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Bem-estar de pequenos mamíferos
capturados em armadilhas de grade
Vanessa V. Kuhnen¹ & Eleonore Z. F. Setz²
¹ Pós-Graduação em Ecologia, Instituto de Biologia, Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP),
Caixa Postal 6.109, CEP 13083-970, Campinas, SP, Brasil.
² Laboratório de Ecologia e Comportamento de Mamíferos, Departamento de Biologia Animal,
Universidade Estadual de Campinas, Avenida Bertrand Russel, s/n, CEP 13083-865, Campinas, SP, Brasil.
E-mail para correspondência: vanessavk3@gmail.com
Resumo: A captura pode gerar grande estresse aos indivíduos, apesar disto, ainda são escassos
estudos que avaliem aspectos do bem-estar dos animais capturados em diferentes armadilhas.
Especificamente para pequenos mamíferos, sabe-se pouco sobre o impacto das capturas,
manipulações, e marcações individuais. Apesar da existência das diretrizes para o uso de mamíferos
em pesquisas, cada espécie, em cada bioma, possui necessidades distintas e suas particularidades
devem ser priorizadas para garantia de seu bem-estar durante o estudo. Desta forma, o presente
trabalho tem como objetivo apresentar algumas sugestões práticas para o uso destas armadilhas
em campo, visando um maior bem-estar dos indivíduos capturados. Pequenas ações como as
aqui apresentadas são de baixo custo, não aumentam o tempo despedido em campo, além de
aumentarem as chances de sobrevivência e o bem-estar dos indivíduos capturados. O bem-estar
dos animais capturados deve ser prezado tanto por questões éticas, mas também pelas implicações
na qualidade dos dados coletados.
Palavras-Chave: Boas práticas; Marsupial; Roedor; Tomahawk; Young.
Abstract: Welfare of small mammals captured in cage traps. Capture can stress individuals, although
there are still few studies that evaluate the well-being of caughtanimals in different traps. Specifically
for small mammals, little is known about the impact of catches,manipulations, and particular marks.
Despite the existence of guidelines for the use of mammals in research, each species in each biome
has specific needs, and its particularities should be prioritized to guarantee itswell-being during the
study. In this way, the aims of this work is present some practical suggestions for smallmammals
trapping, foucusing in the well-being of the captured individuals. Small actions as presented here are
inexpensive, do not increase the time dismissed in the field, and increases the chances of survival
and well-being of the individuals captured. The well-being of captured animals must be valued or
ethical reasons butalso for implications on the quality of the data collected.
Key-Words: Marsupial; Rodent; Tomahawk; Welfare; Young.
2008; Wilson & McMahon, 2006). Infelizmente, a dificul-
dade de registrar as consequências sobre os indivíduos
acaba por subsidiar esta ideia de que os efeitos nega-
tivos causados aos indivíduos são insignificantes (Krag,
2008; Wilson & McMahon, 2006). Além disto, durante o
planejamento das pesquisas em campo, custos e prazos
tendem a ser vistos como prioridade sobre o bem-estar
e a ética animal (Parris et al., 2010).
Um dos aspectos mais discutidos sobre o bem-
-estar de animais selvagens na pesquisa científica são as
metodologias de marcação individual (e.g. Loretto et al.,
2013). Já existem trabalhos que avaliam as conseqüên-
cias destas marcações para as populações (e.g. Gauthier-
-Clerc et al., 2004), para os indivíduos (e.g. Walker et al.,
2011), e também para a conservação das espécies (e.g.
Funk et al., 2005). Entretanto, ainda são escassos na lite-
ratura trabalhos que avaliem aspectos de bem-estar ani-
mal relacionados a diferentes metodologias de captura.
O bem-estar animal engloba a saúde do animal,
seus estados afetivos (e.g. dor, medo, sofrimento), e sua
capacidade para viver na maneira à qual são adaptados
(Fraser et al., 1997). Para garantia deste bem-estar todos
os animais devem ser livres de medo e estresse crônico
(distress), livres de fome e sede, de desconforto, de do-
res e doenças (FAWEC, 2012). A fundamentação destes
direitos surgiu com base no bem-estar dos animais de
criação (Broom, 2011). Já o bem-estar e a ética que en-
volve os animais selvagens ainda são pouco discutidos
(Fauvel et al., 2012; Funk et al., 2005; Minteer & Collins,
2005). O bem-estar dos indivíduos em ambiente natu-
ral ainda é comumente negligenciado em detrimento
de um benefício último para as suas populações (Fraser,
2010). O estudo das populações de espécies em vida
livre pode levar a mudanças de comportamento dos
indivíduos, evasão das áreas estudadas em função das
capturas, e até mesmo causar lesões a longo prazo (Krag,
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Kuhnen, V.V. & Setz, E.Z.F.: Bem-estar de pequenos mamíferos
A captura pode gerar grande estresse aos indivíduos le-
vando a mudanças na sua fisiologia, como por exemplo:
aumentos na produção de adrenalina, na taxa metabóli-
ca, na temperatura corporal, e nas frequências cardíaca
e respiratória (Giese, 1996; Weimerskirch et al., 2002).
Algumas vezes o estresse e os riscos causados pelas cap-
turas podem levar à morte os indivíduos capturados.
Especificamente para pequenos mamíferos, sabe-
-se pouco sobre o impacto das capturas, manipulações,
e marcações individuais, sobre o bem-estar dos indiví-
duos estudados (Fisher & Blomberg, 1995). Alguns do-
cumentos, como as diretrizes da Sociedade Americana
para o uso de mamíferos em pesquisas, indicam condu-
tas metodológicas que visam assegurar o bem-estar dos
animais capturados (Sikes et al., 2011; Trajano & Silveira,
2008). As diretrizes são simples e podem ser facilmente
adotadas para um trabalho de campo mais ético. Alguns
exemplos das boas práticas sugeridas são: cobrir a gaiola
assim que se aproximar dela, para diminuir o estresse do
indivíduo capturado enquanto o material necessário para
a manipulação é preparado; cobrir os olhos do indivíduo
enquanto ele é manipulado; e utilizar um número de ar-
madilhas condizente com a capacidade do pesquisador
de monitorá-las. Além disto, sempre que possível, verifi-
car frequentemente as armadilhas para minimizar o agra-
vamento de ferimentos e a mortalidade dos indivíduos.
Apesar da existência destas diretrizes gerais, cada
espécie, em cada bioma, possui necessidades diferen-
tes e suas particularidades devem ser priorizadas para
garantia de seu bem-estar durante o estudo (Do et al.,
2013; Drickamer & Paine, 1992; Rychlik et al., 2012;
Shonfield et al., 2013). Por isto o pesquisador deve es-
tar atento às particularidades das espécies alvo de seu
estudo. Por exemplo, animais de porte médio como Di-
delphis sp. e outros grandes marsupiais possuem neces-
sidades distintas de espécies de menor pequeno porte
como pequenos roedores e marsupiais. Porém, em estu-
dos de levantamento de fauna o ideal é otimizar o esfor-
ço amostral e capturar o maior número possível de espé-
cies através de uma única metodologia. Nesses casos o
mais indicado é adequar a metodologia buscando aten-
der as necessidades das espécies de menor porte, que
normalmente são as mais sensíveis. Consequentemente
as espécies de maior porte também irão se beneficiar
das medidas de bem-estar adotadas. Para isto, o pes-
quisador deve estar atento também às particularidades
de cada metodologia de captura e aos respectivos riscos
que elas expõem aos indivíduos capturados.
A captura através de armadilhas de interceptação
e queda (pitfalls), em função das altas taxas de mortali-
dade geradas, é a metodologia de captura de pequenos
mamíferos mais discutida na literatura (Cáceres et al.,
Figura 1: Armadilha de captura modelo Tomahawk coberta por plástico para proteger o indivíduo capturado da chuva e do sereno, e apoiada sobre
placa de compensado resinado para proteger o indivíduo capturado da umidade do solo.
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2012; Ferguson & Forstner, 2006; Karraker, 2001; Kogut,
1997; Padgett-Flohrge & Jennings, 2001; Pearce et al.,
2005; Peter, 2015). Por outro lado, quase não se discute
a exposição e a diminuição de bem-estar que os animais
estão expostos quando capturados em armadilhas de
grade. Desta forma, o presente trabalho tem como ob-
jetivo apresentar algumas sugestões práticas para o uso
destas armadilhas em campo, visando um maior bem-
-estar dos indivíduos capturados.
Os modelos Tomahawk e Young são armadilhas de
grade que consistem basicamente de uma gaiola de ara-
me que se fecha através de uma alavanca que é destrava-
da assim que o animal tenta acessar a isca. Estes mode-
los são amplamente utilizados na captura de pequenos
mamíferos para as mais diversas finalidades: pesquisas
científicas, inventário de espécies, resgate de fauna, mo-
nitoramento ambiental, entre outros. As armadilhas de
grade são capazes de capturar uma variedade de espé-
cies, desde grandes marsupiais como Didelphis spp. que
podem chegar a pesar 2 kg, até pequenos roedores que
pesam menos de 100g (Cáceres et al., 2011; Santos-Filho
et al., 2006).
Durante a noite, normalmente o período mais frio
do dia, é que a maioria das espécies de pequenos mamífe-
ros está ativa. Quando capturados, ao invés de passarem
a noite ativos, passam a noite presos e expostos às intem-
péries. Pequenos mamíferos possuem uma alta relação
corpórea de superfície/volume, o que dificulta a manu-
tenção da sua temperatura (Schmidt-Nielsen, 2002). A es-
trutura vazada destas armadilhas dificulta a manutenção
dessa temperatura, o que pode levar os indivíduos à mor-
te por hipotermia. Uma alternativa para diminuir as chan-
ces de hipotermia seria cobrir as armadilhas com folhas
grandes, cascas de árvore ou folhiço, disponíveis no pró-
prio local. Porém, este tipo de proteção seria facilmente
removido com um vento forte, e por cobrir totalmente a
armadilha, aumentaria o tempo necessário para revisar
todas as armadilhas. Outra alternativa seria ensacar parte
da gaiola com saco plástico. Esta técnica não interfere no
sucesso de captura (obs. pess.), porém a água se acumula
facilmente dentro do saco plástico. O acúmulo da água
pode ocorrer até mesmo com a entrada da gaiola posicio-
nada a favor do declínio do terreno.
Mesmo que a porção dos sacos que fica em contato
ao solo fosse furada, dificilmente a água será drenada na
velocidade necessária. Além disto, não é fácil encontrar
no comércio sacos plásticos com apenas um lado furado,
e furar manualmente demanda tempo. A melhor opção
então é que a gaiola seja apenas coberta por um plástico.
O plástico deve ser de tamanho suficiente para tampar
as laterais e a parte superior da armadilha, desta forma
o animal fica protegido do sereno, da chuva, e não sofre
com a possível condensação da água caso a gaiola fosse
ensacada (Figura 1). A revisão das armadilhas será facili-
tada se o plástico for transparente, o que permite verifi-
car a curtas distâncias se algum indivíduo foi capturado
ou se ainda há isca disponível. Quando chove, a própria
pressão da água da chuva mantém o plástico no lugar, e
em regiões de muito vento é fácil apoiar qualquer peso
que mantenha o plástico posicionado corretamente.
Outra técnica que pode ser adotada para diminuir
as chances de hipotermia é colocar as armadilhas sobre
placas de compensado resinado, comumente utilizado
para tapumes (Figura 1). Estas placas permitem que a
armadilha fique isolada do contato com o solo frio e
úmido. O uso do compensado possui algumas vanta-
gens: o custo deste material é baixo; é reutilizável; é fácil
de higienizar, com um borrifador de álcool e uma esco-
vinha é possível remover as fezes com facilidade; e não
diminui o sucesso de captura (obs. pess.). Outra vanta-
gem é que o compensado possui certa rugosidade o que
impede que a armadilha deslize por cima dele. Assim é
possível utilizá-lo apenas como suporte entre o chão e a
armadilha, sem a necessidade de fixação da armadilha.
Isso gera outra facilidade que é o transporte do material.
As placas de compensado são finas, portanto além de
não ser pesado é possível carregá-las entre as armadi-
lhas dobradas. A utilização dos sacos plásticos e do com-
pensado também proporcionam ao pesquisador outras
vantagens como por exemplo a proteção das iscas. Pro-
longando a durabilidade da isca aumenta o sucesso de
captura e diminui os custos da pesquisa. Além disto, o
compensado também isola as fezes do contato com o
solo, o que é ideal para estudos de parasitologia e dieta.
Outro ponto importante e que implica diretamente
sobre o bem-estar do indivíduo capturado é a escolha
correta do ponto onde a armadilha será posicionada.
A escolha do ponto amostral deve levar em conta não
apenas o desenho amostral do estudo, mas também os
possíveis riscos que estariam expostos os animais cap-
turados. É de extrema importância estar atento se o lo-
cal escolhido não corre o risco de alagar, e se for perto
de um curso d’água qual a dinâmica deste rio durante o
período de chuvas. Estes cuidados são importantes para
evitar que as gaiolas fiquem submersas em caso de chu-
vas fortes e os indivíduos capturados morram afogados
os por hipotermia. Outra questão relevante na escolha
do ponto onde será posicionada a gaiola é a ocorrência
de predadores selvagens e também por animais domés-
ticos (Galetti & Sazima, 2006). Predadores comumente
localizam as armadilhas com indivíduos capturados e na
tentativa de retirar a possível presa de dentro da arma-
dilha acabam revirando e arrastando a armadilhas por
metros (obs. pess.). Uma prática simples que pode evitar
esta situação é amarrar as armadilhas em árvores, ou
mesmo no chão através de espécies.
Dependendo da duração do esforço amostral os
animais podem ficar debilitados em função das recap-
turas. Graipel & Santos-Filho (2006) relatam que uma
fêmea de Didelphis aurita Wied-Neuwied, 1826 foi su-
cessivamente recapturada ao longo do estudo. As re-
capturas deixaram o indivíduo extremamente debilita-
do, e após a oitava recaptura no mesmo mês, a fêmea
já tinha perdido cerca de 13% do seu peso original. O
planejamento do esforço amostral é ainda mais relevan-
te quando os estudos visam obter dados da dinâmica
populacional. Cáceres e colaboradores (2012) sugerem
que o esforço de amostragem para estudos populacio-
nais de pequenos mamíferos não deve ultrapassar 5 dias
consecutivos.
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Figura 2: a) Armadilha de captura com reentrância na porta que favorece com que o indivíduo capturado se machuque nas tentativas de fuga;
b) Indivíduo de Metachirus nudicaudatus lesionado pelas tentativas de fuga da armadilha da Figura a.
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Figura 3: a) Trinomys iheringi capturado em armadilha Tomahawk e sendo parasitado por dípteros (Calliphoridae); b) Detalhe da oviposição dos
dípteros (Calliphoridae).
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Tendo em vista que os indivíduos capturados mui-
tas vezes chegam a ficar mais de 12 horas consecutivas
presos na gaiola, é de extrema importância que sejam
utilizadas iscas com alto valor energético e que estas se-
jam ofertadas em quantidade suficiente para atender às
demandas nutricionais do animal durante o tempo que
for passar aprisionado na armadilha. Além da escolha da
isca adequada (que irá variar de acordo com o hábito ali-
mentar da espécie alvo), também é importante fazer um
planejamento do número de armadilhas e do tamanho
da área amostrada, que leve em conta a fragilidade dos
indivíduos frente ao estresse que a captura proporciona.
Para o cálculo do esforço amostral deve ser considera-
do o tempo necessário para visitar todas as armadilhas.
O ideal é minimizar o máximo possível o tempo que os
indivíduos capturados ficarão nas gaiolas. Dessa forma,
é indicado que a revisão das armadilhas seja feita nas
primeiras horas do dia, evitando assim que o animal fi-
que mais do que 12 horas preso na armadilha. Nos ca-
sos em que as armadilhas estão posicionadas em áreas
que não possuem uma cobertura arbórea para proteção
do calor do sol, é importante considerar o tempo que o
animal ficará exposto ao sol, principalmente por que os
indivíduos capturados não terão acesso à água. Locais
sem cobertura devem ser evitados tanto pela exposição
ao sol, mas também pela exposição à chuva.
Infelizmente, mesmo com a adoção de boas práti-
cas em campo, alguns indivíduos são mais frágeis do que
outros e mais propensos à desnutrição ou hipotermia.
Durante o inverno, ou nas épocas chuvosas, as chances
de hipotermia aumentam ainda mais. Uma alternativa
para reverter quadros de hipotermia é levar para campo
uma bolsa de látex com água quente. Estas bolsas são
ideais, pois são capazes de conservar o calor por até seis
horas. A bolsa deve ser envolta em um pano para evitar
queimaduras, e caso aconteça algum caso de hipoter-
mia, basta apoiar o animal por alguns minutos em cima
da bolsa para ele se recuperar. Outra opção possível é
forrar as armadilhas com materiais não tóxicos e que
mantenham o calor, permitindo que o animal capturado
faça o seu ninho dentro da armadilha (Barnett & Dutton,
1995). Um problema oposto à hipotermia é a exposição
excessiva ao sol. Em áreas abertas onde não há cobertu-
ra arbórea, é indicado cobrir as armadilhas com vegeta-
ção rasteira, quer seja capim ou folhagem de pequenos
arbustos, de forma a prevenir a exposição prolongada ao
sol. Este tipo de cobertura das armadilhas também per-
mite uma camuflagem da mesma, podendo aumentar o
sucesso de captura.
Outra questão relevante ao bem-estar dos animais
capturados em armadilhas de grade são as lesões causa-
das pelas tentativas de fuga. Alguns modelos possuem
reentrâncias ou folgas (Figura 2a) que o animal é capaz
de empurrar para forçar a saída e acaba se machucando.
Além dos ferimentos na pele (Figura 2b) alguns indivídu-
os chegam a ficar com os dentes presos por entre as gra-
des destas reentrâncias de tanto forçar a saída (Kuhnen
obs. pess.). Modelos com folga nas portas ou que apre-
sentem algum tipo de reentrâncias, como exemplificado
na Figura 2a, devem ser evitados para prevenir lesões.
As feridas causadas pelas tentativas de fuga são
portas para infecções. Sempre que um animal capturado
apresentar qualquer tipo de ferimento, este precisa ser
tratado antes da soltura. Sobre os machucados existen-
tes é recomendado utilizar álcool iodado 7% (Forattini
et al., 1972). Além das feridas, o tempo em que o animal
está cativo dentro da armadilha já o expõe a parasitas
oportunistas como dípteros (Calliphoridae, Figura 3), e
até mesmo a predação por formigas carnívoras. Esta ex-
posição diminui consideravelmente o bem-estar dos in-
divíduos, podendo levar à morte (obs. pess.). Porém, são
raros os estudos dos impactos causados aos indivíduos
pelas parasitoses obtidas durante o período de captura
(e.g. Bossi & Bergallo, 1992). A vulnerabilidade a para-
sitas durante o tempo em que o animal está na gaiola é
um sério fator de bem-estar animal e de difícil solução.
Desta forma, é importante que comunidade científica se
atente mais ao tema visando buscar possíveis soluções.
Prezar pelo bem-estar dos animais capturados não
envolve apenas questões éticas, mas implica também na
qualidade do dado coletado. Pequenas ações como as
aqui apresentadas são de baixo custo, não aumentam
o tempo despedido em campo, além de aumentarem
as chances de sobrevivência e o bem-estar dos indiví-
duos capturados. Práticas que aumentem o bem-estar
deveriam ser naturalmente incorporadas no desenho
amostral e nos planejamentos dos trabalhos de campo.
Esperamos que nossas sugestões aprimorem o trabalho
de campo em pesquisas, levantamentos e monitora-
mentos de pequenos mamíferos. Apesar das sugestões
apresentadas aqui terem maior aplicabilidade em áre-
as que apresentem baixas temperaturas e altos índices
de pluviosidade, gostaríamos que este trabalho servisse
para provocar a discussão sobre o bem-estar de peque-
nos mamíferos também em outros cenários.
AGRADECIMENTOS
Gostaríamos de agradecer à Juliana do Carmo Padi-
lha e aos revisores anônimos da revista pelas sugestões
para aprimorar o manuscrito; e ao Conselho Nacional
de Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Brasil
(CNPq) pela bolsa de doutorado de V.V.K.
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Submetido em 24/02/2016
Aceito em 18/07/2017
ENSAIOS
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