ArticlePDF Available

Estupro no Brasil: vítimas, autores, fatores situacionais e evolução das notificações no sistema de saúde entre 2011 e 2014

Authors:

Abstract and Figures

In this article, the rape notifications registered in Brazil between 2011 and 2014 were analyzed based on data from the Notifiable Conditions Information System (Sinan) of the Ministry of Health. The phenomenon was also characterized according to these administrative records. More specifically, the profiles of victims and perpetrators were described, along with the relationship between them and other situational elements. An unacceptable unchanging statistical pattern over the period analyzed was noted, in which 69.9% of victims were children and minors, and over 10% of victims had physical and/or mental disabilities. In parallel, there was an increase in the proportion of gang rape cases, which in 2014 accounted for 15.8% of all cases, where perpetrators were not known to the victim in 25.6%. Another alarming finding was that 40.0% of child rapists were close family members, including the father, stepfather, uncle, brother and grandfather. The data draws attention to the seriousness of the problem of gender violence in Brazil and highlights the need to produce more accurate information allowing mitigating public policies to be devised that involve several State agencies, particularly in the educational field.
Content may be subject to copyright.
Estupro no Brasil: vítimas, autores, fatores situacionais e evolução
das notificações no sistema de saúde entre 2011 e 2014
Daniel Cerqueira, Danilo Santa Cruz Coelho e Helder Ferreira
Rev. bras. segur. pública | São Paulo v. 11, n. 1, 24-48, Fev/Mar 2017
24
Dossiê
Estupro no Brasil: vítimas, autores,
fatores situacionais e evolução das
notificações no sistema de saúde
entre 2011 e 2014
Daniel Cerqueira
Técnico de Planejamento e Pesquisa da Diretoria de Estudos e Políticas do Estado, das Instituições e da Democracia do
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - Ipea. Doutor em Economia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro -
PUC-Rio. Mestre em Economia pela Fundação Getúlio Vargas.
daniel.cerqueira@ipea.gov.br
Danilo Santa Cruz Coelho
Técnico de Planejamento e Pesquisa da Diretoria de Estudos e Políticas do Estado, das Instituições e da Democracia do Instituto
de Pesquisa Econômica Aplicada - Ipea. Doutor em Economia pela Universidad Autonoma de Barcelona. Mestre em Economia
pela Universidade Federal Fluminense - UFF.
danilo.coelho@ipea.gov.br
Helder Ferreira
Técnico de Planejamento e Pesquisa da Diretoria de Estudos e Políticas do Estado, das Instituições e da Democracia do Instituto
de Pesquisa Econômica Aplicada - Ipea. Mestre em Sociologia pela Universidade de São Paulo - USP. Especialista em Segurança
Pública e Cidadania pela Universidade de Brasília - UnB.
helder.ferreira@ipea.gov.br
Resumo
Neste artigo analisou-se a evolução das noticações de estupro no país, entre 2011 e 2014, com base nos dados do Sistema
de Informação de Agravos de Noticação (Sinan), do Ministério da Saúde. Caracterizou-se ainda o fenômeno segundo esses
registros administrativos. Especicamente descreveram-se o perl de vítimas e autores, os vínculos entre eles, além de outros
elementos situacionais. Vericou-se uma estabilidade estatística inaceitável ao longo do período analisado, em que 69,9%
das vítimas eram crianças e menores de idade, e mais de 10,0% das pessoas agredidas sofriam de alguma deciência física
e/ou mental. Ao mesmo tempo, aumentou a proporção de casos de estupro coletivo que, em 2014, responderam por 15,8%
do total de casos, e esta proporção correspondeu a 25,6% quando os autores eram desconhecidos da vítima. Outro dado
estarrecedor mostrou que cerca de 40,0% dos estupradores das crianças pertenciam ao círculo familiar próximo, incluindo
pai, padrasto, tio, irmão e avô. Os dados chamam a atenção para a gravidade do problema de violência de gênero no país
e para a necessidade de se produzirem informações mais acuradas, de modo a possibilitar a elaboração de políticas públicas
mitigadoras que envolvam as muitas agências do Estado, sobretudo no campo educacional.
Palavras-Chave
Estupro. Brasil. Violência. Sinan. Gênero.
Estupro no Brasil: vítimas, autores, fatores situacionais e evolução
das notificações no sistema de saúde entre 2011 e 2014
Daniel Cerqueira, Danilo Santa Cruz Coelho e Helder Ferreira
Rev. bras. segur. pública | São Paulo v. 11, n. 1, 24-48, Fev/Mar 2017 25
Dossiê
INTRODUÇÃO1
A
violência de gênero constitui um dos
grandes problemas da segurança pú-
blica no país. Segundo a Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílios (PNAD, do IBGE) de
2009, mais de um milhão de mulheres sofre
agressão física a cada ano no Brasil. A Pesqui-
sa de Condições Socioeconômicas e Violência
Doméstica e Familiar contra a Mulher (PCS-
VDFMulher), com base num survey domiciliar
aplicado nas capitais dos estados nordestinos,
aponta que 11,9% das mulheres entre 12 e
49 anos sofrem violência emocional e 5,3%
sofrem violência física, a cada ano. Para além
das mulheres, as vítimas são também os filhos
e familiares que, junto com o sofrimento e dor,
carregam consequências psicológicas que po-
dem perdurar por toda a vida, o que ajuda a
dinamizar a violência nos centros urbanos. O
estupro, em particular, é uma das violências fí-
sicas e simbólicas com consequências danosas,
não apenas no âmbito pessoal, mas também
no econômico, porque constitui um dos atos
mais bárbaros contra a dignidade humana, que
se refere ao vilipêndio do próprio corpo e dos
valores atávicos fundamentais.
O estupro, assim como as demais violências
de gênero, não trata de sexo, de afetividade e
de intimidade. Trata sim, conforme muito bem
exposto por Brownmiller (1993), de uma rela-
ção de poder, em que os homens submetem as
mulheres para que estas assumam determinados
papeis na sociedade, e o caso extremo compre-
ende a coisificação que extrai do indivíduo a sua
condição de humanidade e, portanto, de sujeito
de desejos e de direitos sobre o próprio corpo.
Não obstante a relevância do estudo sobre o
fenômeno do estupro, não somente como obje-
to de análise científica, mas para ensejar efetivas
políticas públicas mitigadoras, muito pouco se
Estupro no Brasil: vítimas, autores, fatores situacionais e evolução
das notificações no sistema de saúde entre 2011 e 2014
Daniel Cerqueira, Danilo Santa Cruz Coelho e Helder Ferreira
Rev. bras. segur. pública | São Paulo v. 11, n. 1, 24-48, Fev/Mar 2017
26
Dossiê
conhece sobre a questão no Brasil, em termos
da sua prevalência, regularidade temporal e es-
pacial e fatores subjacentes. Isso ocorre diante
da indisponibilidade quase geral de dados e in-
formações precisas, o que, por sua vez, é con-
sequência da invisibilidade do fenômeno e da
condescendência social com ele, o que começou
a ser problematizado apenas nos últimos anos.
De fato, até os anos 1980, na doutrina ju-
rídica é debatido se o marido pode ser sujeito
ativo do crime de estupro contra a sua própria
esposa2. Mesmo após a Constituição Cidadã,
apenas em 1995 a Lei n° 9.520 revogou o
Artigo 35 do Código de Processo Penal, que
estabelecia que a mulher casada não poderia
exercer o direito de queixa sem a autorização
do marido, salvo quando fosse contra ele, ou
quando estivesse separada. Apenas a partir
de agosto de 2009, com a sanção da Lei n°
12.015, o estupro passa a ser um crime contra
a dignidade e à liberdade sexual.
Ainda hoje, muito pouca informação de
qualidade foi produzida sobre a incidência e
prevalência do estupro. Nunca houve pesquisas
domiciliares nacionais a respeito e o único survey
regional, com padrão de qualidade metodológica
internacional, é a PCSVDFMulher, produzido
pela Universidade Federal do Ceará em parceria
com o Instituto Maria da Penha. Segundo a pes-
quisa, 2,4% das mulheres entre 15 e 49 anos so-
freram agressões sexuais nas capitais do Nordeste
em 2015. Caso a prevalência relativa nacional
fosse igual à verificada nas localidades estudadas,
mais de 1.350.000 mulheres seriam vítima de
violência sexual no país a cada ano.
Contudo, no âmbito nacional existem ape-
nas dados administrativos sobre a questão, que
revelam faces parciais do fenômeno. Os dados
policiais são desencontrados e só foram reuni-
dos nos últimos anos, a partir do esforço do
Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Outra
exceção à regra de inexistência de informações
vem da área da saúde, com a criação do Siste-
ma de Informação de Agravos de Notificação
(Sinan), que é gerido pelo Departamento de
Análise de Situação de Saúde (Dasis), da Secre-
taria de Vigilância em Saúde (SVS), do Minis-
tério da Saúde (MS).
Essa base de dados possibilitou que Cerquei-
ra e Coelho (2014) fizessem o primeiro trabalho
acerca da incidência do estupro no plano nacio-
nal, tomando como referência o ano de 2011.
O presente artigo retoma tal análise e objetiva,
em primeiro lugar, estudar a evolução das noti-
ficações de casos ocorridos no país e a expansão
da cobertura do Sinan, entre 2011 e 2014. Fi-
nalmente, buscou-se caracterizar as vítimas de
estupro, os autores, suas relações e os elemen-
tos associados, bem como as consequências,
tomando como referência o período assinalado.
Além desta introdução, o artigo tem mais
cinco seções. Na segunda seção, traça-se um bre-
ve histórico da implementação do Sistema de
Vigilância de Violências e do levantamento dos
dados sobre estupros na área de saúde, quando
se discutiram possíveis limitações das informa-
ções e a expansão da cobertura do sistema. Em
seguida, analisou-se em que medida o aumento
dos casos notificados de estupro no Sinan, no
período analisado, se deve à variação na preva-
lência do fenômeno no país ou à diminuição na
taxa de subnotificação, ocasionada pela expansão
do sistema. Na quarta seção, caracterizam-se os
Estupro no Brasil: vítimas, autores, fatores situacionais e evolução
das notificações no sistema de saúde entre 2011 e 2014
Daniel Cerqueira, Danilo Santa Cruz Coelho e Helder Ferreira
Rev. bras. segur. pública | São Paulo v. 11, n. 1, 24-48, Fev/Mar 2017 27
Dossiê
estupros a partir dos dados disponíveis, quando
descreveremos os perfis dos prováveis autores, das
vítimas e dos fatores associados. Finalmente, con-
cluímos com um resumo dos achados e reflexões
para as políticas públicas.
O VIVA, O SINAN E AS NOTIFICAÇÕES DE
ESTUPRO
Num rápido histórico, o Ministério da Saú-
de lança o Sistema de Vigilância de Violências
(Viva) em 2006. Segundo o Ministério, este
sistema possui um componente de Vigilância
Contínua (Viva Contínuo/Sinan), que capta
dados de violência interpessoal/autoprovocada
em serviços de saúde do Brasil (BRASIL, 2015).
Em 2009, a notificação de violências é inse-
rida no Sinan, que tem por objetivo
coletar, transmitir e disseminar dados gerados
rotineiramente pelo Sistema de Vigilância
Epidemiológica das três esferas de governo,
por intermédio de uma rede informatizada,
para apoiar o processo de investigação e dar
subsídios à análise das informações de vigi-
lância epidemiológica das doenças de notifi-
cação compulsória. (BRASIL, 2007. p. 9).
A partir daquele ano foi então possível obter
informações sobre incidentes violentos – incluin-
do violência doméstica e sexual – após os quais
as vítimas buscaram auxílio no sistema de saúde.
A partir de 2011, a notificação de violências
passa a integrar a lista de notificação compulsó-
ria (BRASIL, 2015), isto é, a “Lista Nacional de
Notificação Compulsória de doenças, agravos e
eventos de saúde pública nos serviços de saú-
de públicos e privados em todo o território na-
cional” (Portaria nº 204, de 17 de fevereiro de
2016). Este procedimento universaliza a notifi-
cação para todos os serviços de saúde. Com isso,
o Ministério da Saúde pretende que todos os ca-
sos de estupros atendidos nos serviços de saúde
de todo o país sejam registrados, por meio da
Ficha de Notificação de Violência Interpessoal
e Autoprovocada, e, depois, inseridos no Sinan.
Feita esta pequena digressão histórica, cabe
apontar o conceito de estupro aqui utilizado,
que corresponde à definição utilizada pelo Si-
nan e expressa no Instrutivo Notificação de
Violência Interpessoal e Autoprovocada da Se-
cretaria de Vigilância em Saúde do Ministério
da Saúde (BRASIL, 2015, p. 44):
‘Constranger alguém, mediante violência ou
grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a pra-
ticar ou permitir que com ele se pratique outro
ato libidinoso’ [...][Código Penal] [...]. Dentro
desse conceito está incluída a conjunção car-
nal (penetração peniana ou de outro objeto no
ânus, vagina ou boca), independentemente da
orientação sexual ou do sexo da pessoa/vítima.
Salienta-se que as incidências e caracteriza-
ções descritas neste trabalho podem não repre-
sentar consistentemente as relações factuais que
acontecem em todo o território brasileiro. Isso
acontece por dois motivos. Em primeiro lugar,
a organização do sistema de saúde e, em par-
ticular, dos estabelecimentos capacitados para
munir o Sinan com informações, que não estão
distribuídos de maneira uniforme no país. Em
segundo lugar, por se tratar de um registro ad-
ministrativo, há o clássico problema do viés de
seleção. Para que a informação seja registrada, é
necessário que a vítima tenha buscado socorro
em um estabelecimento de saúde e tenha con-
cordado em prestar as informações.
Estupro no Brasil: vítimas, autores, fatores situacionais e evolução
das notificações no sistema de saúde entre 2011 e 2014
Daniel Cerqueira, Danilo Santa Cruz Coelho e Helder Ferreira
Rev. bras. segur. pública | São Paulo v. 11, n. 1, 24-48, Fev/Mar 2017
28
Dossiê
No caso de menores de idade, qualquer
evidência de que o incidente tenha ocorrido
(como fissuras e ruptura de órgãos genitais)
força o médico (por lei) a fazer o devido regis-
tro, independentemente do depoimento de
familiar. No caso de mulheres adultas, se não
há outras violências físicas, muitas vezes a ví-
tima não vai ao hospital e sequer busca apoio
entre familiares e em órgãos de Justiça, em
consequência do tabu envolvido e do medo
de dupla vitimização, em que a vítima termi-
na sendo injustamente culpabilizada, seja por
suas relações pessoais, seja por seu compor-
tamento, seja pelas vestes que usa. Com isso,
acredita-se que a prevalência relativa de casos
de estupro observada no Sinan seja enviesada
no sentido de subestimar a proporção de ca-
sos com mulheres adultas.
De fato, como arguido anteriormente,
uma das causas de subnotificação é a in-
completa capilaridade do Viva. Se, a partir
de 2011, o componente de vigilância con-
tínua do Viva começou a ser universalizado,
o próprio Ministério da Saúde reconheceu
suas limitações:
a estratégia de implantação da notificação não
vem ocorrendo de modo simultâneo em to-
dos os municípios, pois há, por parte do MS,
a orientação para que essa implantação ocor-
ra mediante a existência, no âmbito local, de
uma estratégia de atenção integral às pessoas
em situação de violência, baseada na articula-
ção e integração das redes intra e intersetorial
de atenção e proteção. (BRASIL, 2014, p. 11).
Com isso, é possível que vítimas de estupro
sejam atendidas em unidades de saúde, sem
que haja a correta notificação.
Com base em indicadores produzidos a partir
das informações constantes do Sinan, analisou-se
em que medida a cobertura do sistema avançou
entre as unidades federativas. O primeiro indi-
cador se refere ao percentual de municípios em
cada unidade federativa em que houve pelo me-
nos um centro de saúde com capacidade para no-
tificar agravos de violência. O segundo indicador
considera a proporção da população coberta por
serviços de saúde com capacidade para notificar
os incidentes. Para produzir estes dois indica-
dores, lançou-se mão de uma hipótese bastante
conservadora, no sentido de superestimar a co-
bertura do serviço. A premissa foi de que se no
município houve algum caso notificado, então
o município inteiro estaria coberto pelo serviço.
Em termos do segundo indicador, isso implica
que a população toda do município teria acesso
a centros de saúde com o sistema de agravos de
notificação de violências funcionando.
De fato, em algumas situações, os indicadores
trazem grandes limitações. Um bom exemplo é
o município de São Paulo, que consta como co-
berto pelo Sinan, mas que em 2014 recebeu no-
tificações de apenas cinco centros de saúde, o que
totalizou apenas 79 casos de agravos de violência.
A Tabela 1 aponta a evolução dos dois in-
dicadores, entre 2011 e 2014. Pode-se observar
um crescimento substancial no primeiro indi-
cador, para a maioria das unidades federativas.
No Brasil este índice aumentou de 38,0% para
62,8%. O segundo índice mostra que, em 2014,
87,6% da população estaria coberta pelo Sinan.
No entanto, conforme a tabela deixa registrado,
vários estados do Nordeste possuem taxas ainda
relativamente baixas, que não chegam a atingir
sequer metade dos seus municípios.
Estupro no Brasil: vítimas, autores, fatores situacionais e evolução
das notificações no sistema de saúde entre 2011 e 2014
Daniel Cerqueira, Danilo Santa Cruz Coelho e Helder Ferreira
Rev. bras. segur. pública | São Paulo v. 11, n. 1, 24-48, Fev/Mar 2017 29
Dossiê
Tabela 1 Proporção de municípios com ao menos uma
notificação ao Sinan ao Sinan, por UF e ano
Brasil, 2011-2014
Indicador 1 (municípios atendidos) Indicador 2 (população atendida)
UF 2011 2012 2013 2014 2011 2012 2013 2014
Acre 31,8% 31,8% 68,2% 77,3% 65,2% 69,0% 86,3% 91,9%
Alagoas 35,3% 50,0% 61,8% 54,9% 64,5% 73,7% 83,4% 81,6%
Amapá 18,8% 43,8% 62,5% 56,3% 78,4% 85,9% 86,4% 86,9%
Amazonas 59,7% 56,5% 77,4% 83,9% 82,4% 80,5% 92,4% 95,0%
Bahia 24,7% 38,8% 48,2% 52,8% 54,3% 62,7% 73,6% 77,4%
Ceará 38,6% 41,3% 53,8% 54,3% 69,7% 71,6% 79,7% 80,5%
Distrito Federal 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0%
Espírito Santo 29,5% 47,4% 69,2% 79,5% 59,3% 69,8% 88,6% 94,6%
Goiás 21,1% 40,2% 51,6% 53,7% 51,1% 72,4% 84,8% 85,0%
Maranhão 19,8% 26,7% 35,9% 36,9% 44,2% 54,2% 61,3% 62,9%
Mato Grosso 27,7% 45,4% 45,4% 46,8% 60,6% 75,1% 73,3% 70,3%
Mato Grosso do Sul 59,5% 65,8% 70,9% 79,7% 83,6% 83,7% 89,5% 94,5%
Minas Gerais 44,3% 74,0% 93,1% 93,3% 75,9% 89,1% 98,4% 98,8%
Pará 21,5% 33,3% 36,1% 47,2% 46,0% 61,2% 65,6% 73,1%
Paraíba 8,1% 11,2% 15,2% 22,0% 42,0% 46,5% 50,0% 61,5%
Paraná 43,1% 64,4% 67,4% 75,4% 76,8% 85,5% 91,2% 93,5%
Pernambuco 26,5% 30,8% 49,2% 55,1% 61,6% 64,1% 77,8% 80,7%
Piauí 34,8% 32,6% 38,8% 33,5% 64,4% 67,5% 70,2% 66,7%
Rio de Janeiro 69,6% 78,3% 78,3% 87,0% 92,0% 97,9% 97,0% 99,0%
Rio Grande do Norte 23,4% 35,3% 43,7% 41,9% 64,5% 70,0% 78,6% 77,5%
Rio Grande do Sul 52,3% 63,0% 69,6% 70,4% 80,0% 86,8% 89,6% 91,8%
Rondônia 28,8% 30,8% 48,1% 61,5% 57,0% 61,5% 77,0% 83,6%
Roraima 46,7% 46,7% 93,3% 86,7% 75,0% 77,2% 96,7% 93,6%
Santa Catarina 55,3% 58,0% 55,3% 54,9% 80,2% 83,6% 86,1% 86,6%
São Paulo 52,9% 58,3% 60,2% 65,1% 88,4% 89,8% 93,4% 94,5%
Sergipe 6,7% 9,3% 28,0% 40,0% 30,4% 35,6% 55,5% 64,8%
Tocantins 23,0% 35,3% 46,0% 43,2% 60,9% 66,9% 76,0% 74,3%
Brasil 38,0% 50,4% 59,4% 62,2% 72,7% 79,2% 85,6% 87,6%
Fonte: microdados do Sinan / Dasis / SVS / Ministério da Saúde. Elaboração: Ipea.
Estupro no Brasil: vítimas, autores, fatores situacionais e evolução
das notificações no sistema de saúde entre 2011 e 2014
Daniel Cerqueira, Danilo Santa Cruz Coelho e Helder Ferreira
Rev. bras. segur. pública | São Paulo v. 11, n. 1, 24-48, Fev/Mar 2017
30
Dossiê
A evolução do conjunto de municípios que
possuíam o Sinan entre 2011 e 2014 pode ser
visualizada no mapa a seguir.
CRESCIMENTO DAS NOTIFICAÇÕES NO SI-
NAN: AUMENTO DA PREVALÊNCIA OU DI-
MINUIÇÃO DA SUBNOTIFICAÇÃO?
O Gráfico 1 aponta o crescimento do to-
tal de notificações de agravos de violência e
dos casos de estupro regirados no Sinan en-
tre 2011 e 2014. Os indicadores cresceram
acentuadamente no período, com acréscimo
de 84,2% e 66,1%, respectivamente. Diante
Painel 1 – Conjunto de Municípios com SINAN entre 2011 e 2014
2011
Não
Sim
2012
Fonte:
2013 2014
dessas informações, uma primeira questão
se refere à razão do aumento, se ocasionada
pelo crescimento da prevalência dessas vio-
lências, ou se pela diminuição da subnoti-
ficação derivada da expansão do sistema de
notificações pelo país.
Conforme se pode observar no Gráfico 2,
neste mesmo período cresceram tanto o nú-
mero de centros de saúde que tiveram pelo
menos uma notificação (86,3%), quanto o
número de municípios que passaram a pos-
suir notificações (63,9%).
Estupro no Brasil: vítimas, autores, fatores situacionais e evolução
das notificações no sistema de saúde entre 2011 e 2014
Daniel Cerqueira, Danilo Santa Cruz Coelho e Helder Ferreira
Rev. bras. segur. pública | São Paulo v. 11, n. 1, 24-48, Fev/Mar 2017 31
Dossiê
Gráfico 1 – Notificações de violências e de estupro no SINAN,
Brasil, 2011-2014
Fonte: Microdados do Sinan/Dasis/SVS/Ministério da Saúde. Elaboração dos autores.
10.000
12.000
14.000
16.000
18.000
20.000
22.000
100.000
120.000
140.000
160.000
180.000
200.000
220.000
2011 2012 2013 2014
Notificações de estupro
Notificações totais no Sinan
Notificações totais no Sinan Notificações de estupro
Gráfico 2 – Número de centros de saúde e de municípios com ao
menos uma notificação no Sinan,
Brasil, 2011-2014
Fonte: Microdados do Sinan/Dasis/SVS/Ministério da Saúde. Elaboração dos autores.
5.898
8.214
9.918
10.988
2.114
2.810 3.309 3.466
-
2.000
4.000
6.000
8.000
10.000
12.000
2011 2012 2013 2014
Centros de Saúde Municípios
Estupro no Brasil: vítimas, autores, fatores situacionais e evolução
das notificações no sistema de saúde entre 2011 e 2014
Daniel Cerqueira, Danilo Santa Cruz Coelho e Helder Ferreira
Rev. bras. segur. pública | São Paulo v. 11, n. 1, 24-48, Fev/Mar 2017
32
Dossiê
Fonte: Microdados do Sinan/Dasis/SVS/Ministério da Saúde. Elaboração dos autores.
Gráfico 3 – Número de notificações de estupro no Sinan,
Brasil, 2011-2014
16.104
19.129
20.085
14.454
15.684
15.366
12.087
15.679
18.194
18.922
2011 2012 2013 2014
Notificações de estupro
Notificações de estupro em centros de saúde que notificaram em 2011
Notificações de estupro em municípios que notificaram em 2011
100.000
120.000
140.000
160.000
180.000
200.000
220.000
Para responder à questão sobre o aumento de
notificações e sua relação com a expansão do Si-
nan, dois indicadores foram propostos, conforme
o Gráfico 3. O primeiro deles considera o nú-
mero anual de notificações de estupro, tomando
como base apenas aqueles municípios em que
houve alguma notificação de agravo de violências
em 2011. O segundo indicador leva em conta
apenas a evolução anual dos casos de estupro na-
queles centros de saúde onde já havia sido feita
notificação de qualquer violência em 2011.
Enquanto o aumento das notificações de
estupro foi de 66,1%, entre 2011 e 2014, o
número de estupros, considerando apenas os
municípios e ainda os centros de saúde em que
já havia informações em 2011, cresceu 56,5% e
27,1%, respectivamente. De acordo com o últi-
mo indicador, aparentemente elevou-se a preva-
lência, sobretudo entre 2011 e 2012, com uma
virtual estabilidade entre 2013 e 2014. Não
obstante, fica ainda aberta a questão se o au-
mento de registros observado em 2011 refletiu
um crescimento nos casos de estupro no país,
ou deveu-se à maior difusão entre a população e
os órgãos de saúde sobre a compreensão do que
constitui o estupro, cujo tipo penal mudou com
a Lei n° 12.015, de 2009.
Uma última análise sobre a expansão do Si-
nan no registro de casos de estupro se dá pela
comparação com os registros administrativos de
casos de estupro feitos nas polícias estaduais.
Em 2014, enquanto o Sinan registrou
20.085 casos de estupro, os órgãos de segu-
rança pública registraram 47.646 ocorrências
de estupros3 (FÓRUM BRASILEIRO DE
SEGURANÇA PÚBLICA, 2015, p. 36). No
entanto, cabe destacar, conforme a Tabela 2,
Estupro no Brasil: vítimas, autores, fatores situacionais e evolução
das notificações no sistema de saúde entre 2011 e 2014
Daniel Cerqueira, Danilo Santa Cruz Coelho e Helder Ferreira
Rev. bras. segur. pública | São Paulo v. 11, n. 1, 24-48, Fev/Mar 2017 33
Dossiê
Fonte: Microdados do Sinan/Dasis/SVS/Ministério da Saúde e Fórum Brasileiro de Segurança Pública (2015).
Elaboração dos autores.
Tabela 2 Comparação entre o número de vítimas de estupro
registradas no Sinan e o número de crimes de estupro
coligidos pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública
Brasil, 2014
UF Sinan FBSP
Espírito Santo 406 238
Amazonas 1.365 971
Minas Gerais 1.912 1.475
Acre 370 304
Tocantins 496 425
Goiás 603 612
Piauí 425 481
Distrito Federal 635 777
Paraíba 207 367
Rio Grande do Sul 1.517 2.722
Sergipe 290 537
Pará 1.483 2.927
Pernambuco 1.092 2.239
Roraima 128 276
Rio Grande do Norte 126 297
Paraná 1.534 3.913
Bahia 925 2.818
São Paulo 2.891 10.026
Santa Catarina 800 2.878
Mato Grosso do Sul 373 1.345
Rio de Janeiro 1.369 5.676
Amapá 76 338
Mato Grosso 290 1.300
Maranhão 194 1.019
Ceará 269 1.621
Rondônia 123 778
Alagoas 186 1.286
Brasil 20.085 47.646
Estupro no Brasil: vítimas, autores, fatores situacionais e evolução
das notificações no sistema de saúde entre 2011 e 2014
Daniel Cerqueira, Danilo Santa Cruz Coelho e Helder Ferreira
Rev. bras. segur. pública | São Paulo v. 11, n. 1, 24-48, Fev/Mar 2017
34
Dossiê
Fonte: microdados do Sinan/Dasis/SVS/Ministério da Saúde. Elaboração: Ipea.
Tabela 3 Distribuição das notificações de estupro, segundo
número de agressores
Brasil, 2011-2014
Número de notificações de estupro no Sinan
por número de agressores e ano
2011 2012 2013 2014
Um 9.816 13.059 15.255 15.670
Dois ou mais 1.570 2.116 2.707 3.172
Ignorado 647 869 1.061 1.152
Não informado 54 60 106 91
Distribuição por número de agressores envolvidos nas
notificações de estupro no Sinan, Brasil, 2011 a 2014
Número de agressores 2011 2012 2013 2014
Um 81,2% 81,1% 79,7% 78,0%
Dois ou mais 13,0% 13,1% 14,2% 15,8%
Ignorado 5,4% 5,4% 5,5% 5,7%
Não informado 0,4% 0,4% 0,6% 0,5%
que em alguns estados a captação de dados
via saúde já supera a via da segurança pública.
CARACTERÍSTICAS DOS ESTUPROS, SEGUN-
DO OS REGISTROS DO SINAN
Segundo os dados do Sinan, em 2014, os
homens foram os agressores em 94,1% dos ca-
sos de estupro, ao passo que as mulheres foram
as perpetradoras em 3,3% dos casos.
Conforme apontado na Tabela 3, entre
2011 e 2014, elevou-se a proporção dos casos
de estupro envolvendo mais de um agressor,
que passou de 13,0% para 15,8%.
Abaixo analisam-se os casos de estupro
ocorridos nesse período, com a caracterização
das vítimas, do vínculo entre vítima e agressor
e de alguns fatores situacionais.
As vítimas
Conforme o Gráfico 4, houve uma gran-
de estabilidade na proporção de casos de es-
tupro, segundo a idade da vítima, em que
cerca de 70% das violências acometeram
menores de idade.
Conforme explicitado no Gráfico 6, a pro-
porção de estupros segundo a cor/raça das ví-
Estupro no Brasil: vítimas, autores, fatores situacionais e evolução
das notificações no sistema de saúde entre 2011 e 2014
Daniel Cerqueira, Danilo Santa Cruz Coelho e Helder Ferreira
Rev. bras. segur. pública | São Paulo v. 11, n. 1, 24-48, Fev/Mar 2017 35
Dossiê
Gráfico 4 Distribuição das vítimas de estupro, segundo faixa etária
Brasil , 2011-2014
Fonte: Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS). Sinan – microdados; elaboração própria.
Crianças até 13 anos Adolescentes, entre 14 e 17 anos Maiores de idade
50,7% 52,0% 52,6% 50,1%
19,4% 18,3% 18,8% 19,8%
29,9% 29,7% 28,6% 30,1%
0,0%
10,0%
20,0%
30,0%
40,0%
50,0%
60,0%
2011 2012 2013 2014
Gráfico 5 Distribuição das vítimas de estupro no total de casos e
nos estupros coletivos, segundo fases da vida da vítima
Brasil, 2011-2014
Fonte: Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS). Sinan – microdados; elaboração própria.
Nota: Estupros coletivos correspondem àqueles cometidos por dois ou mais agressores.
Todos os estupros Estupros coletivos
50,1%
40,3%
19,8%
30,1% 35,6%
24,1%
0,0%
10,0%
20,0%
30,0%
40,0%
50,0%
60,0%
Crianças Adolescentes Maior de idade
Estupro no Brasil: vítimas, autores, fatores situacionais e evolução
das notificações no sistema de saúde entre 2011 e 2014
Daniel Cerqueira, Danilo Santa Cruz Coelho e Helder Ferreira
Rev. bras. segur. pública | São Paulo v. 11, n. 1, 24-48, Fev/Mar 2017
36
Dossiê
Gráfico 6 Distribuição das vítimas de estupro, segundo raça/cor
Brasil, 2011-2014
Fonte: Microdados do Sinan/Dasis/SVS/Ministério da Saúde. Elaboração dos autores.
Branca Preta Amarela Parda Indígena Ignorada Não informada
37,7% 37,3% 35,7% 34,3%
9,2% 9,1% 9,0% 8,8%
0,9% 0,6% 0,7% 0,6%
40,8% 42,0% 42,0%
44,5%
0,6% 0,7% 1,0% 1,0%
8,5% 8,5% 9,8% 9,3%
2,3% 1,7%
1,9%
1,6%
0,0%
5,0%
10,0%
15,0%
20,0%
25,0%
30,0%
35,0%
40,0%
45,0%
50,0%
2011 2012 2013 2014
Gráfico 7 Distribuição das vítimas de estupro, segundo faixa etária
Brasil, 2011-2014
Fonte: Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS). Sinan – microdados; elaboração própria.
Analfabeta 1a a 4a série incompleta do EF 4a série completa EF
5a a 8a série incompleta Ensino fundamental completo Ensino médio incompleto
Ensino médio completo Educação superior incompleta Educação superior completa
Ignorada
2,4% 2,3% 2,6% 2,5%
7,2% 6,6% 6,9% 6,3%
3,3% 3,5% 3,2% 2,9%
13,0% 12,7% 12,8% 13,1%
7,0% 6,4% 6,1% 6,0%
10,3% 9,1% 10,4% 10,8%
18,2% 18,5% 18,1% 18,5%
6,3% 7,0% 6,6% 6,7%
4,1% 4,6% 4,1% 4,9%
28,2% 29,4% 29,0% 28,4%
0,0%
5,0%
10,0%
15,0%
20,0%
25,0%
30,0%
35,0%
2011 2012 2013 2014
Estupro no Brasil: vítimas, autores, fatores situacionais e evolução
das notificações no sistema de saúde entre 2011 e 2014
Daniel Cerqueira, Danilo Santa Cruz Coelho e Helder Ferreira
Rev. bras. segur. pública | São Paulo v. 11, n. 1, 24-48, Fev/Mar 2017 37
Dossiê
Tabela 4 – Número de deficientes vítimas de estupro, por condição
de recorrência do estupro, segundo tipo de deficiência
Brasil, 2011-2014
Fonte: Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS). Sinan – microdados; Ipea.
Tipo de deficiência/
transtorno / Repetição
do Evento
Primeira vez Outras vezes Sem informação Total geral
Deficiência física 60 61 23 144
Deficiência mental 261 307 173 741
Deficiência visual 25 28 13 66
Deficiência auditiva 43 40 16 99
Transtorno mental 185 202 78 465
Transtorno de comportamento 127 154 59 340
Outro tipo 84 85 43 212
Total de casos contra vítimas
deficientes 785 877 405 2.067
Total de casos 9.380 7.272 3.433 20.085
timas seguiu aproximadamente a distribuição
da população residente, com exceção das ví-
timas amarelas e indígenas, que apresentaram
relativamente um alto índice de registros de
estupro. Se os dados do Sinan de 2014 fossem
traduzidos em taxas por 100 mil mulheres das
respectivas cores/raças, a população indígena
teria sofrido uma taxa de 42,9 estupros por
100 mil mulheres, seguida da população ama-
rela (20,4), negra4 (17,5) e branca (12,5).
Os crimes violentos contra os homens aco-
metem em especial os indivíduos com o ensino
fundamental incompleto, o que não se verificou
para as vítimas de estupro, que se distribuíram
por todas as faixas de escolaridade. Em particu-
lar, no que diz respeito ao Gráfico 7, cerca de
28,0% da vítimas possuíam ensino médio com-
pleto ou escolaridade superior. Outro ponto
digno de nota foi a estabilidade das proporções
por escolaridade ao longo do tempo.
Por fim, a caracterização das vítimas de estupro
no Sinan trouxe um aspecto duplamente odioso.
Além da vulnerabilidade das vítimas relacionada
à idade (uma vez que 70% delas eram menores
de idade, em 2014), mais de 10% apresentavam
deficiências de ordem física ou mental. A Tabela 4,
além de apresentar o número de vítimas por defi-
ciência, mostra outro dado inquietante. Enquan-
to, em geral, 36,2% das vítimas possuíam um
histórico de estupros anteriores, entre as pessoas
que apresentavam alguma deficiência, as vítimas
recorrentes de estupro eram 42,4%5.
Estupro no Brasil: vítimas, autores, fatores situacionais e evolução
das notificações no sistema de saúde entre 2011 e 2014
Daniel Cerqueira, Danilo Santa Cruz Coelho e Helder Ferreira
Rev. bras. segur. pública | São Paulo v. 11, n. 1, 24-48, Fev/Mar 2017
38
Dossiê
Tabela 5 – Proporção de vítimas de estupro, por faixa etária da
vítima, segundo vínculo com o agressor
Brasil, 2011-2014
Fonte: Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS). Sinan – microdados; Ipea.
Nota: As colunas não somam 100% pois para um mesmo estupro pode haver mais de um agressor.
Vínculo Vítima e agressor Cr i anç a
(até 13 anos)
A d o l es c e n te
(14 a 17 anos)
Maior de idade
(18 anos ou mais)
Desconhecido(a) 9,9% 30,6% 53,6%
Amigos/conhecidos 30,9% 26,0% 17,1%
Padrasto 12,5% 7,8% 1,3%
Pai 11,4% 8,0% 1,3%
Namorado(a) 8,1% 9,8% 1,6%
Tio(a) 5,4% 3,1% 0,7%
Primo(a) 4,5% 1,4% 0,5%
Irmão (ã) 3,4% 1,5% 1,0%
Avô(ó) 2,4% 0,5% 0,1%
Mãe 2,3% 3,2% 0,1%
Vizinho(a) 1,5% 0,5% 0,6%
Cônjuge 1,2% 5,2% 8,5%
Namorado/Cônjuge de
algum familiar 1,1% 0,3% 0,1%
Pessoa com relação
institucional 1,1% 0,8% 0,5%
Conhecido de algum familiar 1,1% 0,3% 0,2%
Cuidador(a) 1,0% 0,3% 0,2%
Outros 0,8% 0,6% 0,5%
Ex-namorado(a) 0,7% 1,9% 2,4%
Outro familiar 0,5% 0,2% 0,2%
Cunhado(a) 0,5% 0,8% 0,5%
Filho(a) 0,1% 0,1% 0,5%
Ex-cônjuge 0,1% 0,3% 4,8%
Patrão/chefe 0,1% 0,6% 0,5%
Policial/agente da lei 0,1% 0,3% 0,4%
Estupro no Brasil: vítimas, autores, fatores situacionais e evolução
das notificações no sistema de saúde entre 2011 e 2014
Daniel Cerqueira, Danilo Santa Cruz Coelho e Helder Ferreira
Rev. bras. segur. pública | São Paulo v. 11, n. 1, 24-48, Fev/Mar 2017 39
Dossiê
O vínculo entre vítima e agressor
No que se refere ao vínculo entre vítimas
e autores, os tipos mais apontados variam
com a idade da vítima. Com efeito, cerca de
40,0% dos estupradores das crianças perten-
ciam ao círculo familiar próximo (incluindo
pai, padrasto, tio, irmão e avô). Digno de nota
ainda é o fato de que 8,8% dos estupros de
crianças foram perpetrados por namorados ou
ex-namorados, o que revela uma precoce se-
xualização na vida das meninas. Entre as ado-
lescentes menores de idade, houve um virtual
equilíbrio entre os conjuntos de perpetradores
pertencentes a familiares próximos, a conheci-
dos e a pessoas desconhecidas da vítima. Já en-
tre as mulheres com mais de 18 anos, a maioria
dos agressores era desconhecido da vítima e,
num segundo plano, amigo e conhecido das
mesmas. A Tabela 5 detalha os vínculos entre
autores e vítimas de estupro, segundo o Sinan.
Cabe destacar que do total de 20.085 estupros
registrados no Sinan em 2014, em 12.676 casos os
autores eram familiares ou conhecidos das vítimas,
ao passo que em 5.381 incidentes os perpetradores
eram desconhecidos. Esta relação de mais de dois
para um, ao mesmo tempo em que mostra que o
agressor dorme ao lado, o que revela a gravidade do
problema de violência doméstica no país, reflete,
em parte, o viés de seleção do universo analisado6.
No que se refere à evolução do quadro acerca
do vínculo entre vítima e agressor, entre 2011 e
2014, o Gráfico 8 mostra uma grande estabili-
dade. Notou-se apenas um pequeno aumento de
estupros cometidos por namorados ou ex-namo-
rados de vítimas crianças, ao passo que diminuiu
a proporção de perpetradores desconhecidos de
vítimas adolescentes e maiores de idade.
Uma última questão diz respeito à recor-
rência do estupro quando o agressor faz par-
te ou não das relações da vítima. Enquanto
14,0% das pessoas violentadas por desconhe-
cidos haviam sofrido estupro anteriormente,
56,5% das vítimas cujos algozes eram conheci-
dos sofreram estupros repetidos.
Incidência temporal
O Gráfico 9 indica a evolução mensal dos
registros de estupro no Sinan, entre 2011 e
2014. Nota-se uma clara sazonalidade na série,
e mais casos aconteceram proporcionalmente
nos meses de inverno, ao passo que no verão,
aparentemente, houve menos registros.
A Tabela 7 caracteriza a incidência tem-
poral dos casos de estupros registrados no
Sinan em 2014, levando em conta ainda se
o autor era conhecido ou desconhecido da
vítima. Em relação ao mês, quando o autor
era desconhecido da vítima houve maior
uniformidade na proporção de registros ao
longo dos meses.
Em relação aos dias da semana, verificou-
-se concentração das agressões nos dias úteis
(88,0% dos casos). De fato, se a prevalência
de estupros fosse uniforme ao longo da sema-
na, a cada dia ocorreriam 14,2% dos casos.
Não obstante, percebe-se uma maior propor-
ção de casos no final de semana quando o
agressor é conhecido, em relação às situações,
onde a vítima conhecia o perpetrador
No que se refere ao horário7 de ocor-
rência das agressões, em mais da metade
dos casos (10.380) esse dado era ignorado.
Considerando apenas os crimes em que foi
Estupro no Brasil: vítimas, autores, fatores situacionais e evolução
das notificações no sistema de saúde entre 2011 e 2014
Daniel Cerqueira, Danilo Santa Cruz Coelho e Helder Ferreira
Rev. bras. segur. pública | São Paulo v. 11, n. 1, 24-48, Fev/Mar 2017
40
Dossiê
Gráfico 8 Proporção de vítimas de estupro, segundo vínculo com
agressor, por faixa etária da vítima
Brasil – 2011-2014
Fonte: Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS). Sinan – microdados; Ipea.
32,15% 32,33% 33,04% 30,85%
12,59%
10,49% 10,63% 12,48%
12,30% 13,36% 12,91% 11,39%
11,84% 12,12% 12,44% 9,92%
7,65% 7,84% 9,02% 8,83%
0,00%
5,00%
10,00%
15,00%
20,00%
25,00%
30,00%
35,00%
2011 2012 2013 2014
crianças (até 13 anos)
Amigos/conhecidos Desconhecido(a) Padrasto Pai Namorado(a) ou ex
37,76% 35,79% 37,22%
30,61%
28,01% 29,52% 29,14%
26,02%
10,14% 11,65% 11,89% 11,67%
8,40% 8,60% 8,11% 7,84%
5,32% 6,23% 6,71% 8,04%
0,00%
5,00%
10,00%
15,00%
20,00%
25,00%
30,00%
35,00%
40,00%
2011 2012 2013 2014
Adolescentes (14 a 17 anos)
Desconhecido(a) Amigos/conhecidos Namorado(a) ou ex Padrasto Pai
0,00%
60,51%
55,34% 55,98% 53,61%
15,40%
18,48% 18,67% 17,05%
9,29% 8,73% 8,87% 8,50%
4,34% 5,38% 5,34% 4,76%
3,31% 3,95% 4,04% 3,92%
10,00%
20,00%
30,00%
40,00%
50,00%
60,00%
70,00%
2011 2012 2013 2014
Maiores de idade
Desconhecido(a) Amigos/conhecidos Cônjuge Ex-cônjuge Namorado(a) ou ex
Estupro no Brasil: vítimas, autores, fatores situacionais e evolução
das notificações no sistema de saúde entre 2011 e 2014
Daniel Cerqueira, Danilo Santa Cruz Coelho e Helder Ferreira
Rev. bras. segur. pública | São Paulo v. 11, n. 1, 24-48, Fev/Mar 2017 41
Dossiê
Tabela 6 – Distribuição das vítimas de estupro, por condição
de conhecimento do agressor, segundo condição de
recorrência do estupro
Brasil – 2011-2014
Fonte: Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS). Sinan – microdados; Ipea.
Recorrência do estupro relativa a
casos registrados em 2014 Geral Autor:
Conhecido Desconhecido
Já foi vítima anteriormente (n=7272) 43,7 56,5 14,0
Nunca havia sido vítima
anteriormente (n=9380) 56,3 43,5 86,0
Total 100,0 100,0 100,0
bem definida tal informação (9.705), hou-
ve razoável incidência em todos os momen-
tos, ao longo do dia, sendo que para autores
conhecidos foi maior o número de casos à
noite e no período da tarde. Já quando os
autores eram desconhecidos, os estupros
aconteceram com maior frequência à noite
e de madrugada.
Dois fatos acerca da incidência temporal
dos registros de estupro no Sinan são interes-
santes de ressaltar. Em primeiro lugar, quan-
do se comparam esses dados com outras séries
de crimes violentos que acometem principal-
mente os homens – como homicídios –, nota-
-se uma maior uniformidade da distribuição
temporal de casos, seja ao longo dos meses,
seja ao longo dos dias da semana, seja ao lon-
go dos períodos do dia. Em segundo lugar,
enquanto os homicídios ocorrem com maior
intensidade nos períodos de maior interação
social, sobretudo nos meses de verão e nos
finais de semana, aparentemente os casos de
estupro seguem outra dinâmica temporal,
acontecendo com maior intensidade nos me-
ses de inverno e nos dias de semana.
Local, meio utilizado, presença de álcool e es-
tupros coletivos
Ao se analisar o local de ocorrência do estupro,
observa-se um alto índice de preenchimento das
informações, sendo que o dado faltante atingiu
apenas 8,7% do total de 20.085 casos ocorridos
em 2014. A Tabela 8 indica que enquanto a resi-
dência foi o local mais prevalente quando a vítima
e o agressor se conheciam (79,5%), a via públi-
ca foi o local onde se observou maior ocorrência
quando o agressor era desconhecido (48,7%).
Estupro no Brasil: vítimas, autores, fatores situacionais e evolução
das notificações no sistema de saúde entre 2011 e 2014
Daniel Cerqueira, Danilo Santa Cruz Coelho e Helder Ferreira
Rev. bras. segur. pública | São Paulo v. 11, n. 1, 24-48, Fev/Mar 2017
42
Dossiê
Gráfico 9 Evolução mensal do número de estupros
Brasil, 2011-2014
Fonte: Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS). Sinan – microdados; elaboração própria.
800
1000
1200
1400
1600
1800
2000
jan/11 jul/11 jan/12 jul/12 jan/13 jul/13 jan/14 jul/14
Número de registros
A suspeita de uso de álcool pelo provável
autor, no momento da ocorrência, também
variou segundo a tipologia “conhecido/desco-
nhecido”. Em geral, o uso de álcool se inseriu
em 35,7% do total de casos com informação
disponível. Os prováveis autores desconheci-
dos estariam sob efeito de álcool em 46,8%
do total de casos com informação disponível.
Já para os autores conhecidos, a proporção foi
bem inferior, 31,3%.
A presença de mais de um agressor também
se modificou conforme o conhecimento entre
vítima e autor. A proporção de estupros com
dois ou mais autores foi quase duas vezes maior
para autores desconhecidos (25,6%), em com-
paração àqueles em que havia um agressor co-
nhecido da vítima (13,5%).
Os meios de agressão mais empregados
foram a força corporal/espancamento e a
ameaça. Isso se manteve para qualquer tipo
de provável autor. No entanto, os meios de
agressão definidos (exceto outros) foram mais
observados quando os autores eram desco-
nhecidos. A utilização de arma de fogo foi
proporcionalmente quase dez vezes maior
pelos desconhecidos (16,6/1,7), enquanto os
Estupro no Brasil: vítimas, autores, fatores situacionais e evolução
das notificações no sistema de saúde entre 2011 e 2014
Daniel Cerqueira, Danilo Santa Cruz Coelho e Helder Ferreira
Rev. bras. segur. pública | São Paulo v. 11, n. 1, 24-48, Fev/Mar 2017 43
Dossiê
Fonte: Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS). Sinan – microdados; Ipea.
Tabela 7 – Distribuição das vítimas de estupro, por condição de
conhecimento do agressor, por mês, dia da semana e
período do dia
Brasil, 2011-2014
Variáveis Geral Conhecido Desconhecido
Mês %
Janeiro (n=1689) 8,4 8,6 7,9
Fevereiro (n=1633) 8,1 8,2 8,0
Março (n=1581) 7,9 7,7 8,2
Abril (n=1699) 8,5 8,3 8,8
Maio (n=1739) 8,7 8,7 8,5
Junho (n=1607) 8,0 7,9 8,2
Julho (n=1694) 8,4 8,6 7,9
Agosto (n=1674) 8,3 8,2 8,7
Setembro (n=1797) 8,9 9,0 8,7
Outubro (n=1670) 8,3 8,4 8,0
Novembro (n=1690) 8,4 8,4 8,4
Dezembro (n=1612) 8,0 7,8 8,6
Dia da semana %
Segunda-feira (n=4119) 20,5 20,4 21,6
Terça-feira (n=3652) 18,2 19 15,9
Quarta-feira (n=3417) 17 17,5 15,4
Quinta-feira (n=3315) 16,5 16,9 15,2
Sexta-feira (n=3136) 15,6 16,4 13,8
Sábado (n=1233) 6,1 5,1 8,6
Domingo (n=1233) 6 4,6 9,4
Período do dia %
Manhã (n=1622) 16,7 17,1 16,3
Tarde (n=2538) 26,2 30,8 18,9
Noite (n=3516) 36,2 34,8 38,2
Madrugada (n=2029) 20,9 17,2 26,6
Estupro no Brasil: vítimas, autores, fatores situacionais e evolução
das notificações no sistema de saúde entre 2011 e 2014
Daniel Cerqueira, Danilo Santa Cruz Coelho e Helder Ferreira
Rev. bras. segur. pública | São Paulo v. 11, n. 1, 24-48, Fev/Mar 2017
44
Dossiê
Tabela 8 – Proporção de vítimas de estupro, por condição de conhecimento
do agressor, segundo local de ocorrência, suspeita de uso de álcool
pelo agressor, número de prováveis autores e meios de agressão
Brasil, 2014
Fonte: Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS). Sinan – microdados; Ipea.
Nota: O total de cada coluna não soma necessariamente 100% devido a dados ignorados.
Variáveis Geral Conhecido Desconhecido
Local de ocorrência
Residência (n=11701) 63,8 79,5 25,6
Via Pública (n=3378) 18,4 6,3 48,7
Escola (n=335) 1,8 1,7 1,7
Comércio/Serviços (n=258) 1,4 12,3
Bar ou similar (n=177) 1 0,5 2
Habitação coletiva (n=157) 0,9 0,8 1
Local de prática esportica (n=96) 0,5 0,4 0,8
Indústria/Construção (n=87) 0,5 0,3 0,9
Outro (n=2151) 11,7 9,5 17,1
Suspeita de uso de álcool pelo autor
Suspeita de álcool (n=4444) 35,7 31,3 46,8
Sem suspeita (n=7992) 64,3 68,7 53,2
Número de prováveis autores
Um (n=15670) 83,2 86,5 74,4
Dois ou mais (n=3172) 16,8 13,5 25,6
Meios de agressão
Força corporal/espancamento (n=8222) 46 39,2 59,5
Ameaça (n=6966) 39,6 35,8 48,4
Arma de fogo (n=1114) 6,6 1,8 18,4
Objeto pérfuro-cortante (n=990) 5,9 3,4 12
Enforcamento (n=626) 3,8 2,8 6
Objeto contundente (n=338) 2,1 1,7 2,7
Substância/objeto quente (n=88) 0,5 0,5 0,7
Envenenamento/Intoxicação (n=71) 0,4 0,3 0,7
Outros (n=1654) 11,1 11,3 9
Estupro no Brasil: vítimas, autores, fatores situacionais e evolução
das notificações no sistema de saúde entre 2011 e 2014
Daniel Cerqueira, Danilo Santa Cruz Coelho e Helder Ferreira
Rev. bras. segur. pública | São Paulo v. 11, n. 1, 24-48, Fev/Mar 2017 45
Dossiê
objetos perfuro-cortantes (10,8/3,2) foram
mais de três vezes e enforcamento, (5,4/2,6),
mais de duas. Nos casos em que os prováveis
autores eram conhecidos, a utilização de ar-
mas e objetos foi menos comum, mesmo por-
que, conforme relatado, a maioria das agres-
sões acomete pessoas vulneráveis.
CONCLUSÕES E REFLEXÕES PARA POLÍTICAS
PÚBLICAS
Um grande obstáculo ao processo civiliza-
tório brasileiro diz respeito à alta prevalência
da violência de gênero e, em particular, a se-
xual. Enquanto o Sinan registrou, em 2014,
20.085 casos, as polícias tiveram 47.646 no-
tificações de estupro. Contudo, estes registros
administrativos, com base nos dados da saúde
ou da polícia, representam apenas uma peque-
na parcela dos eventos de violência sexual que
acontecem a cada momento pelo Brasil afora e
que terminam invisibilizados aos olhos do Es-
tado e da sociedade, em face dos tabus envolvi-
dos e da ideologia do patriarcado imanente em
nossa cultura. Para se ter uma ideia da magni-
tude que o fenômeno alcança no Brasil, pes-
quisadores da Universidade Federal do Ceará,
em parceria com o Instituto Maria da Penha,
com base na pesquisa PCSVDFMulher, esti-
maram que 2,42% das mulheres entre 15 e 49
anos residentes nas capitais nordestinas foram
vítimas de agressões sexuais (CARVALHO;
OLIVEIRA, 2016). Caso a prevalência relativa
nacional seja igual à verificada nas localidades
estudadas, mais de 1.350.000 mulheres já so-
freram tais violências no país.
No presente trabalho, revisitou-se a aná-
lise feita por Cerqueira e Coelho (2014),
que analisaram as notificações de estupro
ocorridas em 2011 no Sinan. Em linhas
gerais, ao observar a evolução dos registros
da saúde entre 2011 e 2014, para além da
positiva expansão do sistema, que passou a
alcançar 68,2% dos municípios brasileiros,
verificou-se uma inaceitável estabilidade es-
tatística nos eventos, em que as agressões
registradas acometem pessoas em todas as
faixas de escolaridade e atingem, sobretu-
do, crianças e adolescentes, em que os per-
petradores, na maioria dos casos, são fami-
liares próximos.
De fato, verificou-se que 73,0% dos per-
petradores eram pessoas conhecidas, com
destaque para pais ou padrastos (15,7%) e
cônjuges ou namorados (10,5%). As prin-
cipais vítimas foram crianças e adolescentes
menores de idade (69,9%), sendo que 10,2%
das vítimas possuíam alguma deficiência fí-
sica e/ou mental, numa dupla vulnerabilida-
de. Outro ponto que chamou a atenção foi o
processo de revitimização a que estão sujei-
tas as vítimas de algozes conhecidos, em que
56,5% dessas já haviam sofrido estupro an-
teriormente. Nos crimes levados a cabo por
pessoas desconhecidas destacaram-se os ca-
sos de vítimas solteiras (68,1%), de primeira
vitimização (86,0%), de ocorrências à noite
(38,2%) e de madrugada (26,6%), em vias
públicas (48,7%), com suspeita de uso de ál-
cool pelo agressor (46,8%), com mais de um
autor (25,6%) e com uso de força corporal/
espancamento (59,5%), ameaça (48,4%) ou
arma de fogo (18,4%). Uma última estatísti-
ca estarrecedora foi o aumento da proporção
de casos de estupros coletivos, que atingiu
15,8% do total de casos em 2014. Entre os
casos com autores conhecidos, 13,5% envol-
Estupro no Brasil: vítimas, autores, fatores situacionais e evolução
das notificações no sistema de saúde entre 2011 e 2014
Daniel Cerqueira, Danilo Santa Cruz Coelho e Helder Ferreira
Rev. bras. segur. pública | São Paulo v. 11, n. 1, 24-48, Fev/Mar 2017
46
Dossiê
veram dois ou mais agressores, ao passo que
quando a vítima não conhecia os agressores,
essa parcela correspondeu a 25,6%.
Ainda que as informações apresentadas
nesse trabalho tenham advindo de registros
administrativos, o que não permite extrapolar
os resultados para o conjunto da sociedade,
tendo em vista o problema do viés de seleção
discutido anteriormente, os fatos assinalados
dão conta da gravidade do problema da vio-
lência de gênero no país, que deve contar com
ações intersetoriais, que envolvam não apenas
a saúde pública e a polícia, mas o aparelho de
assistência social e, sobretudo, o sistema edu-
cacional, para que se possa superar essa face
cruel de nossa realidade, resquício de uma so-
ciedade arcaica.
1. Agradecemos ao trabalho de apoio do George Melo e as sugestões de vários colegas do Ipea, bem como aos participantes da mesa sobre
violência sexual que ocorreu no X Encontro do Fórum brasileiro de Segurança Pública.
2. Conforme assinala Jesus (1990) [apud Motter, 2011]: “[...] Assim, sempre que a mulher não consentir na conjunção carnal e o marido a obrigar
ao ato, com violência ou grave ameaça, em princípio caracterizar-se-á o crime de estupro, desde que ela tenha justa causa para a negativa”
[Jesus, 2000 apud Motter (2011)]. Já Noronha entende que “o marido não pode ser acusado do crime de estupro de sua própria mulher, uma
vez que o Código Civil traz como umas das consequências do casamento o dever dos cônjuges de manter relações sexuais, assim na hipótese
de recusa poderá o marido forçá-la ao ato sexual sem responder pelo crime de estupro” [Noronha, 1990, apud Motter (2011)].
3. Os dados não são a princípio comparáveis, porque os casos do Sinan se referem a vítimas e os casos reunidos pelo FBSP são de crimes. No
entanto, tornam-se comparáveis porque a quase totalidade dos crimes de estupro registrados se referem a apenas uma vítima.
4. Considerando aí preta ou parda.
5. Por m, vale a pena registrar que as chas de noticação apresentam campos sobre identidade de gênero e orientação sexual, no entanto,
tais informações não estavam disponíveis na base de dados analisada.
6. Como já apontado antes, este fato decorre de a análise se basear em dados administrativos, com vítimas que buscaram auxílio em
estabelecimentos de saúde. Certamente, esses dados embutem uma sub-representação de mulheres adultas aigidas pela violência sexual
que caram invisíveis aos olhos da sociedade, pelo fato de não terem procurado ajuda, tendo em vista os tabus envolvidos.
7. A partir da informação da hora de ocorrência, os casos foram agrupados em quatro períodos: manhã (ocorridos de 6h00 até 11h59), tarde
(de 12h00 até 17h59), noite (de 18h00 até 23h59) e madrugada (de 0h00 até 5h59).
Estupro no Brasil: vítimas, autores, fatores situacionais e evolução
das notificações no sistema de saúde entre 2011 e 2014
Daniel Cerqueira, Danilo Santa Cruz Coelho e Helder Ferreira
Rev. bras. segur. pública | São Paulo v. 11, n. 1, 24-48, Fev/Mar 2017 47
Dossiê
Referências bibliográficas
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância
em Saúde. Departamento de Vigilância de Doenças
e Agravos não Transmissíveis e Promoção da Saúde.
Instrutivo Notificação de Violência Interpessoal
e Autoprovocada. Brasília, DF: Ministério da Saú-
de, 2015. Disponível em: <http://u.saude.gov.br/
images/pdf/2016/fevereiro/16/instrutivo-ficha-
-sinan-5-1--vers--o-final-15-01-2016.pdf>.
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância
em Saúde. Departamento de Vigilância de Doenças
e Agravos não Transmissíveis e Promoção da Saúde.
Instrutivo para Preenchimento da Ficha de Notifi-
cação de Violência Interpessoal e Autoprovocada.
Versão Preliminar. Brasília, DF: Ministério da Saú-
de, 2014. Disponível em: <http://u.saude.gov.br/
images/pdf/2016/fevereiro/16/instrutivo-ficha-
-sinan-5-1--vers--o-final-15-01-2016.pdf>.
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância
em Saúde. Departamento de Vigilância Epidemiológi-
ca. Sistema de Informação de Agravos e Notificação
– Sinan: normas e rotinas. 2. Ed. Brasília, DF: Ministé-
rio da Saúde, 2007. Disponível em: <http://bvsms.
saude.gov.br/bvs/publicacoes/07_0098_M.pdf>.
BROWNMILLER, S. Against Our Will: Men, Women and
Rape. New York: Ballantine Books, 1993.
CERQUEIRA, D.; COELHO, D. Estupro no Brasil: uma ra-
diografia segundo os dados da saúde. Brasília, DF: Ipea,
2014. (Nota Técnica n. 11). Disponível em: <http://
www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/nota_
tecnica/140327_notatecnicadiest11.pdf>.
CARVALHO, J. R.; OLIVEIRA, V. H. PCSVDFMulher – Pesqui-
sa de Condições Socioeconômicas e Violência Domés-
tica e Familiar contra a Mulher – Relatório Executivo
I - Primeira Onda – 2016. Fortaleza: Universidade Federal
do Ceará, 2016. Disponível em: <http://www.compro-
missoeatitude.org.br/wp-content/uploads/2016/12/
Pesquisa-Nordeste_Sumario-Executivo.pdf>.
FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA. Anuário
Brasileiro de Segurança Pública. São Paulo: FBSP, 2015.
Disponível em: <http://www.forumseguranca.org.br/
storage/download//anuario_2015.retificado_.pdf>.
MOTTER, C. P. Estupro nos relacionamentos amorosos:
violência doméstica contra a mulher. Âmbito Jurídico,
Rio Grande, XIV, n. 89, jun 2011.
Estupro no Brasil: vítimas, autores, fatores situacionais e evolução
das notificações no sistema de saúde entre 2011 e 2014
Daniel Cerqueira, Danilo Santa Cruz Coelho e Helder Ferreira
Rev. bras. segur. pública | São Paulo v. 11, n. 1, 24-48, Fev/Mar 2017
48
Dossiê
Estupro no Brasil: vítimas, autores, fatores
situacionais e evolução das notificações no
sistema de saúde entre 2011 e 2014
Daniel Cerqueira, Danilo Santa Cruz Coelho e Helder Ferreira
Violación en Brasil: víctimas, autores, factores
situacionales y evolución de las notificaciones en el
sistema de salud entre 2011 y 2014
En este artículo se analizó la evolución de las noticaciones de
violación en el país, entre 2011 y 2014, con base en los datos
del Sistema de Información de Agravios de Noticación (Sinan),
del Ministerio de la Salud. Se caracterizó aún el fenómeno
según esos registros administrativos. Especícamente se
describió el perl de víctimas y autores, los vínculos entre
ellos, además de otros elementos situacionales. Se vericó
una estabilidad estadística inaceptable a lo largo del período
analizado, en que 69,9% de las víctimas eran niños y menores
de edad, y más del 10,0% de las personas agredidas sufrían
de alguna deciencia física y/o mental. Al mismo tiempo,
aumentó la proporción de casos de violación colectiva que,
en 2014, respondieron por el 15,8% del total de casos, y esta
proporción correspondió al 25,6% cuando los autores eran
desconocidos de la víctima. Otro dato terroríco mostró que
cerca del 40,0% de los violadores de los niños pertenecían
al círculo familiar próximo, incluyendo padre, padrastro, tío,
hermano y abuelo. Los datos llaman la atención sobre la
gravedad del problema de violencia de género en el país
y sobre la necesidad de se produzcan informaciones más
cuidadosas, para así posibilitar la elaboración de políticas
públicas mitigadoras que involucren las muchas agencias del
Estado, sobretodo en el campo educacional.
Palabras clave: Violación. Brasil. Violencia. Sinan. Género.
Resumen
Rape in Brazil: Victims, perpetrators, situational factors and
notifications in the health system between 2011 and 2014
In this article, the rape notications registered in Brazil
between 2011 and 2014 were analyzed based on data from
the Notiable Conditions Information System (Sinan) of the
Ministry of Health. The phenomenon was also characterized
according to these administrative records. More specically,
the proles of victims and perpetrators were described, along
with the relationship between them and other situational
elements. An unacceptable unchanging statistical pattern over
the period analyzed was noted, in which 69.9% of victims
were children and minors, and over 10% of victims had
physical and/or mental disabilities. In parallel, there was an
increase in the proportion of gang rape cases, which in 2014
accounted for 15.8% of all cases, where perpetrators were
not known to the victim in 25.6%. Another alarming nding
was that 40.0% of child rapists were close family members,
including the father, stepfather, uncle, brother and grandfather.
The data draws attention to the seriousness of the problem of
gender violence in Brazil and highlights the need to produce
more accurate information allowing mitigating public policies
to be devised that involve several State agencies, particularly
in the educational eld.
Keywords: Rape. Brazil. Violence. Sinan. Gender.
Abstract
Data de recebimento: 20/12/2016
Data de aprovação: 14/01/2017
Estupro no Brasil: vítimas, autores, fatores situacionais e evolução
das notificações no sistema de saúde entre 2011 e 2014
Daniel Cerqueira, Danilo Santa Cruz Coelho e Helder Ferreira
Rev. bras. segur. pública | São Paulo v. 11, n. 1, 24-48, Fev/Mar 2017 49
Dossiê
... Por fim, pesquisas nacionais de referência sobre o crime de estupro 16,17 apresentam um diagnóstico acerca de sua incidência, apontando as principais vítimas, autores, fatores situacionais, evolução das notificações e confirmam que muitas vítimas não realizam os procedimentos de emergência, após vivenciarem situação de violência sexual. Tais estudos, entretanto, não se concentram em discutir o que contribui para tal cenário negativo, sendo esta a principal diferença em relação ao presente trabalho, que identifica os fatores sociodemográficos das meninas e mulheres que problematizam o acesso aos atos médicos, após serem vítimas de tal modalidade de violência sexual. ...
... agressores; não terem conhecimento de que fazem jus aos atendimentos médicos supramencionados, independentemente do registro de ocorrência ou instauração de inquérito policial; ou quando reportam o ocorrido a familiares ou pessoas de sua convivência, estes são coniventes com o agressor ou não acreditam nas suas alegações, perecendo a rede de apoio referência16,17,21 . ...
... Esses numerários apontam a não realização da contracepção de emergência, ou sua ocorrência de forma tardia, o que contribui para a sua ineficácia. Quanto à incidência de IST, o estudo de Cerqueira e Coelho16,17 indica que quanto mais jovem a vítima, maiores as chances de contrair infecção. Por tais razões, deve ser observado se a característica etária das vítimas compromete a ocorrência das profilaxias de emergência.Grande parte dos casos de estupro envolvem pessoas conhecidas, sendo o autor algum familiar ou pessoa do ciclo de convivência da vítima. ...
Article
Full-text available
Resumo Esta pesquisa investigou a relação entre características sociodemográficas das meninas e mulheres vítimas de estupro em Minas Gerais, no período de 2013 a 2021, e a probabilidade de receberem tratamentos de emergência, conforme estabelecido na Lei nº 12.845/2013, conhecida como Lei do Minuto Seguinte. Utilizou-se os dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) para casos de estupro para estimação de modelos de escolhas binárias. Os resultados indicam que fatores sociodemográficos das vítimas, alinhados à teoria e à prática da interseccionalidade (raça, idade, local de residência dentro das regiões de saúde, relação com o agressor e ano do registro do crime) influenciam, negativamente, a probabilidade de receberem o tratamento de emergência. Em particular, vítimas indígenas, menores de idade, agredidas por conhecidos e residentes em determinadas regiões de saúde demonstraram ter menor probabilidade de receber cuidados médicos imediatos. após o estupro. Além disso, constatou-se que a implementação da política pública não resultou em melhoria, já que, desde a promulgação da Lei, em 2013, até o ano 2021, houve diminuição no número de atendimentos médicos realizados.
... Sexual violence also seems to be relevant in Brazil despite the few available studies. According to Cerqueira et al. 9 , rape notifications grew 66.1% nationwide from 2011 to 2014. Analyzing the victim-perpetrator bond, the main perpetrators of this type of violence against adolescents aged 14-17 are strangers (30.6%), followed by friends/acquaintances (26.0%). ...
... Ciência & Saúde Coletiva, 29(1):[1][2][3][4][5][6][7][8][9][10][11][12][13] 2024 ...
Article
Full-text available
This study aims to identify the individual community strategies to avoid violence exposure most used by adolescents from public and private schools in the IX Administrative Region of Rio de Janeiro and investigate the profile of co-occurrence and its prevalence in specific population subgroups. This is a cross-sectional study with 693 individuals. A multidimensional questionnaire collected information regarding strategies to avoid community violence exposure and was self-completed in the classroom. The most used strategies were avoiding walking close to armed people (55.5%), avoiding walking alone (30.5%), and avoiding returning home at dawn (24.7%). Girls adopt more of all (concurrently) the four limiting behaviors to reduce their community violence exposure (53% vs. 32%). Notably, the adoption of such strategies differed by socioeconomic indicators and was higher among adolescents from lower-income households. These findings point to the high frequency of use of such strategies by adolescents, which may hinder and limit the full development of their social and cultural skills.
... Não obstante a relevância do número de casos de violência sexual ocorridos no Brasil, não somente como objeto de análise científica, mas para ensejar efetivas políticas públicas mitigadoras, muito pouco se conhece sobre a prevalência, regularidade temporal, espacial e fatores subjacentes a essa questão. A afirmação decorre da observação de elevada escassez de dados e informações precisas, resultado da invisibilidade do fenômeno e da condescendência social, o que começou a ser problematizado somente nos últimos anos Ferreira, 2017). Até então, pouca informação de qualidade foi produzida acerca da incidência e prevalência do estupro, de modo que os crimes ocorridos na sociedade passam pelo funil do controle social, e certamente apenas uma minoria deles e de certas categorias de autores chegará ao sistema de justiça criminal (Mandarino;Braga;Rosa, 2017). ...
Article
Full-text available
O crime de estupro de vulnerável possui um dos menores índices de comunicação aos agentes de segurança pública, mesmo frente à sua alta capacidade de reprovabilidade penal e social. Os inúmeros casos de violência sexual enfrentados pelas vítimas traduzem a necessidade de maior eficiência na contabilização estatística dos casos, sobretudo por se tratar de crime lesivo à dignidade da pessoa humana, que afronta a proteção oferecida pelo Estado. Porém, ainda são escassas pesquisas, estudos e dados acerca da violência sexual institucional contra menores vulneráveis, quando de cifra oculta, especialmente no Estado do Maranhão. Assim, a presente pesquisa objetivou problematizar a ausência de notificação compulsória da incidência do crime de estupro de vulnerável através da análise dos casos de averiguação de paternidade advindos das unidades judiciais e centros de conciliação do Judiciário maranhense, no período de 2015-2020. Parte-se da hipótese de inexistência de uma estratégia metodológica institucional uniforme, para interpretação de dados possíveis com os exames de DNA nos procedimentos de investigação de paternidade, capazes de identificar as violências sexuais praticadas contra pessoas vulneráveis. A coleta dos dados, devidamente autorizada pelas respectivas chefia imediata e diretoria do Fórum de São Luís, deu-se por meio da verificação de informações contidas nos pedidos de exame de DNA solicitados ao Laboratório Forense de Biologia Molecular do Fórum da Capital. Através de metodologia hipotético- dedutiva dialética, com abordagem descritiva e jurídico-diagnóstica, procedimento de revisão bibliográfica e documental, coletas, análise e interpretação de dados, foi possível verificar uma incidência média de oito casos por ano do crime de estupro de vulnerável detectados, como cifra oculta, pela requisição de processos cíveis de averiguação de paternidade. Da análise, percebeu-se: a necessidade de uma política institucional de combate à violência com medidas de aprimoramento no atendimento; capacitação dos profissionais do Judiciário, para conferir maior atenção nas ações envolvendo menores; rigorosa comunicação entre os órgãos responsáveis e sistematização das informações, que podem amparar e proteger crianças e adolescentes vítimas de umas das formas mais cruéis de violência, a silenciosa.
... Ciência & Saúde Coletiva, 29(1):[1][2][3][4][5][6][7][8][9][10][11][12][13] 2024 ...
Article
Full-text available
Resumo O objetivo do estudo é conhecer as estratégias individuais mais utilizadas por adolescentes de escolas públicas e privadas da IX Região Administrativa do município do Rio de Janeiro para evitar a exposição à violência comunitária, bem como investigar o perfil de coocorrência e sua prevalência em subgrupos populacionais específicos. Trata-se de um estudo seccional com 693 indivíduos. As informações referentes às estratégias para evitar a exposição à violência comunitária foram coletadas por meio de questionário multidimensional autopreenchido em sala de aula. As estratégias mais utilizadas foram: evitar passar onde há pessoas armadas (55,5%), evitar andar sozinho (30,5%) e evitar voltar para casa de madrugada (24,7%). Observou-se que as meninas adotam mais todos (concomitantemente) os quatro tipos de comportamento limitantes para reduzir sua exposição à violência comunitária (53% vs. 32%). Ressalta-se que a adoção de tais estratégias diferiu segundo os indicadores socioeconômicos, sendo maior entre os adolescentes oriundos de família de estratos de renda mais baixos. Tais achados chamam a atenção para a alta frequência de utilização de tais estratégias por adolescentes, o que pode cercear e limitar o pleno desenvolvimento de suas habilidades sociais e culturais.
Article
Full-text available
Resumo Os profissionais da saúde afiançam que não se sentem seguros para atender as demandas relacionadas à violência sexual. Nesse âmbito, desponta a Educação Permanente em Saúde, política do Sistema Único de Saúde que cumpre os requisitos de desenvolvimento permanente de habilidades e competências profissionais. Assim, este estudo objetivou analisar a compreensão dos trabalhadores acerca dos processos de trabalho e sua articulação com a Educação Permanente em Saúde para a qualificação na Rede de Atenção às Vítimas de Violência Sexual, na gestão e na Área Lilás do Hospital da Mulher Nise da Silveira, de Alagoas. Trata-se de uma pesquisa de caráter descritivo, exploratório e de abordagem qualitativa. Promoveram-se três oficinas integrando dois grupos de pesquisa. Os inquiridos compreendem os impactos que a Educação Permanente em Saúde pode reverberar na atenção às vítimas de violência sexual. Isso acontece porque não se trata de um processo engessado de formação, mas ancora-se na aprendizagem que os provoca a problematizar tanto as suas condutas laborais quanto os processos de trabalho em que estão inseridos, valorizando a experiência que cada um carrega na intenção de (re)pensar novos moldes de cuidado e de reduzir os ruídos de comunicação diante do fazer dialógico.
Article
Full-text available
Objetivo: Analisar as características epidemiológicas da violência sexual no estado do Amazonas no período de 2012 a 2021. Materiais e método: Estudo epidemiológico casos notificados entre 2012 e 2021 de violência sexual do Sistema de Informação de Agravos de Notificação disponíveis na plataforma do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde. Resultados: Foram notificados 14.323 casos de violência sexual no estado do Amazonas no período analisado, sendo a maioria em 2018 (12,26%). Os tipos de violência sexuais mais relatados foram o estupro (78,92%) e o assédio sexual (13,47%). Houve o predomínio no sexo feminino (91,03%), pardas (78,33%), na faixa etária de 10-14 anos (45,41%), com ensino fundamental incompleto. Os prováveis autores, em sua maioria eram conhecidos (27,24%) da vítima. A residência foi o local de ocorrência com maior porcentagem (72,52%). Conclusão: O presente estudo identificou as características das pessoas vítimas de violência sexual e sua distribuição temporal. Logo, tais achados fomentam a necessidade de estratégias mais adequadas e, por conseguinte, eficazes para combater e prevenir este problema de saúde pública.
Article
Full-text available
A violência sexual é um dos mais degradantes tipos de violação dos direitos humanos, o qual expõe a vítima a consequências bastante severas. Em 2009, a Lei 12.015/09 trouxe uma mudança em relação aos crimes sexuais. O título “Dos Crimes Contra os Costumes”, passou a chamar-se “Dos Crimes Contra a Dignidade Sexual”. O objetivo deste estudo foi traçar o perfil da violência sexual em mulheres no Distrito Federal entre os anos de 2015 a 2017. Foi realizada um estudo retrospectivo, com abordagem quantitativa, utilizando os laudos do SICOLA (Sistema de Controle de Laudos) do Instituto de Medicina Legal do Distrito Federal. No total, foram analisados 3392 laudos de violência sexual contra a mulher. Após a análise dos dados, verificou-se que Ceilândia foi a cidade que apresentou o maior número de casos, seguida de Samambaia e Planaltina. Na prevalência da violência sexual, Cidade Estrutural aparece em primeiro lugar (média de 13,43 a cada 10.000 mulheres), seguido do Varjão, com média de 13,36 a cada 10.000 mulheres. Conclui-se que esse tipo de estudo se faz necessário para a elaboração de estratégias que visem melhorar a Segurança Pública local, bem como ampliar a quantidade de políticas públicas voltadas para a proteção e bem-estar das mulheres do Distrito Federal.
Article
Full-text available
O presente trabalho dialoga com a educação sexual e seus desdobramentos na escola. A pesquisa consiste em uma análise documental associada a fatos do cotidiano e a pesquisa bibliográfica em eventos científicos acerca do tema. Os fatos do cotidiano e os artigos levantados apresentam a escola como lugar potencial para abordagem de uma educação sexual crítica, emancipatória e plural para todos. Entretanto, isso não quer dizer, que o dever de casa tenha sido feito, pois a mesma escola que poderia aprofundar considerações sobre o assunto, pode também reproduzir em seus bastidores práticas discriminatórias, excludentes e reducionistas em relação a educação sexual nesse lugar. A diversidade sexual: principalmente, a transexualidade, as sexualidades e os estudos de gênero têm apresentado contribuições significativas como parte das mudanças nesse processo. Desse modo, a educação sexual ganha espaço na disciplina escolar Biologia como um lugar de desconstrução potente para debates e reflexões na escola.
Article
Full-text available
Crimes de estupro exigem o exame de corpo de delito nas vítimas, as quais podem apresentar lesões a depender do tipo e da violência do ato praticado. O exame médico-legal auxilia na materialização da ação criminosa e na determinação de sua autoria, pois o corpo da vítima pode conter vestígios relacionados diretamente ao seu agressor. Diante disto, este estudo tem como objetivo analisar os laudos médico-legais relacionados aos crimes sexuais (Art. 213 e 217-A) registrados na 1ª Coordenação Regional da Polícia Técnico-Científica de Aparecida de Goiânia – GO, no período compreendido entre 1º de janeiro a 31 de dezembro de 2019, com intuito de discutir o perfil das vítimas e de seus agressores, bem como a contribuição do laudo no caso analisado. Foram analisados 150 laudos (59 casos de estupro e 91 casos de estupro de vulnerável). Houve predomínio de vítimas jovens do sexo feminino, entre 10 e 21 anos. A maioria dos agressores eram do sexo masculino, conhecidos das vítimas. De maneira geral, houve baixa taxa de lesões genitais e corporais, que dificulta a materialização do delito e identificação do autor, o que pode ser devido à prática de atos libidinosos que não deixam vestígios ou ao lapso temporal entre a notificação e o crime. Foi identificado alguns casos com erros no registro da tipificação penal e ausência de etnia das vítimas em grande parte dos casos, o que pode prejudicar a construção de políticas públicas para prevenção e atendimento de vítimas de abuso sexual.
Article
Full-text available
O objetivo deste Texto para Discussão foi estimar a prevalência de estupro e sua taxa de atrito nos sistemas de saúde e policial. Para isso, analisamos inicialmente diferentes bases de dados com cobertura nacional sobre o fenômeno no Brasil, tomando como referência para comparação o ano de 2019. A partir de uma análise conjunta da Pesquisa Nacional de Saúde do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (PNS/IBGE) e do Sistema de Informação de Agravos de Notificação do Ministério da Saúde (Sinan/MS), fizemos um cálculo aproximado dessa prevalência. Concluímos que o limite inferior do número de estupros no país se situaria num patamar de 822 mil casos por ano, o que corresponderia à ocorrência de quase dois casos por minuto no Brasil. A partir desse número, foi possível estimar que apenas 8,5% dos estupros estão sendo identificados pela polícia e 4,2% pelos sistemas de informação da saúde.
Article
This chapter is reprinted from Against Our Will: Men, Women and Rape, by Susan Brownmiller (1975). Krafft-Ebing, Freud, Adler, Jung, Deutsch, Horney, Marx, and Engels were mostly silent on the topic of rape as a social reality. So it remained for the latter-day feminists, free at last from the strictures that forbade us to look at male sexuality, to discover the truth and meaning in our own victimization. Critical to our study is the recognition that rape has a history, and that through the tools of historical analysis we may learn what we need to know about our current condition. The subject of rape has not been, for zoologists, an important scientific question. No zoologist has ever observed that animals rape in their natural habitat, the wild. But we do know that human beings are different. Man's structural capacity to rape and woman's corresponding structural vulnerability are as basic to the physiology of both our sexes as the primal act of sex itself. Man's discovery that his genitalia could serve as a weapon to generate fear must rank as one of the most important discoveries of prehistoric times, along with the use of fire and the first crude stone axe. Rape's critical function is nothing more or less than a conscious process of intimidation by which all men keep all women in a state of fear. A reflective comment, by Claire M. Renzetti, on this chapter appears at the end of the chapter. (PsycINFO Database Record (c) 2012 APA, all rights reserved)
Secretaria de Vigilância em Saúde
  • Brasil Ministério Da Saúde
bibliográficas BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância de Doenças e Agravos não Transmissíveis e Promoção da Saúde.
Disponível em: <http://u.saude.gov.br/ images/pdf
  • Versão Preliminar
  • Df Brasília
  • Ministério Da Saúde
Versão Preliminar. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2014. Disponível em: <http://u.saude.gov.br/ images/pdf/2016/fevereiro/16/instrutivo-ficha
Estupro no Brasil: uma radiografia segundo os dados da saúde. Brasília, DF: Ipea
  • D Cerqueira
  • D Coelho
CERQUEIRA, D.; COELHO, D. Estupro no Brasil: uma radiografia segundo os dados da saúde. Brasília, DF: Ipea, 2014. (Nota Técnica n. 11). Disponível em: <http:// www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/nota_ tecnica/140327_notatecnicadiest11.pdf>.
PCSVDFmulher – Pesquisa de Condições Socioeconômicas e Violência Doméstica e Familiar contra a mulher – Relatório Executivo I-Primeira Onda – 2016
  • J R Oliveira
CARVALHO, J. R.; OLIVEIRA, V. H. PCSVDFmulher – Pesquisa de Condições Socioeconômicas e Violência Doméstica e Familiar contra a mulher – Relatório Executivo I-Primeira Onda – 2016. Fortaleza: Universidade Federal do Ceará, 2016. Disponível em: <http://www.compromissoeatitude.org.br/wp-content/uploads/2016/12/ Pesquisa-Nordeste_Sumario-Executivo.pdf>.
Anuário Brasileiro de Segurança Pública
  • Fórum Brasileiro De Segurança
  • Pública
FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA. Anuário Brasileiro de Segurança Pública. São Paulo: FBSP, 2015. Disponível em: <http://www.forumseguranca.org.br/ storage/download//anuario_2015.retificado_.pdf>.
Estupro nos relacionamentos amorosos: violência doméstica contra a mulher
  • C P Motter
MOTTER, C. P. Estupro nos relacionamentos amorosos: violência doméstica contra a mulher. Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIV, n. 89, jun 2011.
Cruz Coelho e Helder Ferreira Rev. bras. segur. pública | São Paulo v
  • Daniel Cerqueira
  • Danilo Santa
Daniel Cerqueira, Danilo Santa Cruz Coelho e Helder Ferreira Rev. bras. segur. pública | São Paulo v. 11, n. 1, 24-48, Fev/Mar 2017
Departamento de Vigilância Epidemiológica
  • Brasil
  • Ministério Da Saúde
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância Epidemiológica. Sistema de Informação de Agravos e Notificação -Sinan: normas e rotinas. 2. Ed. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2007. Disponível em: <http://bvsms. saude.gov.br/bvs/publicacoes/07_0098_M.pdf>.
PCSVDFmulher -Pesquisa de Condições Socioeconômicas e Violência Doméstica e Familiar contra a mulher -Relatório Executivo I -Primeira Onda -2016. Fortaleza: Universidade Federal do Ceará
  • J R Carvalho
  • V H Oliveira
CARVALHO, J. R.; OLIVEIRA, V. H. PCSVDFmulher -Pesquisa de Condições Socioeconômicas e Violência Doméstica e Familiar contra a mulher -Relatório Executivo I -Primeira Onda -2016. Fortaleza: Universidade Federal do Ceará, 2016. Disponível em: <http://www.compromissoeatitude.org.br/wp-content/uploads/2016/12/ Pesquisa-Nordeste_Sumario-Executivo.pdf>.