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RESUMO
O trabalho analisa o direito de imagem do jogador prossional de futebol. Investiga a
natureza do contrato de licença para uso da imagem do atleta e suas implicações legais,
trabalhistas e nanceiras a partir do caso envolvendo o atacante Luizão e o Sport Club
Corinthians Paulista em 2002. O direito de imagem consiste em um contrato de licença
para uso da imagem do atleta. Este autoriza a exploração da sua imagem por meio de
um ajuste de valores com o clube empregador. Na prática, o direito de imagem tem
sido usado para burlar os valores das contribuições sociais e obrigações tributárias por
partes de clubes e atletas.
Palavras-chave: Atleta prossional; direito de imagem; jogador de futebol.
ANÁLISE SOBRE O DIREITO DE IMAGEM
DO JOGADOR DE FUTEBOL
http://dx.doi.org/10.5007/2175-8042.2011v23n37p134
Motrivivência Ano XXIII, Nº 37, P. 134-155 Dez./2011
1 Doutor em Sociologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2007), Mestre em Sociologia
pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2003), Bacharel em Ciências Sociais pela Universidade
do Estado do Rio Grande do Norte (2000). Atualmente é Professor Efetivo Adjunto I e Chefe do
Departamento de Sociologia e Ciência Política. É Professor Permanente do Programa de Pós-Graduação
em Estudos de Cultura Contemporânea na UFMT. Contato: fxsociologo@yahoo.com.br
2 Docente do Instituto Federal de Mato Grosso. Contato: chriszf@hotmail.com
1. Introdução
Este trabalho tem por ob-
jetivo analisar o direito de imagem
do jogador de futebol prossional.
Trata-se de uma abordagem socioló-
gica sobre alguns aspectos jurídicos
da prossão de jogador de futebol
no Brasil, tais como o contrato de
trabalho do jogador de futebol, os
sujeitos do contrato de trabalho,
os direitos de arena e de imagem
no futebol prossional. O prazo de
duração do contrato de trabalho
do jogador prossional, o horário
de trabalho e a remuneração do
prossional de futebol são outros
temas tratados ao longo do texto.
Francisco Xavier Freire Rodrigues1
Christiany Regina Fonseca2
Ano XXIII, n° 37, Dez./2011 135
Os procedimentos meto-
dológicos adotados são próprios
da pesquisa qualitativa. Trata-se da
análise de artigos produzidos sobre
o tema e a recuperação de mate-
riais trabalhados na nossa tese de
doutorado3. Defende a hipótese de
que o contrato de licença de uso de
imagem do jogador de futebol tem
sérias implicações legais, trabalhistas
e nanceiras, sendo usado como sub-
terfúgio dos clubes para desvincular
os contratos e facilitar as fraudes jun-
to à previdência e demais encargos
trabalhistas. Trata-se, na verdade, de
um mecanismo para mascarar a uma
relação de emprego.
2. O Contrato de trabalho do
jogador de futebol
Antes de tratarmos dire-
tamente do contrato de trabalho
do jogador de futebol, é necessário
conceituar contrato. Alice Monteiro
de Barros (2003: 28) defende que o
contrato pode ser entendido como o
ajuste expresso ou tácito através do
qual uma pessoa física se comprome-
te, livremente, a prestar um serviço
de natureza não-eventual, mediante
salário e subordinação, em favor de
outra ordem (entidade, pessoa físi-
ca ou jurídica). A Consolidação das
Leis do Trabalho no seu artigo 442
dene o contrato de trabalho como
o “Contrato individual de trabalho
é o acordo tácito ou expresso, cor-
respondente à relação de emprego”.
Trata-se de um contrato de direito
privado, que repousa no princípio da
autonomia da vontade (RODRIGUES,
2007).
A formação de um contrato
de trabalho pressupõe três requisi-
tos: capacidade4, consentimento e
licitude do objeto5. É bom lembrar
que na Bélgica não se permite a ce-
lebração de contrato de trabalho de
desportista remunerado antes que
o indivíduo tenha nalizado seus
estudos escolares, o que signica a
exigência de capacidade de vontade
e consentimento do indivíduo para
assumir atos da vida civil.
A Lei Geral sobre o Despor-
to (artigos 28 e 30) estabelece que o
contrato de trabalho do atleta pros-
3 RODRIGUES, Francisco Xavier Freire. O m do passe e a modernização conservadora no futebol
brasileiro (2001-2006). Porto Alegre: UFRGS, 2007. Consultar especialmente o Capítulo 4 – A prossão
de jogador de futebol no Brasil contemporâneo: aspectos jurídicos e sociológicos, pp. 170-215.
4 Capacidade consiste na aptidão para adquirir direitos e contrair obrigações. A menoridade cessa
aos 18 anos quando a pessoa ca habilitada à prática de toso os atos da vida civil (Código Civil
Brasileiro).
5 Com base no artigo 104, inciso II, do CCB, o direito do trabalho só tutela um contrato quando o
objeto é lícito.
136
sional será formal, por escrito e com
prazo determinado. O contrato de
trabalho do jogador de futebol pro-
ssional apresenta peculiaridades.
É um contrato por prazo determina-
do, com início e termo estipulados
quando de sua assinatura. Depois
de extinto o contrato de trabalho,
não existe mais qualquer vínculo
entre o clube e o atleta prossional
(RODRIGUES, 2007).
O contrato de trabalho do
atleta prossional de futebol deve
conter o número da Carteira de Tra-
balho e Previdência Social (CTPS), os
nomes das partes contratantes de
forma individualizada; o modo e a for-
ma de remuneração; a especicação
dos salários, prêmios, graticações,
bonicações, o valor das luvas, etc.
Para o atleta celebrar um
contrato de trabalho com uma
entidade de prática desportiva é
necessário ter a capacidade. Não é
permitido aos menores de 16 anos
de idade praticar o futebol prossio-
nal (PESSOTTI, 2003: 5).
A Lei nº 6354/1976, no
seu artigo 5, parágrafo único, prevê
que é vedado ao jogador de futebol
celebrar contrato de trabalho se for
menor de 16 anos, sendo permitido
ao maior de 16 anos e menor de 18,
com a aquiescência do representan-
te legal6, conforme o Código Civil
Brasileiro de 2003. É bom lembrar
que a nossa Constituição Federal
(Art. 7, inciso XXXIII) estabelece que o
contrato de trabalho de menor de 16
anos é nulo, exceto na condição de
aprendiz e exige-se que tenha pelo
menos 14 anos de idade.
A determinação legal que
proíbe que atletas menores de ida-
de assinem contratos de trabalho
com clubes prossionais tem uma
função importante no sentido de
impedir que atletas ainda juvenis ou
juniores saiam do Brasil para jogar
em outros países. Isso ocorreu com
alguns jogadores que se transferi-
ram sem chegar a se prossionali-
zarem aqui no Brasil. Duarte (2004:
20), cita os casos de Sonny Anderson
(Villareal-ESP), Maxwell (Ájax-Hol),
Thiago Motta (Barcelona-ESP) e
Geovane Élber (Lyon-FRA).
Segundo o advogado Dé-
cio Neuhaus (2001: 13), consultor
jurídico do Tribunal de Justiça Des-
portiva, em seu estudo sobre a Lei
Pelé, “além de ter o registro na cartei-
ra de trabalho os atletas assinam um
contrato padrão modelo CBF (este
obrigatório) onde constam dados
de identicação do atleta, do clube,
da federação, início e término do
contrato, aptidão física e o vínculo
desportivo”.
6 Se o atleta tiver mais de 16 anos completos e menos de 18, na falta de um representante legal que
autorize o contrato, este pode ser celebrado mediante suprimento judicial.
Ano XXIII, n° 37, Dez./2011 137
Nesse contrato existem
cláusulas pré-estabelecidas, com o
que o contrato de trabalho pode ser
denominado de contrato de adesão.
A minuta desse contrato é fornecida
pela CBF, a entidade administradora
do futebol no Brasil. O contrato de
trabalho do jogador de futebol é assi-
nado em quatro vias. Uma é enviada
para a CBF, outra para a Federação do
estado do clube empregador, outra
para o clube e outra via para o atleta.
Depois de assinadas, as quatro vias
são encaminhadas à Federação e
depois à CBF.
Muitos clubes de futebol
de pequeno porte não têm o hábito
de entregar cópia do contrato ao
atleta, o que pode causar problemas
futuros, dicultando um eventual
procedimento administrativo ou
judicial pretendido pelo atleta.
Décio Neuhaus chama
atenção para o fato de que as federa-
ções estaduais e a CBF são entidades
ligadas diretamente aos clubes de
futebol, favorecendo quase sempre
aos empregadores. Sabemos que
os dirigentes das federações são
escolhidos pelos clubes. A Diretoria
da CBF é eleita por um colégio elei-
toral formado por representantes
de clubes e federações. Talvez esta
seja uma das razões pelas quais “a
maior parte das federações e a CBF
demonstra uma grande má vontade
em fornecer cópias de documentos
e declarações aos atletas, temendo
que os mesmos sejam utilizados em
processos judiciais contra os clubes,
seus ‘patrões’” (MACIEL, 2003: 17).
Uma prática freqüente no
mundo futebolístico é a sonegação
de dados. A maioria dos grandes
clubes de futebol omite dados
referentes aos contratos com os
jogadores para burlar o Governo e
os atletas. Alguns clubes registram
no contrato remuneração inferior ao
que realmente é pago ao atleta, isso
para evitar o pagamento de taxas ad-
ministrativas elevadas. Constatamos
isso quando tivemos acesso a uma
cópia do contrato de trabalho de Ro-
naldo de Assis Moreira, o Ronaldinho
Gaúcho, assinado com o Grêmio Fu-
tebol Porto Alegrense em fevereiro
de 1997 (RODRIGUES, 2007).
No contrato de Ronaldi-
nho Gaúcho, registrado na CBF em
01 de fevereiro de 1997, consta o va-
lor do salário de R$ 1.000,00 (um mil
reais). Esse valor não revela o salário
real que o atleta recebia naquela
época, pois é um valor irrisório.
Esse contrato que foi enviado à CBF
cumpria apenas uma formalidade.
Segundo Maciel (2003), além desse
contrato, o referido atleta assinou
com o clube gaúcho (Grêmio Fute-
bol Porto Alegrense) um outro con-
trato no qual o valor é cinco vezes
maior do que aquele registrado no
contrato da CBF.
Entendemos que registrar
um valor junto à CBF e pagar outro
138
valor diferente ao atleta constitui
uma estratégia comum entre os
grandes clubes brasileiros. Defen-
demos essa idéia porque consta-
tamos uma situação parecida no
ano seguinte, quando o Grêmio
Futebol Porto Alegrense repetiu
a mesma infração em relação ao
mesmo jogador, demonstrando
que não se trata de um fato oca-
sional. O novo contrato firmado
em 1998 entre Ronaldo e o clube
porto-alegrense apresenta como
valor salarial, registrado em contra-
to padrão da CBF, R$ 2.500,00 (dois
mil e quinhentos reais), e no outro
contrato o valor R$ 20.000,00 (vin-
te mil reais). Isso é uma dimensão
do lado negro do futebol (RODRI-
GUES, 2007).
Concordamos plenamente
com Maciel (2003) quando sugere
que isso pode ter a participação da
CBF. Segundo ela, é difícil imaginar
que um órgão como a CBF “acredite”
nos valores informados pelos clubes,
sem desconar de nada, porém não é
difícil entender qual o benefício dela
nesta relação.
É importante lembrar aqui
o que está previsto no artigo 41 §
1º da Lei n° 9.615/98: “A entidade
convocadora indenizará a cedente
dos encargos previstos no contrato
de trabalho, pelo período que durar
a convocação do atleta, sem prejuízo
de eventuais ajustes entre e a entida-
de convocadora”.
A CBF aceita tais práticas
porque se benecia também em
caso de convocação de jogadores
para a seleção brasileira. Tendo ainda
o mesmo atleta como exemplo, po-
demos imaginar a seguinte situação:
em caso de convocação de Ronaldi-
nho Gaúcho para servir à seleção,
a CBF somente estaria obrigada a
remunerá-lo pelo valor constante
no contrato registrado. “Esta vanta-
gem multiplicada pelo número de
jogadores com salários milionários
convocados para a seleção brasileira
torna o pagamento das taxas insigni-
cantes, tornando a fraude também
benéca à entidade administradora”
(MACIEL, 2003: 18).
2.1 Sujeitos do contrato de trabalho
A Lei que dispõe sobre
as relações de trabalho do atleta
prossional de futebol é a Lei nº
6.354/76. A referida lei determina
que a CTPS do jogador de futebol
seria expedida pelo Ministério do
Trabalho, podendo também, por
meio de convênio, ser fornecida por
intermédio da confederação. A Lei
Pelé (nº 9.615/98) estabelece que a
emissão da CTPS será do respectivo
órgão competente, o Ministério do
Trabalho e Emprego (NAPIER, 2003).
Conforme Rodrigues (2007:
178-180), o contrato do atleta pros-
Ano XXIII, n° 37, Dez./2011 139
sional deverá ser registrado na enti-
dade de administração nacional do
futebol, no caso a CBF e também na
Federação Regional. Cabe à entidade
de prática desportiva empregadora
enviar cópia do contrato do atleta
prossional para estas entidades (Lei
nº 9.615/98, art. 34, inciso I). Os sujeitos
do contrato de trabalho do jogador de
futebol prossional são os atletas (em-
pregados) e os clubes ou associação
de prática desportiva (empregadores).
O contrato de trabalho em
geral engloba todo o trabalhador,
mas no caso do contrato especíco
do jogador de futebol existe a gu-
ra do atleta. Segundo Domingos
Sávio Zainaghi (1998: 59), “Atleta
profissional é todo aquele que
pratica esporte como prossão,
entendida esta como o exercício
de um trabalho como meio de
subsistência do seu exercente”.
Empregado é o atleta que pratica
o futebol em condição subordi-
nação ao empregador, mediante
remuneração e contrato (Art. 1° da
Lei n° 6.354/76). No entanto, é ne-
cessário frisar que a idade mínima
da prossionalização do atleta é
de anos. Portanto, para ser atleta
prossional de futebol o indivíduo
deverá ter 16 anos, visto que uma
idade inferior a essa impossibilita
a prossionalização. Por conse-
guinte, só poderão participar de
competições entre prossionais
os atletas com idade superior a 16
anos (Art. 36 da Lei n° 9.615/98).
A Lei n° 6.354/76 dene em
seu artigo 1°: “Considera-se empre-
gador a associação desportiva que,
mediante qualquer modalidade de
remuneração, se utilize dos serviços
de atletas prossionais de futebol, na
forma denida nesta Lei”.
A Lei n° 9.615/98 traz um
novo dado à conceituação: o em-
pregador deverá ser uma entidade
de prática desportiva, pessoa jurí-
dica de direito privado. Exclui-se a
possibilidade de empregador indi-
vidual. Este requisito busca reduzir
a possibilidade de que empresários
contratem atletas profissionais e
especulem sobre sua venda futura,
mas não consegue evitar, pois em
muitos casos, a própria pessoa física
é a proprietária de clube e apenas
formalmente é que existe a entidade
desportiva coletiva (MELO FILHO,
2000: 118).
A associação de prática
desportiva prossional deve cum-
prir uma série de formalidades para
ser considerada entidade empre-
gadora. Deve ter o registro de seus
atos constitutivos na Federação
Estadual e na Confederação, órgãos
responsáveis pela administração
do esporte. O clube, associação de
futebol, é uma das principais formas
140
de organização do futebol, sendo
um órgão promotor e facilitador do
desenvolvimento do futebol.
2.2 Prazo de duração do contrato
do jogador de futebol
A Lei n° nº 6.354 de
02/09/1976 trazia em seu artigo 3º
algumas determinações referentes
ao prazo do contrato de trabalho do
atleta prossional: II. o prazo de vi-
gência, que, em nenhuma hipótese,
poderá ser inferior a 3 (três) meses
ou superior a 2 (dois) anos.
A Lei n° 8.672 de 1993 (Lei
Zico), alterou o artigo 3º da Lei n°
6.354/76, dispondo que o contrato
do atleta profissional terá prazo
determinado, com vigência não
inferior a três meses e não superior
a 36 meses. Essa alteração implicou
no aumento do prazo de duração
do contrato de trabalho do atleta
prossional de dois para três anos.
Outras mudanças acon-
teceram no prazo de duração do
contrato de trabalho dos jogadores
prossionais. A n° 9.615/98, conhe-
cida como Lei Pelé, em sua redação
original trazia apenas que “O contra-
to de trabalho do atleta prossional
terá prazo determinado, com vigên-
cia nunca inferior a três meses” (Art.
30). Menciona apenas a previsão do
prazo mínimo de três meses para os
contratos, sem mencionar o prazo
máximo de sua vigência. A Lei n°
9.981/2000 estabeleceu o prazo
máximo e xou que os contratos de
trabalho dos jogadores de futebol
terão prazo máximo de cinco anos.
O artigo 30 da Lei n° 9.981/2000
determina que “O contrato de traba-
lho do atleta prossional terá prazo
determinado, com vigência nunca
inferior a três meses nem superior a
cinco anos”.
Percebe-se que não se apli-
ca ao contrato de trabalho do atleta
prossional de futebol o disposto no
artigo 445 da Consolidação das Leis
do Trabalho.
De certa forma, o contrato
de trabalho do atleta prossional
pode ser visto como uma espécie
de contrato de trabalho por tempo
determinado. A CLT, em seu artigo
443, dispõe: “Considera-se como de
prazo determinado o contrato de
trabalho cuja vigência dependa do
termo prexado ou da execução de
serviços especicados ou ainda da
realização de certo acontecimento
suscetível de previsão aproximada”
(Art. 443 da CLT). Trata-se de um con-
trato de trabalho especial. Conforme
Maciel (2003: 34),
É necessário que se entenda
que, por ser um contrato com
características especiais, o con-
trato do jogador de futebol que
ultrapassar o tempo previsto
não implica sua conversão em
Ano XXIII, n° 37, Dez./2011 141
por prazo indeterminado. Ao
contrato do atleta prossional
são aplicáveis as regras gerais
previstas na CLT e também as da
Seguridade Social, ressalvadas
as peculiaridades expressas na
lei ou em cláusulas contratuais.
A lei brasileira tem sofri-
do (e está sofrendo) uma série de
alterações em relação ao prazo de
duração do contrato de trabalho
do jogador de futebol prossional,
especialmente no que se refere ao
seu tempo máximo. Mesmo sendo
um contrato por prazo determinado,
o contrato de trabalho do jogador de
futebol prossional tem regulamen-
tação especíca, o que signica que
não foge à regra geral, prevista no
art. 443 da CLT.
Segundo Jayme Eduardo
Machado (2000: 45), a duração
mais elástica do contrato de traba-
lho do jogador de futebol do que
aquela permitida nas relações de
trabalho comuns justica-se pela
peculiaridade da prática futebolís-
tica prossional como campo de
trabalho. Isso para a maior garantia
aos clubes, que investem pesado
na contratação de jogadores, como
também para maior segurança e
estabilidade prossional e tran-
qüilidade dos atletas, que podem
desfrutar de contratos por maior
prazo, o que é altamente salutar
num mundo de desemprego sem-
pre crescente.
2.3 Horário de trabalho do atleta
prossional de futebol
O horário de trabalho do
atleta prossional de futebol é um
aspecto muito polêmico, pois, por se
tratar de uma prossão muito espe-
cial não podem ser atribuídas todas
as normas vigentes na CLT.
O artigo 6° da Lei nº
6354/76 que trata sobre a jornada
de trabalho do jogador de futebol
vigorou até 25 de março de 2001,
quando foi revogado pelos artigos
93 e 96 da Lei Pelé. Não se aplica aos
jogadores prossionais de futebol a
determinação do artigo 7°, XIII, da
Carta Magna, que estabelece que
a jornada de trabalho de trabalha-
dores urbanos e rurais não poderá
exceder 44 horas/semana.
O atleta é um prestador
de serviços ao clube em forma de
partidas ociais, amistosos, treinos e
preparação técnica e física, o que jus-
tica um sistema especial de relações
trabalhistas (BARROS, 2003: 183).
Por outro lado, alguns au-
tores defendem que os jogadores
prossionais de futebol têm sua jor-
nada de trabalho denida nos limites
da Constituição Federal de 1988.
Zainaghi (1998: 99) argumenta que
a jornada de trabalho do jogador de
futebol deverá ser de no máximo oito
142
horas diárias ou quarenta e quatro
horas semanais.
Em relação ao repouso
semanal remunerado, segue-se o
regimento da CLT, pois não existe
lei especial a respeito. Os atletas
prossionais do futebol geralmente
têm direito a um dia de descanso
por semana7, sendo que dicilmente
esse dia coincide com o domingo,
pois o calendário esportivo se utiliza
com intensidade desse dia, visto que
se trata de um ramo industrial do
entretenimento, o qual produz bens
culturais para serem consumidos nas
horas de lazer dos indivíduos.
3. Remuneração do atleta
prossional de futebol
A atividade do desportista
prossional é remunerada. A remu-
neração constitui um dos requisitos
elementares do contrato de trabalho
do jogador de futebol. A relação de
emprego entre entidade de prática
desportiva e o jogador existe quando
se tem pessoalidade, subordinação,
habitualidade e contraprestação
salarial. Considera-se que a falta de
remuneração pode signica inadim-
plemento contratual.
O artigo 28 da Lei n°
9.615/98 determina que:
A atividade de atleta prossio-
nal, de todas as modalidades
esportivas, é caracterizada por
remuneração pactuada em con-
trato formal de trabalho rma-
do com a entidade de prática
desportiva, pessoa jurídica de
direito privado, que deverá con-
ter, obrigatoriamente, cláusula
penal para as hipóteses de des-
cumprimento, rompimento ou
rescisão unilateral.
A remuneração signica o
pagamento pelos serviços prestados
pelo atleta a uma determinada enti-
dade desportiva. Uma das formas de
remuneração é o salário. Este pode
ser entendido como a contrapres-
tação devida e paga diretamente
pelo empregador ao empregado
mediante a relação de emprego, con-
forme o artigo 457 da CLT. São parte
do salário também as comissões,
percentagens, graticações ajusta-
das, diárias para viagens e abonos
(RODRIGUES, 2007).
A Lei Geral sobre o Des-
porto, no seu artigo 31, entende
que fazem parte do salário do atleta
prossional o abono de férias, o 13°
salário, os prêmios e as graticações
inclusas no contrato de trabalho. É
preciso considerar que salário não
é o mesmo que remuneração. O
7 Geralmente o empregador concede o dia posterior aos jogos para o descanso, o que coincide com
o relaxamento muscular do atleta.
Ano XXIII, n° 37, Dez./2011 143
primeiro faz parte da segunda. A
remuneração envolve outros ele-
mentos além do salário. Segundo
Zainaghi (1998: 147), o direito de
arena recebido pelo atleta faz parte
da remuneração, mas não constitui
seu salário.
É importante destacar o
caso do contrato de trabalho no
futebol português. Existe um con-
trato coletivo de trabalho para os
jogadores de futebol que assegura
a seguinte remuneração mínima:
(1) jogadores da primeira divisão
devem receber no mínimo 3 (três)
vezes o salário mínimo nacional; (2)
jogadores da segunda divisão devem
receber no mínimo 2 (duas) vezes o
valor do salário mínimo nacional; (3)
jogadores da terceira divisão devem
receber no mínimo 1 (uma) vez o
valor do salário mínimo nacional.
O artigo 3°, inciso III da Lei
Pelé dispõe que o contrato do atleta
de futebol prossional deverá conter
o modo e a forma da remuneração,
especicados o salário, os prêmios,
as graticações e, quando houver,
as bonicações, bem como o valor
das luvas, se previamente conven-
cionadas.
A cerca da caracterização
da remuneração, Ralph Cândia ex-
plica:
Entendemos, todavia, que qual-
quer parcela auferida pelo atleta
em função do contrato, mesmo
quando não prevista taxativa-
mente, se integrará na remu-
neração para todos os efeitos,
desde que revestida de habitu-
alidade, segundo conceito am-
plamente denido pela doutri-
na e jurisprudência trabalhista
(CÂNDIA, 1995: 115).
Com base na idéia acima
é necessário que se compreendam
alguns institutos específicos do
futebol. Entende-se por prêmios e
graticações as importâncias pagas
pelo clube aos jogadores em virtude
de classicações em torneios, de
títulos, enm da conquista de al-
gum objetivo previamente traçado.
Consideram-se prêmios os “bichos”,
que são uma importância paga aos
atletas no caso de vitórias ou títulos
conquistados. É o “bicho” um incen-
tivo a mais na busca do resultado.
O “bicho” surgiu quando o
futebol ainda não possuía uma regu-
lamentação legal de suas atividades.
Os atletas recebiam prêmios fora do
salário acertado, em função de vitó-
rias e títulos conquistados. Trata-se
de uma bonicação individual que é
resultante do trabalho coletivo. Seu
objetivo não é somente compensar os
atletas, mas estimulá-los. O emprega-
dor geralmente estabelece algumas
condições para o pagamento de
bichos, como por exemplo, a classi-
cação para a fase nal de uma compe-
tição, a conquista de um torneio, etc.
144
Em relação às “luvas”, é
necessário lembrar que, mesmo
sendo um termo muito associado
ao futebol, não é exclusivo do
mundo desportivo, pois é utilizado
também no Decreto n° 24150/34,
que trata da renovação de locação
comercial, conhecido também
como a Lei de Luvas.
As luvas são uma importân-
cia paga pelo clube empregador ao
atleta que está prestes a assinar um
contrato de trabalho com o mesmo.
Por m, as “luvas” estão conceitua-
das no artigo 12 da Lei n° 6.354/76:
“Entende-se por luvas a importância
paga pelo empregador ao atleta, na
forma do que for convencionado,
pela assinatura do contrato”. O artigo
31 da Lei Pelé admite que as luvas
compõem a remuneração do atleta
para todos os efeitos legais e podem
ser pagas em dinheiro, títulos ou
bens (imóveis, automóveis). É um
pagamento feito de forma conven-
cionada pelas partes. Segundo Ro-
drigues (2007), as luvas são conven-
cionais e podem ser pagas de uma
só vez ou parceladas, semestrais ou
mensais junto com o salário. O valor
das luvas é xado considerando o
passado do jogador de futebol e não
seu desempenho durante a vigência
do novo contrato.
Segundo Barros (2003:
175), as luvas têm natureza retribu-
tiva, mas não se confundem com
graticações e prêmios, pois as cau-
sas ocorrem no curso do contrato.
As luvas constituem salário pago por
antecipação, mas não se confundem
com indenização.
Grandes discussões foram
travadas a respeito das luvas, se
estavam na inclusão ou não destes
valores na remuneração do atleta.
Atualmente a jurisprudência bra-
sileira admite que as luvas fazem
parte da remuneração do jogador
de futebol, portanto incidindo sobre
elas todos os direitos trabalhistas.
Vejam-se as ementas a
seguir:
a) Luvas e bichos pagos ao
atleta prossional:
As luvas e os prêmios, os
bichos pagos ao atleta prossional,
revestem-se de natureza jurídica
salarial em face da habitualidade no
seu pagamento e no seu caráter de
retribuição ao desempenho do atleta
empregado. Nesse sentido, integram
a remuneração das férias e do 13°
salário (ZAINAGHI, 1998: 74).
b) Caráter salarial das luvas
pagas ao atleta de futebol:
As “luvas” revestem-se de
caráter nitidamente salarial e devem
integrar o décimo terceiro salário e
as férias proporcionais” (ZAINAGHI,
1998: 74).
Uma das principais obri-
gações do clube de futebol com seu
atleta é o pagamento da remune-
ração. Esta deve estar pactuada no
contrato de trabalho e, como vimos,
Ano XXIII, n° 37, Dez./2011 145
pode se dá de diversas formas, in-
cluindo um conjunto de elementos
que vão além do simples salário.
A legislação brasileira pre-
vê que o atraso no pagamento dos
salários por no mínimo três meses
autoriza a rescisão do contrato de
trabalho, cando o atleta livre para
celebrar novo pacto com outra
agremiação desportiva de mesma
modalidade, nacional ou interna-
cional, e exigir multa rescisória (Art.
31 da Lei n° 9.615/98). Se o atraso
salarial for de no mínimo dois meses,
o atleta não está obrigado a competir
e nem a treinar, pois conforme o art.
32 da lei acima citada, “É lícito ao
atleta prossional recusar competir
por entidade de prática desportiva
quando seus salários, no todo ou em
parte, estiverem atrasados e dois ou
mais meses”.
Já vimos, ao analisarmos o
caso do contrato rmado entre Ro-
naldinho Gaúcho e o Grêmio, que os
clubes se utilizam de duas formas de
“driblar” a legislação trabalhista em
relação à remuneração dos atletas.
Nossa hipótese é de que isto ocorre
conforme sua capacidade nanceira.
Clubes de pequeno e médio porte
costumam celebrar dois contratos
de trabalho com o mesmo atleta,
um tácito, com a real remuneração
acertada, e outro formal, com a re-
muneração que será registrada na
CTPS. Segundo Maciel (2003: 22),
A primeira pactuação não é le-
vada a registro nas entidades
responsáveis pelo desporto, é
fruto de um “acordo extracontra-
tual” entre o atleta e o dirigente.
A segunda, sim, é registrada na
entidade desportiva e anotada
na carteira de trabalho. Ao nal
do mês de trabalho, o atleta re-
cebe o valor irrisório constante
na sua carteira de trabalho, assi-
na recibo e recebe, em dinheiro,
o valor “por fora”, que muitas ve-
zes é mais que 10 vezes o valor
registrado.
Segundo Rodrigues (2007),
as negociações entre clubes e joga-
dores são longas no momento de
celebração de contratos. Em muitos
casos, as contratações demoram a se
concretizar devido a falta de acordo
sobre o pagamento a ser feito “por
dentro” e o “por fora”. Alguns clubes
de futebol chegam a desistir de
contratar jogadores que não aceitam
receber valores por fora.
Nesse sentido, é impor-
tante lembrar um caso relatado por
Maciel (2003: 23), que comprova
essa prática. Trata-se do processo nº
401/02-3, que o atleta João Antônio
de Oliveira Martins moveu contra o
clube América Paulista. Consta que
João Antônio de Oliveira Martins
recebia como remuneração o valor
de R$10.000,00 mensais. No entanto,
no contrato registrado junto à CBF
146
consta o salário de R$ 200,00. O clube
empregador acordou com o atleta
que seu salário mensal seria de R$
500,00 na CTPS e R$ 9.500,00 “por
fora”. Vejamos o que diz o Processo nº
00401-2002-004-15-00-3 RT, 3ª Vara
do Trabalho Comarca de São José do
Rio Preto-SP:
[...] o valor acordado entre as
partes a título de salário men-
sal foi de R$10.000,00 (dez mil
reais), sendo que R$ 500,00 (qui-
nhentos reais) era o registrado
na CTPS e R$ 9.500,00 (nove mil
e quinhentos reais) pagos ‘por
fora’, circunstância esta que tam-
bém pode ser corroborada pelo
documento de . 13.
Os grandes clubes do fu-
tebol brasileiro utilizam, além da
estratégia acima mencionada, uma
outra “técnica”. Trata-se da prática
de rmar dois contratos formais com
seus jogadores, sendo um contrato
de trabalho e um contrato de direito
de imagem. Geralmente, ao contrato
de trabalho é vinculado um salário
com valor pequeno e ao contrato de
imagem vinculada a remuneração
real. Neste caso o contrato de direi-
to de imagem serve para driblar os
encargos trabalhistas. É ilustrativo o
acordo entre o atleta Fábio Pansera
e o São José Esporte Clube. Pansera
recebia pelo contrato de trabalho R$
700,00 e pelo direito de imagem R$
2.300,00 (MACIEL, 2003: 23).
Considerando que o con-
trato de direito de imagem é um con-
trato acessório ao contrato de traba-
lho, não é aceitável que o contrato
principal tenha um valor três vezes
menor que o contrato acessório. É
provável que o contrato referente ao
direito de imagem esteja sendo usa-
do de maneira equivocada ou com
outra nalidade. No caso de Fábio
Pansera, por se tratar de um atleta
pouco afamado e que não é detentor
de uma imagem pública amplamen-
te divulgada, percebe-se que nunca
houve qualquer veiculação da ima-
gem do atleta em atividade do clube,
exceto na sua participação em jogos,
o que não diz respeito mais ao direito
de imagem, mas ao direito de arena.
A situação de Fábio Pansera
foi levada à justiça, teve sentença tran-
sitada em julgado em março de 2002,
e recebeu a seguinte interpretação:
Se, todavia, como se agura na
hipótese sob exame, o jogador
prossional não é detentor de
imagem pública amplamente
difundida, tratando-se de atleta
pouco afamado e de carreira in-
cipiente, [...] está demonstrado, a
toda evidência, que de genuíno
contrato de exploração dos di-
reitos de imagem não se trata, e
sim de artifício destinado a mas-
carar verba de caráter eminen-
temente salarial, atribuindo-lhe
formalmente outra natureza, a
m de evitar suas incidências
Ano XXIII, n° 37, Dez./2011 147
em outras parcelas decorrentes
do contrato de trabalho que têm
por base o salário do emprega-
do [...]. Neste contexto, reconhe-
ço e declaro a natureza salarial
da parcela denominada ima-
gem, e condeno o reclamado a
pagar ao reclamante os reexos
da referida parcela nas férias
proporcionais acrescidas de 1/3
e no 13º salário proporcional de-
vidos ao autor (Sentença profe-
rida em 22.03.2002- Processo nº
00033.021/02-3-21 Vara do Tra-
balho de Porto Alegre/RS).
Os clubes costumam mes-
mo fraudar a remuneração de seus
atletas utilizando-se desses mecanis-
mos. No entanto, ainda são poucos
os atletas que procuram e acionam
o Poder Judiciário na luta por seus
direitos, pois muitas vezes faltam
provas, e há o problema do desem-
prego, que muitos temem.
O processo movido pelo
atleta Agnaldo pereira contra o
Grêmio Futebol Porto Alegrense
também revelou situação parecida.
O clube acabou sendo condenado
judicialmente por fraudar a aplicação
de preceitos trabalhistas.
É notório nos autos que o direito
de imagem ou direito de arena,
como faz crer o demandado, tra-
ta-se de uma forma de fraudar
a aplicação dos preceitos traba-
lhistas, porquanto não é crível
que os direitos de imagem do
autor superem em até cinco ve-
zes o próprio salário ajustado no
contrato de trabalho (Processo
n°32.234/98- 15 Vara do Traba-
lho de Porto Alegre/RS).
A remuneração é um di-
reito do trabalhador, praticamente
um direito irrenunciável. Mesmo
assim, existem casos de atletas que
se propõem a abrir mão de seu salá-
rio para não correr o risco de serem
dispensados pelos seus clubes. Isso
com medo de perderem seus em-
pregos por fatos ocasionais, como
suspensões disciplinares ou lesões.
Exemplo disso pode ser visto no
caso do jogador Cristhian, cen-
troavante do Grêmio Foot Ball
Porto Alegrense, que após ser
suspenso por 60 dias pelo Supe-
rior Tribunal de Justiça Despor-
tiva (STJD) declarou que abriria
mão do seu salário durante o
tempo em que estivesse afasta-
do dos jogos (MACIEL, 2003: 25).
A este respeito também
circularam notas em nossos jornais
que comprovam a “intenção” do
atleta. Segundo matéria publicada
no Jornal Zero Hora (18/06/2003,
p. 42, Esporte), “[...] Cristhian
antecipou, por seu assessor de
imprensa, Milton Cardoso, que
abrirá mão salário enquanto não
puder atuar [...]”. Outra matéria
148
no mesmo jornal dizia o seguin-
te: “[...] cogita-se de que poderia
haver uma renegociação, falou-se
em Cristhian não receber durante
o tempo de suspensão, sem des-
prezar a hipótese de rescisão do
contrato [...]” (Jornal Zero Hora.
Coluna Ruy Carlos Ostermann.
Esportes, p. 41, 18 de junho de
2003).
4. Direitos do atleta prossio-
nal de futebol
4.1 Direito de arena
O direito de imagem é um
direito conexo, próximo aos direitos
autorais, e ligado ao direito de ima-
gem do atleta. Pode-se considerar o
direito de arena como um tipo de di-
reito de personalidade, ou melhor,
como uma extensão do direito de
imagem (ZAINAGHI, 1998: 145).
Dispõe o artigo 42 da Lei
nº 6.915/98:
“Às entidades de prática despor-
tiva pertence o direito de nego-
ciar, autorizar e proibir a xação,
a transmissão ou a retransmis-
são de imagem de espetáculo
ou eventos desportivos de que
participem”.
§1º. “Salvo convenção em con-
trário, vinte por cento do preço
total da autorização como míni-
mo, será distribuído, em partes
iguais, aos atletas prossionais
participantes do espetáculo ou
do evento”.
§ 2º. “O disposto neste artigo
não se aplica a agrantes do es-
petáculo ou evento desportivo
para ns exclusivamente jorna-
lísticos ou educativos, cuja du-
ração, no conjunto, não exceda
três por cento do total do tempo
previsto para o espetáculo”.
O direito de arena garante
ao atleta participante de um espetá-
culo desportivo que sua imagem não
pode ser usada indevidamente, sem
ele receber nada em troca, visto que é
em razão dele que o público se aglo-
mera nos estádios, nos ginásios ou
assiste pela televisão. Pode-se inclusi-
ve armar que os estádios esportivos
se transformaram, com as modernas
técnicas de produção e difusão das
imagens, em grandes estúdios.
O direito de arena possui
previsão constitucional, pois o artigo
5º da Constituição Federal, XXVIII,
dispõe a respeito dos direitos do
cidadão: “a proteção às participa-
ções individuais em obras coletivas
e à reprodução da imagem e voz
humanas, inclusive em atividades
desportivas”.
O direito de arena pertence
ao clube e não exatamente ao atleta,
pois é o clube que fornece (produz)
o espetáculo desportivo. A Lei Pelé,
no Art. 42, determina o seguinte:
Ano XXIII, n° 37, Dez./2011 149
“Às entidades de prática desportiva
pertence o direito de negociar, auto-
rizar e proibir a xação, a transmissão
ou retransmissão de imagem de
espetáculo ou eventos desportivos
de que participem”. No entanto, as
entidades de prática desportiva têm
a obrigação legal de repassar aos
atletas prossionais participantes
dos eventos esportivos o mínimo de
20% do preço total da autorização da
transmissão.
Têm direito aos recursos
adquiridos com a transmissão dos
jogos todos os atletas que entraram
em campo, participaram do espe-
táculo e aqueles selecionados para
o banco de reservas. A verdade, o
Direito de Arena se estendendo a
todos os participantes do evento,
mas somente durante os 90 minutos
da partida de futebol, enquanto que
o direito de imagem é um contrato
individualizado, com duração até o
término do contrato celebrado.
O valor referente ao direito
de arena é pago por terceiros, ge-
ralmente os detentores dos meios
de comunicação que transmitem
os eventos esportivos. Conforme o
§ 1° do artigo 42 da Lei 9.615/98,
salvo disposição em contrário, 20%
do total arrecadado com a autori-
zação da transmissão será dividido
entre os partícipes da partida. Não
constitui salário – direto ou indireto,
sob quaisquer de suas modalidades,
visto que não se destina ao custeio
do trabalho prestado pelo atleta ao
clube. É muito comum os clubes
deixarem de repassar esta verba ao
empregado.
4.2 Direito de imagem
O esporte prossional, ao
ser adotado pela indústria cultural
de entretenimento, tem se trans-
formou em um espetáculo dotado
de enorme capacidade de gerar e
circular recursos nanceiros. Diante
disso, percebeu-se que o atleta tem
características de um artista, capaz
de produzir admiração, amor, paixão,
idolatria nos espectadores etc.. Isso
certamente despertou o interesse
dos clubes e empresas (e até mesmo
dos atletas) em explorar a imagem
do atleta.
Os clubes começaram a
fazer um contrato para a utilização
comercial da imagem de seus atletas.
Geralmente, este tipo de contrato
é rmado com o atleta prossional
ou com empresa constituída por ele
com esta nalidade.
O direito de imagem é um
dos aspectos mais controversos da
prossão de jogador, sendo objeto
da maioria das reclamações traba-
lhistas dos atletas. Trata-se do contra-
to de licença para uso da imagem do
atleta, no qual ele concede o uso da
sua imagem. Na verdade, a imagem
não é o objeto do contrato, mas sua
licença para uso. O sujeito ativo (atle-
150
ta) não está cedendo sua imagem a
ninguém, apenas autorizando sua
exploração por meio de um ajuste
(GRISARD, 2004).
Devemos utilizar o termo
Contrato de Licença de Uso de
Imagem porque o titular apenas
concede o exercício do direito
de exploração e não o próprio
direito. Também, não podemos
falar em “Contrato de Imagem”
porque ela, a imagem, não é o
objeto do contrato, mas, sim, sua
licença para uso e, nalmente,
não nos parece adequado falar
em “cessão” porque o sujeito ati-
vo não está cedendo a imagem
a ninguém, apenas está autori-
zando sua exploração e veicu-
lação. Na cessão, vericamos o
abandono – total ou parcial – do
direito que pertence a um deter-
minado titular. Na licença, por
sua vez, observa-se tão somente
a concessão de uma permissão
para a exploração da imagem,
sem que a titularidade seja tur-
bada (GRISARD, 2004: 6).
Conforme Joseph Robert
Terrel (2004:175), o direito de uso
da imagem diz respeito ao direito
exclusivo de o indivíduo permitir
a exploração e veiculação de sua
imagem. A imagem é a forma física
exterior do corpo, inteiro ou parte
dele. Na verdade, o direito de imagem
é “[...] o direito de ninguém ver o seu
retrato exposto em público sem o seu
consentimento” (BASTOS, 1989: 62).
Trata-se de um contrato
de natureza civil, independente das
leis trabalhistas. Em muitos casos, o
contrato é rmado entre a entidade
de prática desportiva (clubes) e a
empresa responsável pela imagem
do atleta, e não exatamente entre
o clube e este último. Por isso, nem
sempre existe aí uma relação de
emprego. O contrato de trabalho e
o de licença de imagem são abso-
lutamente independentes, pois, en-
quanto que o primeiro tem natureza
de relação de emprego, o segundo
é de natureza civil, dispondo sobre
a utilização da imagem do atleta
pela entidade desportiva. Por esta
razão, são contratos independentes
e podem estar desvinculados. Nesta
condição, o valor pago pela licença
para uso de imagem não constitui
salário, o que signica que não é
contado como base para incidência
de contribuição de INSS, FGTS e
pagamento de férias e 13º salário
ao atleta empregado (AMBIEL &
GODOY, 2002: 49).
Existe uma grande discus-
são no meio jurídico a respeito da
integração ou não do contrato de
licença para uso da imagem do atleta
no seu salário. Se são contratos dife-
rentes e independentes, realmente
o direito de imagem não é parte
do salário. No entanto, na prática a
realidade é mais complexa.
Ano XXIII, n° 37, Dez./2011 151
Na prática, o contrato de
licença do uso da imagem tem sido
usado para burlar os valores das
contribuições sociais e obrigações
tributárias por ambas as partes, ou
seja, atleta e clube. Estes celebram
contratos de trabalho com valores
inferiores aos do contrato de licença
para uso da imagem. Se o contrato
de trabalho é rmado entre atleta
e clube, por sua vez, o contrato de
uso da imagem é rmado entre o
clube e uma empresa (constituída
pela atleta para este m). Esta é
uma tentativa de desvincular os
contratos e facilitar as fraudes junto
à previdência e demais encargos
trabalhistas. Na verdade, é um
mecanismo para mascarar a uma
relação de emprego.
Segundo Paulo Henrique B.
Duarte (2004: 33),
Isso ocorre – frisa-se com assaz
freqüência hoje no meio fute-
bolístico – tendo em vista que
em primeira análise os contra-
tantes entendem que estariam
pagando menos impostos. Para
o jogador, recolher-se-ia 27,5%
de Imposto de Renda de seu
salário no CTPS e somente 8,5%
do valor do contrato de imagem,
posto haver aqui uma pessoa ju-
rídica e não física. Para o clube,
esses valores maiores do que os
constantes na carteira não inci-
diriam nas verbas rescisórias –
férias, 13, FGTS, INSS, etc. -, por
ser o contrato de natureza civil
e não trabalhista. A atratividade
do negócio parece axiomática
para ambos.
Uma análise mais profunda
acerca do contrato de licença
de uso da imagem por parte dos
clubes e atletas revela que se trata
de um meio para fraudar a relação
de emprego. Isso torna-se mais
evidente quando nos deparamos
com declarações de especialista
da área, como a do advogado
Gustavo Cecílio de Oliveira:
Com o objetivo de menor inci-
dência scal na relação de traba-
lho, associações e atletas adota-
ram a postura de justicar parte
da remuneração pactuada como
sendo pela cessão do uso da
imagem do atleta em benefício
do clube. A natureza trabalhista
desse montante caria mais dis-
tante pelo fato de essa operação
se dar mediante a transferência
desse direito de uso do atleta a
uma pessoa jurídica constituída
exclusivamente para esse m e
dessa para a associação contra-
tante dos serviços prossionais
(OLIVEIRA, 2002: 54).
Um dos casos emblemá-
ticos e precursores no sentido de
desvirtuar esta prática por partes
152
dos jogadores e clubes é o litígio
entre o jogador Luiz Carlos Goulart,
o centroavante Luizão, e o Sport
Club Corinthians Paulista, 12ª Vara
do Trabalho de São Paulo, Processo
n° 00321.2002.01202003.
O atleta entrou com pedido
na Justiça do Trabalho de São Paulo
pleiteando o reconhecimento
dos valores pagos sob a rubri-
ca “contrato de imagem” como
sendo de natureza salarial e, em
virtude do atraso do pagamento
de tal parcela por período supe-
rior a três meses (Artigo 31 da
Lei 9.615/98), requeria a rescisão
antecipada de seu compromisso
com o clube. Requer, também o
pagamento das parcelas relati-
vas ao FGTS (GRISARD, 2004: 7).
Para o contrato de licença
de uso da imagem de Luizão, foram
rmados três contratos com esta -
nalidade, contrato de natureza civil,
com o detalhe de que estes contra-
tos foram assinados no mesmo dia
e com o mesmo prazo do contrato
de trabalho. O primeiro contrato foi
assinado entre o clube e uma em-
presa formada pelo atleta (Goulart
Consultoria de Negócios S/C Ltda.).
Por este contrato, o jogador recebe-
ria R$ 2.888.000,00 (Dois milhões
oitocentos e oitenta e oito mil reais).
O segundo contrato foi celebrado
entre a empresa de Luizão e a Corin-
thians Licenciamentos, pelo qual o
atleta iria receber R$ 3.281.652,00
(Três milhões duzentos e oitenta
e um mil seiscentos e cinqüenta
e dois reais). Quanto ao terceiro
contrato de licença de uso de ima-
gem, celebrado entre a Goulart
Consultoria de Negócios S/C Ltda.
e a Corinthians Licenciamentos,
“previa o pagamento de uma parcela
de US$ 900.000,00 (Novecentos mil
dólares) e 23 parcelas subseqüentes
de US$ 71.770,00 que, à época, im-
portavam em R$ 172.170,00. Pelos
valores apresentados, a diferença
mensal entre o salário constante em
sua CTPS e sua real remuneração,
chegava à casa dos R$ 350.507,00”
(GRISARD, 2004: 8).
A decisão do Juiz Dr. Gle-
ner Pimenta Stroppa considerou
como salário a importância paga
ao atleta na rubrica de contrato de
licença de uso da imagem, pois o
valor do contrato de imagem era
quase 100 (cem) vezes maior do
que o valor registrado na CTPS do
empregado como salário. A senten-
ça do Juiz dizia o seguinte:
[...] não há nos autos qualquer
prova de que o autor tenha par-
ticipado de alguma campanha
publicitária feito pelo reclama-
do ou pela empresa CORIN-
THIANS LICENCIAMENTOS
que justicasse a alta quantia
paga ao autor à título de contra-
to de imagem. Realmente pare-
ce-me fora de qualquer critério
Ano XXIII, n° 37, Dez./2011 153
de razoabilidade pagar-se ao
reclamante a quantia de apro-
ximadamente R$ 350.000,00
mensais tão somente para a
participação do lançamento da
construção de um estádio de fu-
tebol que, aliás, não se tem no-
tícia se realmente fora encam-
pado. Mas os indícios de fraude
não param por aí. Efetivamente
existiria o contrato de imagem
se não houvesse o contrato de
trabalho do reclamante como
atleta de futebol?
[...] De todo o exposto não há
como deixar de reconhecer na-
tureza salarial nas importâncias
recebidas pelo reclamante, de-
vendo incidir no presente caso
em tela os termos do artigo 9°
da CLT, uma vez que a feitura de
tais contratos tem o objetivo de
desvirtuar a aplicação das nor-
mas consolidadas, sobretudo no
que diz respeito a incidência de
férias, salários trezentos, FGTS
bem como a sonegação de en-
cargos e tributos que incontrover-
samente deixou de se recolher
(Corinthians X Luizão). (Processo
n° 00321.2002.01202003. 12ª
Vara do Trabalho de São Paulo,
Apud MACIEL, 2003: 50).
O atraso do pagamento do
direito de imagem do atleta (consi-
derado salário) por mais de três me-
ses o levou a buscar a Justiça do Tra-
balho para rescindir o contrato com o
clube. O Juiz levou em consideração
o artigo 31 da Lei Pelé, julgando ser
cabível a rescisão indireta.
5. Considerações nais
Este trabalho analisou o
direito de imagem do jogador de
futebol prossional. Abordou alguns
aspectos jurídicos da prossão de
jogador de futebol: o contrato de
trabalho do jogador de futebol, os
sujeitos do contrato de trabalho,
os direitos de arena e de imagem
no futebol prossional, o prazo de
duração do contrato de trabalho do
jogador prossional, o horário de
trabalho e a remuneração do pros-
sional de futebol.
A partir do caso envolven-
do o atacante Luizão e o Sport Club
Corinthians Paulista em 2002, vimos
que o contrato de licença para uso
da imagem do atleta pode ter sérias
implicações legais, trabalhistas e
nanceiras. O direito de imagem
consiste em um contrato de licen-
ça para uso da imagem do atleta.
Este autoriza a exploração da sua
imagem por meio de um ajuste de
valores com o clube empregador.
Na prática, o direito de imagem tem
sido usado para burlar os valores
das contribuições sociais e obriga-
ções tributárias por partes de clubes
e atletas. Estes celebram contratos
de trabalho com valores inferiores
154
aos do contrato de licença para uso
da imagem. Se o contrato de traba-
lho é rmado entre atleta e clube,
o contrato de imagem é assinado
entre o clube e uma empresa.
Portanto, pode-se concluir
que o contrato de licença de uso da
imagem do atleta tem sido usado
na maioria das vezes como uma
possibilidade de manobra jurídica
com a nalidade de fraudar leis s-
cais e trabalhistas, pois na verdade
não está diretamente atrelado ao
contrato de trabalho.
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ABSTRACT
The work examines the image rights of professional footballer. Investigates the nature
of the license agreement for use of the image of the athlete and their legal implications,
nancial and labor from the case involving the attacker Luizão and Sport Club Corinthians
Paulista in 2002. The image rights consists of a license agreement for use of the image of
the athlete. This allows the exploitation of his image by means of a set of values with the
employer. In practice, the right of the image has been used to circumvent the values of
social contributions and tax obligations by parties of clubs and athletes.
Keywords: professional athlete; image rights; football player
Recebido em: novembro/2011
Aprovado em: março/2012