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"Nosso irmão mais velho": Florestan fernandes, leitor de mariátegui

Authors:
  • Universidade Federal de Grandes Dourados

Abstract

Florestan Fernandes is one of the pioneers in disseminating the work of José Carlos Mariátegui in Brazil. The central aim of this article is to analyze and interpret some manifestations of Fernandes's encounter with Mariátegui. First, we will present some of the main instances of the Peruvian thinker's work in the texts, interviews, and public addresses made by the Brazilian sociologist. Second, we will provide the results of a research made at the Fundo Florestan Fernandes archive, which sheds some light on the work being done during the course of Fernandes's readings: countless marks, notes, and questions written in the margins of books by the Peruvian thinker that the sociologist had access to in his personal library. Thus, we seek to reinforce the idea that many of the problems raised by Amauta regarding Peru during the 1920s - and, by extension, Latin America - truly aroused the interest of Fernandes, who is considered Brazil's greatest sociologist.
“NOSSO IRMÃO MAIS VELHO”: FLORESTAN
FERNANDES, LEITOR DE MARIÁTEGUI
Deni Alfaro Rubbo
Doutorando em Sociologia na USP; bolsista Capes. São Paulo, SP. Brasil.
E-mail: <deni_out27@uol.com.br>
http://dx.doi.org/10.1590/ 0102-6445079-105/99
*
* Agradeço às funcionárias e estagiárias da biblioteca de Florestan Fernandes,
em particular a Livia de Lima Reis, como também a Vera Lucia Coscia, cuja ajuda
foi fundamental para decifrar letras/frases anotadas por Florestan, nem sempre
legíveis.
Para Silvia Beatriz Adoue
As modas vão e vêm.
O pensamento criador, dentro da ciência ou fora dela, fica.
(Florestan Fernandes, A sociologiA no BrAsil, 1976, p. 141)
No labirinto da América Latina: o encontro entre
Florestan e Mariátegui
Cravados vinte anos de sua morte, um dos mais renomados
sociólogos do Brasil, Florestan Fernandes, continua a desa-
fiar gerações de pesquisadores dos mais diferentes campos
das ciências humanas, além de proporcionar reflexões aos
militantes sociais e políticos comprometidos com a transfor-
mação social do país. Não há dúvida de que sua vasta obra
estabeleceu a sociologia como ciência no Brasil (Arruda,
1995), atravessando o campo da sociologia profissional,
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pública, militante e crítica (Braga, Garcia e Silva, 2009),
mas também suscitando discussões em outras disciplinas, da
ciência política à antropologia, da história à educação.
Mesmo sendo uma obra amplamente estudada em seus
distintos aspectos, resta muito trabalho para descobrir as múl-
tiplas dimensões e influências que marcam a trajetória intelec-
tual de Florestan1. É de se ressaltar o “ecletismo bem tempe-
rado” (Cohn, 1987) de Florestan de modo que a capacidade
de se surpreender com sua obra é permanente, uma vez que
a alta envergadura teórica e erudição de seus escritos, refe-
rências diretas ou indiretas com as quais o autor trabalhava
não eram poucas. Basta visitar, por exemplo, sua biblioteca
particular situada na Universidade Federal de São Carlos
(UFSCar), que conta com um acervo de mais de 13 mil livros
do autor. Certamente um pesquisador interessado pela obra
de Florestan e pela sociologia brasileira ficará surpreso com
a quantidade de anotações, rascunhos, grifos, notas, cartas e
fichamentos que o sociólogo fazia durante seu trabalho inte-
lectual. Esse material poderia suscitar pistas interessantís-
simas e abrir uma agenda de estudos dos componentes da
trajetória e do pensamento de Florestan.
O interesse de Florestan pelos dilemas do continente
latino-americano, assim como pela produção política e socio-
lógica do marxismo no Novo Continente também tem sido
um tema promissor, ainda que pouco explorado entre os
especialistas (Cf. Costa, 2010). O encontro entre Florestan
e a América Latina ocorrerá efetivamente após o decreto de
sua aposentadoria compulsória da Universidade de São
Paulo (USP), dada pela ditadura civil-militar através do Ato
Institucional nº 5 no final de 1968, que obrigou o sociólogo
paulista a aceitar o convite para lecionar na Universidade de
Toronto (Canadá), para onde se mudou no ano seguinte.
1 Para mais informações sobre a trajetória de Florestan, ver, entre outros, Garcia
(2002), Sereza (2005), Martins (1998) e Cerqueira (2004).
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A partir da década de 1970, duas dimensões se constituem
com total intensidade na produção e na trajetória do soci-
ólogo: se aprofundar nos estudos do marxismo, através da
leitura dos clássicos (Marx, Engels, Lênin), e em seus estu-
dos sobre América Latina2. Desse modo, aprofundar-se-á
sua reflexão sobre o Brasil e sobre sua condição de sociólo-
go socialista.
É durante esse período de intensa radicalização política
que, provavelmente, Florestan descobre a obra de José Carlos
Mariátegui (1894-1930), elo pioneiro na fusão entre marxis-
mo e América Latina3. Como afirmou o sociólogo mexicano
Adolfo Sánchez Vásquez (1998, p. 54), o peruano foi um dos
pensadores mais originais que procuraram “produzir um mar-
xismo que corresponde à realidade latino-americana”. Toda-
via, é claro, Florestan não estava sozinho nessa descoberta.
Autores latino-americanos de sua geração, como Orlando
Fals Borda, Pablo González Casanova, Oscar Terán, Rodolfo
Stavenhagen, Gerárd Pierre-Charles, José Nun, Aníbal Qui-
jano, entre outros, separadamente e de modo independen-
te, foram responsáveis pela consolidação das ciências sociais
em seus respectivos países e estavam imbuídos das mesmas
metas, do ponto de vista investigativo, que Mariátegui. Flo-
restan Fernandes (1975, p. xv), mais tarde, comentaria esse
curioso parentesco: “As metas que se propõe [Mariátegui]
explicitamente são as mesmas que se iriam impor, reiterada-
mente, daí em diante, às várias gerações de cientistas sociais
2 O interesse de Florestan pela produção bibliográfica de países da América La-
tina se reconfirma, por exemplo, nas 88 páginas de fichamentos, divididos em
dois blocos menores presentes na Biblioteca Comunitária/Decore/Fundo Flo-
restan Fernandes 02044667 (Gaveta 03). Nesses blocos, há uma vasta bibliografia
histórica, política e sociológica, toda em inglês, de países como Cuba, Guatemala,
Venezuela, Bolívia, Colômbia, Haiti, Chile, Argentina, Republicana Dominicana,
México, Peru e Brasil.
3 Doravante JCM em alguns momentos. Dentre as dezenas de livros e artigos que
buscaram introduzir a vida e a obra de Mariátegui, mencionaremos apenas alguns
deles: Melis (1999), Rouillon (1975), Illan (1974), Quijano (1980), Paris (1981),
Fernández (2010), Scorsim (2006), Rodrigues (2010).
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na América Latina”. Nesse sentido, todos alavancavam temá-
ticas semelhantes sobre o caráter especial da periferia no sis-
tema capitalista mundial e a especificidade da construção da
sociedade de classes como o tema da dependência, do impe-
rialismo e do caráter da burguesia. Esse boom de pensamento
radical latino-americano no final da década de 1960 e início
da década de 1970 situava-se igualmente em um contexto de
radicalização dos processos políticos pela qual passavam os
países da América Latina4. Não apenas JCM figurava entre as
referências latino-americanas importantes de Florestan Fer-
nandes, mas também o cubano José Martí, o argentino Sér-
gio Bagú, o brasileiro Caio Prado Júnior, entre outros.
De todo modo, Florestan será um dos responsáveis pela
divulgação da obra do teórico peruano no Brasil. Mais do que
isso, seria justamente o sociólogo brasileiro “o primeiro gran-
de impulsionador da obra mariateguiana no Brasil, de facto
(Pericás, 2010, p. 345). Foi por incentivo de Florestan que, em
1975, a editora Alfa Ômega conseguiu publicar, pela primeira
vez no país, os Sete ensaios de interpretação da realidade peruana
(Mariátegui, 1975), livro publicado originalmente em 1928,
apontado como o mais influente estudo histórico de uma
nação da América do Sul. Com mais de 47 anos de atraso da
publicação original, a edição brasileira contaria ainda com um
pequeno prólogo de Florestan reafirmando a importância inte-
lectual do livro por suas temáticas inovadoras. A descrição que
o sociólogo brasileiro faz no prólogo destaca não apenas o pio-
neirismo de uma obra pela qualidade “lúcida e notável”, mas
também pelas temáticas trazidas à luz do método marxista e
pela linguagem que combinou profundidade e acessibilidade.
Mariátegui não se afirma apenas como pioneiro. Ele
promove as primeiras análises concretas, de uma
perspectiva marxista, de vários temas cruciais: a formação
4 Conforme entrevista com Diogo Valença de Azevedo Costa.
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“Nosso irmão mais velho”: Florestan Fernandes, leitor de Mariátegui
do capitalismo na Espanha, a irradiação do capitalismo
da Europa para a América Latina, as transformações da
dominação imperialista sob o impacto do aparecimento e
fortalecimento da grande corporação ou da presença norte-
americana, e, sobretudo, as relações entre base econômica
e as estruturas sociais e de poder da sociedade peruana, nas
várias fases do período colonial e do período nacional. Em
uma linguagem extremamente densa mas muito clara, ele
sempre resume o essencial, partindo com frequência dos
resultados das melhores investigações já realizadas, cujo
aproveitamento e análise crítica ele nunca esconde aos
leitores (Fernandes, 1975, p. xviii).
Anos depois, como coordenador da Coleção Grandes
Cientistas Sociais, Florestan convidou dois professores de his-
tória da Universidade Estadual Paulista (Unesp campus Assis),
Manoel Lelo Belloto e Ana Maria Martinez Corrêa, para orga-
nizar a coletânea José Carlos Mariátegui (Belloto e Corrêa, 1982).
Seria a primeira publicação no Brasil de artigos de Mariátegui
reunidos em livro, além de uma introdução e um levantamento
bibliográfico sobre sua vida e pensamento político. Resultado
de cursos de pós-graduação ministrados pelos autores sobre
América Latina, o livro foi lançado em 1982, tempo de muita
dificuldade para dar cabo ao empreendimento solicitado por
Florestan. Afinal, compor uma bibliografia sobre um autor
peruano declaradamente socialista ou, até mesmo, a própria
escolha de investigar a formação social do continente latino-
-americano era vista com desconfiança pelos signatários da dita-
dura civil-militar, além da dificuldade de conseguir bibliografia
adequada5. Não custa lembrar que esse reconhecimento de
pioneiro das ideias de Mariátegui no Brasil já tinha sido nota-
do pelo estudioso peruano Ricardo Luna Vegas (1985, p. 86),
autor do qual Florestan tinha alguns livros em sua biblioteca.
5 Informação dada por Ana Maria Martinez Corrêa em entrevista.
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Para além de divulgar Mariátegui no país, é possível fla-
grar Florestan utilizando-se da obra mariateguiana em seus tex-
tos, entrevistas e intervenções públicas. Uma das declarações
que o reforçam está num livro-entrevista, publicado em 1978
sob o título A condição de sociólogo. Curiosamente, o sociólogo
marxista, em um primeiro momento, destaca como Mariá-
tegui foi pródigo por realizar um balanço crítico, integral e
decisivo do movimento modernista no Peru (especialmente
no ensaio sobre a literatura dos Sete ensaios). Em suas palavras,
[…] aí [em Mariátegui] temos, de fato, uma interpretação
densa, crítica e negadora do Peru. O Peru do passado,
o Peru do presente, desembocando em uma concepção
totalizadora e integradora da transformação do Peru através
de uma revolução socialista (Fernandes, 1978, p. 36).
Ainda segundo Florestan, os modernistas brasileiros fica-
ram aquém do papel crítico que lhes caberia da sociedade brasi-
leira. Eles teriam aberto concessões justamente para aquilo que
deveriam fazer oposição. Afinal, o “modernismo é a negação
da consciência burguesa, o anti da consciência conservadora”
(p. 35; grifo do autor). Por essas razões, a obra mariateguiana
com sua densidade crítica deveria servir como parâmetro de
análise do que ocorreu no modernismo no Brasil.
Eu gosto de usar o paralelo com Mariátegui porque ele é
didático e nos mostra, de uma vez e para sempre, o que o
movimento modernista “deveria ser”, mas não foi.
Compare-se os Sete ensaios com a produção dos nossos
modernistas (Fernandes, 1978, p. 33)6.
6 O sociólogo e literato Antonio Candido (1996, p. 5) comenta e critica a postura
negativa do amigo sociólogo brasileiro em relação ao movimento modernista e a
comparação injusta com Mariátegui: “Florestan sempre deu importância capital à
fundação da Universidade e da nossa Faculdade. Mas talvez seja meio injusto quan-
do a compara com o movimento modernista. São coisas diferentes, com funções
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“Nosso irmão mais velho”: Florestan Fernandes, leitor de Mariátegui
Não por acaso, nas breves anotações à margem que fez
do último dos Sete ensaios, presente em sua biblioteca parti-
cular, Florestan insinua que se deve comparar o processo de
modernismo peruano com o do Brasil, especialmente atra-
vés da revista modernista Colónida (fundada em 1916), que
equivale ao modernismo aqui [no Brasil]” (grifo nosso)7.
Em outro momento, Florestan ressalta ainda que rapi-
damente a importância de Mariátegui como exemplo de
“investigação científica engajada” na América Latina, jun-
tamente com Caio Prado Júnior e Sérgio Bagú. O traba-
lho em questão seria o afamado ensaio “Reflexões sobre
as ‘Revoluções Interrompidas’ (uma rotação de perspec-
tivas)”, de 1981, composto no livro Poder e contrapoder na
América Latina. O objetivo do texto é questionar até que
ponto a transformação capitalista nos países latino-ame-
ricanos não rompeu completamente “com formas colo-
niais de exploração do trabalho e nos quais as classes se
tornaram burguesas através e atrás do desenvolvimento do
capitalismo” (Fernandes, 1981, p. 72). Tanto Mariátegui
como Caio Prado e Sergio Bagú, segundo Florestan, ante-
cipariam conclusões da esquerda revolucionária dos anos
1970 ao desvendarem o caráter especial do capitalismo
em países de origem colonial. Finalmente, no início do
históricas diferentes, e não podem ser comparadas como ele faz. Ele fala de mo-
dernismo como se fosse uma empresa de cunho político que não correspondeu ao
que se esperava; e é sintomático que lembre Mariátegui em detrimento dos nossos
escritores daquela vanguarda. Ora, Mariátegui era um político, um militante de
esquerda, um líder de alto porte, que era também escritor. O seu alvo era outro.
Creio que Florestan minimiza a carga específica de fantasia e liberdade criadora
que são fundamentais no domínio da arte e da literatura, e que devem constituir a
pedra de toque para avaliar movimentos como o modernista, em cujos participan-
tes o papel ideológico e a ação prática são por assim dizer subprodutos”.
7 Como se sabe, Mariátegui ajudou a fundar, juntamente com Abraham Valdelo-
mar, Percy Gibson e José Maria Eguren, entre outros, a revista em que publicou
poemas. Sua participação na juventude do grupo não impediu que, posteriormente,
tivesse um distanciamento crítico diante do “movimento”, que “constituía um sen-
timento ególatra, individualista, vagamente iconoclasta, imprecisamente inovador”
(Mariátegui, 1969, p. 282). Para uma análise sobre o assunto, ver Reyes (1996).
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opúsculo divulgado durante campanha eleitoral à Câmara
dos Deputados, em julho de 1990, intitulado “Em defesa do
socialismo”, o teórico político e jornalista peruano volta a
ser mencionado. Eis as palavras iniciais de Florestan (1995,
p. 201): “o título deste escrito lembra Mariátegui que reuniu
vários ensaios em um famoso livro: Em defesa do marxismo.
As oscilações históricas provocam essas recorrências”. A pro-
vocação contida na última frase sugere justamente atualizar
o marxismo em meio à hecatombe da burocracia do assim
chamado “socialismo real”. Como veremos adiante, quatro
anos depois, isto é, um ano antes da morte de Florestan,
é com essa mesma intenção que ele vai redigir um artigo
exclusivamente sobre a atualidade do marxismo através do
projeto teórico-político de Mariátegui.
Entre livros, poeiras e leituras: a biblioteca de Florestan
Fernandes
Na biblioteca particular de Florestan é possível encontrar
livros de Mariátegui, lidos e anotados que parecem ter-lhe
suscitado grande interesse. Antes de avançarmos no que
Florestan tinha especificamente disponível, no que desta-
cou e no que anotou nas obras do marxista peruano, cabe
registrar a importância desse universo particular que era
sua biblioteca e, por extensão, do ofício de seu trabalho
intelectual – isto é, livros, leituras, grifos, anotações.
Eram mais de 13 mil títulos, sem contar aqueles que
eventualmente foram extraviados, emprestados (e não
devolvidos) ou simplesmente vendidos. Essas são apenas
algumas das razões pelas quais não devemos pretender que
a análise da biblioteca de Florestan determina o que ele
tivesse lido. De qualquer forma, até o final da vida, Florestan
tinha na memória praticamente todos os livros e revistas que
possuía. Em depoimento, Heloisa Fernandes (1998, p. 49),
filha de Florestan, afiança:
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Seus livros eram sua fortuna, mas não fetiches a serem limpos,
ilustrados, encadernados. Tal como só as crianças sabem
fazer com seus tesouros, seus livros eram valores de uso, lidos
e relidos por um leitor ativo, atento, exigente, que anota,
escreve, rabisca, grifa, a tal ponto que, muitas vezes, restam,
afinal, dois textos: o do próprio autor e o do seu leitor!
Quais eram, então, os livros de (e sobre) Mariátegui que
Florestan possuía em sua biblioteca? Conforme o quadro
abaixo, são ao todo doze livros disponíveis: quatro de Mariá-
tegui (Siete ensayos..., Historia de la crisis mundial, Defensa del
marxismo, Ideología y política) oriundos da coleção “obras
completas”, conhecidas como edições populares; oito sobre
Mariátegui, dos quais quatro do peruano Ricardo Luna
Vegas (dois deles com dedicatória do autor a Florestan), um
livro organizado pelo marxista argentino José Aricó e um
exemplar do primeiro número da revista peruana Anuario
Mariateguiano, dirigida por Antonio Melis e Alberto Tauro.
Há, ainda, dois exemplares de um livro que o sociólogo Aní-
bal Quijano organizou e prefaciou pela editora mexicana
Tierra Firme, ambos também com dedicatória. Além disso,
Florestan também tinha em seu acervo boletins (como o
Boletín Informativo del Centenário de José Carlos Mariátegui),
cartazes, pôsteres sobre JCM com fotos, especialmente de
comemorações de seu centenário, em 19948.
Para entender a importância da presença dos volumes
listados no Quadro 1, na biblioteca de Florestan, cabe um
rápido parêntese sobre as origens das “Obras completas”
de JCM. Em 1956, os filhos de Mariátegui (especialmente
o primogênito Sandro), como maiores responsáveis pela
empreitada, decidem publicar a primeira edição “popu-
lar” da obra do pai, que teve tiragem de 50 mil exemplares,
8 UFSCar – Biblioteca Comunitária/Decore/Fundo Florestan Fernandes
4111/6631/6632/6633/7507.
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vendidos a preços acessíveis em várias províncias do Peru.
Com o sucesso de venda, inúmeras edições de bolso foram
impressas. Inicialmente, a coleção dotada de vinte volumes,
abarcava apenas os textos do retorno da viagem à Europa,
em 1923, até a morte, em 1930, ou seja, um conjunto de
produção de sete anos (Pericás, 2011, p. 119). Entre 1987
e 1994, foram acrescidos mais oito tomos dos “Escritos de
juventude”, além da correspondência, de dois tomos, pre-
Quadro 1
Livros de/sobre Mariátegui na biblioteca particular de Florestan Fernandes
1. José Carlos Mariátegui.
7 ensayos de interpretación de la realidad peruana
.
20. ed.
Lima: Amauta, 1972 (com grifos e anotações, 1 exemplar).
2. José Carlos Mariátegui.
Ideología y política.
10. ed. Lima: Amauta, 1979 (com grifos e
anotações em alguns artigos, 1 exemplar).
3. José Carlos Mariátegui.
Historia de la crisis mundial.
6. ed. Lima: Amauta, 1979 (com
grifos e anotações no primeiro capítulo, 1 exemplar).
4. José Carlos Mariátegui.
Defensa del marxismo: polémica revolucionaria.
9. ed. Lima:
Amauta, 1980 (com grifos e poucas anotações, 1 exemplar).
5. Ricardo Luna Vegas.
José Carlos Mariátegui. 1894-1930: ensayo biografico.
Lima:
Editorial Horizonte, 1986 (sem grifos nem anotações, 1 exemplar).
6. Ricardo Luna Vegas.
Mariátegui y el Peru de ayer, de hoy y de mañana.
Lima: Ediciones
Rincon Rojo, 1981 (sem grifos nem anotações, 1 exemplar).
7. Ricardo Luna Vegas.
Introducción a Mariátegui.
Lima: Causachun, 1975 (sem grifos
nem anotações, 1 exemplar).
8. Ricardo Luna Vegas.
Mariátegui, Haya de la Torre y la verdad histórica
. Lima: Retama,
1978 (com grifos e anotações, 1 exemplar).
9. José Aricó (org.).
Mariátegui y las orígenes del marxismo latino-americano.
México:
Pasado y Presente, 1978 (sem grifos nem anotações).
10. VV. AA. Revista
Anuario Mariateguiano
, n. 1, Lima, Amauta, 1989 (sem grifos nem
anotações).
11. Anibal Quijano (org.).
José Carlos Mariátegui: textos básicos
. México: Tierra Firme,
1991 (grifos e anotações somente no prólogo, 2 exemplares).
Fonte: UFSCar – Biblioteca Comunitária/Decore/Fundo Florestan Fernandes.
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“Nosso irmão mais velho”: Florestan Fernandes, leitor de Mariátegui
parada pelo italiano Antonio Melis (1994). Em compara-
ção com a bibliografia disponível atualmente, os livros que
Florestan possuía – ao menos os que hoje se encontram em
sua biblioteca – representam uma pequena parcela da obra
de Mariátegui, mas, no contexto e época em que foram
adquiridos, consistiam nos principais livros então disponí-
veis. Há, portanto, razões suficientes para identificarmos
um enorme interesse do sociólogo marxista em adquirir
parte substantiva dos livros que estavam ao seu alcance.
Não custa lembrar que Mariátegui publicou apenas dois
livros em vida: La escena contemporánea (1925) e o Siete ensayos
(1928). Presente na biblioteca de Florestan, este último foi
grifado e anotado abundantemente, do começo ao fim, espe-
cialmente nos três primeiros capítulos. Aliás, esse livro é o
com a edição mais antiga entre todos os outros, de 1972. Pro-
vavelmente foi o primeiro livro que Florestan leu de Mariáte-
gui. É verdade que o pensador peruano tinha alguns poucos
livros em preparação, que foram lançados postumamente.
Um deles, Defensa del marxismo, originalmente publicado em
1956 (embora tenha circulado uma edição incompleta –
pirata – no Chile em 1933), teve poucos grifos e apenas uma
pequena anotação do sociólogo brasileiro. Assim, “todo o res-
to de sua obra é resultado de um difícil trabalho de pesquisa
e compilação de dezenas e dezenas de textos (muitos deles,
jornalísticos)” (Pericás, 2011, p. 119), que discutiam temas
tão diversos como crítica literária, artigos políticos, contos,
poemas, peças de teatro, um “romance-reportagem”, assim
como textos sobre educação, artistas e escritores, a questão
indígena e agrária, assuntos mundiais, entre outros9. É o caso
do livro Historia de la crisis mundial, um ciclo de conferências
9 Para Mazzeo (2013, p. 33), sem desmerecer a importância da iniciativa de or-
ganização de seus escritos por temas, a empreitada provavelmente não tenha sido
a melhor forma de captar “o sentido histórico e unitário” da obra mariateguiana.
Uma tentativa – embora incompleta – de catalogar os textos de Mariátegui cronolo-
gicamente pode ser consultada em Rouillon (1963).
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que Mariátegui fez na Universidade Popular González Prada,
durante o biênio 1923-1924, que reúne versões completas e
parciais, estas últimas encontradas nos diários da época. Dele,
Florestan grifou apenas o texto da primeira conferência inti-
tulado “A crise mundial e o proletariado peruano”. Ideología
y política também é um livro com artigos esparsos. Escritos
políticos e sindicais, polêmicas em periódicos, teses políticas,
ideologia de linhas editoriais de periódicos e revistas eram o
que caracterizaria a tônica dos artigos e documentos do volu-
me. Florestan grifou vários trechos e algumas anotações à
margem de oito deles: “El problema de las razas en la Améri-
ca Latina” (apenas a primeira parte), “Punto de vista antiim-
perialista”, “Antecedentes y desarollo de la acción clasista”,
“Hacia la Confederación General de Trabajadores del Peru”,
“La Central Sindical del Proletariado Peruano”, “La Con-
federación General de Trabajadores del Perú”, “Estatutos
y regulamentos de la ‘Oficina de Auto-Educación Obrera’” e
“Principios Programáticos del Partido Socialista”.
Nas margens: impressões de um leitor atento
Na maior parte dos textos mencionados, Florestan faz ano-
tações à margem, bem pontuais, apenas destacando alguma
afirmação. De qualquer forma, não se trata aqui de examinar
à exaustão todo esse conjunto, mas de captar algumas ideias-
-chave que chamaram a atenção de Florestan. Embora seja
possível flagrar uma afinidade entre as ideias de Mariátegui
e Florestan, isso não significa que o sociólogo brasileiro rea-
lize uma leitura passiva e ingênua. As margens também ser-
vem a diversas correções (e advertências) de textos lidos por
Florestan. Ou seja, existe uma relação de estranhamento com
algumas colocações do autor peruano. Por exemplo, nos Sete
ensaios – o caso mais paradigmático das correções –, ele ques-
tiona em diversos momentos algumas formulações: se Mariáte-
gui afirma que o problema do índio deve ser explicado numa
chave econômica social e não pelo mecanismo administrativo,
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“Nosso irmão mais velho”: Florestan Fernandes, leitor de Mariátegui
jurídico ou eclesiástico. Florestan, sem deixar de concordar
com o argumento, escreve que o problema também toca em
outras fibras, já que a “política” e a “estru. [estrutura] de poder
e dominação estiveram tb. [também] presentes!”curiosa-
mente um argumento tipicamente weberiano! Trata-se de um
apontamento de feição mais metodológica, mas não deixa de
ser curioso que, no ensaio sobre a questão indígena, não há
uma única nota de Florestan exclusivamente sobre a ques-
tão, já que esse era um tema conhecido pelo autor que havia
publicado A organização social dos Tupinambá e A função social da
guerra na sociedade Tupinambá – certamente uma de suas con-
tribuições mais originais. Talvez porque o indígena andino e o
indígena brasileiro, especialmente o Tupinambá, fossem com-
pletamente distintos. Se Mariátegui afirma que “a conquista
foi um ato político”, Florestan questiona “e não econômico?”.
Se Mariátegui nomeia as tradições comunitárias do campesi-
nato indígena peruano como “comunismo inca”, Florestan faz
a seguinte indagação: “e o tipo de estratificação existente?”.
Exemplos não faltam nessa direção.
Talvez uma das questões mais prementes na leitura de
Florestan e na interpretação que fazia das particularidades
do capitalismo periférico no circuito mundial tenha sido a
relação intrínseca entre estruturas coloniais e capitalismo.
Nem sempre Mariátegui construiu essa relação de maneira
satisfatória, a bem da verdade. Às vezes, transparece certa
ideia de sociedades duais em se tratando dos modos de pro-
dução, mas de maneira residual, já que, na maior parte dos
momentos, podemos ver uma colocação contrária. Por exem-
plo, quando Mariátegui (2010 [1928], p. 70) trata do proble-
ma da terra, afiança que “as raízes do feudalismo estão intac-
tas. Sua subsistência é responsável, por exemplo, pelo atraso
de nosso desenvolvimento capitalista. [...] Sobre uma econo-
mia semifeudal não podem prosperar nem funcionar insti-
tuições democráticas feudais”. Florestan notifica à margem
dessas duas afirmações uma observação: “única limitação:
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focaliza o interno sem o externo como concomitante”. Para
Florestan, não é que a aristocracia latifundiária da Colônia
tinha conservado de maneira intacta seus “direitos feudais”
sobre a terra, apesar do advento da República. Em realida-
de, ela conservou as estruturas coloniais de dominação e
poder econômico e político. Em outras notas, o sociólogo
segue na mesma direção: “em vez de feudal = preservação de
estruturas coloniais”, “a regra = a burguesia capitalista que
perpetuam a[s] estruturas coloniais!”. Haveria também uma
diferença sutil, mas importante entre os termos “colonial”
e “neocolonial”. País de raízes tipicamente coloniais, com
advento da República, mas sem romper com as estruturas
de dependência, o Peru expressa, na verdade, uma economia
neocolonial. Por isso, Florestan “corrige” a afirmação mariate-
guiana segundo a qual “a economia do Peru é uma economia
colonial” – ele anota, “seria melhor – neocolonial”.
De qualquer maneira, antes de serem falhas incorrigí-
veis, esses seriam os traços do trabalho de um leitor atento
e exigente sobre um autor cuja obra considerava “lúcida” e
“notável”. Florestan (1975, p. xviii) explica essas lacunas ou
insuficiências no prefácio ao Sete ensaios:
[…] se perfilhou uma terminologia que hoje é considerada
inadequada – e portanto infeliz – isso só ocorre em poucos
passos, como no tratamento analítico que dá à assimilação
da organização colonial ao modelo feudal e à discussão da
tenacidade dos resíduos feudais10.
10 Sobre as insuficiências categoriais de Mariátegui, Florestan assinala outro ponto
não menos importante. No mesmo prefácio, ele afirma que o intelectual peruano
teve contato e aprofundamento com o marxismo através de seus anseios políticos
revolucionários (e não o inverso) por meio de uma elaboração indireta, “quanto
ao significado do materialismo histórico como método para conhecer a realidade
e, nesse caráter, servir de base à consciência social crítica e à ação política revo-
lucionária” (e não direta, “no plano da organização e da direção dos movimentos
de massa para fins políticos especificamente revolucionários”). Daí, “se explicam,
segundo pensamos, aparentes incoerências ou ambiguidades puramente ‘teóricas’
ou ‘doutrinárias’ de Mariátegui” (Fernandes, 1975, p. xvii).
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“Nosso irmão mais velho”: Florestan Fernandes, leitor de Mariátegui
Em geral, Florestan enxerga na obra de Mariátegui
um pensador que estava correto no plano analítico e
explicativo de suas observações e conclusões. Não por
acidente, o texto que mais chamou a atenção do soci-
ólogo brasileiro, do começo ao fim, foi “Punto de vista
antiimperialista”, tese apresentada à Primeira Conferên-
cia Comunista Latino-Americana (Buenos Aires, junho
de 1929). Ao que tudo indica, Florestan apreciou posi-
tivamente o documento redigido pelo marxista perua-
no. Isso se confirma no final do texto, em que Flores-
tan escreve o seguinte comentário: “Provavelmente = o
escrito mais pertinente e criador de M. [Mariátegui] =
suas conclusões só se tornariam empiricamente eviden-
tes para os imperialistas com o relt. [relatório] Rocke-
ffer [Rockfeller]; e globais para esquerda rev. [revolu-
cionária] na década de 60 – um antecipador”. Em vários
trechos, ele escreve palavras à margem como “certo”,
“correto”, “bravo!”, “boa!”, mostrando-se entusiasmado
e sintonizado com as ideias desenvolvidas, especialmen-
te com a caracterização política, social e econômica que
Mariátegui endereça às burguesias latino-americanas.
Quais seriam essas características? Mariátegui afirma
que as burguesias nacionais não têm nenhuma inclinação
para admitir a necessidade de lutar pela “segunda inde-
pendência”. Inexiste um programa de autonomia nacio-
nal, um nacionalismo revolucionário. Na Indo-América,
“a aristocracia e a burguesia crioulas não se sentem soli-
dárias com o povo pelos laços de uma história e de uma
cultura comuns” (Mariátegui, 1988b [1929], p. 88). Subli-
nhando essa frase, Florestan escreve a seguinte nota ao
lado: “bravo! (por que se cometeram tantos erros depois
desses escritos?)”. Certamente, ele se refere aos partidos
comunistas da América Latina que adotaram como estraté-
gia política a aliança com a burguesia “nacional” na cren-
ça de uma “etapa democrático-nacional e antifeudal” da
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revolução no continente11. Na conclusão do texto em que
Mariátegui (1988b [1929], p. 95)12 afirma sua postura anti-
-imperialista e revolucionária – “somos anti-imperialistas
porque somos marxistas, porque somos revolucionários,
porque opomos ao capitalismo o socialismo como sistema
antagônico” –, Florestan destaca o excerto em um tom de
lamentação e escreve: “deveria ter sido a base pol. [políti-
ca] dos PCs na Al. [América Latina]”. Essa conduta polí-
tica catastrófica dos partidos comunistas na América Lati-
na é realçada novamente por Florestan à margem de uma
longa nota de rodapé nos Sete ensaios: “não existe ‘burgue-
sia progressista’.... = já antes de 1928 = portanto, o erro
da estratégia dos PCs na Al = não é resultado da falta de
percepção intel. [intelectual] da real. [realidade]!”.
Fica claro que a hipótese de Mariátegui acerca de uma
burguesia impotente no subcontinente agradou o sociólogo
marxista. Ainda, no documento “El problema de las razas
en la America Latina”, texto publicado originalmente em
1929, Florestan destaca os seguintes trechos: “uma burgue-
sia medíocre, débil, formada no privilégio” e “a maior falta
que se pode imputar à classe dominante da república é não
ter sabido acelerar, com uma inteligência mais liberal, mais
burguesa, mais capitalista de sua missão, o processo de trans-
formação da economia colonial em economia capitalista”
(Mariátegui (1988a [1929], p. 32). Em prognóstico, Mariá-
tegui (1988b [1929], p. 89) afirma que sempre haverá cola-
boração das burguesias do subcontinente enquanto a polí-
tica imperialista conseguir manipular os sentimentos e as
formalidades da soberania nacional dos Estados, “enquan-
to não se vir obrigada a recorrer à intervenção armada e à
11 É verdade que Mariátegui em determinado momento insinua que a burguesia
argentina, onde seria “numerosa e rica”, poderia ser uma exceção à regra, ou seja,
“progressista”, ainda que isso fosse improvável. Florestan adverte para qualquer res-
quício de esperança desse tipo: “enganou-se!”.
12 Todas as citações referentes a Mariátegui (1988 [1929]) são tradução nossa.
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“Nosso irmão mais velho”: Florestan Fernandes, leitor de Mariátegui
ocupação militar”. Trecho esse sublinhado pelo sociólogo
brasileiro como “correto”, já que era exatamente isso que
estava ocorrendo nos países latino-americanos na década
de 1970. Florestan faz o seguinte comentário à margem:
“que pena! (nem mesmo pelas razões capitalistas)”. Ou seja,
as burguesias jamais iriam aderir a tal projeto, mesmo por
um programa capitalista autônomo. Essa avaliação política
imperialista no subcontinente estaria totalmente ausente
na teorização aprista, segundo Mariátegui, e também pelos
epígonos “stalinistas”, como completa Florestan.
Evidentemente, é difícil não traçar um paralelo com as
hipóteses maturadas especialmente em A revolução burguesa
no Brasil (Fernandes, 2005 [1975])13. Nesse sentido, algu-
mas pistas podem ser aferidas14. Na primeira pequena bro-
chura biográfica sobre o Amauta no Brasil, traduzida por
Carlos Nelson Coutinho, o autor argentino Hector Alimon-
da (1983, p. 86) afirma, embora não explique em profun-
didade, que em A revolução... Florestan leva em conta suges-
tões de Mariátegui. De fato, o Sete ensaios será mencionado
no final da bibliografia do livro. Mas, afinal, quais seriam os
elementos possíveis que compõem essa relação? Na mesma
direção, em um ensaio dedicado à categoria de revolução
13 Para uma análise de alguns conceitos deste livro, ver Ricupero (2008) e Arruda
(1996).
14 Na verdade, há uma pista alternativa. Durante os anos 1990, em uma coletânea de
artigos intitulada Florestan ou o sentido da coisas, o historiador Carlos Guilherme Mota
(1998, p. 18) recorda de uma temporada curta em Austin (Texas), EUA, em 1976,
que passara com o amigo Florestan. Na ocasião, um colóquio interdisciplinar foi rea-
lizado sobre o recente livro lançado pelo sociólogo brasileiro com vários convidados
ilustres, entre os quais Emília Viotti da Costa, Richard Graham, Silviano Santiago e
David Jackson. Um dos palestrantes daquele seminário chamaria a atenção do his-
toriador brasileiro: o “saudoso” Alejandro Losada, crítico literário peruano, “que na
ocasião elaborou interessante paralelo entre Mariátegui e Florestan” (Mota, 1998,
p. 18). Sabe-se que, um ano depois, Losada publicou um ensaio sobre a literatura
latino-americana a partir do ponto de vista marxista (em especial inspirados nos
trabalhos do jovem Lukács e de Antonio Candido), na extinta revista Contexto, da
qual Florestan fazia parte da comissão editorial (ver Losada, 1977). Embora não
tenhamos conseguido acesso ao conteúdo da palestra de Losada, mencionado por
Mota, é possível fazer constar como um dos episódios entre Florestan e Mariátegui.
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de Florestan, José Paulo Netto (1987, p. 301) assinala que
o sociólogo brasileiro “incorpora a lição de Mariátegui”
de revolução no que toca à particularidade que a definição do
termo requer, já que o Brasil se situa na órbita da periferia
do capitalismo mundial. Netto ressalta uma afirmação de
Mariátegui publicada no editorial da revista Amauta, “Ani-
versario y balance”, em 1928: “A própria ideia de Revolução,
nesta América de pequenas revoluções, presta-se a muitos
equívocos. Temos de reivindicá-la rigorosa e intransigente-
mente”. Acrescenta ainda: “Esta reivindicação traveja o uni-
verso intelectual de Florestan e permeia a sua recuperação
marxiana e marxista” (Netto, 1987, p. 301). No entanto,
talvez a melhor a pista seja do próprio Florestan Fernandes
(1975, p. xviii) sobre os Sete ensaios:
[...] no plano analítico e explicativo suas observações e
conclusões mostram-se corretas e encontram quase total
corroboração nas investigações recentes. Que nos sirvam
de exemplo suas breves mas luminosas análises do processo
de revolução burguesa no Peru, com suas vicissitudes,
atrofiamento e consequências negativas para a revolução
nacional peruana.
Observações e conclusões que remetem principalmente
à oscilação histórica negadora das burguesias peruana e bra-
sileira no estabelecimento de liberdades democráticas em
seus respectivos países. E sua impotência para conjugar uma
revolução nacional (unificação da nação e emancipação da
dominação imperialista) com uma revolução democrática
(abolição de todos os resíduos de escravidão, liquidação de
todas as formas pré-capitalistas de exploração, distribuição
de terra do campesinato). Porém, o diagnóstico dos Sete
ensaios não ia acompanhado por uma alternativa: se analisava
o que era o Peru, mas não havia uma proposta do que deveria
ser. A proposta política aparece, um ano depois (1929, na
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“Nosso irmão mais velho”: Florestan Fernandes, leitor de Mariátegui
Primeira Conferência Comunista Latino-Americana), de
maneira clara e precisa, no texto já analisado “Punto de
vista antiimperialista”, além de desenvolver com maior
profundidade a caracterização de uma burguesia frágil
e conservadora. É provável que Florestan não conhecesse
esse texto antes da publicação em 1975 de seu A revolução bur-
guesa no Brasil, pois a edição que possuía de Ideología y política
era a de 1979. Arriscamos a dizer que caso tivesse lido antes,
certamente seria um texto amplamente trabalhado no seu
livro de 1975. A revolução burguesa... estaria, do ponto de vista
da análise macrossociológica e da forma ensaio, mais próxi-
ma do Sete ensaios. E, do ponto de vista do conteúdo político,
mais afinada ao “Punto de vista antiimperialista”. Ou seja:
nem Florestan, nem Mariátegui apostavam, nas condições
específicas do capitalismo selvagem na periferia do capitalis-
mo mundial, em uma “revolução dentro da ordem”.
“Todo meu sangue em minhas ideias”: o significado
atual de Mariátegui
Resultado de um convite dos editores do Anuario Mariateguiano,
revista peruana que tinha como objetivo divulgar os trabalhos
sobre JCM – e no ano de 1994, estava dedicando um número
especial ao centenário do nascimento do pensador peruano –,
Florestan escreveu um ensaio intitulado “Significado atual de
José Carlos Mariátegui”15. Trata-se de um artigo relativamente
15 Esse texto também foi compilado como um dos capítulos do seu último livro, A
contestação necessária: retratos intelectuais de inconformistas e revolucionários (Fernandes,
2015 [1995]). Interessante notar que na introdução da parte que o artigo está in-
cluído, Florestan faz a seguinte observação das motivações que o fizeram a escrever
sobre o marxista peruano: “recorri a uma simulação fecunda: o que faria José Car-
los Mariátegui nesta era de incerteza para o socialismo? Ele sucumbiria à moda e à
propaganda demolidora do marxismo nas nações capitalistas hegemônicas? Minha
suposição é que Mariátegui possuía uma personalidade incorruptível e indomável.
Baseio-me no fato de que ele foi pioneiro em duas frentes: na pugna com conser-
vadores, que encaravam o marxismo como ilusão; e na crítica a companheiros que
não avançavam com sua fibra e perspicácia na interpretação da situação histórica
peruana e latino-americana. Não cedeu o passo. Levou seus combates às últimas
consequências, oferecendo a todos as mesmas respostas de quem sabe o que e por
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curto, mas denso, instigante, com um turbilhão de ideias, cone-
xões inesperadas. De certo modo, mais do que um artigo cien-
tífico, o texto é, sobretudo, uma intervenção política intempes-
tiva e refinada. Os inúmeros adjetivos ao longo do texto não
escondem a simpatia e admiração do sociólogo brasileiro em
relação ao autor dos Sete ensaios: “espírito criativo”, “intelectual
polimórfico”, “autêntico revolucionário”, “intelectual marxista
por excelência da América Latina”, “produtor de conhecimento
e homem de ação”, “inteligência sociológica” etc. O objetivo
do texto não é apresentar a trajetória e a obra intelectual e
política de Mariátegui e seus possíveis desdobramentos. Sem
diminuir a importância desses estudos – ele cita como exem-
plo o livro organizado por José Aricó, na verdade, existiria uma
intenção política bastante clara: através da figura de Mariátegui
e de seu projeto teórico-político, Florestan testaria a (pseudo)
validade das ideias de “fim das ideologias” e dos slogans “desa-
parecimento do socialismo” e “morte do comunismo”, que
estavam em voga no contexto de redação do texto.
A primeira tentativa de desmistificar a ideia de que
“o socialismo está morto” – e talvez a principal do texto – é
defender um Mariátegui crítico implacável das ideologias do
progresso. Nesse contexto, Florestan Fernandes (1994, p. 81)
destaca o que considera uma qualidade do pensador peruano:
“Sua convicção era clara: os progressos do capitalismo redun-
dam em aumento geométrico da barbárie. Essa realidade
sempre foi subestimada de uma perspectiva eurocêntrica”. De
fato, a defesa da ideia de desenvolvimento do capitalismo e
da ideologia do progresso como motor inexorável da história
se fez presente tanto no espectro político conservador quanto
no “revolucionário”16. A perspectiva eurocêntrica marxista,
que faz. Em consequência, sua figura admirável eleva-se como exemplo em um uni-
verso de oportunismo e capitulação” (Fernandes, 2015, p. 41).
16 Nesse sentido, existe um paralelismo impressionante entre Mariátegui e as
ideias de Walter Benjamin, que, na década de 1930, exigia que o materialismo his-
tórico aniquilasse a ideia de progresso. Em Passagens, o pensador alemão assevera:
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“Nosso irmão mais velho”: Florestan Fernandes, leitor de Mariátegui
por exemplo, se limitava a transplantar mecanicamente para
a América Latina os modelos de desenvolvimento socioeconô-
mico que explicam a evolução histórica da Europa ao longo
do século XIX, como se a periferia do mundo capitalista fosse
uma mera repetição do espaço central. Essa crítica da perspec-
tiva eurocêntrica, ou das “ilusões eurocêntricas” especialmen-
te dentro do marxismo – e Marx17 e Mariátegui como figuras
resistentes a ela – serão enfatizadas inúmeras vezes ao longo
de “Significado actual de José Carlos Mariátegui” (Fernandes,
1994). É também um acerto de contas de Florestan com a ideia
de progresso. Não deixa de ser curioso, para não dizer empo-
brecedor, que justamente a ênfase de um pensamento marxista
descolonizador, que Florestan sublinha com tanto vigor, tenha
sido abandonada pelos assim chamados estudos pós-coloniais
da América Latina (com exceção de Enrique Dussel e Aníbal
Quijano) que enxergam o marxismo como uma teoria exclusi-
vamente ocidental e europeia.
Por outro lado, Florestan formulou questões que supos-
tamente Mariátegui poderia ter feito em relação às peculiari-
dades do capitalismo na década de 1990. Como nesse trecho,
por exemplo: “nos dias que correm, Mariátegui – ao contrá-
rio de tantos anarquistas, socialistas e comunistas – encontra-
ria dentro de si a indagação fundamental: como representar
e explicar a totalidade histórica ao capitalismo monopolista
automatizado?” (Fernandes, 1994, p. 82). Afinal, como afir-
mou Roland Forgues (1993, p. 77), a mundialização da eco-
nomia, a universalização da dominação e a interações dos
povos e das culturas constituía já na década de 1920 um dos
principais axiomas do pensamento de Mariátegui.
“Pode-se considerar um dos objetivos metodológicos deste trabalho demonstrar
um materialismo histórico que aniquilou em si a ideia de progresso. Precisamente
aqui o materialismo histórico tem todos os motivos para se diferenciar rigorosa-
mente dos hábitos de pensamento burgueses. Seu conceito fundamental não é o
progresso, e sim a atualização” (Benjamin, 2007, p. 502).
17 Sobre Marx e a ruptura com o eurocentrismo, ver Anderson (2015); Bianchi
(2010); Tible (2013), especialmente o primeiro capítulo deste último.
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Não há dúvida de que essa também era uma das preo-
cupações candentes de Florestan nos últimos anos de sua
vida: deslindar as contradições do capitalismo monopolista
da era atual vulgarmente conhecida como “globalização”.
É provável que o sociólogo marxista coloque Mariátegui
nessa família de intérpretes sobre a dinâmica do capitalis-
mo de seu tempo, já que este esteve impulsionado em vista
de um projeto de “investigação macro-histórica de modelo
marxista”, na qual procurou estudar a formação e o desen-
volvimento do capitalismo no Peru. Desse modo, teria tido
a capacidade de “observar, representar e explicar processos
históricos de longa duração e de uma proposta revolucionária
concomitante, que vincula dialeticamente passado, presen-
te e futuro” (Fernandes, 1994, p. 85; grifos nossos). Assim,
pelo esforço de interpretação histórica livre de etnocentris-
mos (ou muito próximo disso), Mariátegui lido por Flores-
tan foi aquele que “se propôs a enriquecer o marxismo fora
e acima dos eixos eurocêntricos”, priorizando uma visão
totalizante da realidade social peruana.
Florestan ressalta outra qualidade de Mariátegui que
está organicamente relacionada com as demais característi-
cas apresentadas acima: “a discreta defesa intransigente do
marxismo”. Uma formulação bastante curiosa, um pouco
enigmática, mas que está longe de ser contraditória. A pró-
pria diferença que marca os debates entre Mariátegui e a
figura de Haya de la Torre, assim como “os entrechoques
entre a teoria e prática marxista na URSS (e como eles se
equacionavam externamente, graças à arquitetura e à rela-
ção entre meios e fins da Internacional Comunista)” (Fer-
nandes, 1994, p. 83) – temas amplamente estudados e reple-
tos de controvérsias entre os “mariateguistas” – podem ser
entendido a partir da interpretação que Mariátegui tinha do
marxismo. Não é coincidência que o marxista peruano tenha
suscitado as mais espúrias desconfianças e incompreensões
tanto do marxismo “oficial”, europeísta, ossificado, quanto
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“Nosso irmão mais velho”: Florestan Fernandes, leitor de Mariátegui
do assim chamado “excepcionalismo indo-americano”
(Löwy, 1999), o que o levou por muito tempo ao ostracismo
político perante a esquerda peruana.
Essa experiência dramática, que se deu com outras figuras
de projeção equivalente, conferiu maior profundidade à
sua ótica marxista. Eu a encaro como o fator primordial da
grandeza de sua perspectiva histórica e do conteúdo cerrado
adquirido por sua visão do marxismo, em todos os seus
desdobramentos (Fernandes, 1994, pp. 83-84).
Em outro trecho lê-se: “Patenteia-se, pois, o quanto
Mariátegui transcendeu à órbita do marxismo triunfante do
seu tempo e o quanto ele compartilha conosco na necessi-
dade de ir mais longe ou perecer” (Fernandes, 1994, p. 82).
Em síntese, o Mariátegui de Florestan possui um marxismo
crítico e independente não apenas por sua contribuição
criativa à reflexão da formação social peruana, mas tam-
bém como uma das tentativas mais significativas do campo
marxista de romper com o evolucionismo, a ideologia do
progresso linear e o eurocentrismo. Florestan Fernandes
(1994, p. 87), no final do artigo, assevera: “as proposições
de Mariátegui marchariam como antes, de acordo com a
redução de Engels: socialismo ou barbárie? São proposições
que não foram varridas pela tempestade”. Além de Engels,
Rosa Luxemburgo também conservou a afirmação “Socia-
lismo ou barbárie?”, aliás, com mais intensidade, rompendo
com a concepção da história reificada como progresso ine-
xorável. Dessas lições, resulta que o pensamento de JCM,
com todas as limitações que teve, segundo Florestan Fer-
nandes (1994, p. 87), “ainda se ergue como um farol, que
ilumina o horizonte intelectual e político dos que querem
conferir aos latino-americanos a opção pelo marxismo”.
Por todos os elementos trazidos neste artigo, Florestan
Fernandes não foi apenas um divulgador da obra mariate-
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guiana no Brasil. É verdade que somente o fato de recepcio-
nar uma figura de proa da história do marxismo latino-ame-
ricano já seria de grande relevância. “Mariátegui é o nosso
‘irmão mais velho’”, disse certa vez Florestan. “Irmão” não
só em termos biográficos (há inegáveis semelhanças, a ori-
gem social humilde, o autodidatismo, por exemplo), como
também por uma evidente afinidade analítica e política com
passagens de estranhamento. Fato é que, diante da vastidão
da obra de Florestan, Mariátegui figura como uma refe-
rência teórica marxista decisiva na fase “militante-política”
do autor, como foram Marx e Lênin, e como expressão
importante de como estudar um país da periferia do sistema
do capitalismo monopolista através do método marxista.
Ele não constitui a matriz teórica das reflexões do sociólogo
brasileiro, mas não deixa de ser uma referência indispensável,
que tratou com profundidade, esforço e lucidez dos dramas
sociais e históricos da América Latina. De todo modo, Mari-
átegui lido por Florestan faz parte da árvore genealógica do
marxismo crítico e engajado na América Latina – e muito
provavelmente a semente principal dessa família que teve
bons frutos durante as décadas de 1960 e 1970. Isso fica evi-
dente não apenas nos textos, entrevistas e intervenções em
que sociólogo brasileiro dirige-se explicitamente ao nome
Mariátegui, mas também nas anotações que fez na margem
de diversos textos do pensador peruano, até então inéditas
ao público, mostrando uma leitura rigorosa e atenta. Pois
uma de suas contribuições originais foi adotar uma análise
marxista descolonizadora da América Latina fora dos eixos
da epistemologia europeia em um campo intelectual estrei-
to. Talvez, dessa perspectiva, possa resultar a permanência
definitiva, também no cenário brasileiro, da obra de JCM
no rol das grandes interpretações marxistas da América
Latina que priorizaram conhecer, explicar e transformar o
tempo presente.
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“Nosso irmão mais velho”: Florestan Fernandes, leitor de Mariátegui
Deni Alfaro Rubbo
é doutorando em Sociologia na Universidade de São Paulo
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Entrevistas concedidas ao autor
ANA Maria Martinez Corrêa, setembro de 2014.
DIOGO Valença de Azevedo Costa, setembro de 2014.
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Deni Alfaro Rubbo
Lua Nova, São Paulo, 99: 79-105, 2016
“NOSSO IRMÃO MAIS VELHO”: FLORESTAN FERNANDES,
LEITOR DE MARIÁTEGUI
DENI ALFARO RUBBO
Resumo: Florestan Fernandes é um dos pioneiros na divulga-
ção da obra de José Carlos Mariátegui no Brasil. O objetivo
central deste artigo é analisar e interpretar algumas manifes-
tações do encontro entre Florestan e Mariátegui. Em primei-
ro lugar, levantaremos algumas das principais ocorrências
da obra do pensador peruano nos textos, entrevistas e inter-
venções públicas do sociólogo brasileiro. Em segundo lugar,
disponibilizaremos o resultado de uma pesquisa no arquivo
Fundo Florestan Fernandes, que lança luz sobre o trabalho
materializado ao longo das leituras feitas por Florestan: são
inúmeros grifos, anotações, questionamentos inscritos nos
livros do pensador peruano que o sociólogo tinha disponíveis
em sua biblioteca particular. Assim, procuraremos reforçar a
ideia de que muitos dos problemas levantados pelo Amauta
no Peru na década de 1920 e, por extensão, na América Lati-
na, suscitaram realmente o interesse daquele que é conside-
rado o maior sociólogo brasileiro.
Palavras-chave: Florestan Fernandes; José Carlos Mariátegui;
América Latina; Marxismo.
“OUR OLDER BROTHER”: FLORESTAN FERNANDES, A READER
OF MARIÁTEGUI
Abstract: Florestan Fernandes is one of the pioneers in disseminating
the work of José Carlos Mariátegui in Brazil. The central aim
of this article is to analyze and interpret some manifestations of
Fernandes’s encounter with Mariátegui. First, we will present some
of the main instances of the Peruvian thinker’s work in the texts,
interviews, and public addresses made by the Brazilian sociologist.
Second, we will provide the results of a research made at the Fundo
Resumo / Abstract
Lua Nova, São Paulo, 99, 2016
Florestan Fernandes archive, which sheds some light on the work
being done during the course of Fernandes’s readings: countless
marks, notes, and questions written in the margins of books by the
Peruvian thinker that the sociologist had access to in his personal
library. Thus, we seek to reinforce the idea that many of the problems
raised by Amauta regarding Peru during the 1920s – and, by
extension, Latin America – truly aroused the interest of Fernandes,
who is considered Brazil’s greatest sociologist.
Keywords: Florestan Fernandes; José Carlos Mariátegui; Latin
America; Marxism.
Recebido: 08/09/2015 Aprovado: 07/10/2016
Resumo / Abstract
Lua Nova, São Paulo, 99, 2016
... Segundo Deni Rubbo (2016), o interesse de Florestan Fernandes pelos dilemas do continente Latino-Americano, assim como pela produção política e sociológica do marxismo no Novo Continente também tem sido um tema promissor, ainda que pouco estudado por seus especialistas. Rubbo (2016) aponta que é provavelmente no início da década de 1970 que, em meio a um processo de intensa radicalização política, Florestan descobre a obra de José Carlos Mariátegui, elo pioneiro da fusão entre marxismo e América Latina. ...
... Segundo Deni Rubbo (2016), o interesse de Florestan Fernandes pelos dilemas do continente Latino-Americano, assim como pela produção política e sociológica do marxismo no Novo Continente também tem sido um tema promissor, ainda que pouco estudado por seus especialistas. Rubbo (2016) aponta que é provavelmente no início da década de 1970 que, em meio a um processo de intensa radicalização política, Florestan descobre a obra de José Carlos Mariátegui, elo pioneiro da fusão entre marxismo e América Latina. Como afirmou o sociólogo Adolfo Sanchez Vásquez (1998), o comunista peruano foi um dos pensadores mais originais que procuraram produzir um marxismo que corresponde à realidade latino-americana. ...
... Mais do que isso, foi justamente o autor de A integração do Negro na Sociedade de Classes, "o primeiro grande impulsionador da obra Mariateguiana no Brasil, de fato" (PERICÁS, 2010, p. 345). Foi por incentivo de Florestan que, em 1975, a editora Alfa Ômega conseguiu publicar, pela primeira vez no país, os Sete Ensaios de Interpretação da Realidade Peruana, originalmente publicado em 1928, e considerado como o mais influente estudo histórico de uma nação da América do Sul (RUBBO, 2016). ...
Article
O objetivo do presente artigo é analisar o marxismo de Florestan Fernandes a partir de 1975 com a publicação de A Revolução Burguesa no Brasil. No contexto de seu embate com a ditadura civil-militar, a partir da década de 1970, Fernandes passa a produzir de forma sistemática trabalhos de análise política. Em uma reconstrução teórico-revolucionária da formação social brasileira, faz emergir um pensador que, a partir de então, se dedica também a tematizar aspectos internos da teoria marxiana e marxista. Além disso, Fernandes passa a se interessar pelos dilemas e pela produção intelectual latino-americana, exemplificado pela descoberta e difusão da obra de José Carlos Mariátegui. Nesse período, destacam-se as obras: Circuito fechado de 1976; Da Guerrilha ao Socialismo: a revolução cubana de 1979; Brasil em Compasso de Espera de 1980; O que é Revolução de 1982. Nesta perspectiva, a partir da análise desses escritos, pretendemos examinar como o “velho Florestan” concebe e assimila a tradição oriunda de Marx.
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Esse ensaio resulta de pesquisa realizada entre 2018 e 2021 junto ao programa de Programa de Pós-Graduação em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Socioambiental da Universidade do Estado de Santa Catarina e decorre de uma reflexão sócio-histórica, legal e geopolítica sobre a presença histórica Guarani na Região Metropolitana de Florianópolis e o impacto de legislações, políticas estatais e práticas administrativas subseqüentes sobre seus territórios e processos de territorialização. As Políticas Indigenistas surgem como práticas administrativas, tipicamente latino-americanas, emergindo de forma institucionalizada a pouco mais de cem anos para estruturar as políticas estatais dirigidas aos povos e territórios indígenas. Sofrendo, no entanto, descontextualizações, migrando e disseminando-se sob diversas formas pela América Latina, o movimento indigenista como doutrina oficial manifestou recorrentemente a intenção de Estados populistas latino-americanos em transformar suas sociedades em nações, incluindo ou diluindo o “elemento indígena” nos projetos nacionalistas.
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Examination of the diffusion of the work of José Carlos Mariátegui (1894–1930) among Brazilian social scientists exiled to Chile during the 1960s and 1970s shows that, despite their significant contact with it, there was no discussion of it in the main works of the dependency theorists, and therefore there is insufficient evidence to declare it a precursor of that theory. O exame da difusão da obra de José Carlos Mariátegui (1894–1930) entre os cientistas sociais brasileiros exilados no Chile durante as décadas de 1960 e 1970 mostra que, apesar de seu contato significativo com o país, não foi discutido nas principais obras da teóricos da dependência e, portanto, não há evidências suficientes para declará-lo um precursor dessa teoria.
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RESUMO Este artigo tem como objetivo discutir a perspectiva “decolonial” de Aníbal Quijano (1930-2018) e seus usos a partir de José Carlos Mariátegui. Em primeiro lugar, relacionamos o contexto histórico latino-americano desde a década de 1980 ao esforço de interpretação de Mariátegui por Aníbal Quijano, balizado, sobretudo, pela formulação de uma teoria fundacional (filosófica, epistemológica, ética e política) sobre a especificidade da América Latina. Na sequência, Quijano redescobre, assim, certo Mariátegui associado à renovação crítica da teoria social latino-americana. Através de múltiplos mecanismos de difusão, ele estabelece uma reconhecida caracterização filosófica e epistemológica do arsenal mariateguiano, visto como bastião da crítica eurocêntrica (“racionalidade alternativa”), para legitimá-lo como referência fundamental da teoria da “colonialidade do poder”.
Article
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The purpose of this article is to discuss some of the implications of the interpretation of the unequal and combined development theory of capitalism present in several passages of Michael Löwy’s work in order to indicate its importance for the critical renewal of Latin American Marxism. In order to do so, we seek to advance through three moments: 1) first, we will present the general outlines of the unequal and combined development theory in Löwy’s work; 2) in the sequence, we will highlight the importance of the Latin American historical context between the years 1959 and 1979 in the interpretive and political effort of Löwy, especially for updating the theory of uneven and combined development; finally, 3) we will argue that the fecundity of Löwy’s interpretation of the Latin American context stems from his familiarity with the thinking of the Peruvian Marxist José Carlos Mariátegui.
Article
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O artigo discute a dificuldade presente para o desenvolvimento de um marxismo latino-americano. Essa dificuldade pode remeter à própria obra de Karl Marx e Friedrich Engels e à filosofia da história que se faz presente em alguns momentos dessa obra. A análise da situação irlandesa e da comuna rural russa, entretanto, permitiram a esses autores e, principalmente a Marx romper com essa filosofia da história. A seguir o artigo discute uma tentativa de interpretação da América Latina e particularmente do Brasil com base na obra de Marx: aquela desenvolvida no âmbito do chamado Seminário d’O Capital. Neste Seminário gestou-se uma forma de apropriação da obra de Marx na qual se destacavam seus aspectos metodológicos. Apesar das importantes contribuições dos autores vinculados a esse seminário, dentre os quais Fernando Henrique Cardoso e sua análise das situações de dependência, essa apropriação da obra de Marx revelou claros limites. Argumenta-se, por último a necessidade do marxismo construir uma unidade profunda entre teoria e prática, pesquisa teórica e pesquisa empírica para superar os impasses da interpretação da América Latina.
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Este artigo discute especialmente a recepção da obra do jornalista e teórico marxista peruano José Carlos Mariátegui no Brasil, sua influência no meio acadêmico e político, e as diferentes leituras e abordagens de suas ideias no país, do final dos anos 1920 até a atualidade, assim como também mostra as tentativas de aproximação de JCM com artistas e intelectuais brasileiros.This article discusses primarily the reception of the work of the Peruvian journalist and Marxist theoretician José Carlos Mariátegui in Brazil, his influence in the academic and political milieu, and the different readings and approaches to his ideas in this country, from the late 1920's to the present day; it shows, as well, JCM's efforts to establish links and relations with Brazilian artists and intellectuals.
Article
"Ediciones populares de las Obras completas de José Carlos Mariátegui" Reimpresión en 1964, 1967.
Mariátegui y las orígenes del marxismo latino-americano
  • José Aricó
José Aricó (org.). Mariátegui y las orígenes del marxismo latino-americano. México: Pasado y Presente, 1978 (sem grifos nem anotações).
Significado actual de José Carlos Mariátegui
______. 1994. Significado actual de José Carlos Mariátegui. Anuario Mariateguiano, Lima, Amauta, n. 6, pp. 81-87.