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Taguatinga: Conexões e Centralidades
Carolina Pescatori, Ricardo Trevisan e Ana Elisabete Medeiros
Grupo de Trabalho
Docentes: (1) Dra. Ana Elizabete de Almeida Medeiros (2) M.Sc. Carolina Pescatori (3) Dr. Pedro
Paulo Palazzo e (4) Dr. Ricardo Trevisan
Participantes: Airton Costa (PPG-FAU/UnB), Ana Laterza (FAU/UnB), Giovanni Presti
(FAU/UnB), Hamidreza Rabiei Dasrjerdi (PoliMi), Juliane Abe Sabbag (PPG-FAU/UnB), Lucas De
Abreu (FAU/UnB), Malani Herath (PoliMi), Sandra Pantaleão (PPG-FAU/UnB), Stephanie Souza
(FAU/UnB), Thaís Lima (Antropologia/UnB), Tauana Amaral (FAU/UnB) e Willamy Mamede
(Terracap/GDF)
Dentre todas as Regiões Administrativas (RAs) passíveis de ser objeto de estudo dos aspectos
metropolitanos do Distrito Federal (DF) neste evento, Taguatinga foi escolhida por razões
significativas. Primeiro, por ser a principal representante da antecipação das cidades-satélites
enquanto solução de expansão planejada do Plano Piloto, tendo sido a primeira cidade-satélite a
ser ocupada, em 1958. Segundo, por possuir autonomia socioeconômica em relação ao Plano
Piloto, sendo um dos principais pólos de emprego do DF. Por último, por ser parte integrante e
centro da principal conurbação urbana do DF, constituída por Águas Claras, Vicente Pires, Areal,
Ceilândia, Samambaia e, mais recentemente, Riacho Fundo I e II e Recanto das Emas, conforme
representado na Figura 1, Taguatinga se destaca, por um lado, pela riqueza de complexidades,
característica das metrópoles brasileiras, e, por outro, pelas especificidades do planejamento
local.
Figura 1 — Mapa da Área de Trabalho e Entorno. Fonte: Autores, utilizando a Base Cartográfica SICAD, SEDHAB-GDF, 2011.
Este artigo foi elaborado no intuito de sistematizar, documentar e revelar o trabalho
desenvolvido, atentando para as seguintes etapas: preparação (métodos empregados),
diagnóstico (leitura interpretativa) e proposição (estratégias e escalas de ação), além de algumas
considerações finais. Sugere-se que o material aqui disponível, para além de uma mera proposta,
inspire alunos, professores, profissionais, gestores e cidadãos a olharem com maior atenção para
esta região do Distrito Federal, um campo de potencialidades latentes.
O método empregado considerou o desafio de trabalhar as complexidades impostas pelas áreas
de estudo e pelas temáticas teórico-conceituais em tempo exíguo e com uma equipe de alunos
heterogênea (pós-graduandos, graduandos, técnicos da administração pública, brasileiros e
estrangeiros), determinando a etapa de preparação da oficina em três partes: (1) apresentação
de informações mínimas sobre a área; (2) apresentação de questões-foco organizadas em duas
escalas de análise e intervenção: metropolitana e microrregional; e (3) construção coletiva do
recorte metodológico e temático.
Dentre as questões-foco na escala metropolitana foram destacadas a força da centralidade de
Taguatinga no contexto do DF e como esta se expressa espacialmente; e mobilidade e
acessibilidade urbanas, incluindo análise do sistema viário (existente e previsto) e das redes de
transporte público.
Na escala microrregional elegemos o tema ambiental, representado pela Área de Relevante
Interesse Ecológico: Parque Juscelino Kubitschek (ARIE JK), que funciona como elemento
articulador entre as três principais (maiores e mais populosas) manchas urbanas conurbadas:
Taguatinga, Samambaia e Ceilândia, conforme ilustra a Figura 2. A ARIE JK se revelou um
paradoxo urbano: ao conectar geograficamente estas áreas, se apresenta como uma barreira à
efetivação desta integração pela sua sensibilidade ambiental e geomorfológica. Desta
constatação, destacaram-se as relações ecológicas e ambientais entre área urbanizada e área
preservada; a paisagem natural e as formas de ampliar sua apropriação pela comunidade local e
regional; e as questões de regularização fundiária e indefinição de limites da área preservada.
Figura 2 — Mapa da ARIE JK. Fonte: Tauana Ramthum, utilizando a Base Cartográfica SICAD, SEDHAB-GDF, 2011.
O debate sobre as questões-foco apresentadas determinou o recorte temático da oficina, focando
na premente necessidade de fortalecer outras centralidades econômicas além do Plano Piloto
(descentralização), e no enorme potencial sócioeconômico da área de estudo. Assim, foram
definidos os conceitos da abordagem: Conexões e Centralidades.
Definido o eixo conceitual do estudo, a equipe partiu para uma visita in loco, seguida da
elaboração de diagnóstico e coleta de dados, guiados por tópicos estruturadores do diagnóstico
(layers): socioeconomia, infraestrutura, meio ambiente e ambiente construído; sintetizados em
uma leitura interpretativa sobre a área de trabalho, destacando suas principais limitações e
potencialidades.
A leitura interpretativa foi realizada considerando a análise dos layers somada a três outros
aspectos: (1) cenários demográficos de crescimento populacional para a Região Metropolitana
de Brasília (VASCONCELOS, 2010), indicando acréscimo populacional entre 1 e 2 milhões de
habitantes até o ano 2060; (2) principais vetores de expansão urbana do DF (ANJOS, 2010),
indicando a permanência do vetor sudoeste, reforçado pelo vetor sul; e (3) projetos previstos
para a área, incluindo a expansão do metrô até o final da área urbana de Samambaia, a Avenida
Interbairros e as construções do Campus UnB – Ceilândia e do Centro Administrativo do DF,
ambos na área lindeira à ARIE JK.
A síntese destas informações somada à significância do vetor de urbanização sudoeste,
indicaram o grande potencial da região conurbada em acomodar parte do adicional de
população do DF nos próximos 50 anos, além de posicionar a cidade-satélite de Samambaia
como potencial nova centralidade regional.
Mas a síntese também evidenciou que Taguatinga, principal pólo econômico desta região, se
encontra sob pressão extrema: a infraestrutura urbana está no limite de utilização; a área
urbanizada está consolidada, sem novas áreas para expansão; a verticalização das áreas centrais
é inviável ou desaconselhável; e a qualidade dos espaços públicos é extremamente precária.
Todas estas informações foram espacializadas e ilustradas no mapa da Figura 3.
Figura 3 — Mapa Síntese do Diagnóstico. Fonte: Sandra Pantaleão, utilizando a Base Cartográfica SICAD, SEDHAB-GDF, 2011.
A partir da síntese do diagnóstico, foram definidas as diretrizes de ação:
1. Consolidar a centralidade da área conurbada na escala
metropolitana, por meio do resgate do conceito de cidades-satélite
autônomas em contraponto à realidade das cidades-dormitório
dependentes do Plano Piloto;
2. Diluir a centralidade local de Taguatinga (atualmente saturada);
3. Fortalecer as conexões internas entre as cidades que formam a
conurbação sudoeste visando a um desenvolvimento equilibrado e
sustentável.
Na etapa de estratégias e ações, o grupo criou a metáfora da “cidade dentro da cidade”, aludindo
ao fato de que a proposta busca ampliar os eixos de integração física (rede de transportes) e
econômica (novos centros de negócios) entre a área conurbada e o Plano Piloto, buscando
reforçar a autonomia local e sua posição de subcentralidade regional, ao mesmo tempo em que o
aumento da integração local amplia a complementaridade social e econômica entre as três
cidades-satélites.
As diretrizes de ação foram incorporadas nas duas escalas propostas inicialmente:
metropolitana e microrregional, focando no fortalecimento das conexões ambientais e de
infraestrutura, com destaque para o sistema de transporte, além de indicar novas centralidades
e possíveis áreas de expansão urbana.
Na escala metropolitana, a proposta indicou possíveis eixos para expansão da rede metroviária,
excluindo as propostas existentes de ampliação ou construção de novas vias rodoviárias de
ligação com o Plano Piloto (inclusive a Avenida Interbairros). A proposta determina que será por
meio do transporte público de massa – metrô – que se ampliarão as conexões entre a área
conurbada, o Plano Piloto, outras regiões e o entorno, definindo novas possíveis linhas
metroviárias acompanhando os vetores sul e oeste de expansão urbana da Grande Brasília. A
efetivação da integração tarifária da rede metroviária com a rede de transporte público viário
(ônibus, micro-ônibus), prevista pelo governo local, mas ainda não realizada, foi considerada
essencial para o sucesso desta estratégia.
Na escala microrregional, a proposta, ilustrada na Figura 4, ampliou o acesso ao transporte
público de massa, expandindo a rede para os corredores de maior densidade urbana existentes e
propostos. As estações de metrô foram consideradas pontos estratégicos para o
desenvolvimento de atividades de serviço e comércio, configurando novas centralidades (locais),
integrando completamente a rede de transporte público com o uso e ocupação do solo, o que não
ocorre atualmente. Por fim, a proposta indica a necessidade de se expandir a infraestrutura
cicloviária existente e prover segurança e prioridade para os pedestres.
Figura 4 — Mapa Síntese da Proposta. Fonte: Sandra Pantaleão, utilizando a Base Cartográfica SICAD, SEDHAB-GDF, 2011.
Também foram propostas conexões entre as áreas urbanizadas e a área protegida com uma
estratégia aparentemente paradoxal: diluir e reforçar os limites da ARIE JK. Por um lado, a
proposta demarcou claramente dos limites físicos da ARIE, como forma de evitar novas
invasões. Por outro, procurou diluir a contraposição entre a paisagem urbana e a paisagem
natural, por meio do transbordamento da vegetação em corredores verdes urbanos ao longo das
ruas de Taguatinga, Ceilândia e Samambaia que se conectam à ARIE JK.
Ao longo do perímetro da ARIE, foi proposta uma zona de amortecimento onde se localizariam
equipamentos públicos que seriam como portais de entrada para o Parque da ARIE JK,
estabelecendo um limite entre a zona urbana e a área protegida (Figura 5). Estes equipamentos
permitiriam, ainda, que a população local utilizasse a área protegida de forma adequada e
ambientalmente correta, funcionando como elementos de conexão e apropriação da área natural
pela população local, aspecto essencial à preservação da ARIE e à interrupção das invasões.
Figura 5 — Proposta para ARIE JK. Fonte: Tauana Ramthum, utilizando a Base Cartográfica SICAD, SEDHAB-GDF, 2011.
À margem desse horizonte almejado, ao selecionar, estudar e planejar o futuro de Taguatinga,
Samambaia e Ceilândia, podemos resgatar algo peculiar às três cidades: sua origem. Todas foram
planejadas, projetadas e construídas nos últimos 50 anos para serem cidades-satélites do Plano
Piloto de Lucio Costa. Nesse sentido, permitimo-nos discorrer algumas linhas sobre as
características intrínsecas a esse tipo de cidade e divagar sobre possíveis mutações.
A tipologia urbanística cidade-satélite, com objetivo de controlar a expansão das grandes cidades
pela criação de novos núcleos, teve na teoria Cidade-Jardim (1898), de Ebenezer Howard, seu
principal promotor. Esta teoria tornou-se paradigmática para o urbanismo moderno ao
apresentar um novo tipo urbano – uma cidade diferenciada em seus aspectos físicos e em sua
organização econômica, política e social, além de uma discussão sobre o futuro das cidades. A
expansão da cidade idealizada pelo taquígrafo inglês dar-se-ia pela construção de outras, no
entorno da cidade central, chamada de Cidade Social, sendo todas interligadas por ferrovia
(CREESE, 1992).
Todavia, foi somente no II pós-guerra mundial que este tipo urbanístico ganhou volume.
Cidades-satélites surgiram como um tipo de planejamento urbano e territorial, “de
desindustrialização e de desurbanização” das grandes cidades congestionadas (BAUDELLE,
2004). Uma vez implantadas, absorveriam uma parte significativa do crescimento demográfico
urbano e criariam zonas de atividades econômicas ao redor de uma cidade vultosa. Uma solução
ao espraiamento urbano desordenado, implantada na Europa, na Ásia, nas Américas, na África e
na Oceania
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Na Inglaterra, este processo gerou o famoso relatório Reith e o New Town Act, a lei de 1946, cuja autoria é
dada ao urbanista Patrick Abercrombie (1879-1957). Tratava-se de um plano – embasado, por exemplo, na obra
The Building of Satellite Towns (A construção de cidades-satélites) de Charles Benjamim Purdon (1925) –, que
Ao criar uma cidade-satélite, a preocupação primordial era evitar que a mesma se tornasse uma
cidade-dormitório, dependente da “cidade-mãe”. Para isso, planejava-se em seu domínio um
equilíbrio básico entre oferta de moradias e oferta de empregos (indústria, comércio e serviço).
Assim, as cidades-satélites além da conhecida função de responder ao desenvolvimento das
grandes cidades, oferecendo moradia, abrigando indústrias, comércios e infraestrutura
adequada, adquiriram a responsabilidade de ser um centro com identidade própria. Mas este
cenário foi traduzido nos exemplares de Brasília? Sabemos, há muito, que a resposta é não.
A falta de planejamento urbano e regional efetivo e a atenção excessiva e restrita de
profissionais, acadêmicos e gestores ao Plano Piloto, nos últimos 50 anos, perpetuaram a
dependência umbilical das cidades-satélites à cidade-mãe (Plano Piloto). Um desequilíbrio que
deve ser revertido para transformar tal relação em uma simbiose mais harmoniosa. Verificamos
que as cidades-satélites brasilienses, não mais novas, possuem hoje potencialidades e
características próprias. Cidades criadas satélites que, hoje, poderiam receber uma nova
denominação distinta daquela que as colocam como meros corpos celestes gravitando na órbita
do Plano Piloto.
Segundo definição encontrada no dicionário Houaiss, satélite é um:
Corpo celeste que gravita em torno de outro, completamente devotado [...] que, embora
formalmente independente, depende, em suas decisões de maior importância e alcance, das
posições de outro (...); uma engrenagem secundária, de pequeno diâmetro, que funciona em
associação com a principal (HOUAISS, 2012).
Um conceito criado por C. B. Purdon em 1925 que se adéqua perfeitamente aos exemplares
descendentes da teoria expansionista howardiana, particularmente àqueles em estágio exordial.
Porém, o desenvolvimento de tais cidades, atingindo a “maioridade” e possuindo aspectos
importantes para sua emancipação, permitiria elevá-las a um novo patamar? Ao retornar ao
Houaiss, encontra-se a palavra “estrela”, cuja definição é: “um corpo celeste produtor e emissor
de energia, com luz própria, (...) influência (positiva ou negativa) que supostamente um corpo
celeste pode ter sobre o destino” (HOUAISS, 2012).
Nesse sentido, ao tomar as cidades-satélites brasilienses como estudo de caso, verifica-se que as
mesmas podem atingir, já em sua maioridade, a autonomia necessária para começarem a liberar
“luz própria”. Com planejamento integral eficiente, com equilíbrio moradia-trabalho-serviço,
com cuidado ambiental merecedor, com o aprimoramento de transportes públicos, enfim,
aspectos que permitirão diagnosticá-las positivamente. Ao fim e ao cabo, cidades com identidade
e energia própria que nos possibilitará, quiçá em 50 anos, denominá-las de cidades-estelares.
Referências bibliográficas
ANJOS, R. S. A. dos. Monitoramento do crescimento e vetores de expansão urbana de Brasília. In:
PAVIANI, A. et alli. Brasília 50 anos: da capital a metrópole. Brasília: EdUnB, p. 369-396, 2010.
BAUDELLE, G. Villeneuve d’Ascq, ville nouvelle pionnière. Pouvoirs locaux. Les cahiers de la
décentralisation, França, n. 60, p. 71-74, mar. 2004.
CREESE, W. The Search for Environment: the garden city before and after. New Haven / Conn:
M.I.T. Press, 1992.
HOUAISS, A. Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Ed. Objetiva,
2009, CD-ROM.
previa a necessidade de descentralização das grandes cidades britânicas e propunha uma reforma de legislação
urbanística existente. O relatório apresentava os princípios da concepção das new towns inglesas.
PURDON, C. B. The building of satellite towns. London: J.M. Dent & Sons Ltd., 1925.
VASCONCELOS, A. M. N. Cenários demográficos para a Área Metropolitana de Brasília. In:
PAVIANI, A. et alli. Brasília 50 anos: da capital a metrópole. Brasília: EdUnB, p. 397-426, 2010.