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7 pecados mortais de um país a duas velocidades

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Abstract

Nas últimas décadas, Portugal progrediu significativamente face à Europa (Goulart, 2011), mesmo se com estagnação ou reversão da tendência de melhoria no novo século. A modernização de parte do país acentuou um país a duas velocidades – por um lado, um país Europeu e internacional, e por outro um país periférico e isolado. Embora estes contrastes tenham um impacto nas mais diversas esferas, este artigo centra-se nos problemas do aumento da desigualdade de produtividade e bem-estar dos portugueses (Guilera, 2010), algo também verificado em muitos países desenvolvidos (Alvaredo et al., 2016). De seguida, discuto alguns dos desafios fundamentais à resolução destas desigualdades.
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7 pecados mortais de um país a duas velocidades
Pedro Goulart
CAPP e ISCSP, Universidade de Lisboa
(Outros autores deste número incluem Ana Costa, Eduardo Catroga, Ester Gomes da
Silva, José Maria Castro Caldas, Luís Mira Amaral, Nicolau Santos, Nuno Ornelas Martins,
Ricardo Pais Mamede, Sandro Mendonça, entre outros)
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Nas últimas décadas, Portugal progrediu significativamente face à Europa (Goulart,
2011), mesmo se com estagnação ou reversão da tendência de melhoria no novo século.
A modernização de parte do país acentuou um país a duas velocidades por um lado,
um país Europeu e internacional, e por outro um país periférico e isolado. Embora estes
contrastes tenham um impacto nas mais diversas esferas, este artigo centra-se nos
problemas do aumento da desigualdade de produtividade e bem-estar dos portugueses
(Guilera, 2010), algo também verificado em muitos países desenvolvidos (Alvaredo et
al., 2016). De seguida, discuto alguns dos desafios fundamentais à resolução destas
desigualdades.
1) Baixa qualificação
Portugal melhorou consideravelmente a qualificação da sua população e a geração mais
jovem já é mais qualificada do que noutros países mais prósperos. No entanto, a média
da população ativa continua desfasada da Europa, quer em termos de certificação quer
em termos informais de funcionamento. Em 2015, mais de 50% da população ativa tinha
concluído apenas até 9 anos de escolaridade (Pordata). O veículo dessa certificação
também é polémico. Como requalificar a população no mercado de trabalho? Uma
parte dos cursos de formação funcionaram ao longo dos anos, mais para suplementar
pagamentos sociais do que para constituir uma resposta às necessidades de formandos
e empregadores. Esse ajustamento continua a ter de ser feito.
2) Baixa qualidade da formação
Por outro lado, como oferecer formação inicial de qualidade semelhante a todos os
cidadãos? Bem pior que os níveis de qualificação são a qualidade da formação e a sua
desigualdade. No ensino secundário, a auto-seleção dos alunos com mais ambições e
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recursos para as escolas privadas tem acentuado as diferenças entre escolas privadas e
escolas públicas. Em 2015, no município de Lisboa uma escola pública nas 10
escolas com melhores médias (contra 3 em 2006), enquanto a escola pública melhor
classificada desceu a média de 12,9 para 12,7, e a melhor privada subiu de 13,56 para
14,24. Mesmo dentro das escolas públicas existe uma hierarquia acentuada, sendo que
as médias das escolas públicas variam entre 8,5 e 12,7, com os alunos em fuga para as
melhores escolas.
Embora haja muita discussão sobre a pertinência e formato dos exames nacionais,
pouco ou nada se discute sobre o que se deve ensinar, incluindo particularmente a
marcante pouca autonomia e responsabilização dos alunos. Neste aspeto, é
fundamental promover a auto-motivação/motivação intrínseca, em contraste com a
motivação por recompensa (Goulart e Bedi, mimeo), bem como o trabalho autónomo e
em grupo. Estas características são cada vez mais marcantes à medida que no mercado
de trabalho passamos de organizações mais hierárquicas para outras mais horizontais.
3) Falta de meritocracia
De momento, muitos Portugueses não acreditam que haja uma cultura de mérito nas
organizações. Para a promover e alterar estas perceções é necessário abordar pelo
menos três questões. Primeiro, e como referido anteriormente, a igualdade de
oportunidades na formação precisa de ser revista (Carneiro, 2008). Segundo, os
incentivos ao esforço individual necessitam de uma forte reformulação ou
implementação como prémios de desempenho e promoções. Terceiro, menos abordado
mas não menos importante, é a importância da recompensa coletiva para as muitas
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ocupações onde a responsabilidade de sucesso não recaia apenas sobre o esforço
individual.
4) Precariedade
A precariedade, para além de problemas sociais, cria problemas de incentivos graves ao
esforço e compromisso com a organização e investimento individual. Portugal tem ainda
um mercado de trabalho fortemente segmentado com base na situação contratual dos
diferentes trabalhadores, contrastando a situação dos insiders com maior antiguidade,
com emprego fortemente protegido, com a dos outsiders, com fracas e temporárias
ligações ao mercado de trabalho. Com a recessão prolongada, os jovens (os últimos a
chegar ao mercado de trabalho) têm sido tradicionalmente os mais prejudicados,
particularmente na criação de uma carreira com um percurso consistente.
5) Falta de empreendedorismo
Se em parte a qualificação da população ativa é baixa (ver ponto i), a dos nossos
empresários e das chefias intermédias é acentuadamente menor. Por um lado, a
organização do trabalho ainda é um problema recorrente, reflexo de gestores com
insuficiente preparação ou incentivos para a tarefa (e.g. OCDE, 2015). Por outro lado,
Portugal tem formado em parte excelentes trabalhadores por conta de outrém, mas o
empreendedorismo só recentemente chegou às escolas. Em parte moda, poderá ter
levado porventura a excessos ao tentar forçar desempregados a empreender só porque
estão disponíveis, ou ao conduzir à aglomeração de empreendedores no ramo da
restauração, e ao abandono de outras áreas. Tal realça a importância das escolas e das
universidades no papel de incentivar os que revelem características mais adequadas de
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forma transversal a arriscar e a criar emprego a médio prazo, bem como de reforçar o
papel do conhecimento e da ciência nesse processo.
6) Desemprego
Com um acentuado crescimento desde 2001, o desemprego tem sido um flagelo social
e um sintoma das fragilidades de parte da economia portuguesa, algumas das quais aqui
referidas, e acentuadas pela crise mundial. Como consequência, foi gerado um forte
fluxo migratório que viu partir alguns dos mais qualificados, mais motivados ou
inconformados, um fator recorrente na nossa história. Só o arranque da economia
Portuguesa e mundial poderá efetivamente reduzir o desemprego para níveis pré-crise.
Medidas como a redução da acumulação de funções (e salários) ou mesmo a opção de
horários de trabalho mais reduzidos (e consequentemente menor salário) poderão ser
uma medida viável para níveis de qualificação mais elevados (e salários mais elevados).
7) Baixos salários
A desigualdade na qualificação e na produtividade dos Portugueses condiciona
fortemente a distribuição salarial, e a recessão e o ajustamento dificultam uma
intervenção direta. A prevista subida do salário mínimo para 600 euros pode ter efeitos
contraproducentes (na precariedade e desemprego) numa economia aberta, de pouco
ou nenhum crescimento e sem contrapartida da produtividade individual ou
organizacional (ver discussão alargada em Goulart e Rodrigues, 2016). O ênfase nesta
altura deve ser posto na melhoria das condições de acesso a educação, formação e
eventualmente a capital de investimento.
Concluindo
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Este texto apresenta uma proposta de diagnóstico e um ponto de partida para
discussão. Sem identificarmos e consensualizarmos os principais problemas,
dificilmente poderemos resolvê-los. Como dizia Séneca, o jovem, Se não soubermos
para que porto vamos, não há vento favorável”.
Referências
Alvaredo, F., A.B. Atkinson, T. Piketty, E. Saez, and G. Zucman, The World Wealth and
Income Database, http://www.wid.world, 21/02/2016.
Carneiro, P. (2008) Equality of opportunity and educational achievement in Portugal,
Portuguese Economic Journal 7: 17-41.
Goulart, P. (2011) Essays on Schooling and Child Labour in Portugal, Shaker.
Goulart, P. e A. Bedi, Interest in school and educational success in Portugal, mimeo.
Goulart, P. e P. Rodrigues (2016) A Gestão de Recursos Humanos e a Ciência Económica
IN GRH. Edições ISCSP.
Guilera, J. (2010) The evolution of top income and wealth shares in Portugal since 1936,
Revista de Historia Económica 28: 139-171.
OCDE (2015) Skills Strategy Diagnostic Report: Portugal, OCDE.
... The Left Block and the communists have made clear some key non-negotiable demands, such as an increase in minimum wage of 20 percent. Whether this is compatible with the country's external obligations depends considerably on the enforcement benevolence of European entities and on the improvement of the internal and external economic performance (Goulart, 2016). As time goes on, if austerity is not reduced as these parties wish, it is unclear how they will react. ...
Book
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This thesis examines child labour and schooling in Portugal from a historical and contemporary perspective and comprises three essays. Throughout the thesis, I attempt to strike a balance between research of the local context and a comparison with an international context.
Article
A large body of work in educational economics displays the tenuous relationship between school inputs and cognitive achievement. Among others, the inability to establish a strong link has been attributed to the difficulty of controlling for attributes such as ability, motivation and interest. Against this background, and inspired by work in economics and educational psychology, in this paper we examine whether a child’s interest in school has a bearing on educational success. Our panel data estimates, based on Portuguese data, show that after controlling for socio-economic background, school inputs, and time-invariant unobservable traits, children with high levels of interest are 6 to 10 percentage points less likely to fail as compared to children with low and medium levels of interest.
Article
This paper presents new statistical evidence on the long-term evolution of economic inequality in Portugal. Portuguese tax sources have been employed to estimate top income and wealth shares (TIS and TWS) from 1936 onwards. The new series shows that the Second World War had a negative and non-permanent effect on the evolution of TIS, but not on TWS, which increased until the mid 1950s. From the mid 1950s to the early 1980s, there was a sharp decline in TIS and TWS. Finally, during the 1990s, TIS increased again. The reasons behind the Portuguese distributive pattern seem to be more economic than political.
Article
Portugal has one of the highest levels of income inequality in Europe, and low wages and unemployment are concentrated among low skill individuals. Education is an important determinant of inequality. However, there are large differences in the educational attainment of different individuals in the population, and the sources of these differences emerge early in the life-cycle when families play a central role in individual development. We estimate that most of the variance of school achievement at age 15 is explained by family characteristics. Observed school inputs explain very little of adolescent performance. Children from highly educated parents benefit of rich cultural environments in the home and become highly educated adults. Education policy needs to be innovative: (1) it needs to explicitly recognize the fundamental long run role of families on child development; (2) it needs to acknowledge the failure of traditional input based policies.
The World Wealth and Income Database
  • F Alvaredo
  • A B Atkinson
  • T Piketty
  • E Saez
  • G Zucman
Alvaredo, F., A.B. Atkinson, T. Piketty, E. Saez, and G. Zucman, The World Wealth and Income Database, http://www.wid.world, 21/02/2016.