Content uploaded by Michel Kobelinski
Author content
All content in this area was uploaded by Michel Kobelinski on May 17, 2017
Content may be subject to copyright.
“Pixação: a arte por cima do muro.” A estética e a ética da Pichação
Paulistana.
“Pixação: the art over the wall.” The Aesthetics and Ethics of Graffiti in
São Paulo
“Pixação:Die Kunst and Der Mauer.” Die Ethik und Die Ästhetik des
Graffitis in São Paulo
Luis Felipe Sanches, mestrando em Ensino de História pelo Programa ProfHistória,
UNESPAR, campus Campo Mourão, Linha de Pesquisa Saberes Históricos em Diferentes
Espaços de Memórias, membro do Grupo de Pesquisa Cultura e Sensibilidades.
Michel Kobelisnki, Pós-doutor em História (UFPR), Docente do ProfHistória, Linha de
Pesquisa Saberes históricos em Diferentes Espaços de Memórias, Lider do Grupo de Pesquisa
Cultura e Sensibilidades.
NASCIMENTO, Luiz Henrique Pereira do. Pixação, a arte por cima do muro. Cachoeira do
Sul: Monstro dos Mares, 2015.
A pichação é uma forma de escrita presente em grande parte dos muros e prédios dos
centros urbanos brasileiros, um fenômeno que incomoda muitas pessoas, inclusive as
autoridades públicas, por se apresentar como uma expressão de estética marginal,
ilegível para a maioria. (Luiz Karioka, 2015)
Publicado pela editora Monstro dos Mares, o livro Pixação: a arte por cima do muro
(2015), do filósofo, ativista social, professor e artista Luiz Henrique Pereira do Nascimento
(Luiz KariokA), demonstra pelo viés filosófico-anarquista a importância do debate acerca da
pichação em São Paulo. A obra teve financiamento coletivo (crowdfunding) através do site
catarse.me, conseguindo arrecadar em torno de três mil e setecentos reais, o que foi suficiente
para cobrir os custos de produção e de editoração de um livro ricamente ilustrado e com estilo
inovador. Trata-se do resultado de um trabalho de graduação no Curso de Filosofia da
Faculdade de Humanidades e Direito, Universidade Metodista de São Paulo, campus de
Campinas, apresentado em 2012.
Sanches & Kobelinski. Revista Ensino & Pesquisa, v.15, n.1, (2017), 249-255.
250
A obra em discussão chamou a atenção por se relacionar à aprendizagem histórica nos
espaços de memória, bem como à reflexão sobre as representações e usos do passado no espaço
urbano. Em nosso ponto de vista é necessário compreender o que é a cidade e enfatizar o olhar
antropológico em termos científico, popular e coletivo. Ela é o locus de reflexão da diversidade
cultural e de problemas complexos, ambiente de encontros e aprendizagens. Logo, a reflexão
sobre a manifestação dos cidadãos através da arte e a partir das margens e de suas precariedades
temporais e espaciais é sempre bem-vinda.
Nascimento enfatiza a pichação como uma
manifestação humana entrelaçada por elementos
culturais, sociais, políticos e artísticos. Portanto, ela
não é isenta de manipulações. A tese central é a de
que a pichação não é um ato de vandalismo, mas uma
manifestação da Arte Contemporânea. Ela se
enquadra como arte contestatória, que através da
representação dos artistas, brada contra o que chama
de “falácia da democracia”. A arte da pichação é uma
forma de retaliação à violência do poder público.
Neste sentido, a obra provoca e convida ao debate
filosófico sobre a pichação, que é considerada “Arte
Marginal”.
Luiz KariokA leva o leitor a se interpelar: A pichação é vandalismo ou é uma arte? Para
responder a esta questão, os argumentos se fundamentam na Teoria Estética do filósofo,
sociólogo e compositor alemão Theodor W. Adorno (1903-1969). Em termos conceituais o
Pixo é caracterizado como um movimento artístico extremamente profundo e requintado. E,
por este motivo, a expressão artística e o espectador dialogam intensamente, pois a arte não é
apenas objeto de contemplação. Sua exibição pública tem outras implicações pedagógicas na
medida em que serve tanto como forma de intermediação social quanto atitude e engajamento
político.
O tema revolve o problema das relações entre o artista, a representação artística, os
conceitos sobre arte, os espaços de exibição e o público. Deste modo, é nítida a preocupação
Sanches & Kobelinski. Revista Ensino & Pesquisa, v.15, n.1, (2017), 249-255.
251
do autor com os conceitos de arte e estética (O Mundo das Artes, capítulo dois), refletidos sob
a luz das ideias de Roger L. Taylor (Arte Inimiga do Povo, 1978), e de Richard Wollheim (A
arte e seus objetos, 1994). Taylor parte da análise sociológica e do pressuposto de que a arte é
um produto cultural, isto é, uma invenção burguesa do Século XVIII que estabeleceu um
consenso do que ela seria. Disto resulta a ideia de sua função imediata, emancipatória, essencial
e universal. Ao contrário, a obra de arte é vista por Nascimento como manifestação restrita e,
simultaneamente, dependente das esferas sociais. Assim, valoriza-se o instrumental filosófico
(baseado em Ludwig Josef Johann Wittgenstein - 1889/1951), na medida em que este
conduziria ao conhecimento da representação da farsa da arte moderna e promoveria a
libertação dos sujeitos pela sua correta interpretação.
A coerência em sua apreciação, a reflexão, o enquadramento social e a ressignificação
são elementos significativos da análise da obra de arte. Estes pressupostos partem da concepção
sobre o que é arte e sobre o que é o belo de Richard Arthur Wollheim (1923-2003). Como
síntese deste pensamento a arte é considerada dentro do contexto social, como fenômeno
histórico a ser interpretado constantemente.
Aliás, Nascimento recomenda ao leitor que mergulhe no mundo dos artistas, na
linguagem tag reto e na arte da pichação. Isto porque ela possui uma gramática e uma linguagem
próprias que precisam ser decifradas, sendo que a aproximação não deve ser violenta, mas
afetuosa. Esse transbordamento sígnico impregnou a cidade de São Paulo, desde os anos 1980,
momento em que bandas de rock pichavam seus nomes em muros e fachadas de prédios,
inspirados em letras de músicas ornamentadas por caracteres rúnicos.
Nada mais natural que seguir os pressupostos taylorista-wollheimniano da necessidade
de se inserir na realidade do autor para compreender a obra de arte e analisar este fenômeno
artístico-histórico, bem como as leis que a regulamentaram na contemporaneidade brasileira. É
o que ocorre no capítulo A Ética Privatizada na Sociedade Contemporânea. Ali, Luiz Henrique
demonstra que a pichação torna-se obtusa diante do sistema capitalista. A confusão é
generalizada, pois confunde-se ética pública com moral particular. O respaldo filosófico veio
de Suze Piza, que enxerga na sociedade contemporânea os resquícios da organização social
burguesa que se encaminhou para o capitalismo, para a propriedade privada e,
Sanches & Kobelinski. Revista Ensino & Pesquisa, v.15, n.1, (2017), 249-255.
252
consequentemente distanciou-se de outras classes sociais pela exclusão e pela violência. Isto
implica a impossibilidade da liberdade e da ética dos sujeitos:
[...] podemos considerar que vivemos numa sociedade desigual, e que, para existir
liberdade, ou seja, indivíduos realmente livres, seria preciso existir primeiro,
igualdade social, de condições de vida humana. Como o ideal de livre mercado
capitalista valoriza acima de tudo o acúmulo de propriedade privada e a concorrência,
pode-se dizer que, de acordo com a moral burguesa vigente, vivemos em uma
sociedade de homens livres; porém, uns são mais livres que outros, dependendo de
suas posses, como se a liberdade fosse transformada em um produto (NASCIMENTO,
2012, p. 16).
Em relação ao vandalismo prevalece a inspiração anarquista. Nesse caso inexistem
violência e ética, pois a propriedade privada é a expressão máxima da agressão social e o sentido
da arte expõe a fratura ética da burguesia. Daí o argumento de uma confrontação expressa por
atos infracionais que se consideram acima das sanções legais (crime ambiental, lei nº 9.605/98,
Art. 65). Assim, justifica-se a expressão artística que foge à ordem de limpeza pública e à
criminalização porque quer um tipo de liberdade.
E se Nascimento defende com veemência tal comportamento político, como
compreender a arte transgressora, já que ela mesma torna-se objeto da própria marginalização?
A arte da pichação é simplesmente perseguida porque se opõe ao capitalismo e à
mercantilização da arte? Seria coerente considerarmos que este tipo de arte refere-se às
manifestações exclusivas das classes subalternas?
De qualquer maneira, é vital estabelecer diálogos entre artistas e pensadores, a fim de
reverter a ideia de transgressão, vandalismo e depredação pela pichação. Por outro lado, o uso
da expressão visual tag reto em artigos esportivos, banners ou mesmo outdoors, subverte a
própria subversão porque a torna mercadoria. Acrescente-se ainda que a discussão sobre a
utilização da grafia e da estética do Movimento Pixo de São Paulo (MPSP) abre uma discussão
sobre a apropriação da arte. Quando a arte visa a angariar lucros ela deixa de ser subversiva.
Aliás, é intrigante o fato de não se abrir um espaço para discutir sobre este último termo.
Subversão é o ato de subverter ou subverter-se, a ação de se rebelar contra a lei e contra as
autoridades. Ação esta que visa à destruição e à transformação da ordem política, social e
econômica. Em suma, segundo o autor, trata-se de um ato político e, por conseguinte,
Sanches & Kobelinski. Revista Ensino & Pesquisa, v.15, n.1, (2017), 249-255.
253
revolucionário. Porém, nem todo ato político é revolucionário. Na acepção política, refere-se à
desqualificação pelo adversário, que por sua vez ameaça ou questiona a ordem constituída.
No capítulo Ganhando a Senha do Movimento Pixo, retoma-se a teoria estética de
Adorno de que a arte contemporânea deve buscar imitar a natureza, deve evadir-se da sociedade
a fim de romper com as tradições, obrigando o espectador a imergir no universo do artista. Para
que isso ocorra, o espectador deve romper com as amarras do capitalismo e da mercantilização
da arte, evitando assim, sua alienação. Portanto, a arte da pichação é, em termos políticos, uma
expressão artística violenta, que imita a própria ética da violência sofrida. Em todo caso é
possível perceber que a expressão estética e ética lida com os sentimentos de afeto e liberdade;
termos estes não aprofundados pelo autor, mas que são fundamentais à compreensão que se
manifesta através deste tipo de arte. Note-se que o afeto e a liberdade estão presentes nas
condutas éticas dos pichadores. Exemplo disto é a harmonia entre o grafite e a pichação,
expressas na gíria pegar a senha, que significa ler o suporte onde se vai pichar e planejar
eventual rota de fuga; por outro lado, atropelo significa atitude ética de não pichar sobre outra
manifestação, ou ainda o jeguerê, ato voluntário de auxílio mútuo e técnica de escalada a fim
de pintar paredes altas. Para Nascimento (2012, p. 26) a percepção da sensibilidade artística é
possível quando absorvemos os projetos artísticos, quando desvendamos seus sentidos. Neste
caso, poderíamos vivenciar uma “experiência estética libertadora e prazerosa”. Por mais que
este tipo de arte seja desvalorizada, os pichadores buscam visibilidade e identidade; o que, de
certa forma, reproduz relações sociais de poder.
Nas Considerações Finais constata-se que arte e a moral conflitam entre si. Este mesmo
conflito perpassa a aprendizagem nos Espaços de Memória através dos modos de enquadrar ou
desprestigiar expressões artísticas. Os questionamentos são ambíguos quando consideram as
exposições sobre as pichações: “[...] como ficaria o papel das instituições que trabalham com
as artes?”; seriam “[...] acusadas de apologia ao crime?”, ou ainda, se não incluíssem “[...] a
pixação em seus catálogos, poderiam ser acusadas de estar favorecendo e desprestigiando
diferentes formas de arte?” (NASCIMENTO, 2012, p. 32)
Os problemas filosóficos levantados por Nascimento envolvem a arte e sua
criminalização. Em sua perspectiva, ambos deveriam ser vistos pontualmente a fim de resolvê-
los. Em primeiro lugar, a pichação não é considerada como ato de vandalismo, tampouco como
Sanches & Kobelinski. Revista Ensino & Pesquisa, v.15, n.1, (2017), 249-255.
254
crime ambiental. Neste caso, em São Paulo, a solução sempre foi a repressão ou ações
socioeducativas. Portanto, a proposição do autor é a separação dos elementos estéticos e éticos,
a fim de que possamos compreender melhor o Movimento Pixo. O argumento central é o de
que a pichação é uma prática disseminada entre comunidades marginalizadas ao longo da
história. Em segundo lugar, destaca-se a necessidade de ampliar o horizonte da compreensão
da pichação como movimento artístico, uma vez que abre novas possibilidades estéticas e éticas
na existência dos sujeitos. Nascimento, ao apropriar e adaptar a tese de Adorno às suas
perspectivas filosóficas, sugere abordagem afetuosa e pacífica ao Movimento do Pixo, através
da qual, os indivíduos substituiriam as “leis da sociedade” pelas “leis propostas pelo projeto
artístico do Movimento Pixo”. A ênfase da narrativa procura enfatizar a originalidade, a
autonomia e a estética da pichação.
Na obra impressa, no final de cada capítulo há espaço para a voz e a visualidade de
intervenções artísticas no meio urbano paulistano. Os relatos de artistas de rua destacam os
“rolês” inesquecíveis, situações inusitadas e experiências de confrontos com a polícia. Além
disso, some-se a entrevista com Guto LAK’DOS, renomado pichador de São Paulo, o qual
reitera o debate entre arte e moralidade. Neste direcionamento, trata-se de arte contemporânea
que nega qualquer tipo de imposição social sobre ela, uma arte original e autônoma, um
terrorismo poético que incomoda, que se contenta em ser marginalizada nesse mundo
mercadológico e estético em que vivemos.
Pixação: a arte por cima do muro é uma contribuição significativa, tanto do movimento
artístico (PIXO), quanto da manifestação social, que em geral, são oriundas das margens das
cidades brasileiras. As abordagens deste tema no Ensino da História podem-se realizar sem
problemas no que diz respeito à valorização desta expressão artística, bem como de suas
implicações éticas e estéticas. Em relação à Educação Patrimonial não podemos simplesmente
incitar crianças ou adolescentes a suplantar as normas vigentes. Neste caso, a ação
interdisciplinar (História e Educação artística) pode ter bons resultados. Especialmente quando
este tipo de arte organizada em espaços específicos, destinados a este tipo de experiência
sensível, pode ser compreendida e valorizada.
Sanches & Kobelinski. Revista Ensino & Pesquisa, v.15, n.1, (2017), 249-255.
255
Referências
PIZA, S. Da (im)possibilidade da ética, da política e da liberdade na modernidade. In:
PANSARELLI, D. Curso (in)completo de Filosofia. São Bernardo do Campo: Universidade
Metodista de São Paulo, 2010, p. 101-110.
LASSALA, G. Pichação não é pixação: uma introdução à análise de expressões gráficas
urbanas. São Paulo: Altamira, 2010.
NASCIMENTO, L. H. P. do. Pixação, a arte por cima do muro. Cachoeira do Sul: Monstro
dos Mares, 2015.
________. Pixação, a arte por cima do muro. Trabalho de Conclusão do Curso de Filosofia,
Faculdade de Humanidades e Direito da Universidade Metodista de São Paulo, campus de
Campinas. Campinas: Universidade Metodista de São Paulo, 2012.