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Rever ou romper com Vestfália? Por uma releitura da efetiva contribuição dos Acordos de Paz de 1648 à construçã do modelo vestfaliano de Estados

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Abstract

Este artigo tem por objetivo desconstruir as narrativas-padrão sobre o significado histórico dos tratados que puseram fim à Guerra dos Trinta Anos (os tratados de Vestfália) chamando à atenção para a dimensão simbólica que foi construída tanto no processo de consolidação da noção de soberania, quanto em face do entusiasmo com que a Carta da ONU de 1948 foi recebida por estudiosos da teoria das relações internacionais. Para tanto, empreendeu-se um duplo esforço de sistematização das referências bibliográficas levantadas, de um lado, de consolidar as narrativas que constituem o discurso padrão em torno do significado e do alcance dos tratados de Vestfália para a afirmação do sistema de estados; de outro, de reunir análises voltadas à desconstrução destas narrativas comuns, tendo por referência três dimensões específicas, o contexto histório, os aspectos supostamente inovadores das disposições convencionais e o papel desempenhado para a consolidação do sistema de Estados. Apesar de ser possível afirmar que os tratados de Paz de 1648 não são compatíveis com o que se conhece por “sistema vestfaliano”, reconhece-se que a alusão aos mesmos se reveste de inegável força simbólica. O aspecto realmente diferenciado dos referidos acordos não decorre tanto de sua feitção internacional, mas sobretudo dos arranjos institucionais que a marcam a constituição do Império Sacro Romano. Isto posto, desconstruir Vestfáilia importa em empreender um convite que se revisite Vestfália, sobretudo em face do impacto que os Tratados tiveram para a consolidação de um sistema multinivelado de autoridades no interior do império e de suas conexões internacionais.
Rever ou romper com Vestfália?
por uma releitura da efetiva
contribuição dos acordos de paz
de 1648 à construçào do modelo
vestfaliano de Estados
Review or ou breaking with
Westphalia? for a review on the
contribution of the 1648’s peace
agreements on the construction of
the westphalian model os States
Luiz Magno Pinto Bastos Junior
Sumário
ExEcutivE Summary .......................................................................................................... 2
Daniel Balaban
crônicaS SobrE o DirEito alimEntar E o combatE à FomE ............................................ 5
South-South FooD anD nutrition SEcurity promotion: thE brazilian ExpEriEncE
multipliED ......................................................................................................................... 7
João Almino
accESS to FooD aS a human right: brazil, WFp anD South-South coopEration ......10
Carlos R. S. Milani
DoSSiê tEmático: DirEito alimEntar E combatE à FomE ...............................................13
WFp’S rolE in builDing SuStainablE briDgES bEtWEEn thE right to aDEquatE FooD anD
thE FrEEDom From hungEr ..............................................................................................15
Christiani Amaral Buani e Bruno Valim Magalhães
DirEito humano à alimEntação, (in) SEgurança alimEntar E DESEnvolvimEnto: oS DESa-
FioS à rEalização progrESSiva na américa latina ...........................................................21
Sinara Camera e Rubia Wegner
StatE´S intErnational rESponSibility For thE human right to FooD:
implEmEntation in brazil through agroEcology ..........................................................36
Paula F. Strakos e Michelle B.B. Sanches
nEgotiating agriculturE in thE WorlD traDE organization: FooD
SEcurity aS a non-traDE concErn ....................................................................................55
Ana Luísa Soares Peres e Letícia de Souza Daibert
quanDo habitar corrESponDE ao DirEito humano à alimEntação .................................69
Fernanda Viegas Reichardt e Maria Elisa de Paula Eduardo Garavello
thE rolE oF SuStainablE lEarning policiES on thE Fight againSt
hungEr in aDult EDucation .............................................................................................81
Hiran Catuninho Azevedo
o DirEito humano E FunDamEntal à alimEntação aDEquaDa E à conDição
FEminina no programa bolSa Família: EmpoDEramEnto àS avESSaS? ...............................99
Rosalice Fidalgo Pinheiro e Laura Garbini Both
FooD SEcurity in inDia .................................................................................................. 114
Ranjana Ferrão
SEgurança alimEntar E a govErnança Econômica global ...........................................126
Danielle Mendes Thame Denny, Douglas de Castro, Alexandre Ricardo Machado, José Valverde Machado Filho e
Gabrielle Fontes Witt
outroS artigoS ..............................................................................................................142
thE lEgal implicationS oF thE DraFt univErSal DEclaration oF thE rightS oF
mankinD ........................................................................................................................ 144
Catherine Le Bris
litigating inDigEnouS DiSpoSSESSion in thE global Economy:
laWS promiSES anD pitFallS .......................................................................................... 165
Charis Kamphuis
unE DéFinition Du pré-invEStiSSEmEnt conFormE à lapprochE FrançaiS
maiS contrairE à lapprochE américainE au SEin DES traitéS bilatéraux
DinvEStiSSEmEntS iraniEnS ............................................................................................226
Peyman Dadras
conFlitoS EntrE rEgulaçõES intErnaS rElativaS à intErnEt E o DirEito Do comércio
intErnacional: o papEl Da omc pErantE o SiStEma DE computação Da nuvEm ............238
Alice Rocha da Silva e Filipe Rocha Martins Soares
prélèvEmEnt: origEm, Evolução E ocaSo Do privilégio naS SucESSõES
intErnacionaiS na França .............................................................................................249
Fernando Pedro Meinero
oS contratoS intErnacionaiS DE FinanciamEnto E o cEntro FinancEiro DE
nova iorquE: conSiDEraçõES SobrE a autonomia Da vontaDE ......................................265
Fernanda Torres Volpon
mErcoSul E o mEio ambiEntE: análiSE Da tutEla rEgional ambiEntal .........................284
Clarissa Ferreira Macedo D’Isep
ainDa (E uma vEz maiS) o Silêncio quE Entoa o triunFo DE lEWiS carrol:
a rEgra nº 42 Do SuprEmo tribunal FEDEral ...............................................................295
Thiago Aguiar Pádua e Bruno Amaral Machado
a naturEza JuríDica Do SiStEma DE Solução DE controvérSiaS Da omc
E DE SuaS DEciSõES: SolucionanDo um imbróglio ......................................................... 316
Camila Capucio
bricS: DESaFioS Do DESEnvolvimEnto Econômico E SocioambiEntal .............................342
Magno Federici Gomes e Luís Eduardo Gomes Silva
rEvEr ou rompEr com vEStFália? por uma rElEitura Da EFEtiva contribuição
DoS acorDoS DE paz DE 1648 à conStruçào Do moDElo vEStFaliano DE EStaDoS ............358
Luiz Magno Pinto Bastos Junior
JuStiça DE tranSição Em Sua gênESE: a alEmanha póS-naziSmo .....................................378
Bruno Galindo
quanDo Julgar SE torna um ESpEtáculo: a intEração EntrE o SuprEmo
tribunal FEDEral E a opinião pública, a partir DE rEFlExõES Da
litEratura EStrangEira ................................................................................................403
Patrícia Perrone Campos Mello
tolErância E rEFugio: um EnSaio a partir Do acorDo Eu-turquia .............................425
Flávia Cristina Piovesan e Ana Carolina Lopes Olsen
doi: 10.5102/rdi.v14i1.4397 Rever ou romper com Vestfália? por uma
releitura da efetiva contribuição dos acordos
de paz de 1648 à construçào do modelo
vestfaliano de Estados*
Review or ou breaking with Westphalia?
for a review on the contribution of the 1648’s
peace agreements on the construction of the
westphalian model os States
Luiz Magno Pinto Bastos Junior**
Resumo
Este artigo tem por objetivo desconstruir as narrativas-padrão sobre
o signicado histórico dos tratados que puseram m à Guerra dos Trinta
Anos (os tratados de Vestfália) chamando à atenção para a dimensão sim-
bólica que foi construída tanto no processo de consolidação da noção de
soberania, quanto em face do entusiasmo com que a Carta da ONU de 1948
foi recebida por estudiosos da teoria das relações internacionais. Para tanto,
empreendeu-se um duplo esforço de sistematização das referências biblio-
grácas levantadas, de um lado, de consolidar as narrativas que constituem
o discurso padrão em torno do signicado e do alcance dos tratados de
Vestfália para a armação do sistema de estados; de outro, de reunir análi-
ses voltadas à desconstrução destas narrativas comuns, tendo por referência
três dimensões especícas, o contexto histório, os aspectos supostamente
inovadores das disposições convencionais e o papel desempenhado para a
consolidação do sistema de Estados. Apesar de ser possível armar que os
tratados de Paz de 1648 não são compatíveis com o que se conhece por
“sistema vestfaliano”, reconhece-se que a alusão aos mesmos se reveste de
inegável força simbólica. O aspecto realmente diferenciado dos referidos
acordos não decorre tanto de sua feitção internacional, mas sobretudo dos
arranjos institucionais que a marcam a constituição do Império Sacro Roma-
no. Isto posto, desconstruir Vestfáilia importa em empreender um convite
que se revisite Vestfália, sobretudo em face do impacto que os Tratados
tiveram para a consolidação de um sistema multinivelado de autoridades no
interior do império e de suas conexões internacionais.
Palavras-chave: Guerra dos Trinta Anos. Tratados de Vestfália. Sistema de
Estados. Desconstrução.
AbstRAct
This article aims to contribute to the desconstruction of the standard-
-narratives about the historical meaning of the treaties that ended the Thirty
* Recebido em 14/11/2016
Aprovado em 02/01/2017
** Pós-Doutor pelo Centro de Direitos Hu-
manos e Pluralismo Jurídico da Universidade
McGill (Montreal, Canadá). Doutor e Mestre
em Direito pela Universidade Federal de Santa
Catarina (UFSC). Graduado em Direito pela
Universidade Federal do Pará (UFPA). Profes-
sor do Programa de Mestrado e Doutorado em
Ciência Jurídica da Universidade do Vale do
Itajaí (UNIVALI) e das disciplinas de Direito
Constitucional, Direito Eleitoral e Direitos Hu-
manos no curso de Graduação em Direito. É
advogado militante nas áreas de direito eleito-
ral e direito administrativo (Sócio do Escritório
Menezes Niebhur Advogados Associados).
É membro fundador da Academia Brasileira
de Direito Eleitoral e Político (ABRADEP)
e Academia Catarinense de Direito Eleitoral
(ACADE). Coordenador do Observatório do
Sistema Interamericano de Direitos Humanos
(UNIVALI). E-mail: lmagno@univali.br
JUNIOR, Luiz Magno Pinto Bastos. Rever ou romper com Vestfália? por uma releitura da efetiva contribuição dos acordos de paz de 1648 à construçào do modelo vestfaliano de Estados. Revista de
Direito Internacional, Brasília, v. 14, n. 1, 2017 p. 357-376
359
Years War (Peace Agreements of Westphalia) drawing
attention to the symbolic dimension that had been built
both during the consolidation process of the concept
of sovereignty as because of the inuence of those
international relations scholars that celebrated the pro-
mulgation of the the UN Charter of 1948. Therefore,
it has undertook a dual effort to systematize the refe-
rences raised on the one hand, to consolidate the nar-
ratives that constitute the standard narratives about the
meaning and scope of the Westphalia treaties for the
afrmation of the international system of states; the
other, to gather analysis focused on deconstructing the-
se common narratives, with reference to three specic
dimensions: the historiographical context, the suppose-
dly innovative aspects of peace agreements and the role
on the consolidation of system of states. Although it
is possible to assert that the peace treaties of 1648 are
not compatible with what is known as the “Westphalian
system”, it is recognized that the reference to them is of
undeniable symbolic nature. What emerges as really di-
fferentiated from those agreements derives not so much
from its international dimension, but especially the ins-
titutional arrangements that build the constitution of
the Holy Roman Empire. That said, deconstructing
Westphalia invites to revisit Westphalia, particularly in
view of the impact that the treaties had on the conso-
lidation of a multi-leveled system of authorities within
the empire and its international connections.
Key-wors: Thirty Years War. Westphalia Treaties (1648).
International system of states. Deconstruction.
1. IntRodução
Os Tratados de Paz de Vestfália (1648) foram r-
mados com o escopo deliberado de porem termo à
sangrenta Guerra dos Trinta Anos1. Este conito gu-
ra na lista dos maiores conitos mundiais, responsável
pela morte de pelo menos 8 milhões de pessoas em
uma época em que o continente europeu não contava
1 Nem todas as tensões beligerantes foram nalizadas em 1648. A
guerra entre França e Espanha terminou, em 1659, com a Paz dos
Pirineus. A guerra entre Suécia e Polônia, em 1660, com a Paz de
Olivia. A guerra entre Suécia e Dinamarca, em 1660, com a Paz de
Copenhagen BEAULAC, Stéphane. The Westphalian legal ortho-
doxy: mith or reality? The Journal of the History of International Law, v.
2, n. 2, 148-177, 2000. p. 161.
sequer com 100 milhões de habitantes2, sendo usual-
mente reconhecido como o primeiro conito europeu
de grandes proporções por ter envolvido a maioria das
potências do continente europeu3. A tradição român-
tica alemã associa o potencial destrutivo da guerra e o
intrincado arranjo institucional constituído a partir dos
Tratados, como as razões justicadoras do “atraso” na
consolidação do Estado alemão4.
Estes tratados são comumente considerados como
marcos constitutivos do moderno sistema de Estados.
Esta associação é tão estreita que é frequente a men-
ção à existência de uma ordem vestfaliana pautada pela
tríade Estado-soberania-território. O reforço da ideia de
que o Sistema de Estados nasce em Vestfália, inclusi-
ve, se dá em face das narrativas frequentes à existência
de modelos pós-vestfalianos que colocam em xeque a
noção de soberania consolidada no século XIX. O ima-
ginário político evocado por Vestfália exige, pois, que
se explorem seus múltiplos signicados e as noções de
soberania e de fronteiras por este modelo veiculadas.
Este artigo tem por objetivo desconstruir as narra-
tivas-padrão sobre o signicado histórico dos tratados
que puseram m à Guerra dos Trinta Anos (os tratados
de Vestfália) chamando à atenção para a dimensão sim-
bólica que foi construída tanto no processo de consoli-
dação da noção de soberania, quanto em face do entu-
siasmo com que a Carta da ONU de 1948 foi recebida
por estudiosos da teoria das relações internacionais.
Para tanto, empreendeu-se um duplo esforço de sis-
tematização das referências bibliográcas levantadas, de
um lado, em consolidar as narrativas que constituem o
discurso padrão em torno do signicado e do alcance
dos tratados de Vestfália para a armação do sistema
de estados; de outro, de reunir análises voltadas à des-
construção destas narrativas comuns, tendo por refe-
rência três dimensões especícas, o contexto histório,
os aspectos supostamente inovadores das disposições
2 WILSON, Peter. The causes of Thirty Years War. The English
Historical Review, Oxford Journals, v. 123, n. 502, p. 554-586, 2008.
p. 554.
3 Cf. GROSS, Leo. The Peace of Westphalia, 1648-1948. American
Journal of International Law, American Society of International Law,
v. 42, n. 1, p. 20-41, Jan. 1948.
4 Cf. LESAFFER, Randall. The Westphalia peace treaties and the
development of the tradition of great European peace treaties prior
to 1648. Grotiana: a journal under the auspices of the Foundation Grotiana,
v. 18, p. 71-95, 1997; OSIANDER, Andreas. Sovereignty, interna-
tional relations, and the Westphalian myth. International Organization,
Cambridge Journals, v. 2, n. 55, p. 251-287, Spring 2001.
JUNIOR, Luiz Magno Pinto Bastos. Rever ou romper com Vestfália? por uma releitura da efetiva contribuição dos acordos de paz de 1648 à construçào do modelo vestfaliano de Estados. Revista de
Direito Internacional, Brasília, v. 14, n. 1, 2017 p. 357-376
360
convencionais e o papel desempenhado para a conso-
lidação do sistema de Estados. Estas três perspectivas
são abordadas em cada uma das seções que se sucedem.
2. (Re)leItuRAs sobRe A nAtuReZA e o
sIGnIFIcAdo dA GueRRA dos tRIntA Anos
Nesta seção, pretende-se reproduzir a crítica em
torno da existência de uma narrativa-padrão acerca do
signicado da Guerra dos Trinta anos e do seu papel
tradicionalmente associado à origem do sistema de Es-
tados. Esta narrativa-padrão reforça a função simbólica
atribuída aos tratados de Vestfália e, por conseguinte, a
suposta ordem internacional de estados soberanos dele
emergente.
De acordo com Peter Wilson, apesar de existirem
múltiplas leituras sobre a sucessão de eventos associa-
dos à Guerra dos Trinta anos (seus antecedentes ime-
diatos e seu desfecho com a celebração dos Tratados de
Paz de 1648), elas não sucitam abordagens alternativas à
visão compartilhada, integrando aquilo que ele denomi-
na como interpretação-padrão5.
De acordo com o mainstream, a Guerra dos Trinta
Anos é descrita como conito que tem início na revolta
dos protestantes Boêmios contra os católicos da Casa
de Habsburgo, levada a efeito em 1618, através do in-
cidente que se convencionou chamar de Defenestração
de Praga6. Trata-se de um conito de origem religio-
sa e, essencialmente interno à Alemanha, que teria se
espalhado em círculos concêntricos por vasta região
da Europa Central. Este processo de espraiamento do
conito, em um primeiro momento, teria sido resultado
da existência de ligações entre as forças envolvidas na
5 Para o autor, esta interpretação-padrão funciona como um refú-
gio conveniente quando os historiadores iniciam o processo de se-
leção do material de pesquisa. WILSON, Peter. The causes of Thirty
Years War. The English Historical Review, Oxford Journals, v. 123, n.
502, p. 554-586, 2008. p. 555
6 Considerada por muitos o incidente que desencadeou a sequên-
cia de hostilidades que mais tarde passou a ser considerada como
Guerra dos Trinta Anos. De acordo com Stephan Beaulac, o inci-
dente pode ser descrito sinteticamente nos seguintes termos “On 23
May 1618, a group of Protestants in Prague invaded the Imperial
palace and threw two Catholic members of the Bohemian Council
out a window, some 70 feet above the ground. The rarely told aspect
of the story, however, is that the ofcials fell into a pile of manure
and suffered only minor injuries!” Cf. BEAULAC, Stéphane. The
Westphalian legal orthodoxy: mith or reality? The Journal of the History
of International Law, v. 2, n. 2, 148-177, 2000. p. 160
revolta e diferentes potências católicas e protestantes
(príncipes alemães e reinos “estrangeiros”) e, em um
momento subsequente, teria sido provocado pela inter-
venção direta das potências europeias de então, preo-
cupadas tanto em impedir que tais conitos religiosos
se propagassem em seus próprios domínios, quanto em
ampliar e consolidar seus interesses econômicos e polí-
ticos sobre a região7.
A cronologia da Guerra é comumente descrita atra-
vés de fases sucessivas, cada qual começando com a
entrada na guerra de uma potência beligerante: na pri-
meira fase, a Boêmia (1618-1620), o conito se restringe
ao conito entre o Imperador e os revoltosos nas diver-
sas províncias sob o domínio dos Habsburgos e seus
respectivos aliados alemães; na segunda fase, a Palatina
(1620-1624), não obstante o conito ainda se restringir
ao interior do Império, ganhou proporções geográcas
maiores já que se espalhou para o oeste e para o sul e
contou com a entrada das forças espanholas que, como
representantes da Casa de Habsburgo, vieram em seu
auxílio; as fases seguintes representam a intervenção di-
reta de potências estrangeiras, amplicando o alcance
do conito e o seu potencial destrutivo, seriam as fa-
ses Dinamarquesa (1625-1629), a Sueca (1630-1634) e a
Francesa (1635-1648).
Se por um lado, esta tentativa de periodização-pa-
drão “facilitaria” uma espécie de ordenação sistemática
dos fatos, por outro, deixaria de conferir acento à intri-
cada correlação de forças, interesses e padrões de justi-
cação em jogo, tanto no plano “interno” ao “império”,
quanto em relação às repercussões externas decorrentes
das interconexões dinásticas. Portanto, na visão do au-
tor, qualquer tentativa de reduzir o conito e suas re-
percussões a explicações monocausais representa uma
simplicação arbitrária, incapaz de lançar luzes acerca
das principais questões políticas em jogo.
Apesar de existir um signicativo desacordo sobre
as origens desta Guerra e, por conseguinte, em torno de
seu impacto e seus signicados possíveis, Peter Wilson
relata a existência de duas principais espécies de nar-
rativas concorrentes sobre as origens e sua natureza: a
primeira, que enfatiza as ações humanas mediante a iden-
ticação de evidências empíricas que retratam as moti-
vações e as justicativas declaradas daqueles envolvidos
7 Cf. OSIANDER, Andreas. Sovereignty, international relations,
and the Westphalian myth. International Organization, Cambridge
Journals, v. 2, n. 55, p. 251-287, Spring 2001
JUNIOR, Luiz Magno Pinto Bastos. Rever ou romper com Vestfália? por uma releitura da efetiva contribuição dos acordos de paz de 1648 à construçào do modelo vestfaliano de Estados. Revista de
Direito Internacional, Brasília, v. 14, n. 1, 2017 p. 357-376
361
na guerra; a segunda, que se constrói a partir de explana-
ções estruturais que assinalam um longo processo de
mudanças latentes que culminaram na deagração do
conito. Estas perspectivas serão sumarizadas a seguir.
Em relação ao primeiro conjunto, as narrativas comu-
mente são constituídas a partir de evidências empíricas
que privilegiam a identicação das rivalidades inter-esta-
tais8, das motivações dos atores envolvidos no conito9
e, sobretudo, das motivações políticas de cunho ideoló-
gico e teológico10. Esta guerra, emblemática pelas suas
dimensões, teria possibilitado a consolidação das con-
dições institucionais que resultaram no despontamen-
to, como situação política fática11, dos Estados como
ordens políticas coletivas12.
8 É comum referir-se à guerra como um conito entre “dinas-
tias rivais” pelo domínio do continente europeu FRANCA FILHO,
Marcílio Toscano. O paradigma vestefealiano e o estado contem-
porâneo: o que 1648 tem ainda a dizer em 2008? In: NOVELINO,
M; ALMEIDA FILHO, A. (Org.). Leituras complementares de direito con-
stitucional: teoria do Estado. Salvador: Juspodivm, 2009. p. 69-93., p.
75, em especial contra uma pretensão supostamente expansionista
da Casa de Habsburgo OSIANDER, Andreas. Sovereignty, interna-
tional relations, and the Westphalian myth. International Organization,
Cambridge Journals, v. 2, n. 55, p. 251-287, Spring 2001.
9 Stéphane Beaulac defende que as potências estrangeiras intervi-
eram no conito com a nalidade de tutelarem seus próprios inter-
esses expansionistas BEAULAC, Stéphane. The Westphalian model
in dening international law: challenging the myth. Australian Journal
of Legal History, v. 8, n. 2, p. 181-213, 2004. Andreas Osiander de-
fende que o papel “libertador” da intervenção sueca e francesa em
favor dos príncipes alemães protestantes, se coaduna com o discurso
de legitimação da propaganda francesa e foi enfatizado por conta
daquilo que ele chama de uma “ideologia da soberania” OSIAN-
DER, Andreas. Sovereignty, international relations, and the West-
phalian myth. International Organization, Cambridge Journals, v. 2, n.
55, p. 251-287, Spring 2001.
10 Leo Gross ressalta a Guerra dos Trinta Anos e os Tratados de
Vestfália como período decisivo em que se consolida o processo de
desteologização (laicização) do fundamento de autoridade temporal.
GROSS, Leo. The Peace of Westphalia, 1648-1948. American Journal
of International Law, American Society of International Law, v. 42, n.
1, p. 20-41, Jan. 1948
11 Cf. MORGENTHAU, Hans J. The problem of sovereignty re-
considered. Columbia Law Review, New York, v. 48, p. 341-365, 1948.
p. 341.
12 Este padrão de agregação do poder social, segundo John Rug-
gie, tem nas guerras levadas a efeito no território europeu (do século
XVII e XVIII), seus principais vetores de transformação. Para o au-
tor, a Guerra dos Trinta Anos representa o apogeu das chamadas
guerras constitutivas, no curso da qual foram forjados diferentes
processos de organização do poder social. O autor sustenta que a
agregação de poder social constitui-se através de três níveis: estrutu-
ra social doméstica, formação do território e formação de identi-
dades coletivas territoriais. Ao referir-se às guerras ocorridas neste
período, sustenta que elas evidenciam uma espécie de desenvolvi-
mento e consolidação do princípio da legitimidade internacional. Cf.
RUGGIE, John Gerard. Territoriality and beyond: problematizing
Neste sentido, são comuns as narrativas que se refe-
rem à Guerra como um conito de feição nitidamente
internacional entre potências europeias, tendo como
leitmotiv a intolerância religiosa e a crise do fundamento
universal da autoridade. Representariam o ponto culmi-
nante da tensão crescente entre o universalismo cristão
e o localismo das diferentes formas de expressão polí-
tica. Esta tensão forja grande parte das narrativas para
justicar as dimensões da guerra, o que, de acordo com
a leitura crítica de Andreas Osiander, parece reduzir o
embate a uma oposição entre forças universalistas e par-
ticularistas:
[d]e um lado, estavam os atores universalistas: o
Imperador e o Rei Espanhol, ambos membros da
dinastia de Habsburgos. Fiéis à Igreja de Roma, eles
reivindicavam seu direito, e o do Papa, de controlar
a cristandade em sua totalidade. Seus oponentes
eram os atores particularistas, especialmente a
Dinamarca, os Países Baixos, a França e a Suécia,
assim como os príncipes alemães. Estes atores
rejeitavam a supremacia imperial e (em grande
parte) a autoridade do Papa, defendendo ao invés,
o direito de todos os estados à independência
completa (soberania).13 14
Em relação ao segundo conjunto de narrativas, não
raro são encontradas referências quanto à inevitabildade
do conito15. Tais narrativas envolvem diferentes análi-
modernity in international relations. International organization, Cam-
bridge Journals, v. 47, n. 1, p. 139-174, Winter, 1993. p. 162-165.
13 Tradução livre do autor do seguinte trecho: “On one side
were the ‘univeralist’ actors: the emperor and the Spanish king, both
members of the Habsburg dynasty. Loyal to the Church of Rome,
they asserted their right, and that of the Pope, to control Christen-
dom in it is entirety. Their opponents were the “particularist” actors,
specically Denmark, the Dutch Republic, France, and Sweden, as
well as the German princes. These actors rejected imperial overlord-
ship and (for the most part) the authority of the Pope, upholding
instead the right of all states to full independence (“sovereignty”)”.
OSIANDER, Andreas. Sovereignty, international relations, and the
Westphalian myth. International Organization, Cambridge Journals, v.
2, n. 55, p. 251-287, Spring 2001. p. 252
14 Reproduzindo quase literalmente este discurso, pode-se tran-
screver a lição de Adam Watson que em obra considerada uma
referência no estudo das relações internacionais refere-se a Vestfália
como uma comunidade de estados anti-hegemônica, assinalando,
textualmente: “The European society of states evolved out of the
struggle between the forces tending towards a hegemonial order
and those which succeeded in pushing the new Europe towards the
independences end of our spectrum. The decisive feature of this
process was the general settlement negotiated in Westphalia in the
middle of the century after the exhausting Thirty Years War. The
Westphalian settlement was the charter of a Europe permanently
organized on an anti-hegemonial principle”. WATSON, Adam. The
evolution of international society. London: Routledge, 1992. p.182
15 Peter Wilson identica inúmeras abordagens que defendem a
inevitabilidade do conito, tanto a partir de uma perspectiva da escola
JUNIOR, Luiz Magno Pinto Bastos. Rever ou romper com Vestfália? por uma releitura da efetiva contribuição dos acordos de paz de 1648 à construçào do modelo vestfaliano de Estados. Revista de
Direito Internacional, Brasília, v. 14, n. 1, 2017 p. 357-376
362
ses que fazem transparecer: uma tensão crescente entre
forças políticas antagônicas sobre a autoridade (auto-
ridades estas progressivamente estruturadas em bases
territoriais); o fracionamento de “uma ordem política
medieval” constituída sobre o pressuposto de existência
de uma “comunidade normativa de cristãos” reprodu-
zida mediante discursos de legitimação relativamente
consistentes16; e, em especial, o acirramento da into-
lerância religiosa e os conitos internos suscitados em
face da consagração, na Paz de Augsburgo (em 1555),
do princípio cujus regio, eius religio. As tensões internas
colocavam em xeque a ideia de que o medievo vivia sob
os auspícios de uma comunidade cristã (Christian com-
monwealth), de um mundo harmoniosamente organizado
e governado, no planos espiritual e temporal, pelo Papa
e pelo Imperador17.
Ademais, o que parece ser a crítica mais contundente
do autor, inúmeras das narrativas e perspectivas teóri-
cas que constituem (e reforçam) as narrativas-padrão
padecem de inconsistências, incompletudes e carência
de evidências empíricas. Tais “explicações históricas”
prestam-se mais a justicar (reproduzir) determinadas
premissas pressupostas, do que a submeter o conheci-
mento produzido à prova (à falseabilidade).
O problema de adotar esta narrativa-padrão, sem
questionar-lhe os fundamentos empíricos, como faz
do direito internacional (que veem na Guerra dos Trinta Anos uma
continuidade das tensões anteriormente instauradas entre as potên-
cias europeias), quanto a partir da escola alemã que via o acirra-
mento da intolerância religiosa no interior do Império, em especial, a
partir da Paz de Augsburgo de 1555, como uma “panela de pressão”
prestes a explodir. Todavia, o autor opõe-se a esta inevitabilidade,
aduzindo que (i) as diferentes abordagens carecem de abordagem
metodológica suciente ao pressuporem que as tensões religiosas
seriam sucientes para o estopim da guerra e para as suas propor-
ções; (ii) trata-se de uma narrativa conveniente, pois enfeixa cada um
problema a partir de um feixe de eventos causalmente articulados,
reconstruindo os eventos como uma espécie de retrospectiva WIL-
SON, Peter. The causes of Thirty Years War. The English Historical
Review, Oxford Journals, v. 123, n. 502, p. 554-586, 2008. p. 556-561.
16 Em que pese a multiplicidade de formas de organizações políti-
cas locais, era possível reconhecer a existência de uma unidade rela-
tivamente consistente (em torno das ideias de Respublica Christiana e
cristandade) dos discursos de legitimação, veiculada (e reproduzida)
através de instituições como o Papado e o Sacro Império Romano
LAFER, Celso. Os dilemas da soberania. In: ______. Paradoxos e
possibilidades: estudos sobre a ordem mundial e sobre a política exte-
rior do Brasil num Sistema Internacional em Transformação. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 1982.
17 Cf. GROSS, Leo. The Peace of Westphalia, 1648-1948. Ameri-
can Journal of International Law, American Society of International
Law, v. 42, n. 1, p. 20-41, Jan. 1948. p. 28.
Franca Filho18, consiste na reprodução de um discurso
sobre a história, forjado pelo romantismo alemão do -
culo XIX, que deixa de lado uma série de contingências
e circunstâncias úteis à compreensão das transforma-
ções porque passava a Alemanha e as relações de poder
ao nal do medievo.
Como resultado desta desconança metodológica, é
possível colocar em xeque a visão triunfalista do Esta-
do (na sua feição embrionariamente moderna) sobre o
universalismo obscurantista do medievo e, mais ainda,
o papel efetivamente desempenhado pelos Tratados de
Vestfália, para a consolidação do direito internacional
em sua feição moderna e para a própria construção da
ordem “vestfaliana” de estados, como se verá nas pró-
ximas seções.
3. QuAl o sIGnIFIcAdo dos AcoRdos de pAZ de
VestFálIA?
A Paz de Vestfália foi composta por dois acordos
distintos, ambos rmados em 24.10.1648, tendo como
uma das partes signatárias o Sacro Império Romano: o
primeiro deles, o Tratado de Osnabrück, concluído com
o Reino (protestante) da Suécia, e o segundo deles, o
Tratado de Münster, rmado com o Reino (católico) da
França. Tais documentos foram redigidos após longo
processo de negociação que contou com a presença de
representantes de outros Reinos e de mais de trezentos
principados e Stände (corpos políticos autônomos ou
quase-autônomos) do próprio Império19.
O processo de negociação destes acordos reuniu os
principais governantes e plenipotenciários europeus da
época. O ponto de destaque deste processo residia na
própria forma com que os delegados se apresentavam.
Esses delegados referiam-se a si mesmos como o “Se-
nado do mundo cristão”20, em clara referência à pre-
18 Cf. FRANCA FILHO, Marcílio Toscano. Westphalia: a para-
digm? A dialogue between Law, art and philosophy os science. The
German Law Journal, v. 8, n. 10, p. 955-976, 2007
19 De acordo com Stéphane Beaulac, a insistência por parte da
França e da Suécia da presença nas negociações de paz dos príncipes
alemães representava uma estratégia deliberada daquelas potências
de enfraquecerem a posição do Imperador vis-à-vis os Príncipes.
BEAULAC, Stéphane. The Westphalian model in dening interna-
tional law: challenging the myth. Australian Journal of Legal History, v.
8, n. 2, p. 181-213, 2004. p. 199.
20 Cf. PHILPOTT, Daniel. Revolutions in sovereignty: how ideas
shapped modern international relations. Princenton: Princenton
JUNIOR, Luiz Magno Pinto Bastos. Rever ou romper com Vestfália? por uma releitura da efetiva contribuição dos acordos de paz de 1648 à construçào do modelo vestfaliano de Estados. Revista de
Direito Internacional, Brasília, v. 14, n. 1, 2017 p. 357-376
363
sunção de uma “respublica christiana” (ou cristandade),
capaz de integra-los a uma única comunidade. Contudo,
ao longo do processo de negociação, os contendores
não se posicionavam como membros dessa comunida-
de universal, senão como representantes de unidades
políticas particulares21.
Indubitavelmente, tais acordos revestem-se de sig-
nicativa importância histórica, tanto pela dimensão
das potências e interesses envolvidos, quanto pelas suas
consequências na organização institucional do Império
e na relativa estabilidade territorial das fronteiras neles
denidas. Isso não está em jogo.
O que se pretende trazer à tona neste artigo, no en-
tanto, é a inconsistência dos discursos que vêm nestes
tratados a consagração da ideia de soberaia e da natu-
reza plenipotenciária dos signatários. Muito pelo con-
trário, estes tratados não apresentam cláusulas subs-
tancialmente novas em relação aos acordos bilaterais
interdinásticos do período. Sua relevância decorre da
natureza dúplice22 de que os mesmos se revestiram, a
um só tempo, constituíam-se como típicos acordos de
paz da época (bilaterais23, portanto) celebrados entre
forças beligerantes24 e como leis internas ao Império
University Press, 2001. p. 82
21 Cf. ESTEVES, Paulo. Para uma genealogia do Estado territo-
rial soberano. Revista de Sociologia e Política, Curitiba, n. 27, p. 15-32,
nov. 2006. p 23
22 “Before and during the congress there had been a lot of discus-
sion between the Emperor on one side and France and the imperial
Stände on the other side. The emperor claimed that he alone could and
should represent the whole of the Empire. The Stände, supported by
France, claimed that their participation and approval was necessary.
The result was a compromise. The preamble and the nal clauses
concerning signatures stated that the Stände participated alongside
the emperor in the making of the agreement. This did not necessar-
ily indicate that the emperor could not bind the Empire by himself,
though naturally in the future he would have to reckon with art. 8, par
1 IPO. […] The Emperor could thus claim that the participation in
the negotiations and nal approval of his subjects was solely due to
the constitutional character of the agreement”. LESAFFER, Randall.
The Westphalia peace treaties and the development of the tradition of
great European peace treaties prior to 1648. Grotiana: a journal under the
auspices of the Foundation Grotiana, v. 18, p. 71-95, 1997. p. 77.
23 Portanto, não se pode falar em um prenúncio de tratados mul-
tilaterais como parece fazer crer algumas leituras que reforçam o
caráter constitutivo destes tratados para a consolidação de um sis-
tema de Estados, como tendo estabelecido as bases daquilo que se
convenciona chamar de Constitutio Westphalica FRANCA FILHO,
Marcílio Toscano. O paradigma vestefealiano e o estado contem-
porâneo: o que 1648 tem ainda a dizer em 2008? In: NOVELINO,
M; ALMEIDA FILHO, A. (Org.). Leituras complementares de direito
constitucional: teoria do Estado. Salvador: Juspodivm, 2009. p. 69-93
24 BEAULAC, Stéphane. The Westphalian model in dening in-
ternational law: challenging the myth. Australian Journal of Legal His-
que estabeleciam importantes garantias institucionais
que pretendiam acomodar a tensão entre as unidades
políticas com forte coloração de intolerância religiosa25.
Nesta seção, pretende-se reproduzir as críticas a lei-
turas recorrentes que atribuem a determinadas cláusulas
destes acordos características dos tratados internacio-
nais contemporâneos e da armação da noção de sobe-
rania a partir de suas cláusulas26. Defende-se aqui que o
aspecto mais relevante destes acordos de paz consiste
no arranjo institucional que eles produzem no seio do
Sacro Império e o pacto de compromisso que resultou
na xação de parâmetros para tolerância religiosa27.
3.1. Reexão crítica sobre o caráter
juridicamente inovador dos acordos de paz para
o direito internacional contemporâneo
Os acordos de Paz de Vestfália revestem-se de alto grau
de complexidade uma vez que encerram dispositivos sobre
diversas questões e são recheados de fórmulas típicas dos
acordos de paz da época que, lidas hodiernamente, di-
cultam a compreensão de sua dimensão e da natureza das
obrigações por tais documentos veiculados28. Esta multi-
plicidade de elementos concorre para que Stephan Kras-
ner reconheça ser mais fácil ver os acordos de Paz como
uma nova constituição para o Sacro Império Romano, do
que os ver como se fossem o ponto inaugural do que viria
se chamar de sistema vestfaliano29.
tory, v. 8, n. 2, p. 181-213, 2004. p. 198.
25 STRAUMANN, Benjamin. The Peace of Westphalia as a secu-
lar constitution. Constelations, v. 15, n. 2, p. 173-188, 2008.
26 Stephan Krasner, com a deliberada pretensão de descon-
strução desta visão tradicional sobre Vestfália, chega a pontuar que
os aspectos centrais destes tratados de Paz podem ser resumidos em
duas questões: a primeira, relativa à forma com que o Império, que
tinha de facto perdido a Guerra, deveria atender à demanda francesa
e sueca por conquistas territoriais; a segunda, como lidar com as de-
sordens religiosas que estavam dilacerando a Europa e ameaçando
minar a estabilidade dos regimes políticos que se instituíam ao longo
de todo o continente. Cf. KRASNER, Stephan. Rethinking the sov-
ereign state model. Review of International Studies, Cambridge Journals,
v. 27, n. 5, p. 17-42, Dec. 2001.
27 Neste sentido, Randal Lesaffer é ainda mais enfático ao dizer
que talvez seja este arranjo político constitucional, a única inovação
jurídica dos referidos tratados. Cf. LESAFFER, Randall. The West-
phalia peace treaties and the development of the tradition of great
European peace treaties prior to 1648. Grotiana: a journal under the
auspices of the Foundation Grotiana, v. 18, p. 71-95, 1997.
28 LESAFFER, Randall. The Westphalia peace treaties and the
development of the tradition of great European peace treaties prior
to 1648. Grotiana: a journal under the auspices of the Foundation Grotiana,
v. 18, p. 71-95, 1997.
29 KRASNER, Stephan. Rethinking the sovereign state model.
JUNIOR, Luiz Magno Pinto Bastos. Rever ou romper com Vestfália? por uma releitura da efetiva contribuição dos acordos de paz de 1648 à construçào do modelo vestfaliano de Estados. Revista de
Direito Internacional, Brasília, v. 14, n. 1, 2017 p. 357-376
364
Os referidos tratados envolvem aspectos ligados a
diversas reivindicações dinásticas, a demandas por com-
pensação pelo esforço de guerra e por perdas territo-
riais, ao problema decorrente da intolerância religiosa e
das correlatas disputas de poder, à organização do Im-
pério e a previsão de garantias institucionais às diferen-
tes comunidades políticas constituídas no seu interior30.
Considerando os objetivos do trabalho, pretende-se,
a partir do esquema fornecido por Stéphane Beaulac,
enfrentar brevemente estes dispositivos a partir da sua
reunião em grupos temáticos, para, em seguida, apre-
sentar algumas peculiaridades observadas por Randall
Lesaffer. Antes, porém, convém enfrentar uma primeira
questão, qual seja, o signicado jurídico da menção, no
artigo 1º de ambos os tratados.
Os artigos de portada dos acordos fazem referência
tanto às potências estrangeiras aliadas (e aderentes) das
partes contratantes, quanto aos eleitores, aos príncipes e
aos Stände do Império. Diferentes autores superdimen-
sionam a presença destas múltiplas autoridades e potên-
cias nominadas, referindo-se a elas como um prenúncio
de uma autêntica carta pan-europeia31, ou como uma es-
pécie de antecipação de noção contemporânea de trata-
dos multilaterais32, ou ainda como reconhecimento im-
plícito da ideia de igualdade jurídica entre os Estados33.
Como explicita Lesaffer, após estudo detido sobre
inúmeros tratados de Paz do medievo celebrados ante-
riormente à Vestfália34, a referência às diferentes forças
beligerantes (internas e externas) logo após o preâm-
bulo dos tratados representava uma prática reiterada da
Review of International Studies, Cambridge Journals, v. 27, n. 5, p. 17-
42, Dec. 2001. p. 35.
30 KRASNER, Stephan. Rethinking the sovereign state model.
Review of International Studies, Cambridge Journals, v. 27, n. 5, p. 17-
42, Dec. 2001. p. 35.
31 GROSS, Leo. The Peace of Westphalia, 1648-1948. American
Journal of International Law, American Society of International Law,
v. 42, n. 1, p. 20-41, Jan. 1948. p. 20.
32 Cf. FRANCA FILHO, Marcílio Toscano. O paradigma
vestefealiano e o estado contemporâneo: o que 1648 tem ainda a
dizer em 2008? In: NOVELINO, M; ALMEIDA FILHO, A. (Org.).
Leituras complementares de direito constitucional: teoria do Estado. Salva-
dor: Juspodivm, 2009.
33 Cf. LAFER, Celso. Os dilemas da soberania…
34 Randal Lesaffer realiza uma análise detida dos quinze maiores
tratados europeus de paz no período compreendido entre 1450 e
1648, a m de avaliar o grau de inovação jurídica dos documentos
em questão. LESAFFER, Randall. The Westphalia peace treaties
and the development of the tradition of great European peace trea-
ties prior to 1648. Grotiana: a journal under the auspices of the Foundation
Grotiana, v. 18, p. 71-95, 1997. p. 75.
época35 e não está ligada à enunciação das autoridades
que detinham o poder de celebrar os tratados36. A inclu-
são destes diferentes atores nos acordos de paz decorria
do propósito assumido por intermédio dos tratados em
restaurar a paz e a amizade entre as diferentes forças
beligerantes (dentre as quais, os próprios Stände do Im-
pério, alguns dos quais que lutaram contra as forças do
Imperador)37. Portanto, como dito anteriormente, tais
acordos mantinham a sua natureza tipicamente bilateral.
De volta à análise das cláusulas dos tratados, na lição
de Stéphane Beaulac, as mesmas podem ser categoriza-
das a partir dos seguintes eixos temáticos: (i) questões
religiosas, (ii) questões territoriais, e (iii) questões relati-
vas ao poder de rmar obrigações internacionais38.
Indubitavelmente, (i) as cláusulas de natureza reli-
giosa dos tratados representam parte relevante de seu
legado39. Tais cláusulas consagravam inúmeras garantias
relativas à tolerância religiosa aptas a disciplinarem as
práticas religiosas no interior do Império (em que pe-
sem terem sido veiculadas em um documento interna-
cional). A xação destes parâmetros normativos repre-
sentou um importante passo adiante se consideradas as
regras denidas por ocasião da Paz de Augsburgo (de
1555), já que, como um autêntico prelúdio da salvaguar-
35 O autor relata que esta fórmula era familiar a muitos dos trat-
ados de paz do século XVI e XVII. Ademais, associada à prática
de referenciar no preâmbulo dos tratados somente os governantes
supremos presente desde o séculos XV e XVI, reforça a tese de
que a menção aos sujeitos nos artigos iniciais do acordo de Paz
não tinha nenhuma relação direta com o poder de celebrar tratados
LESAFFER, Randall. The Westphalia peace treaties and the devel-
opment of the tradition of great European peace treaties prior to
1648. Grotiana: a journal under the auspices of the Foundation Grotiana, v.
18, p. 71-95, 1997. p. 78.
36 Essa questão, frequentemente, é saudada como uma das primí-
cias da modernidade nos Tratados de Vestfália GROSS, Leo. The
Peace of Westphalia, 1648-1948. American Journal of International
Law, American Society of International Law, v. 42, n. 1, p. 20-41,
Jan. 1948; FRANCA FILHO, Marcílio Toscano. Westphalia: a para-
digm? A dialogue between Law, art and philosophy os science. The
German Law Journal, v. 8, n. 10, p. 955-976, 2007.
37 Cf. LESAFFER, Randall. The Westphalia peace treaties and
the development of the tradition of great European peace treaties
prior to 1648. Grotiana: a journal under the auspices of the Foundation
Grotiana, v. 18, p. 71-95, 1997. p. 77-78.
38 BEAULAC, Stéphane. The Westphalian model in dening in-
ternational law: challenging the myth. Australian Journal of Legal His-
tory, v. 8, n. 2, p. 181-213, 2004.
39 Como ressalta Leo Gross, ao reforçar a importância da inclusão
em Vestfália destas cláusulas de garantia e de busca de soluções
pacícas, nos desdobramentos futuros das relações internacionais.
GROSS, Leo. The Peace of Westphalia, 1648-1948. American Journal
of International Law, American Society of International Law, v. 42, n.
1, p. 20-41, Jan. 1948. p. 24-26.
JUNIOR, Luiz Magno Pinto Bastos. Rever ou romper com Vestfália? por uma releitura da efetiva contribuição dos acordos de paz de 1648 à construçào do modelo vestfaliano de Estados. Revista de
Direito Internacional, Brasília, v. 14, n. 1, 2017 p. 357-376
365
da das chamadas liberdade dos modernos40, foram de-
nidos inúmeros limites à autoridade dos príncipes, antes
absoluta (cujus regio, eius religio), sobre a esfera da religião.
Dentre esses limites, podem ser destacadas as se-
guintes regras: os príncipes não poderiam obrigar
que seus súditos fossem coercitivamente convertidos;
era reconhecida uma relativa margem de liberdade de
consciência através da qual eram conferidos autênticos
direitos aos súditos de prática de serviços religiosos e
de educação religiosa; e, mais signicativamente ainda,
assegurava entre católicos e protestantes, cláusulas de
representação paritária em assembleias e órgãos de de-
liberação do Império41. Portanto, em que pese sua rele-
vância, não se pode associar diretamente tais cláusulas
à consolidação da soberania moderna, pelo contrário, já
que tais regramentos importaram em autêntica restri-
ção42 (imposta através de um instrumento internacio-
nal) à forma de organização interna ao próprio Império.
O (ii) segundo grupo de cláusulas reunidas por
Stéphane Beaulac diz respeito às disputas territoriais, di-
mensão igualmente importante dos Tratados e que, da
mesma forma, é reconhecida como parte representati-
va de seu legado. Sem dúvida alguma, pôde-se perceber
uma relativa acomodação das fronteiras advindas dos
referidos acordos de Paz43 e, mais ainda, é possível ver
na ênfase atribuída às questões territoriais nestes docu-
mentos, efetivamente, um indício da importância cres-
cente atribuída à territorialidade como traço constitu-
tivo do modelo de organização do poder político em
consolidação na Europa44.
Todavia, a questão territorial colocada em evidência
pelos tratados, diferentemente do que propaga a visão
tradicional45, não implicou no reconhecimento da inde-
40 A expressão refere-se à clássica contraposição formulada por
Benjamin Constant. CONSTANT, Benjamin. A Liberdade dos An-
tigos Comparada com a dos Modernos. Revista Filosoa Política, Porto
Alegre, n. 2, 1985. Disponível em: <http://caosmose.net/candido/
unisinos/textos/benjamin.pdf>.
41 Cf. BEAULAC, Stéphane. The Westphalian model in dening
international law: challenging the myth. Australian Journal of Legal
History, v. 8, n. 2, p. 181-213, 2004. p. 198-204.
42 Restrição esta reforçada pela ideia de garantia das potências
estrangeiras em relação ao descumprimento.
43 Cf. WATSON, Adam. The evolution of international society. Lon-
don: Routledge, 1992.
44 Cf. RUGGIE, John Gerard. Territoriality and beyond: prob-
lematizing modernity in international relations. International organiza-
tion, Cambridge Journals, v. 47, n. 1, p. 139-174, Winter, 1993.
45 Representativa desta visão compartilhada sobre a natureza dos
impactos da Paz de Vestfália, é o seguinte trecho extraído de Martin van
pendência soberana das potências públicas envolvidas,
tanto no conito, quanto nas negociações de paz, mas
teria se materializado, nos referidos acordos, através da
acomodação de múltiplos interesses, tanto de potências
estrangeiras, quanto das forças políticas internas ao Im-
pério.
É possível armar isto a partir das seguintes infe-
rências: (i) à época da assinatura dos tratados, a con-
dição de autonomia das potências envolvidas (segundo
a tradição do medievo) não lhes era questionada (era
o caso da França, da Suécia, da Dinamarca, da Espa-
nha e do próprio Império); (ii) diferentemente do que
é apregoado, não se pode armar que alguns Estados
tiveram sua existência constituída pelos referidos Trata-
dos, como muitas narrativas armam ter sido o caso dos
Países Baixos46 e da Confederação Suíça; e, por m, (iii)
a satisfação dos interesses expansionistas da Suécia e da
França se deu através de múltiplas soluções que não se
resolviam, simplesmente, na outorga de poderes “so-
beranos” sobre territórios do Império àqueles Reinos.
O (iii) terceiro grupo diz respeito ao chamado po-
der de celebrar tratados, reconhecido textualmente aos
Creveld: “A Paz de Vestfália, que, em 1648, encerrou a guerra, marcou
o triunfo do monarca sobre o Império e a Igreja. O território imperial
foi repartido. O reino da Suécia cou com grande parte do litoral bálti-
co, ganho que, ao nal, não seria permanente, pois foi perdido mais
tarde para a Prússia; o rei da França recebeu uma parte considerável da
Alsácia, que estava destinada a permanecer em suas mãos. Os suíços,
que haviam se distanciado das leis imperiais em 1499, nalmente se lib-
ertaram e, assim, alcançaram a independência completa, que ainda con-
servam. [...]. O oeste e o centro da Europa foram divididos entre po-
tentados soberanos seculares – embora seu número, engrossado pelos
príncipes alemães que receberam ‘domínio territorial’ ou Landhhoheit,
tenha passado bastante de quinze. Os que estavam dentro do Império
receberam praticamente todos os privilégios da soberania, inclusive o
direito de manter suas próprias forças armadas e, o que pelo menos em
teoria lhes havia sido negado até então, o direito de fazer alianças entre
si e com potências estrangeiras ‘contanto que não se voltassem contra
o imperador’. Esse acordo complicado foi garantido por dois prínci-
pes não-imperiais, os reis da França e da Suécia. Assim, chegara-se ao
ponto em que o próprio Império, em vez de proteger a paz dos outros,
precisava de proteção.” VAN CREVELD, Martin. Ascensão e declínio do
Estado. São Paulo: M. Fontes, 2004. p. 121-2
46 Primeiro, porque o reconhecimento formal das Províncias
Unidas dos Países Baixos foi feito através do Tratado de Paz assi-
nado em 30.1.1648, entre Espanha e Países Baixos, em Münster. Se-
gundo, porque desde longa data já se reconhecia a perda do controle
dos Países Baixos da autoridade da Espanha. OSIANDER, Andreas.
Sovereignty, international relations, and the Westphalian myth. In-
ternational Organization, Cambridge Journals, v. 2, n. 55, p. 251-287,
Spring 2001; LESAFFER, Randall. The Westphalia peace treaties
and the development of the tradition of great European peace trea-
ties prior to 1648. Grotiana: a journal under the auspices of the Foundation
Grotiana, v. 18, p. 71-95, 1997.
JUNIOR, Luiz Magno Pinto Bastos. Rever ou romper com Vestfália? por uma releitura da efetiva contribuição dos acordos de paz de 1648 à construçào do modelo vestfaliano de Estados. Revista de
Direito Internacional, Brasília, v. 14, n. 1, 2017 p. 357-376
366
príncipes alemães, nada mais signicava do que uma
prática consolidada antes da Guerra e que, a rigor,
reforçava a sua condição de relativa “subordinação” ao
Império, quando limitava o exercício destas prerroga-
tivas47. Portanto, não lhes foi atribuído, por força dos
Tratados, autoridade soberana, do contrário, tais do-
cumentos reforçaram os vínculos institucionais que os
ligavam ao Império, o que permitiu a consolidação do
chamado Landshoheit48, conceito este que se erige a partir
de um complexo “sistema de relações recíprocas entre
unidades políticas autônomas que justamente não se ba-
seavam no conceito de soberania”49.
Mesmo reconhecendo que parte da importância
atribuída a Vestfália decorre de uma europeinização post
factum da ordem constitucional alemã e da propagação
de suas cláusulas de tolerância religiosa no cenário po-
lítico europeu, Randall Lesaffer50 menciona a existência
de três espécies de cláusulas que podem ter contribuído
para que, a partir do século XIX, fosse possível insinuar
a existência de uma intenção de estabelecer uma ordem
internacional mais permanente (algo como uma consti-
tuição europeia embrionária). Tratam-se das seguintes
disposições (todas do Tratado de Onsbrück): a primei-
ra, o compromisso de solução pacíca51 (art. 17.5); a
47 KRASNER, Stephan. Rethinking the sovereign state model.
Review of International Studies, Cambridge Journals, v. 27, n. 5, p. 17-
42, Dec. 2001. p. 37-38.
48 Reproduzindo o publicista alemão Johann Jacob Moser (1745),
Andreas Osiander defende ser possível denir o Landshoheit dos Es-
tados do Império como: “um direito que lhes pertenciam e que lhes
habilitava em suas terras e territórios a comandar, a proibir, a dec-
retar, a exigir coercitivamente e a omitir qualquer coisa, da mesma
forma que qualquer outro governante, na medida em que não se
encontrassem constrangidos pelas leis e tradições do Impé-
rio, pelos tratados com os demais Estados e súditos, as liberdades e
tradições antigas e bem-estabelecidas, e assim por diante” (destaque
acrescido). Tradução livre de: “a right pertaining to them and em-
powering them in their lands and territories to command, to forbid,
to undertake, or to omit everything that... pertains to any ruler, in-
asmuch as their hands are not tied by the laws and traditions of the
empire, the treaties with their local estates and subjects, the latter’s
ancient and well-established freedoms and traditions, and the like”.
OSIANDER, Andreas. Sovereignty, international relations, and the
Westphalian myth. International Organization, Cambridge Journals, v.
2, n. 55, p. 251-287, Spring 2001. p. 272.
49 OSIANDER, Andreas. Sovereignty, international relations,
and the Westphalian myth. International Organization, Cambridge
Journals, v. 2, n. 55, p. 251-287, Spring 2001. p. 270.
50 LESAFFER, Randall. The Westphalia peace treaties and the
development of the tradition of great European peace treaties prior
to 1648. Grotiana: a journal under the auspices of the Foundation Grotiana,
v. 18, p. 71-95, 1997. p. 79-83.
51 A primeira cláusula refere-se ao compromisso rmado no
tratado de que se tentasse solucionar eventual tensão decorrente do
segunda, a cláusula de intervenção das partes signatárias
em caso de desrespeito ao pacto52 (art. 17.6); e, a tercei-
ra, as cláusulas de extensão a terceiros não-signatários53
(art. 17.8, esta última, textualmente reproduzida no §
127 do Tratado de Münster). Todavia, de acordo com
o autor, tais cláusulas: não signicaram nenhuma ino-
vação jurídica signicativa, já que haviam sido previstas
em outros tratados de paz anteriormente celebrados;
bem como, não têm o condão de conferir feição mo-
derna às relações internacionais, que estes Tratados,
não distoam em nada dos “acordos de paz” típicos dos
séculos XIV e XV.
Este esforço de desconstrução reforça a ideia de que
aos tratados atribuíram-se funções que não decorrem
especicamente da natureza jurídica de suas cláusulas,
daí a natureza de mito etiológico preconizada por Ste-
phan Beaulauc, como se verá na seção seguinte.
Convém registrar, porém, que Randall Lesasffer
defende a existência de duas cláusulas que poderiam
ser identicadas como primícias de modernidade no
descumprimento do Tratado, através de meios pacícos por pelo
menos três anos. Todavia, estas questões circunscreviam-se às ga-
rantias de índole religiosa xadas no Tratado, portanto, em grande
parte, permaneciam circunscritas às relações internas ao próprio
Império. O autor ressalta, porém, que, em última instância, estas
questões poderiam repercutir em problemas de índole territorial, ou
ainda, potencialmente, poderia importar em algum incidente inter-
nacional, considerada a condição da titularidade dominial conferida
à Suécia e as prerrogativas reconhecidas aos habitantes da região
transferida ao domínio francês LESAFFER, Randall. The West-
phalia peace treaties and the development of the tradition of great
European peace treaties prior to 1648. Grotiana: a journal under the
auspices of the Foundation Grotiana, v. 18, p. 71-95, 1997. p. 80.
52 A segunda cláusula representava uma autorização expressa de
que as partes signatárias (no caso, a França e a Suécia), poderiam
intervir em defesa de vítimas, no caso de desrespeito das garantias
por parte do Império em relação aos Stände. A previsão deste tipo
de cláusula (de cláusula de garantia de terceiras potências), de fato,
ainda não existia até então, e, provavelmente, os tratados de Vestfália
tiveram um impacto na prática dos países na segunda metade do
século XVII. O que o autor ressalva, porém, é que em Vestfália esta
questão circunscrevia-se aos arranjos institucionais do Império.
53 Através desta terceira cláusula, determinava-se que o com-
promisso de restaurar a paz e a amizade deveria ser estendido para
além das partes contratantes, mas para seus aliados e aderentes. Tais
cláusulas permitiram que fossem acrescentadas ao compromisso de
restauração da paz, terceiras partes não signatárias. A restauração da
paz, nestes tratados, signicava que qualquer tipo de hostilidade en-
tre eles deveria chegar a um m, ou seja, de que as partes prometiam
não prejudicar uns aos outros, tanto através de não participação em
alianças e coalizões hostis, quanto através do uso direto de violência
uns aos outros e em relação aos seus súditos LESAFFER, Randall.
The Westphalia peace treaties and the development of the tradition
of great European peace treaties prior to 1648. Grotiana: a journal
under the auspices of the Foundation Grotiana, v. 18, p. 71-95, 1997. p. 83.
JUNIOR, Luiz Magno Pinto Bastos. Rever ou romper com Vestfália? por uma releitura da efetiva contribuição dos acordos de paz de 1648 à construçào do modelo vestfaliano de Estados. Revista de
Direito Internacional, Brasília, v. 14, n. 1, 2017 p. 357-376
367
direito internacional, a saber: as cláusulas de anistia geral
pelas agressões e pelos abusos cometidos durante os
conitos54 e as cláusulas de restituição ao status quo anterior
à guerra como forma de legitimação (baseada na legali-
dade) das decisões sobre a titularidade de bens e sobre
a dominialidade dos territórios e bispados do Império55.
As primeiras disposições provocavam uma espécie
de primeira ruptura com a ideia de moralidade ínsita
ao conceito de guerra justa (própria do medievo56), já
que as cláusulas de anistia veiculavam uma concepção
não-discriminatória de guerra57. Por outro lado, as se-
gundas permitem identicar traços de desteologização
da autoridade e de introdução de uma espécie de dever
de justicar as reivindicações territoriais em critérios de
racionalidade legal58.
Ante todo o exposto, somente um elevado grau de
entusiasmo consentâneo à recém promulgada Carta das
Nações Unidas (1948) é que explicaria a alusão feita por
Leo Gross (1948) aos tratados de Vestfália como uma
autêntica Carta Pan-Europeia. Pelo contrário, os refe-
ridos documentos, como acordos internacionais, nada
mais teriam veiculado que não a pretensão típica de r-
mar compromissos entre as potências dinásticas no nal
do medievo para por termo a um estado de beligerância.
Se por um lado, a contribuição dos mencionados do-
cumentos é muitíssimo reduzida para a posterior conso-
lidação do modelo vestfaliano; por outro lado, o arranjo
institucional do Landshoheit por eles veiculados tem sido
contemporaneamente recuperado como uma experiên-
cia positiva ocorrida nos primórdios da modernidade59.
54 Artigo 2º do Tratado de Onsbrück e §2º do Tratado de Mün-
ster.
55 Artigo 3º, itens 1 e 2, do Tratado de Onsbrück e § 5º e 6º do
Tratado de Münster.
56 Paulo Emilio Borges de Macedo esclarece que o debate sobre
o direito da guerra representa o marco constitutivo do direito inter-
nacional moderno e representa um passo decisivo de uma mudança
no direito das gentes para o direito inter gentes. Cf. MACEDO, Paulo
Emilio Vauthier Borges de. O nascimento do direito internacional. São
Leopoldo: Unisinos, 2009.
57 Esta prática passou a se repetir com bastante frequência após
Vestfália, acabando por reforçar a ideia da guerra como instrumento
de política internacional dos Estados.
58 LESAFFER, Randall. The Westphalia peace treaties and the
development of the tradition of great European peace treaties prior
to 1648. Grotiana: a journal under the auspices of the Foundation Grotiana,
v. 18, p. 71-95, 1997. p. 95.
59 Não sem certa dose de exagero, em relação à dimensão mul-
tinivelada da autoridade no âmbito do Império, de um lado, Roder-
ick Hills. HILLS, Roderick. Federalism as Westphalian Liberalism.
Fordham Law Review, New York, v. 75, n. 2, p. 769-798, 2006, chama
Em que pese a relevância das questões suscitadas
por este “retorno à Vestfália”, a reexão que mais se
coaduna com os propósitos deste trabalho consiste na
proposta de Andreas Osiander, preocupado exatamente
com a crise da noção de soberania e com o desacopla-
mento entre território e autoridade. Para o autor, a cons-
tituição do Império (leia-se, os tratados de Vestfália, na
sua dimensão interna) fornecia um arcabouço institu-
cional que admitia uma espécie de compartilhamento
de autoridade entre o Império e os Länder a partir de
outros parâmetros que não a oposição entre soberania e
autonomia dos corpos intermediários60.
3.2. Reexão crítica sobre a centralidade dos
acordos de paz de vestfália para a armação da
soberania dos estados
Há uma visão de certa forma consolidada de que tais
documentos constituiriam “a ‘certidão de nascimento’
do moderno Estado nacional soberano – base do Esta-
do democrático de Direito atual e ‘momento fundador’
do sistema político internacional”61. Nos termos desta
narrativa mais entusiasta, os tratados de Vestfália lan-
çariam as bases da chamada Constitutio Westphalica, ou
seja, representam o reconhecimento formal (por parte
a atenção pelo arranjo quase-federal a partir do qual se mantinham
diferentes tipos de vínculos de cooperação entre o Império e os
diferentes Länder; de outro lado, em sentido similar, Bejamin Strau-
mann (Cf. The Peace of Westphalia as a secular constitution…)
defende ser possível identicar alguns importantes mecanismos in-
stitucionais que permitiriam uma adequada proteção às liberdades
religiosas ante a existência de desacordos profundos sobre religião.
60 De acordo com Andreas Osiander, o Império não tinha gov-
erno central (tanto antes, quanto depois de 1648), não era um Es-
tado, mas um regime (segundo a terminologia das Relações Inter-
nacionais). A autonomia das entidades políticas era limitada de duas
formas: externamente através das leis do Império, e, internamente,
através dos arranjos constitucionais dentro de cada um dos terri-
tórios. Por sua vez, estas regras não poderiam ser alteradas sem que
houvesse o consentimento dos corpos representativos existentes em
seu interior. No século XVIII, o prestígio do Imperador e do Im-
pério como um arcabouço institucional residia em grande parte na
proteção jurídica oferecida aos corpos deliberativos e aos cidadãos
dentro de seus respectivos territórios. Ainda de acordo com o au-
tor, o poder do imperador era grande o bastante, mas não o su-
ciente para valer-se deste poder para oprimir as autoridades locais.
OSIANDER, Andreas. Sovereignty, international relations, and the
Westphalian myth. International Organization, Cambridge Journals, v.
2, n. 55, p. 251-287, Spring 2001. p. 276-278
61 FRANCA FILHO, Marcílio Toscano. O paradigma vestefe-
aliano e o estado contemporâneo: o que 1648 tem ainda a dizer em
2008? In: NOVELINO, M; ALMEIDA FILHO, A. (Org.). Leituras
complementares de direito constitucional: teoria do Estado. Salvador: Jus-
podivm, 2009. p. 73.
JUNIOR, Luiz Magno Pinto Bastos. Rever ou romper com Vestfália? por uma releitura da efetiva contribuição dos acordos de paz de 1648 à construçào do modelo vestfaliano de Estados. Revista de
Direito Internacional, Brasília, v. 14, n. 1, 2017 p. 357-376
368
das potências europeias envolvidas) de um conjunto de
normas mutuamente estabelecidas que, a um só tempo,
permitiria a identicação das autoridades no cenário in-
ternacional europeu, xaria as regras a serem seguidas
para que tais autoridades fossem reconhecidas como tal;
e, xaria as prerrogativas ínsitas a estas autoridades.
um relativo consenso segundo o qual os Tra-
tados de Paz de Vestfália representam o “m de uma
época”62. Armar isto implica postular um rompimento
substancial com a concepção universalizante de unidade
de valores cristãos largamente compartilhada durante a
Cristandade63. Este consenso abrangente sobre a ori-
gem vestfaliana do moderno sistema de Estados teria
encontrado espaço nas diferentes tradições teóricas das
relações internacionais e, em certa medida, ao ser as-
sociado à obra de Hugo Grócio, acabou por reforçar
a narrativa em torno da paternidade do próprio direito
internacional64.
Dois trabalhos considerados clássicos (The Peace of
Westphalia, 1648-1948, de Leo Gross, e The Problem of
Sovereignty Reconsidered, de Hans J. Morgenthau), ambos
datados de 1948, acabaram por contribuir signicativa-
mente para a consolidação da ideia de que os Tratados
de Paz de Vestfália representam uma “pedra angular”
para a consolidação do moderno sistema de Estados.
Tais trabalhos são representativos das principais cor-
rentes dos estudos das relações internacionais, o idealis-
mo/institucionalismo e o realismo, e teriam contribuído
para que tais premissas fossem assumidas por diferentes
(e mesmo antagônicas) tradições cientícas65.
62 Cf. GROSS, Leo. The Peace of Westphalia, 1648-1948. Ameri-
can Journal of International Law, American Society of International
Law, v. 42, n. 1, p. 20-41, Jan. 1948. p. 28.
63 Sobre este momento de transição, interessante a lição de Adam
Watson, para quem os estados independentes constituídos na Eu-
ropa no século XVII, “[…] still felt themselves to be parts of the
wider whole that had been Latin Christendom, and the interaction
between them was now such that each state, and especially the more
powerful ones, felt obliged to take account of the actions of the oth-
ers. They recognized that, since the medieval restraints had disap-
peared or become irrelevant, new rules and procedures were needed
to regulate their relations.”
64 Cf. GROSS, Leo. The Peace of Westphalia, 1648-1948…;
LESAFFER, Randall. The Westphalia peace treaties and the de-
velopment of the tradition of great European peace treaties prior
to 1648. Grotiana: a journal under the auspices of the Foundation
Grotiana, v. 18, p. 71-95, 1997; MACEDO, Paulo Emilio Vauthier
Borges de. O nascimento do direito internacional. São Leopoldo: Unisi-
nos, 2009.
65 A literatura é pródiga em apontar a difusão das ideias de Leo
Gross e de Hans Morgenthau no tocante ao caráter paradigmático
dos Tratados de Paz de Vestfália, como se pode observar dos textos
O primeiro estudo vislumbra nos Tratados de Ves-
tfália a pioneira dentre outras tantas iniciativas de se
estabelecer algo que “se assemelhasse a uma unidade
mundial constituída sobre a atuação de Estados no
exercício de uma soberania irrestrita sobre determi-
nados territórios e desprovidos de sujeição a qualquer
autoridade terrena”66. O segundo estudo, por sua vez,
reconhece que o exercício da soberania “como poder
supremo” por ocasião da celebração daqueles Tratados,
representava um “fato político inconteste”, o que “sig-
nicava a vitória dos príncipes territoriais sobre a auto-
ridade universal do Imperador e do Papa, de um lado,
e sobre as aspirações particularistas dos barões feudais,
de outro lado”67.
Esta concepção de virada paradigmática encontra
eco, igualmente, em importantes historiadores, como
relata Kelly Gordon68, fazendo referência à releitura
proposta por Josef Polisensky (historiador tcheco), o
qual, através de sua The Thirty Years War, de 1971, ana-
lisa a relativa perenidade dos domínios territoriais após
os Tratados. O autor defende, em síntese, duas ques-
tões centrais: que as mudanças territoriais ali estabele-
cidas possibilitaram um maior controle dos governan-
tes sobre suas terras, contribuindo para a consolidação
da doutrina da integridade territorial, e (não sem certa
dose de exagero ou entusiasmo) que Vestfália inaugura-
de Andreas Osiander (OSIANDER, Andreas. Sovereignty, interna-
tional relations, and the Westphalian myth. International Organization,
Cambridge Journals, v. 2, n. 55, p. 251-287, Spring 2001), de Bruno
Teschke (TESCHKE, Benno. Theorizing the Westphalian System
of States: international relations from absolutism to capitalism.
European Journal of Inter national Relations, v. 8, n. 1, p. 5-48, 2002)
e FALK, Richard. Revisiting Westphalia, discovering Westphalia.
The Journal of Ethics: an international philosophical review, Springer
Netherlands, v. 6, n. 4, p. 311-352, Dec. 2002.
66 Tradução livre de: “resembling world unity on the basis of
states exercising untrammeled sovereignity over certain territories
and subordinated to no earthly authority” GROSS, Leo. The Peace
of Westphalia, 1648-1948. American Journal of International Law,
American Society of International Law, v. 42, n. 1, p. 20-41, Jan.
1948. p. 20
67 Tradução livre de: “By the end of the Thirty Years’ War, sov-
ereignty as supreme power over a certain territory was a political
fact, signifying the victory of the territorial princes over the uni-
versal authority of emperor and pope, on the one hand, and over
the particularistic aspirations of the feudal barons, on the other”.
MORGENTHAU, Hans J. The problem of sovereignty reconsid-
ered. Columbia Law Review, New York, v. 48, p. 341-365, 1948. p. 341.
68 GORDON, Kelly. The origins of the Westphalian Sovereignty.
Senior Seminar Thesis Papers, Western Oregon University, Spring 2008.
Disponível em: <http://www.wou.edu/las/socsci/history/the-
sis%2008/KellyGordonWest phalianSovereignty.pdf>. Acesso em:
15 maio 2009. p. 6-8.
JUNIOR, Luiz Magno Pinto Bastos. Rever ou romper com Vestfália? por uma releitura da efetiva contribuição dos acordos de paz de 1648 à construçào do modelo vestfaliano de Estados. Revista de
Direito Internacional, Brasília, v. 14, n. 1, 2017 p. 357-376
369
ria uma era na qual a “história torna-se efetivamente um
todo que envolve a totalidade do continente europeu e
suas dependências ultramarinas”69.
Estes aspectos concorrem para o desenvolvimento
da ideia de que a concretização material dos elementos
constitutivos da soberania seria resultado direto da Paz
de Vestfália70. Desta forma, a narrativa-padrão confere
aos tratados de Paz um papel decisivo para o desapa-
recimento das instituições pré-modernas de autorida-
de política71, para a consolidação do estado territorial
como princípio organizativo fundamental72 e para a
laicização dos fundamentos de legitimidade do exercí-
cio do poder político73. Ademais, o correlato esforço
teórico de armação do sentido de soberania, além de
consolidar a territorialidade do Estado, teria o condão
de combater, teórica e praticamente, no plano externo,
a Igreja e o Império (dotados de pretensão universali-
zante de poder) e no plano interno a nobreza e as cida-
des (formas autóctones de organização fragmentada e
69 “[t]he Westphalia inaugurated an era where this history be-
comes effectively a unitary one involving the whole continent
of Europe and the overseas dependencies of maritime powers”
POLISENSKY, p. 225, apud GORDON, Kelly. The origins of the
Westphalian Sovereignty. Senior Seminar Thesis Papers, Western Or-
egon University, Spring 2008. Disponível em: <http://www.wou.
edu/las/socsci/history/thesis%2008/KellyGordonWest phalianS-
overeignty.pdf>. Acesso em: 15 maio 2009.
70 Cf. GORDON, Kelly. The origins of the Westphalian Sov-
ereignty. Senior Seminar Thesis Papers, Western Oregon University,
Spring 2008. Disponível em: <http://www.wou.edu/las/socsci/
history/thesis%2008/KellyGordonWest phalianSovereignty.pdf>.
Acesso em: 15 maio 2009. p. 3-4.
71 “Estes [as autoridades políticas localmente limitadas], no en-
tanto, sentiam-se vinculados, uma vez que tiveram vigência, naquela
época, de um lado, à maneira de Dante Alighieri, a concepção de
imperium mundi, inspirada na experiência de Roma; e, de outro lado,
a de uma comunidade de valores religiosos – a Respublica Christiana.
Daí, respectivamente, as instituições do Sacro Império e do Papado. Do
ponto de vista jurídico, a comunidade internacional da Baixa Idade
Média estava regida por duas ordens diferentes: (i) no interior do
Sacro Império vigia o Direito Romano, e subsidiariamente o Direito
Canônico e o Direito Feudal; e (ii) nas relações entre o Império e
as comunidades situadas foras de seus limites, prevalecia uma certa
consuetudo communis um Direito Costumeiro extremamente rudi-
mentar, pois o localismo do poder e da vida não fez prosperar os
contactos entre comunidades distantes.
72 CAPORASO, James. Changes in the Westphalian order: terri-
tory, public authority, and sovereignity. In: ______. (Org.). Continuity
and change in the Westphalian order. Malden, USA; Oxford, UK: Black-
well Publishers, 2000. p. 1-28.
73 Cf. LAFER, Celso. Os dilemas da soberania. In: ______. Para-
doxos e possibilidades: estudos sobre a ordem mundial e sobre a política
exterior do Brasil num Sistema Internacional em Transformação.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982.
descentralizada)74/75.
Com o escopo de sintetizar tais abordagens, James
Caporaso identica as seguintes ideias veiculadas por
esta visão tradicional: (i) as ideias universais que con-
feriam coesão ao mundo medieval (não obstante se re-
conhecer a grande diversidade no interior da Respublica
Christiana) deram lugar a estados e nações separadas,
cada uma delas capazes de denir seus próprios pro-
pósitos e missões culturais76; (ii) a ideia de soberania
enraizou-se, embora não imediatamente, e forneceu a
justicação ideológica para o controle último dentro de
um território especíco, ao mesmo tempo em que con-
feria a base para o reconhecimento de outros Estados;
(iii) soberanos faziam tratados com outros soberanos,
aparelhavam-se para governar dentro do território, es-
forçavam-se em excluir outras autoridades de interfe-
rirem na política doméstica, desenvolveram controles
rígidos sobre as fronteiras, e participavam ativamente
na construção da noção de cidadania e de nacionalismo.
Esta leitura seria construída a partir de inúmeras
inferências feitas tanto dos eventos históricos correla-
tos, quanto por uma (mal)compreensão de algumas das
cláusulas dos referidos tratados. Segundo Randall Lesa-
ffer, a propagação de tais ideias sustenta-se, em maior
ou menor medida, das seguintes inferências: (i) da pre-
sença no conito das maiores potências europeias da
época; (ii) da existência de cláusulas de garantia conven-
cional as quais conduziriam à construção de um balanço
de poder permanente entre as potências xado mediante
cláusula convencional e salvaguardado por garantias ju-
rídicas diretamente aplicáveis; (iii) da leitura de que tais
documentos teriam representado um ato constitutivo
de estados soberanos europeus, o que implicaria no re-
conhecimento entre si de uma sociedade de nações; (iv)
da constituição da comunidade internacional em substi-
tuição à concepção medieval e hierárquica de Respublica
christiana77.
74 Cf. VAN CREVELD, Martin. Ascensão e declínio do Estado. São
Paulo: M. Fontes, 2004. p. 83-176.
75 Semelhante leitura é empreendida por Celso Lafer (Os dilemas
da soberania…) para quem a luta era travada contra os collegia medie-
vais existentes abaixo do nível do Estado e as autoridades universais
existentes acima do Estado.
76 Desde o século XIV a presunção de um império universal ca-
paz de prover sentido à dinâmica social, particularmente ao exercício
do poder político, foi, progressivamente, perdendo sua capacidade
de promover a ordem e a paz PHILPOTT, Daniel. Revolutions in sov-
ereignty: how ideas shapped modern international relations. Princen-
ton: Princenton University Press, 2001. p. 75.
77 LESAFFER, Randall. The Westphalia peace treaties and the
JUNIOR, Luiz Magno Pinto Bastos. Rever ou romper com Vestfália? por uma releitura da efetiva contribuição dos acordos de paz de 1648 à construçào do modelo vestfaliano de Estados. Revista de
Direito Internacional, Brasília, v. 14, n. 1, 2017 p. 357-376
370
Contra esta visão tradicional, vêm crescendo inú-
meras narrativas alternativas que pretendem reduzir a
importância usualmente atribuída a estes tratados para
a consolidação do conceito de soberania vestfaliana.
Paradoxalmente, estas leituras revisionistas propõem vi-
sões aparentemente irreconciliáveis: de um lado, encon-
tram-se aqueles que identicam a existência de traços
signicativos da soberania anteriormente aos referidos
tratados de Paz; de outro lado, há aqueles que defendem
que a ideia de soberania teria se constituído como
modelo normativo, muitos anos após Vestfália.
Em relação àqueles que defendem serem anteriores
à Vestfália os traços constitutivos da soberania a si atri-
buídos podem ser listados James Caporaso78 e Bruno
Bueno de Mesquita79. O primeiro defende que a con-
cepção de soberania deve ser desconstruída, analitica-
mente, em três elementos constitutivos distintos (terri-
tório, autoridade pública e “poder de decisão”)80 e que,
se fosse assumida como ponto de partida a concepção
tradicional de soberania como prerrogativa exclusiva
sobre determinado território, tal ideia vinha sendo
constituída a pelo menos cinco séculos. O segundo au-
tor, de maneira ainda mais enfática, propõe que a noção
de estado territorial seria tributária direta das tensões
entre o Papado e os reis europeus (cujas bases remon-
tam à Concordata de Worms81, de 1122) e que a solução
development of the tradition of great European peace treaties prior
to 1648. Grotiana: a journal under the auspices of the Foundation
Grotiana, v. 18, p. 71-95, 1997. p. 72-73.
78 Cf. CAPORASO, James. Changes in the Westphalian order:
territory, public authority, and sovereignity. In: ______. (Org.). Con-
tinuity and change in the Westphalian order. Malden, USA; Oxford, UK:
Blackwell Publishers, 2000.
79 Cf. MESQUITA, Bruce Bueno de. Popes, kings, and endog-
enous institutions: the Concordat of Worms and the origins of sov-
ereignty. In: CAPORASO, J. (Org.). Continuity and change in the West-
phalian order. Malden, USA; Oxford, UK: Blackwell Publishers, 2000.
80 Cf. BASTOS JUNIOR, Luiz Magno Pinto. Territorialidade,
Soberania e Constituição: As Bases Institucionais do Modelo de Es-
tado Territorial Soberano. Revista Novos Estudos Jurídicos, v. 19, n. 1,
2014. Disponível em: <http://siaiap32.univali.br/seer/index.php/
nej/article/view/5547/2953>.
81 Trata-se de um acordo rmado entre o Papa Calixto e o Rei
Henrique IV do Sacro Império que puseram m a um conjunto de
tensões entre as autoridades eclesiais e seculares sobre o poder de
nomear os bispos, os bispados representam fonte de autoridade
tanto religiosa, quanto secular. Apesar de ser saudada como uma
vitória do Papado que mantiveram o poder de selecionar e escolher
os bispos, foi feito uma espécie de transação através da qual, ao Rei
foi reconhecida a prerrogativa de investir os bispos com autoridade
secular (simbolizada pela lança) nos territórios em que eles gover-
navam, enquanto que a autoridade sagrada titularizada pelos bispos,
lhes era investida através das autoridades eclesiais (simbolizada pelo
anel e pelo báculo). Na prática, o resultado desta ambivalência é
de compromisso que pôs termo à tensão entre estas au-
toridades permitiu a consolidação das bases territoriais
dos bispados e, assim, permitiu o desenvolvimento de
um conjunto de mecanismos institucionais de controle
sobre o território que forneceriam as bases de sustenta-
ção para a consolidação do processo de centralização da
administração, essencial à conguração da territorialida-
de do Estado moderno. Neste contexto, na visão destes
autores, a Paz de Vestfália nada mais representaria do
que um passo além no processo de consolidação das
bases do estado soberano que lhe era anterior.
Em relação àqueles que defendem que este ideal de
soberania se materializaria muitos anos seguintes,
encontram-se Kelly Gordon (2008), Andreas Osiander
(2001) e Benno Teschke (2002). Entre tais autores, ade-
mais, há leituras muito díspares sobre o papel desempe-
nhado pelos Tratados de Vestfália para a consolidação
da chamada soberania vestfaliana.
Para Kelly Gordon82, seria possível reconhecer nos
tratados tão-somente fragmentos para a consolidação
da ideia de integridade territorial, ocorrida dois sécu-
los seguintes, que os mesmos se limitavam a disci-
plinar questões de índole territorial e a xar as bases
para uma secularização das questões religiosas. Por sua
vez, Andreas Osiander83 nega a existência de qualquer
vínculo estrutural entre o moderno sistema de Estados
e os referidos tratados de paz; para o autor, Vestfália
resulta de uma construção novecentista, um mito fun-
dacional sobre a origem do sistema de estados; doutrina
esta forjada por aquilo que denomina de ideologia da
soberania84. Por m, Benno Teschke85, além de negar
de que os bispos deviam delidade, tanto ao Papa, quanto ao rei.
MESQUITA, Bruce Bueno de. Popes, kings, and endogenous insti-
tutions: the Concordat of Worms and the origins of sovereignty. In:
CAPORASO, J. (Org.). Continuity and change in the Westphalian order.
Malden, USA; Oxford, UK: Blackwell Publishers, 2000
82 Cf. GORDON, Kelly. The origins of the Westphalian Sov-
ereignty. Senior Seminar Thesis Papers, Western Oregon University,
Spring 2008. Disponível em: <http://www.wou.edu/las/socsci/
history/thesis%2008/KellyGordonWest phalianSovereignty.pdf>.
Acesso em: 15 maio 2009
83 Cf. OSIANDER, Andreas. Sovereignty, international relations,
and the Westphalian myth. International Organization, Cambridge
Journals, v. 2, n. 55, p. 251-287, Spring 2001.
84 Esta narrativa parece vir ao encontro da análise de Martin
Koskenniemi, para quem o direito internacional do século XIX
era embebido de uma consciência europeia movida pelo “sentido
metafórico de Vestfália”. KOSKENNIEMI, Martti. The gentle civilizer
of nations: the rise and fall of international law 1870-1960. Cabridge:
Cambridge University Press, 2001. p. 51
85 Cf. TESCHKE, Benno. Theorizing the Westphalian System of
States: international relations from absolutism to capitalism. Euro-
JUNIOR, Luiz Magno Pinto Bastos. Rever ou romper com Vestfália? por uma releitura da efetiva contribuição dos acordos de paz de 1648 à construçào do modelo vestfaliano de Estados. Revista de
Direito Internacional, Brasília, v. 14, n. 1, 2017 p. 357-376
371
a presença de qualquer elemento em Vestfália que se
assemelhe ao moderno sistema de Estados, vai além e
defende que os tratados ali rmados coadunam-se com
uma lógica inter-dinástica pré-moderna, ou seja, foram
rmados entre dinastias e outras comunidades políti-
cas estruturadas a partir de relações de propriedade
social pré-capitalista; nestes termos, a Paz de Vestfália
se constituiria não somente sem-Vestfália, mas contra-
-Vestfália86.
A breve exposição feita permite, ao nal, sustentar
que seria apressado ver os referidos Tratados de Paz
como tendo sido, eles próprios, tanto expressão da con-
solidação da soberania, quanto constituintes do sistema
moderno de Estados. Como visto, nos termos deni-
dos por Stepahn Beaulac e Andreas Osiander, sua con-
solidação veio a ocorrer ao longo do século XIX.
Entrementes, para os propósitos deste trabalho, muito
mais importante do que localizar no tempo o nascimen-
to deste modelo de organização do político, agura-se
importante identicar as bases institucionais a partir das
quais foi possível a sua construção.
O potencial transformativo dos tratados de Vestfá-
lia, como visto, teriam sido decorrentes de sua feição
híbrida, que a sua dimensão internacional permitiu
que houvesse a posterior transferência das cláusulas
de tolerância religiosa e dos arranjos institucionais de
controle e contenção internas (entre o Imperador e os
príncipes) para o cenário europeu. Somente simbolica-
mente é possível fazer retroagir a “lógica de Vestfália”
aos acordos de Paz de Vestfália celebrados em Münster
e Osnabrück, em 1648.
4. sIstemA (lóGIcA) de VestFálIA e os tRAços
constItutIVos do sIstemA de estAdos.
O sistema de Estados evocados pelo modelo vestfa-
liano pode ser, sinteticamente, resumido nos seguintes
termos:
pean Journal of International Relations, v. 8, n. 1, p. 5-48, 2002.
86 Para o autor, somente é possível reconhecer a entrada na mod-
ernidade com o advento do primeiro Estado propriamente moderno
(a Inglaterra), país que reestruturou as relações internacionais a par-
tir de um longo processo de desenvolvimento socialmente desigual
e geopoliticamente estruturado Cf. TESCHKE, Benno. Theorizing
the Westphalian System of States: international relations from abso-
lutism to capitalism. European Journal of International Relations, v. 8, n.
1, p. 5-48, 2002.
[...] sistema de estados organizados territorialmente
em um desenvolvimento anárquico. Estes estados
são constitucionalmente independentes (soberania)
e detêm autoridade exclusiva de governo no interior
de suas próprias fronteiras. Eles se relacionam
com a população, no interior de suas fronteiras,
como cidadãos e com os outros estados como
juridicamente iguais.87
Como se viu, Vestfália é associada ao nascimento
de um modelo de organização política baseado nas no-
ções de soberania estatal, em face da qual ao Estado
é atribuída a condição de ator principal das relações
internacionais, relações estas mantidas por intermédio
de corpos diplomáticos permanentes e supostamente
reguladas pelo direito internacional88 (o qual, paulatina-
mente, converte-se de direito das gentes, para um direito
inter-gentes).
A consolidação teórica e institucional dos elemen-
tos constitutivos deste paradigma de compreensão da
ordem global (tanto na sua acepção política, quanto ju-
rídica) deita raízes, como assinalado anteriormente, na
tensão medieval entre o universalismo cristão e o lo-
calismo das diferentes formas de expressão política89.
Esta concepção subjacente de matriz operacionalmente
eurocêntrica90 xou as bases para o desenvolvimento
moderno da ideia de ordem mundial e, sobretudo, para
a diferenciação a ser institucionalizada no período colo-
nial entre o “nós” civilizados e o “eles” bárbaros91.
87 Tradução livre de: “The basic idea is one of a system of territo-
rially organized states operating in an anarchic environment. These
states are constitutionally independent (sovereign) and have exclu-
sive authority to rule within their own borders. They relate to the
population within their borders as citizens (Staatsangehoeringe, those
belonging to the State) and to other states as legal equals” (tradução
livre). CAPORASO, James. Changes in the Westphalian order: terri-
tory, public authority, and sovereignity. In: ______. (Org.). Continuity
and change in the Westphalian order. Malden, USA; Oxford, UK: Black-
well Publishers, 2000. p. 2.
88 A síntese da força simbólica atribuída a Vestfália nestes termos
é feita por Benno Teschke TESCHKE, Benno. Theorizing the West-
phalian System of States: international relations from absolutism to
capitalism. European Journal of International Relations, v. 8, n. 1, p. 5-48,
2002. p. 6.
89 A ideia reinante de “uma ordem política medieval” era dotada
de uma substancial consistência veiculada através da ideia de Respub-
lica christiana, a partir da qual se forjava uma concepção de “comu-
nidade normativa entre cristãos” não obstante a existência de uma
multiplicidade de formas de organizações políticas locais.
90 Cf. FALK, Richard. Revisiting Westphalia, discovering West-
phalia. The Journal of Ethics: an international philosophical review,
Springer Netherlands, v. 6, n. 4, p. 311-352, Dec. 2002.
91 A ideia de Vestfália é curiosamente recuperada pelos Estados
no processo de descolonização, conceito importado da Europa e
utilizado para reivindicar o status soberano frente à opressão das
metrópoles Cf. SPRUYT, Hendrik. The End of Empire and the Ex-
JUNIOR, Luiz Magno Pinto Bastos. Rever ou romper com Vestfália? por uma releitura da efetiva contribuição dos acordos de paz de 1648 à construçào do modelo vestfaliano de Estados. Revista de
Direito Internacional, Brasília, v. 14, n. 1, 2017 p. 357-376
372
No entanto, defende-se nesta seção que esse mode-
lo vestfaliano não guarda conexão com os acordos de
Paz celebrados em 1648, mas são fruto da ideologia da
soberania construída ao longo do século XIX. Trata-se
de um modelo normativo construído a partir da ideia
de que o nascimento do sistema de estados remonta à
Vestfália.
O modelo vestfaliano veicula uma ideia-força que
atua como um mecanismo orgânico (mito etiológico92)
dotado de uma força social tremenda no seio da cons-
ciência compartilhada pela comunidade internacional93.
Sua natureza mítica também é defendida por Andreas
Osiander, para quem o modelo normativo por si vei-
culado representa o modelo contra o qual os esforços
teóricos de explicação das mudanças em curso deverão
ser confrontados (por isso esse retorno frequente a
Vestfália)94.
O reconhecimento de que Vestfália reveste-se de na-
tureza mítica decorre da constatação da existência do
tension of the Westphalian System: The Normative Basis of the
Modern State Order. In: CAPORASO, J. (Org.). Continuity and change
in the Westphalian order. Malden, USA; Oxford, UK: Blackwell Pub-
lishers, 2000. p. 65- 92.
92 De acordo com Stephan Beaulac, “Myths may be classied ac-
cording to their topics, based on what they are about, although any
such attempt is somewhat dubious as the categories are not mutually
exclusive and the borders between them remain vague. Generally
speaking, however, one can identify the following ve types of myth:
(i) aetiological myths, concerning the origin of things; (ii) eschato-
logical myths, about the nal end of things; (iii) soteriological myths,
pertaining to momentous saving and salvation; (iv) ritual myths,
combining rites with narratives; and, (v) heroic myths, relating to
accounts of glorious deeds and accomplishments: see M S Day, The
Many Meanings of Myth (1984) 21-27. Aetiology (spelt ‘etiology’
in American English) is interested in the beginning of things and
the reason for things: see E Thomas Lawson, ‘The Explanation of
Myth and Myth as Explanation’ (1978) 46 J American Academy Rel
507. Many authors have in fact restricted mythology to origin myths
− also referred to as ‘myths of beginnings’ or ‘creation-myths’. The
aetiological category would include: (a) theogonic myths, pertaining
to the origin of gods; (b) cosmogonic myths, concerning the origin
of the world; and, (c) anthropogonic myths, relating to the origin
of human kind.” BEAULAC, Stéphane. The Westphalian model in
dening international law: challenging the myth. Australian Journal of
Legal History, v. 8, n. 2, p. 181-213, 2004. p. 186
93 A linguagem não tem o condão somente de representar a
realidade, mas ela pode desempenhar um papel ativo na criação e
transformação da própria realidade, inclusive, modelando a con-
sciência compartilhada (shared consciousness) da sociedade BEAULAC,
Stéphane. The Westphalian model in dening international law:
challenging the myth. Australian Journal of Legal History, v. 8, n. 2, p.
181-213, 2004. p. 181-182.
94 Cf. OSIANDER, Andreas. Sovereignty, international relations,
and the Westphalian myth. International Organization, Cambridge
Journals, v. 2, n. 55, p. 251-287, Spring 2001
um consenso fartamente compartilhado sobre as ex-
plicações racionais relativas à origem deste sistema de
Estados. Desta forma, por mais que se desconstruam
as evidências empíricas sobre as quais se assentam suas
premissas95, mesmo que se demonstre que a Paz de Ves-
tfália não se agura compatível ao modelo de estados
soberanos96, ainda assim, a expressão não deixa perder
sua função, já que se congura como um autêntico dog-
ma, um sistema de crença sobre a origem das relações
internacionais modernas. O conjunto de ideias por ela
evocadas desempenha funções sociais que variam de
acordo com o transcurso do tempo97, modelando a
forma como são compreendidas as relações internacio-
nais98 e fornecendo as bases para a construção da visão
de mundo que estrutura cognitivamente (cognitive script99)
a compreensão das relações no cenário internacional100.
A força constitutiva destas categorias é tamanha
que Marcílio Franca Filho defende que toda a visão de
mundo que estrutura os modos contemporâneos e mo-
95 Cf. OSIANDER, Andreas. Sovereignty, international relations,
and the Westphalian myth. International Organization, Cambridge
Journals, v. 2, n. 55, p. 251-287, Spring 2001.
96 Cf. KRASNER, Stephan. Rethinking the sovereign state mod-
el. Review of International Studies, Cambridge Journals, v. 27, n. 5, p.
17-42, Dec. 2001.
97 Cf. BEAULAC, Stéphane. The Westphalian model in dening
international law: challenging the myth. Australian Journal of Legal
History, v. 8, n. 2, p. 181-213, 2004. p. 177.
98 “They resort to the expression ‘westphalian model’, in most
cases, as a ‘convenient shortland’ to explain the fundamental juristic
basis of the world organization (or disorganization) founded on the
principle of the sovereignty equality of states, in which is rooted
the whole scheme of international relations, as well as the rules of
international law. Legally-empowered image of our international
system as an association of sovereign states.” BEAULAC, Stéphane.
The Westphalian model in dening international law: challenging
the myth. Australian Journal of Legal History, v. 8, n. 2, p. 181-213,
2004. p. 212
99 KRASNER, Stephan. Rethinking the sovereign state model.
Review of International Studies, Cambridge Journals, v. 27, n. 5, p.
17-42, Dec. 2001 defende que toda forma de organização política
é constituída a partir de um conjunto de regras estruturantes que
fornecem parâmetros para a compreensão e para a legitimação da
atuação dos diferentes atores políticos envolvidos. Estas regras bási-
cas (cognitive script), além de serem fartamente compreendidas, são
sistematicamente violadas, constituindo aquilo que ele denomina de
“hipocrisia organizada”, quando uma desconexão entre as nor-
mas e as ações políticas. Esta característica (“hipocrisia organizada”),
na visão do autor, está presente em todos os modelos de organi-
zação (para além do modelo de soberania estatal) e uma adequada
compreensão deste modelos pressupõe a sua articulação com as for-
mas institucionalizadas de desrespeito às suas regras constitutivas.
100 KRASNER, Stephan. Rethinking the sovereign state model.
Review of International Studies, Cambridge Journals, v. 27, n. 5, p. 17-
42, Dec. 2001. p. 17.
JUNIOR, Luiz Magno Pinto Bastos. Rever ou romper com Vestfália? por uma releitura da efetiva contribuição dos acordos de paz de 1648 à construçào do modelo vestfaliano de Estados. Revista de
Direito Internacional, Brasília, v. 14, n. 1, 2017 p. 357-376
373
dernos de compreender e aplicar o direito baseia-se no
tripé: estatalidade-racionalidade-unidade101. De acordo
com este tripé, o direito é identicado como as regras
impostas somente pelo Estado, as quais conguram as
únicas válidas, em uso e efetivas no seu território e con-
cebidas em consonância com os princípios da coerência,
sistematização, harmonia e lógica. A categoria jurídico-
-política “Estado”, que emerge vinculada ao modelo de
soberania estatal, é a base para o estudo e compreensão
deste modelo de Direito que vem se formando desde a
desintegração do mundo feudal102.
Neste mesmo sentido se encontra a lição de Celso
Lafer, bastante difundida entre nós, para quem a força
simbólica da Paz de Vestfália “representou a consolida-
ção de uma ordem mundial constituída exclusivamente
pelos governos dos Estados soberanos. Estes teriam
liberdade absoluta para governar um espaço nacional
– territórios podendo entrar em acordos voluntários
tratados para regular as relações externas e intra-
conexões de variados tipos”103. Este conjunto de ideias
veicula uma lógica própria no âmbito das relações inter-
nacionais, denominada pelo autor de Lógica de Vestfá-
lia, segundo a qual: (i) os atores políticos são os Estados
(soberanos e iguais por at jurídico, não em razão de
uma ordem exterior); (ii) a lei teria como fundamento
a vontade dos governos e a percepção recíproca dos
interesses comuns; (iii) a harmonia entre os povos seria
fruto de um equilíbrio mecânico do poder; (iv) a coe-
xistência de uma multiplicidade de Estados soberanos,
segurança baseada na capacidade de autodefesa e de
alianças especícas com outros Estados.
Esta concepção jurídica da sociedade internacional
como sendo estatalista (centrada na gura do Estado)
guiou e condicionou os processos de adesão e participa-
101 FRANCA FILHO, Marcílio Toscano. Westphalia: a para-
digm? A dialogue between Law, art and philosophy os science. The
German Law Journal, v. 8, n. 10, p. 955-976, 2007. p. 957.
102 Estado e Direito mantêm entre si uma relação de interfer-
ência recíproca de forma tal que o Direito (a partir do direito con-
stitucional) é tido como algo que dá forma, constitui e conforma
um determinado sistema de organização política. Este, por sua vez,
reveste-se da característica principal de monopolizar o poder políti-
co-jurídico sobre uma determinada comunidade circunscrita a um
determinado território. FRANCA FILHO, Marcílio Toscano. West-
phalia: a paradigm? A dialogue between Law, art and philosophy os
science. The German Law Journal, v. 8, n. 10, p. 955-976, 2007. p. 957.
103 LAFER, Celso. Os dilemas da soberania. In: ______. Para-
doxos e possibilidades: estudos sobre a ordem mundial e sobre a política
exterior do Brasil num Sistema Internacional em Transformação.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982. p. 69-70.
ção em todas as instituições internacionais mais repre-
sentativas. Somente os Estados plenamente soberanos
são tratados como dotados das qualicações necessá-
rias para sua completa associação e participação nestas
organizações104. Este modelo (supostamente) vestfalia-
no, sem maiores diculdades, possibilita a acomodação
de realidades de desigualdade radical entre os Estados,
quer seja em relação ao tamanho, à riqueza, ao poder ou
ao papel internacional105.
Este sistema de estados que regia a política interna-
cional, na denição de Mark Zacher, era regulado pelo
“princípio legal de ordenação, a saber, a obrigação de
respeito mútuo pela soberania” e caracterizado por uma
“forma principal de conduta representada por um alto
grau de autonomia do Estado nos assuntos internos e
externos”106. Um conjunto de condições fundamentais,
a que o autor denomina de “pilares de Vestfália”107, da-
104 Na visão de Claire Cutler, nisto reside os fatores da atual
crise de legitimidade do modelo vestfaliano, ou seja, na sua inca-
pacidade de descrever, adequadamente, uma série de fenômenos
na prática internacional dos Estados. As noções de autoridade e de
poder veiculadas por este modelo reconhecem somente os Estados
e as instituições públicas como atores internacionais. A centralidade
dos papéis desempenhados por estes atores é perceptível tanto
no âmbito das organizações internacionais, quanto em relação ao
reconhecimento como sujeito de direito. Na visão da autora, tais
noções ignoram a participação de corporações transnacionais e de
organizações sociais privadas (tais instituições operam como sujeitos
invisíveis). Paradoxalmente, ao negar-lhe o status de sujeito de dire-
ito, tais noções concorrem para que se acelere a expansão do poder
das corporações no mundo, através de movimentos de globalização,
privatização e desregulamentação. A autora sustenta que a falta de
adequação ou assimetria entre teoria e prática está se tornando mais
aguçada, sinalizando a crise de legitimidade que subjaz latente ao
modelo. Cf. CUTLER, A. Claire. Critical reections on the West-
phalian assumptios of international law and organization: a crisis of
legitimacy. Review of International Studies, Cambridge Journals, v. 27, n.
2, p.133-150, 2001.
105 Cf. FALK, Richard. Revisiting Westphalia, discovering West-
phalia. The Journal of Ethics: an international philosophical review,
Springer Netherlands, v. 6, n. 4, p. 311-352, Dec. 2002.
106 Cf. ZACHER, Mark W. Os pilares em ruína do templo de
Vestfália. In: ROSENAU, J.; CZEMPIEL, E-O. (Org.). Governança
sem governo: ordem e transformação na política mundial. Brasília:
UnB; Imprensa Ocial, 2000. p. 86-87.
107 O autor os lista da seguinte forma: “o desejo dos governantes
de evitar incursões na área dos seus próprios poderes; a inexistência
de uma ideologia transnacional que competisse seriamente com os
Estados pela lealdade política dos povos; uma memória histórica (e/
ou a percepção da probabilidade) da existência de níveis sobrepostos
de autoridade política e de lealdade conitante, apontando para a
desordem e a violência maciça; um conjunto comum de valores que
engendram um elemento de respeito pelos outros Estados e por
seus governantes; e a provisão aos cidadãos, pelos Estados, de va-
lores importantes como a proteção da vida e o bem-estar econômi-
co” ZACHER, Mark W. Os pilares em ruína do templo de Vestfália.
JUNIOR, Luiz Magno Pinto Bastos. Rever ou romper com Vestfália? por uma releitura da efetiva contribuição dos acordos de paz de 1648 à construçào do modelo vestfaliano de Estados. Revista de
Direito Internacional, Brasília, v. 14, n. 1, 2017 p. 357-376
374
vam sustentação ao princípio de respeito recíproco pela
soberania dos Estados e aguram-se, em certa medida,
corroídos e erodidos ensejando a necessidade de sua su-
plantação.
A cadeia de coimplicação e de justicação recípro-
ca em torno da unicação da autoridade, de um lado,
e o desenvolvimento de mecanismos institucionais de
dominação em bases territoriais, de outro, juntos, for-
necem as bases materiais e funcionais para o desenvol-
vimento do princípio da territorialidade. A unidade ter-
ritorial do Estado-nação passa a ser, então, a referência
a partir do qual o problema da justa ordenação social
é estruturado; agura-se como a unidade metodológica
por meio da qual a cartograa do poder distribui a auto-
ridade em termos de unidades territoriais limitadas (bor-
dered territorial unit)108. Pertinente a imagem veiculada por
Nancy Fraser, segundo a qual a ideia central de Vestfália
representa “um imaginário político que mapeou o mun-
do como um sistema de Estados territoriais soberanos
mutuamente reconhecidos”109.
5. consIdeRAções FInAIs
Apesar de todo o esforço de desconstrução até aqui
empreendido e mesmo após a compilação de evidências
empíricas a partir das quais seria possível armar que
os tratados de Paz assinados nas cidades de Münster
e Osnabrück em 1648 não são compatíveis com o que
se conhece por “sistema vestfaliano”, ainda assim, não
se pode negar a força simbólica e o caráter mítico que
se revestiu a expressão Vestfália. Ademais, a dimensão
mítica sobre a origem do sistema de Estados e sobre a
condição soberana de que se lhe reveste, é amplicada
no âmbito do constitucionalismo, sendo incorporada
à gramática do direito constitucional de tal forma que
se passa a armar não haver direito, sem Estado; nem
Estado, sem constituição; nem constituição, sem poder
soberano.
In: ROSENAU, J.; CZEMPIEL, E-O. (Org.). Governança sem governo:
ordem e transformação na política mundial. Brasília: UnB; Imprensa
Ocial, 2000. p. 88.
108 SCHOLTE, Jan Aart. What is “global” about globalization?
In: HELD, D.; McGREW, A.(Ed.). The global transformations reader: an
introduction to the globalization debate. 2. ed. Cambridge; Malden:
Polity Press, 2003. p. 84-91.
109 FRASER, Nacy. Reenquadrando a justiça em um mundo glo-
balizado. Lua Nova: Revista de cultura e política, CEDEC, n. 77, p.
11-39, 2009. p. 13.
A expressão “ordem vestfaliana” e tudo o que ela
representa se construiu muito depois de Vestfália e em
(quase) nada se identica com a natureza dos Acordos
de Paz de 1648 e com o arranjo legal-institucional por
eles forjados. Apesar disso, a expressão não perde sua
função, já que se congura como um autêntico dogma,
um sistema de crença sobre a origem das relações inter-
nacionais modernas.
O aspecto realmente diferenciado dos referidos
acordos não decorre tanto de sua feitção internacional,
mas sobretudo dos arranjos institucionais que a marcam
a constituição do Império Sacro Romano. Isto posto,
desconstruir Vestfáilia importa em empreender um con-
vite que se revisite Vestfália. Não tanto para compreen-
der a origem do Sistema de Estados, mas sobretudo o
impacto que os Tratados tiveram para a consolidação de
um sistema multinivelado de autoridades no interior do
império e de suas conexões internacionais.
A identicação de Vestfália a uma narrativa-pardão
sobre os eventos histórios e sobre os seus efeitos acaba
por encobrir o fato de que tais narrativas se prestam
a reproduzir determinadas premissas de um modelo
que pretende fazer frente às necessidades europeias de
justicação da expansão do século XIX. E, mais ainda,
quando se pretende compreender os processos de reor-
denação nas relações internacionais (e de poder) nos
cenários pós-vestfalianos.
Os acordos de Paz, apesar das dimensões continen-
tais do conito, não apresentaram nenhuma inovação
signicativa em face dos demais acordos de paz inter-
dinásticos dos séculos XV e XVI. Não mudanças
signicativas quanto ao “poder de celebrar tratados”,
quanto “ao reconhecimento internacional das autorida-
des envolvidas no conito”, nem exatamente, quanto
ao “acoplamento da autoridade soberana ao território”.
O potencial transformativo dos tratados de Vestfá-
lia, como visto, teriam sido decorrentes de sua feição
híbrida, que a sua dimensão internacional permitiu
que houvesse a posterior transferência das cláusulas
de tolerância religiosa e dos arranjos institucionais de
controle e contenção internas (entre o Imperador e os
príncipes) para o cenário europeu. Somente simbolica-
mente é possível fazer retroagir a lógica de Vestfália aos
acordos de Paz de Vestfália celebrados em Münster e
Osnabrück, em 1648.
Desta forma, olhar para além da narrativa tradicional
atribuída aos tratados de Vestfália, muito mais do que
JUNIOR, Luiz Magno Pinto Bastos. Rever ou romper com Vestfália? por uma releitura da efetiva contribuição dos acordos de paz de 1648 à construçào do modelo vestfaliano de Estados. Revista de
Direito Internacional, Brasília, v. 14, n. 1, 2017 p. 357-376
375
um esforço de arqueologia conceitual, permite sejam
produzidas visões alternativas/concorrentes que po-
dem suscitar insights interessantes para o enfrentamento
dos desaos contemporâneos de compartilhamento de
autoridade em um mesmo espaço.
ReFeRêncIAs
BASTOS JUNIOR, Luiz Magno Pinto. Territorialida-
de, Soberania e Constituição: As Bases Institucionais
do Modelo de Estado Territorial Soberano. Revista No-
vos Estudos Jurídicos, v. 19, n. 1, 2014. Disponível em:
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cle/view/5547/2953>.
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O presente artigo tem como escopo analisar a responsabilidade internacional imposta pela Corte Internacional de Justiça, pela Corte Interamericana de Direitos Humanos e pela Corte Europeia de Direitos Humanos, cada uma em seu âmbito, aos Estados por violação aos direitos humanos, abordando o caráter protetor dessas cortes aos direitos humanos, a vinculação de suas decisões e de que forma os Estados são por elas afetados e influenciados, concentrando-se no momento pós-violação aos direitos humanos.
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RESUMOO presente artigo investiga a (r)evolução do conceito de soberania estatal em face da supremacia do princípio da dignidade da pessoa humana nas relações internacionais. Enfoca a relativização que a soberania dos Estados Nacionais vem sofrendo ante o caráter prioritário atualmente conferido ao princípio da dignidade da pessoa nas relações internacionais. A mundialização da justiça exige uma reestruturação da sociedade internacional que, na luta pela preservação dos direitos humanos, põe em xeque a manutenção da rigidez do Direito que os Estados possuem de se autodeterminar e de não sofrer intervenção de outros Estados ou organizações internacionais. O atual cenário internacional, com prioridade na defesa dos direitos humanos, não mais admite violações ao princípio da dignidade da pessoa, assistidas passivamente pela sociedade internacional. A origem e a (r)evolução histórica do conceito de soberania, assim como o fortalecimento do princípio da dignidade humana instigam a presente pesquisa. Assim, diante deste cenário mundial, exsurge o problema a ser debatido no artigo. O trabalho adota o método de abordagem dedutivo, e as pesquisas bibliográfica e documental como método de procedimento.PALAVRAS-CHAVEDireitos Humanos. Soberania. Dignidade Humana. Efetividade. ABSTRACTThis article investigates the (r)evolution of the concept of state sovereignty in the face of the supremacy of the principle of the dignity of the human in international relations. It focuses on the relativization that the sovereignty of the National States has suffered in the face of the priority given to the principle of the dignity of the human person in international relations. The globalization of justice requires a restructuring of the international society which, in the struggle for the preservation of human rights, puts in check the maintenance of the rigidity of the law that the states have of self-determination and of not being subject to intervention of other States or international organizations. The current international scenario, with priority in the defense of human rights, no longer admits violations of the principle of the dignity of the human being, passively assisted by international society. The origin and historical (r)evolution of the concept of sovereignty, as well as the fortification of the principle of human dignity instigate the present research. Thus, in light of this world scenario, the problem to be debated in the article excludes. The work adopts the method of deductive approach, and bibliographical and documentary research as method of procedure.KEYWORDSHuman Rights. Sovereignty. Human Dignity. Effectiveness.
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O artigo expõe uma parte pouco comentada do pensamento de Francisco de Vitoria, a quem se costuma atribuir papel importante no desenvolvimento da ciência do Direito Internacional. Em seus comentários à Suma Teológica de Tomás de Aquino, Vitoria propôs um caso hipotético para ilustrar a obrigatoriedade do direito das gentes. Narrou o suposto assassinato do embaixador francês na Espanha, afirmando que tal conduta seria injusta por violar o ius gentium. Tal reprovabilidade foi justificada em dois níveis, que Vitoria relacionou a duas espécies de direito das gentes. O primeiro destes seria geral e decorreria de um consentimento virtual de todo o universo, enquanto que o segundo seria específico e resultaria do acordo entre algumas nações. A distinção é feita de passagem e o mestre salmantino não a desenvolve. Nas páginas a seguir, argumenta-se que a dualidade no direito das gentes é uma marca distintiva do pensamento vitoriano. Assim, expõem-se outras passagens da obra do dominicano nas quais a distinção mencionada reaparece perante casos concretos. Para efeitos de comparação, o artigo também descreve e responde a interpretações diferentes, feitas por outros estudiosos de Vitoria. Conclui-se que a dualidade no ius gentium contribui para aproximá-lo do direito natural, indicando-lhe uma finalidade e controlando os excessos do voluntarismo estatal.
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O objetivo deste artigo consiste em identificar um conjunto de elementos constitutivos do chamado modelo de “estado territorial soberano” que serviu de base para a consolidacao do estado moderno e, por conseguinte, da propria teoria constitucional. Estes elementos constitutivos permitem a identificacao das bases institucionais sobre as quais se erigiu o Estado moderno e os elementos que compoem a matriz operativa a partir da qual, desde entao, se estrutura a forma de ordenacao do politico na modernidade. Desta forma, o modelo aqui identificado de “estado territorial soberano” sera tratado como principio organizativo e sera decomposto em quatro dimensoes distintas (autoridade, principio organizativo, fundamento de legitimidade e criterio para construcao de identidades) que servirao de fio condutor para a compreensao das transformacoes experimentadas no processo de consolidacao desse modelo de organizacao da comunidade politica e dos seus influxos no desenvolvimento do conceito de soberania.
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Com base no método genealógico, conforme proposto por Michel Foucault, o artigo analisa as condições de existência do Estado territorial moderno. Trata-se de uma forma política que emergiu na Idade Clássica (séculos XVII e XVIII) e prosperou por meio da articulação de um regime de poder próprio: a soberania. Nesse sentido, o artigo argumenta que a soberania, na Idade Clássica, foi capaz de articular poder e saber em um mesmo quadro, produzindo um conjunto de dispositivos, estratégias e tecnologias de poder que terminaram por estabelecer modos de conhecer e de agir no mundo que tinham como referência ubíqua o estado territorial soberano.
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This article provides a new approach, revolving around contested property relations, for theorizing the constitution, operation and transformation of geopolitical systems, exemplified with reference to early modern international relations. Against the cross-paradigmatic IR consensus that equates the Westphalian Settlement with the codification of modern international relations, the article shows to which degree 17th and 18th century European geopolitics remained tied to rather unique pre-modern practices. These cannot be understood on the basis of realist or constructivist premises. In contrast, the theoretical argument is that the proprietary and personalized character of dynastic sovereignty was predicated on pre-capitalist property relations. Dynasticism, in turn, translated into historically specific patterns of conflict and cooperation that were fundamentally governed by the competitive logic of geopolitical accumulation. The decisive break to international modernity comes with the rise of the first modern state — England. After the establishment of a capitalist agrarian property regime and the transformation of the English state in the 17th century, post-1688 Britain starts to restructure international relations in a long-term process of geopolitically combined and socially uneven development.
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The acceptance of the United Nations Charter by the overwhelming majority of the members of the family of nations brings to mind the first great European or world charter, the Peace of Westphalia. To it is traditionally attributed the importance and dignity of being the first of several attempts to establish something resembling world unity on the basis of states exercising untrammeled sovereignty over certain territories and subordinated to no earthly authority.