do reconhecimento das neces-
sidades espirituais dos pacientes e da crescente
importância atribuída à dimensão espiritual na
experiência do adoecimento e na prática dos pro-
fissionais de saúde, que tem sido encontrada de
forma recorrente na literatura (Neme et al., 2010;
Puchalski, 2013), ainda são escassos os estudos
brasileiros no contexto dos cuidados paliativos com
pacientes oncológicos. Nessa vertente, este estudo
teve por objetivo compreender os significados da
espiritualidade para pacientes com câncer em
cuidados paliativos, visando contribuir com conheci-
mentos que possam nortear a reflexão e o cuidado
espiritual oferecido pela equipe multiprofissional no
Brasil.
Método
Trata-se de uma pesquisa qualitativa de ins-
piração fenomenológica, na qual foram identi-
ficadas, descritas e analisadas as vivências de
pacientes com câncer em cuidados paliativos e o
significado da espiritualidade para esses indivíduos
nesse contexto específico. O método fenome-
nológico possibilita a busca da compreensão de
aspectos da dimensão humana, pois parte da
própria experiência e da existência concreta do
sujeito. O objetivo do método fenomenológico é
propiciar a constatação e a descrição do mundo-
-da-vida pelo viés do próprio sujeito. A descrição
do vivido possibilita a ressignificação das vivências
por meio do retorno da percepção e das memórias
do sujeito ao momento imediato (Andrade &
Holanda, 2010; Forghieri, 1993). O pesquisador fe-
nomenólogo privilegia o “retorno às coisas mes-
mas”, o regresso ao fenômeno, à dimensão pré-
-reflexiva, isto é, ao modo como o fenômeno
aparece e é vivido antes de ser tematizado e cate-
gorizado.
Participantes
Participaram do estudo cinco homens e cinco
mulheres, com diferentes diagnósticos de câncer
avançado, na faixa etária de 44 a 71 anos de idade,
internados na enfermaria da Unidade de Cuidados
Paliativos e Dor do Hospital São Judas Tadeu/Hos-
pital do Câncer de Barretos. Como critérios de inclu-
são, o paciente deveria estar em cuidados paliativos
exclusivos, mantendo, no mínimo, a capacidade de
permanecer alguns períodos em estado vigil, sen-
tado ou deitado, apesar do autocuidado limitado.
Os critérios de exclusão foram: paciente grave-
mente incapacitado, em progressão de morte imi-
nente ou com comprometimentos cognitivos ou
auditivos graves, como os encontrados em diferen-
tes tipos de quadros demenciais e deficiências
cognitivas e auditivas, evitando-se, assim, possíveis
dificuldades de compreensão da questão nor-
teadora utilizada na entrevista.
Todos os pacientes convidados aceitaram
colaborar com a pesquisa. O número final de entre-
vistados foi definido conforme as convergências e
divergências observadas nos elementos utilizados
para a compreensão do fenômeno. A saturação foi
obtida ao se evidenciar a repetição de algumas falas
e descrições do fenômeno, porém, mantendo-se
igual número de participantes masculinos e femi-
ninos (Bruns, 2012).
Nos 10 participantes incluídos, predominou
o baixo nível de escolaridade (ensino fundamental
incompleto), destacando-se apenas dois com ensino
superior completo. Nenhum participante estava
exercendo qualquer tipo de ocupação/trabalho no
momento e as ocupações anteriormente exercidas
correspondiam ao nível de escolaridade de cada
indivíduo. Todos os participantes referiram ter algu-
ma religião, sendo que seis se declararam católicos,
três evangélicos e um se apresentou como sendo
espírita kardecista. Destes, dois afirmaram ser não
praticantes: o espírita kardecista e um católico.
No que concerne ao diagnóstico, eviden-
ciaram-se diversos tipos de câncer, predominando
o de colo de útero e o gástrico. Todos os partici-
pantes apresentavam a doença oncológica em
estado avançado, tendo sido transferidos para
cuidados paliativos exclusivos. O diagnóstico e o
início do tratamento foram tardios, pois parte dos
pacientes havia recebido a notícia há menos de um
ano. Além disso, a doença já estava avançada
quando diagnosticada. Todos foram informados
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pela equipe médica, em algum momento, a respeito
do avanço da doença, sua incurabilidade e a
necessidade de cuidados paliativos. Na data da reali-
zação da entrevista, a maior parte havia recebido
essa informação em um período que variou de um
a 23 dias.
Procedimentos
Como instrumento de coleta de dados foi
utilizada a entrevista fenomenológica, pautada na
questão norteadora: “Como foi sua trajetória desde
o diagnóstico até o momento atual e como é para
você vivenciar este momento de sua vida, em rela-
ção a sentimentos, medos e expectativas futuras?”.
Por meio dos relatos, foi possível captar e expandir
a compreensão das vivências dos pacientes nessa
condição, aprofundando também a exploração dos
significados atribuídos à dimensão espiritual no
momento vivido.
Ao serem convidados a participar do estudo,
os pacientes foram informados quanto aos proce-
dimentos éticos envolvidos, conforme os dados
contidos no Termo de Consentimento Livre e Escla-
recido. Já as entrevistas foram realizadas nos leitos
e imediações do hospital, mantendo-se o conforto
e a privacidade, e foram audiogravadas mediante
consentimento dos participantes. O período de cole-
ta de dados transcorreu de janeiro a maio de 2013
e o estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em
Pesquisa do Hospital do Câncer de Barretos (Pro-
tocolo nº 07836212.5.0000.5437).
A análise foi realizada a partir de passos
propostos por Forghieri (1993) e Martins e Bicudo
(1994). Dessa forma, os relatos obtidos foram trans-
critos na íntegra e literalmente e os conteúdos
submetidos à redução fenomenológica. As trans-
crições foram lidas e relidas sucessivas vezes pela
pesquisadora antes de lançar mão de qualquer
análise, a fim de se apreenderem as unidades de
significado, posteriormente organizadas em cate-
gorias temáticas. Estas buscaram refletir as vivências
de pacientes com câncer em cuidados paliativos e
o significado da espiritualidade ante o adoecer e o
morrer.
Resultados e Discussão
A análise fenomenológica permitiu desvelar
dois eixos temáticos: “Fé como esperança de cura,
apoio e confiança e a busca de sentido/ressigni-
ficação da vida” e “A busca de sentido na morte e
nas crenças sobre o pós-morte e a vivência da trans-
cendência”. Para ilustrar as categorias temáticas,
serão utilizadas falas identificadas por nomes fictí-
cios, a fim de preservar a identidade e garantir o
sigilo das informações compartilhadas pelos parti-
cipantes. As categorias serão apresentadas e discuti-
das de forma simultânea.
Fé como esperança de cura, apoio e
confiança e a busca de sentido/
ressignificação da vida
Vivenciar o agravamento do processo de
adoecimento e a possibilidade de morte iminente
levou a reflexões sobre o sentido da vida e da morte,
bem como à busca de recursos e apoio para lidar
com o sofrimento advindo dessa condição. Dentre
os diversos aspectos que emergiram e se desvelaram
nos depoimentos, é possível compreender que a
dimensão espiritual dos participantes propiciou a
busca de sentidos para o viver baseados na espe-
rança de cura e no suporte recebido:
Hoje, ela [fé] me mantém viva... apesar de
saber tudo o que eu soube [prognóstico
reservado]... mas é ela que me mantém viva
pra poder... ter certeza que eu vou me curar
e voltar a minha vida normal... . Acreditar
mais em Deus e ter fé e esperança de que
as coisas vão melhorar. Você poder olhar
para a experiência de outras pessoas e ver
que outras pessoas conseguiram, então você
também pode conseguir, né (Sofia).
A experiência de Sofia sugere que a espe-
rança se expressa como um aspecto norteador para
a busca de sentido, corroborando as reflexões de
Olver (2012). O autor destaca que os pacientes,
mesmo sabendo estarem no fim da vida, expressam
esperança quanto ao futuro e continuam fazendo
planos de acordo com suas expectativas presentes.
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A vivência do processo de adoecer também
trouxe a ressignificação da vida e dos valores pes-
soais: “Ah, mudou. A gente passa a dar mais valor
na vida... passa a ter mais fé em Deus, a buscar
mais fortaleza Nele, porque se não for Ele... nós
não faz nada” (Flora). Nota-se a busca de sentido
na luta e na convicção de que se deve viver um dia
de cada vez:
Eu tô evoluindo mais, porque... quer dizer,
que hoje, eu venci o dia de hoje, graças a
Deus... mas tô esperando o de amanhã. E
se Deus quiser, vai ser a mesma coisa. Eu
vou lutar e vou vencer (Antônio).
Tem muita gente que não... confia na fé.
Mas eu confio, eu quero lutar pra mim viver.
E eu vou me esforçar o máximo possível para
que eu possa viver mais. E eu estou vendo
que eu estou melhorando a cada dia mais,
com calma, devagar, sem violência e sem
estresse, sem nada (Marcos).
Os significados e a busca de apoio na dimen-
são espiritual se evidenciaram de forma peculiar
para cada um, de acordo com a idade e o tempo
decorrido entre o diagnóstico e o período em que
estavam sob cuidados paliativos. Maria estava
vivenciando o processo de adoecimento havia 33
dias e tinha iniciado os cuidados paliativos há apenas
17. O diagnóstico recente e a gravidade de seu
quadro clínico mobilizaram a busca por apoio na
afirmação da esperança de se curar, distanciando-
-se, assim, do “estar doente” e da possibilidade de
se deparar com sua finitude. Ainda sem poder absor-
ver completamente o choque desencadeado pelo
diagnóstico devido à brevidade do processo, Maria
travava a luta de cada dia, buscando valorizar o
sentido de viver o presente para, então, redimen-
sionar o futuro:
Às vezes eu penso assim: “por que eu?”.
Tem tantas pessoas que faz coisas más e eu
não, nunca fiz. Mas eu não posso me julgar
assim porque Deus é que sabe. Não que:
“ah, eu vou aceitar a doença, eu vou esmo-
recer”. Não é isso, eu vou lutar, e com Deus
eu vou vencer. Não acabou, não. Enquanto
tiver recurso, nós vamos lutar... (Maria).
Já para Gabriel, que estava convivendo com
a doença havia mais de sete anos e passou a receber
os cuidados paliativos há quatro meses, os signifi-
cados do adoecer e da espiritualidade apareceram
atrelados à franca constatação do limite e aceitação
de sua finitude, bem como à revalorização da vida
e da importância da luta diária por sua preservação.
Mesmo assumindo uma postura resignada frente
ao desfecho selado, o participante não se distanciou
de sua realidade. Apesar das dores e incertezas,
pôde se abrir às novas possibilidades existenciais
que emergiram em sua longa trajetória de convívio
com o diagnóstico, como o aprendizado de novos
modos de ser e significar a vida:
A doença é grave. A gente sabe disso, tem
consciência e... . A gente luta, mesmo
sabendo que não é bom o resultado, mas...
esperança a gente sempre tem. A gente
tenta não desesperar, mas lá no fundinho
tem. E é isso aí, a gente vem lutando, pele-
jando... . Ah, sei lá, as pequenas coisas... .
Coisas de valor que ontem você pegava e
hoje não tem mais valor. Assim, não é uma
coisa importante, como sei lá... como uma
flor... . É, talvez uma flor seja mais
importante... . Muda sim, a gente não é a
mesma pessoa. A vida não é só isso aqui
que a gente vê um palmo na frente do nariz,
a dois metros... é bem diferente (Gabriel).
Diferentemente de como parece ter ocorrido
com Gabriel e Maria, as vivências de Marcos em
seu processo de ressignificação da vida ocorreram
no transcorrer do adoecer. Durante quase todo o
período em que estava sob cuidados paliativos,
Marcos vivenciou o processo com desesperança e
acentuado humor deprimido. Porém, quando os
sintomas físicos começaram a se estabilizar, iniciou
um novo processo de ressignificação do adoeci-
mento e da vida de maneira que a dimensão espi-
ritual se expressou na esperança de obter o prolon-
gamento da vida e da convivência com os familiares.
Essa esperança se evidenciou de forma equilibrada
e conforme a realidade vivida pelo participante:
Ah, eu vejo minha mãe, eu vejo os colegas...
É umas que acha que a vida não vale nada,
que ele vai morrer... mas eu não penso assim.
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A vida vale muito pra mim... . Não, porque
antes eu pensava na morte: “ah, eu vou
morrer mesmo, eu posso ficar sossegado”.
Mas agora eu ligo. Eu quero viver. Agora,
se Deus não quiser, paciência. Mas, mesmo
se ele não quiser, eu vou em frente. Eu vou
até onde der (Marcos).
Para alguns participantes, a vivência do pro-
cesso de terminalidade possibilitou a reflexão acerca
dos aspectos que conferiam sentido para a vida,
principalmente os direcionados para a valorização
dos vínculos familiares e afetivos e a esperança na
continuidade da convivência com pessoas signi-
ficativas:
O que dá sentido pra minha vida? ... lutar...
que é estar junto dos meus filhos, com a
família ... em sair daqui, levantar dessa
cama... curtir mais os meus filhos, curtir mais
a minha família. Dedicar mais o meu tempo
a outras pessoas (Júlia).
Eu não perco a esperança, até onde tiver
vida eu vou lutar. Pra acabar de criar eles.
Essa daí é a mais velha [acompanhante do
dia], depois tenho uma de 24, outra de 15
e uma de 12. A luta maior é por eles, né. Eu
tenho fé em Jesus que eu vou vencer. Posso
não vencer assim, né, mas eu queria pelo
menos uns dois anos de vida [risos] (Flora).
Os resultados corroboram os achados de
estudos que apontam a relação entre a espirituali-
dade, a manutenção da esperança e a atribuição
de significados para a doença e para a vida. A espi-
ritualidade propicia o senso de controle e ameniza
o sofrimento vivido (Guerrero, Zago, Sawada, &
Pinto, 2011; Liberato & Macieira, 2008). O modo
como os participantes atribuíram sentido às suas
vivências de sofrimento se aproxima do que Frankl
(1993, 2003) postula em relação ao homem ter con-
dições de encontrar sentido em qualquer situação
humana por meio da tríade trágica, constituída pela
dor, culpa e morte, bem como pelo amor e pela
terminalidade. Desse modo, a experiência radical
do ser “ante a morte” revela-se como um caminho
por meio do qual se pode encontrar a vida e seu
sentido.
A busca de sentido na morte e nas
crenças sobre o pós-morte e a
vivência da transcendência
Ao relatarem suas vivências do processo de
adoecer e morrer, os participantes desvelaram suas
concepções de morte, deflagrando uma reflexão
acerca de sua própria finitude e de suas crenças a
respeito do pós-morte. Os relatos revelaram com-
preensões da morte como um acontecimento ine-
vitável da vida, como parte natural da existência e
finalização do projeto existencial. Frente à angústia
de encarar a morte como um fim em si mesmo,
alguns participantes concentraram-se em reflexões
pautadas em crenças religiosas acerca do pós-morte,
focando a possibilidade da continuidade do existir.
A procura de explicações sobre o pós-morte se des-
taca como uma busca de uma forma de lidar com a
angústia da iminência da morte e das incertezas
que esse fenômeno mobiliza no ser:
Ah, pra mim não preocupa nada, porque
pra mim a morte é uma coisa normal. Se
caso eu morrer, seja o que Deus quiser. Mas
eu não tenho medo da morte... ah, a morte
eu enxergo ela como uma coisa normal,
onde todo mundo passa, ninguém escapa.
Ainda mais agora. Mais um dia eu vou, eu
não sei quando. Mas eu quero morrer com
dignidade, sem nenhum problema (Marcos).
Ninguém quer morrer, todo mundo quer
viver. Eu acho que morrer é muito fácil. Eu
não sei se teria outro lado, se tem outro lado.
Para mim, morrer é dormiu, apagou, puf.
Eu acho que vai ser muito fácil, sem sofrer
muito antes. Mas a gente não tem uma...
uma conclusão de como vai ser isso.... é, o
após é... indefinido, né. Aí, por isso que a
gente falar é meio complicado. E cada
religião fala uma coisa, é... espiritual mesmo
comenta que tem outras vidas, né (Gabriel).
Francisco aborda a inevitabilidade da morte
e sua possibilidade na existência concreta. A morte
é percebida por esse participante como algo que
não se pode evitar e também como um paradoxo,
porque se vive tentando escapar dela, prorrogando
sua chegada:
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A morte, não preocupo com a morte. Assim,
eu encaro ela... . É, você fala assim: “oh, se
você sair daqui, você vai morrer”. Tudo bem,
então aí eu quero morrer e aí vou embora.
Então, eu encaro a morte... . É este desafio
mesmo, que nós vamos tentar... vai morrer
tentando. Todo mundo vai morrer tentando
(Francisco).
Vivenciar a terminalidade propiciou a busca
de sentidos no processo de morrer por meio de
crenças relacionadas ao pós-morte e pela vivência
da transcendência: “... eu tenho certeza que existe
uma força maior na gente, né, porque se não a
gente não existia” (Marcos). A vivência da trans-
cendência compreende uma dimensão que vai além
da experiência religiosa em si ou da convicção na
existência de um ente superior, maior do que se é e
mais além do que lhe é dado conhecer: “A vontade
de viver... essa crença em algo maior, que você não
toca, não pode... Mas que você acredita que existe...
Cada um acredita de um jeito, né?” (Sofia).
De acordo com Saporetti (2009), todos bus-
cam transcender a existência concreta. Transcender
envolve poder “ir além” do seu corpo, dos limites
da alma e da possibilidade de conhecimento de
Deus ou das demais representações da divindade
ou mesmo ir além de si próprio. Diante da vivência
da finitude, o ser se defronta consigo mesmo, reto-
mando sua essência, ou seja, direcionando-se ao
transcendente, conforme é possível compreender
nos relatos das vivências dos colaboradores deste
estudo: “Alguma coisa deve ter porque a gente não
está aqui com um simples propósito de viver e
morrer. Deve ter outro lado. Porque a gente sempre
evolui, né. ... Por que a morte pararia, não é? Estou
pensando assim” (Gabriel).
Para alguns participantes, a crença na conti-
nuidade da vida pós-morte contribui para atenuar
a angústia da constatação da iminência da morte,
levando-os a assumir a própria finitude:
Eu tenho esperança que, mesmo eu
morrendo, eu continue a viver, após a
morte... eu sei que a vida é eterna, mas e
seu viver uns oito, 10 anos, pra mim tá bom.
Agora, o restante Deus é que sabe, né... .
Como eu posso viver, até quando posso viver.
Mas eu estou ainda na luta. Vamos ver o
que Deus reserva pra gente (Marcos).
Eu acredito que tenha alguma evolução, sim.
Mesmo depois da morte, talvez uma evo-
lução que não seja compreendida nesse
plano. Talvez começando outro plano, que
vai ter uma... uma compreensão (Gabriel).
A ideia de continuidade da vida e/ou de um
novo projeto existencial nega a possibilidade de um
fim em si mesmo e atua na manutenção da espe-
rança, fortalecendo a luta pela vida e a experiência
da transcendência. A crença na sobrevivência dos
contornos identitários mesmo após a morte parece
desempenhar um papel importante na preparação
para o desfecho iminente. Isso se evidenciou tam-
bém nos estudos de Olsson et al. (2010). Os autores
ressaltam que a crença na continuidade da vida
auxilia na manutenção da esperança e na constru-
ção de perspectivas de futuro, bem como na redu-
ção do medo da morte.
Para Leonardo, o que dá sentido para seu
existir agora é a iminência de sua própria morte e
sua preparação para ela. Seu desejo de se desligar
da vida coroa a vontade de encontrar repouso e
alívio para as terríveis dores físicas que sente,
livrando-se, assim, do fardo de intenso sofrimento
e exaustão emocional que subjuga sua vontade de
viver:
Meu descanso [a morte]. É o descanso de
eu parar de sofrer com dor, com essas coisas
todas... vou pedindo morfina, o quê que vai
virar, né? Não vai virar nada, não está
fazendo efeito nenhum. Ela está... Eu tomo
morfina e melhora um pouquinho a dor...
Dói bastante... Mas não é por aí que nós
vamos desistir... Mas se Deus quiser... Eu
espero que Deus me dê um bom descan-
so... . Eu queria descansar em paz... . Minhas
coisas estão tudo certa, no cemitério o
cadastro está feito. Todas as partes de
funeral está feito, tudo essas coisas estão
feitas, então eu acho que já podia dar um
desconto... . Ah, eu não sei se eu... eu estou
batalhando... (Leonardo).
Para este participante, o fato de ter acertado
suas contas e resolvido suas pendências parece
277
SIGNIFICADOS DA ESPIRITUALIDADE
Estudos de Psicologia I Campinas I 34(2) I 269-279 I abril - junho 2017
funcionar como uma fonte de alento. Naquele mo-
mento de sua vida, ao refletir sobre sua experiência,
ele considera que já cumpriu sua tarefa existencial,
o que abre espaço para que possa ratificar uma
escolha.
Eu olho assim pra minha vida... Eu... Eu
preciso... Eu queria ver meu filho crescer,
mas... Hoje não é isso o que eu quero, eu
quero descansar... Eu acho que eu já produzi
o que tinha que produzir na Terra. Assim,
minha parte já foi feita (Leonardo).
O desejo de morrer se revelou de forma cris-
talina em Leonardo como um fenômeno particular
e divergente dos demais participantes deste estudo.
Porém, essa manifestação não parece indicar um
desejo suicida, mas uma aceitação das restrições e
dos limites concretos da existência. Caracteriza um
desligamento progressivo de sua relação com a vida,
ao mesmo tempo em que transforma seus vínculos
afetivos e prepara aqueles que ficariam após sua
morte. Nesse caso, aspirar a morte se relaciona à
busca da cessação do sofrimento físico, o que
corrobora o estudo de Ohnsorge, Gudat e
Rehmann-Sutter (2014), o qual destaca o desejo
de morrer como uma forma de libertação do sofri-
mento. Essa realidade suscita reflexões acerca do
contingente de pessoas que se encontram em
estado avançado de uma doença progressiva e fatal
e que não têm acesso a hospitais de referência para
poderem se beneficiar desse tipo especial de
cuidado que necessitam. Muitas vezes, esses pa-
cientes passam pelo processo de morrer sem o
controle apropriado de seus sintomas incapaci-
tantes, sem adequada analgesia ou na mais absoluta
solidão e abandono.
Durante o encontro, Leonardo expressou seu
desejo de receber a visita de um padre. Seu desejo
de morte mobilizou nele intensa angústia e senti-
mento de culpa. Algumas questões espirituais de-
sencadeiam nos pacientes o medo de não receber
o perdão de Deus, o receio advindo do desconhe-
cimento acerca do que encontrarão no pós-morte
e a falta de sentido na vida (Kovács, 2007). Dentre
a multidimensionalidade da dor, como apresentada
por Esslinger (2004), desvelou-se, para Leonardo, a
dor espiritual, abrangendo as culpas que sentia pe-
rante Deus e a busca de repará-las por meio da fé e
da espiritualidade, evidenciada pela necessidade da
visita do padre.
A análise das categorias identificadas nos
depoimentos dos participantes levou à compreen-
são de experiências de espiritualidade similares às
encontradas em outros estudos com pessoas em
cuidados paliativos, como se constata na pesquisa
fenomenológica de Asgeirsdottir et al. (2013), que
ressaltam a importância de prover a dimensão espi-
ritual na atuação em cuidados paliativos. Dobratz
(2012) também investigou a espiritualidade de
pessoas em fase final de vida e identificou a pre-
sença significativa de temas espirituais e de questões
acerca do sentido da vida e sua importância nos
cuidados prestados a esses pacientes.
Quando a doença evolui para a impossibi-
lidade de cura ou reversão, o ser humano defronta-
-se concretamente com a inevitabilidade da morte
e com o fim de seu projeto existencial. A perspectiva
do rompimento e da separação dos vínculos afetivos
propicia vivências únicas e possivelmente diferen-
ciadas de tudo o que já possa ter vivido até então.
Fé, espiritualidade e engajamento religioso, encon-
trados nos relatos de alguns dos participantes,
também auxiliam no processo de aceitação da mor-
te nos momentos em que ela se evidencia como
certa e inexorável. Vivências de transcendência, pro-
piciadas pelo exercício da espiritualidade e da fé,
promovem a busca de sentido e de ressignificação
de diversos aspectos da vida humana, redimen-
sionando valores e o próprio processo de morrer.
Ao lado das vivências comuns evidenciadas
nos relatos de todos os participantes, foi possível
compreender que cada pessoa vive um momento
particular e único, expressando um modo peculiar
de ser de acordo com sua história de vida e con-
cepções dominantes. As vivências de pacientes em
cuidados paliativos, bem como as de seus familiares,
devem ser identificadas, conhecidas e reconhecidas
por todos os profissionais que assumem a tarefa de
acompanhá-los nessa difícil etapa da vida de modo
que sua presença seja realmente significativa,
auxiliando no alivio da dor e do sofrimento.
278
A.C. BENITES et al.
Estudos de Psicologia I Campinas I 34(2) I 269-279 I abril - junho 2017
Considerações Finais
Os resultados deste estudo não se destinam
a generalizações, tendo em vista que se focalizou a
compreensão fenomenológica das vivências do
paciente com câncer, especificamente no contexto
dos cuidados paliativos. Foi possível compreender
a importância da dimensão espiritual para que
pessoas em condições de extrema vulnerabilidade
consigam sobreviver à dor e ao sofrimento coti-
diano, ressignificando, a cada momento, as expe-
riências que vivem.
Salienta-se que, a despeito da consciência
da possibilidade iminente da morte e de sua con-
dição de paciente em cuidados paliativos, evi-
denciou-se o papel da dimensão espiritual na manu-
tenção da esperança. Esta, em alguns momentos,
deu lugar à expectativa de uma morte digna e sem
sofrimento, entendida como desígnio divino que
se impõe ao final de um longo processo de intensa
luta pela cura ou pelo prolongamento da vida.
Frente à relevância da dimensão espiritual
reconhecida na presente pesquisa, por conferir
consolo, apoio e força psicológica a pessoas que se
encontram na iminência da morte, sugere-se que
estudos similares sejam empreendidos em pacientes
com diversas patologias e em fases distintas do
adoecimento, buscando também compreender os
significados da espiritualidade para familiares,
cuidadores e profissionais envolvidos no cuidado.
O conhecimento das especificidades da dimensão
espiritual na interface com a unidade de cuidado
(paciente, família e equipe) pode aprimorar as prá-
ticas de humanização e atenção integral oferecidas
ao paciente acometido por uma doença que
ameaça seriamente a continuidade da vida. Alerta-
-se também para a necessidade de se prover
formação e capacitação do profissional de saúde
que transcendam os limites técnicos estabelecidos
pelos protocolos da especialidade oncológica.
Colaboradores
A.C. BENITES e C.M.B. NEME colaboraram na
concepção, na coleta e análise dos dados e na redação
do artigo. M.A. SANTOS colaborou na análise dos dados,
na redação e na revisão do artigo.
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Recebido: fevereiro 10, 2015
Versão final: agosto 4, 2015
Aprovado: fevereiro 16, 2016
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A.C. BENITES et al.
Estudos de Psicologia I Campinas I 34(2) I 269-279 I abril - junho 2017