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Espaço em Re vista
2011
ISSN: 1519-7816 vol. 13 n. 2 jul/dez. 2011 páginas: 1 - 15
UFG-CAC | AZEVEDO, José Roberto Nunes de. ; BARBOSA, Tulio. A GEOGRAFIA QUANTITATIVA: ensaios
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A GEOGRAFIA QUANTITATIVA: ensaios
José Roberto Nunes de Azevedo1
azevedogeo@hotmail.com
Tulio Barbosa2
tulio@ig.ufu.br
Resumo: O presente trabalho tem como finalidade o debate quanto a Geografia Quantitativa e
suas respectivas influências na Geografia brasileira, pontuando as conseqüências desta escola
de pensamento geográfico para as pesquisas científicas e até mesmo para o ensino de
Geografia. A influência direta dos Estados Unidos na ciência geográfica brasileira foi
evidenciada pela questão de método da Geografia Quantitativa direcionando muitos geógrafos
brasileiros para pensarem cientificamente ancorados em padrões matemáticos e estatísticos. A
crítica a essa escola geográfica é importante para que a Geografia avance
epistemologicamente.
Palavras-chave: Epistemologia. Geografia quantitativa. Pensamento geográfico.
GEOGRAPHIE QUANTITATIVE: ESSAIS
Resumé: Cet article traite de la géographie quantitative et son impact sur la géographie du
Brésil, en soulignant les conséquences pour la recherche scientifique et l'enseignement.
L'influence des États-Unis dans la science géographique brésilien a été mis en évidence par la
question de la méthode quantitative basée sur la science statistique et des mathématiques. La
critique épistémologique de la géographie quantitative est importante pour l'amélioration de la
pensée critique.
Mot-clé: Épistémologie. Géographie quantitative. Pensée géographique.
Pequeno debate introdutório
O período Pós-Segunda Guerra Mundial marca um momento de
transformações no cenário das ciências, uma vez que se observa, em ritmo
surpreendente, o desencadeamento de um conjunto de avanços tecnológicos e
científicos nas diversas áreas do saber, os quais impactam diretamente no modo de se
conceber ciência e, conseqüentemente, trazem novos atributos para as relações
produtivas e sociais (AZEVEDO; BARBOSA; SILVA, 2009).
1 Mestre em Geografia pela UFGD (2008). Membro do Grupo de Pesquisa: CEGeT (UNESP); Lugar,
Território e Política (UFU) e Laboratório de Ensino de Geografia (LEGEO-UFU). Editor da Revista
Cosmos. Professor Titular da SEE/SP.
2 Professor do Instituto de Geografia da Universidade Federal de Uberlândia – Campus Sta. Mônica;
Membro do Grupo de Pesquisa Lugar, Território e Política (UFU) e do Laboratório de Ensino de Geografia
(LEGEO-UFU). Editor da Revista Cosmos.
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Vislumbra-se a terceira revolução industrial e consigo mudam as formas de
regulação espacial do trabalho, o período técnico e a forma de regulação do espaço
que, segundo Moreira (2000), corresponde à regulação toyotista, que se centra na
esfera da circulação e em suas formas correspondentes de trabalho.
No âmbito do trabalho científico, conforme ressalta Monteiro (1988), denota-
se a “travessia da crise” ao passo em que as transformações em curso se relacionam e
interagem com as ciências e as técnicas, refletindo na produção intelectual, a qual está
comprometida com novos valores postos em questão.
A organização geográfica da sociedade se modifica em virtude dos
acontecimentos políticos (estratégicos), econômicos, sociais e culturais que apontam
para “outra” ordem mundial calcada numa nova hegemonia internacional do capital3.
Ocorre a divisão do mundo entre as superpotências – EUA e URSS – e se acelera a
corrida para o controle do espaço.
Neste contexto, conforme destaca Andrade (1977) “[...] a expansão do
sistema capitalista e a necessidade da implantação do seu modo de produção na maior
extensão possível do Terceiro Mundo teria que ser feita com todas as armas e com
todos os recursos disponíveis”. Eis que a Geografia busca o seu lugar ao sol.
No Brasil, passávamos por profundas transformações no âmbito político e
econômico que culminariam no golpe militar de 1964 e com a imposição da ditadura
militar.
Paralelamente, como forma tático-estratégica, desenvolve-se a política do
“milagre econômico”, o qual, em sua aparência imediata, demonstrara um período de
grandes conquistas para o país via crescimento econômico, sem, contudo, evidenciar
os esforços para isto, ou seja, a dívida enorme junto aos órgãos de fomento e a
subordinação junto aos mesmos.
Do ponto de vista do domínio e do controle do espaço, evidencia-se o
enrijecimento de novas bandeiras que marcam as necessidades de garantir a
reprodução das relações de produção4 e, paralelamente, busca-se contemplar todos os
3 Conforme destaca Moreira (2000), o estabelecimento da hegemonia rentista é o conteúdo da mudança.
4 Para mais detalhes, consultar Lefebvre (1973).
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setores da vida social cujas feições têm implicações nas posturas ideológicas e
partidárias em erupção. Esta vinculação expressa, conseqüentemente, na produção da
ciência, que, por sua vez, deve empregar novos elementos para explicar a realidade
total.
No entanto, era preciso mascarar a realidade para se garantir a hegemonia.
Daí a promoção do conhecimento fragmentado da realidade e com vistas à resolução
imediata de problemas de ordem governamental, sobretudo, da gestão do Estado
capitalista.
Assim, essa nova forma de se conceber a Geografia, estrutura-se, sem,
contudo, romper com as características da Geografia Tradicional, privilegiando o
positivismo lógico (neste caso, o neopositivismo popperiano) e partilhando de seus
fundamentos teóricos e filosóficos.
O surgimento de novas perspectivas de abordagens configura-se, em um
primeiro momento, nas ciências físicas e biológicas e, posteriormente, nas ciências
sociais; sendo que, no caso específico da Geografia, vão se apresentar mais
precisamente entre fins da década de 1940 a meados de 1970.
Segundo Faissol (1978, p. 3),
A geografia coloca-se, assim, numa fase de transição entre um
paradigma clássico-tradicional e outro que se vai delineando como
resultado dos conflitos metodológicos e filosóficos que sempre surgem
em todas as ciências, quando se começa a sentir uma generalização da
insatisfação com os resultados das pesquisas.
Conforme Burton (1977, p. 64) “[...] o movimento que levou a revolução à
geografia começou pelos físicos e matemáticos e expandiu-se até transformar primeiro
as ciências físicas e depois as biológicas”.
De acordo com Christofoletti (1976) a transformação que caracteriza a fase
contemporânea da Ciência Geográfica está sendo chamada de Nova Geografia5.
Vejamos algumas características fundamentais:
a) emprego de linguagem matemática;
5 Christofoletti (1985), afirma que a denominação de Nova Geografia foi inicialmente proposta por Manley
(1966).
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b) desenvolvimento de aporte técnico e de metodologias derivadas das
ciências exatas;
c) larga utilização de tecnologias computacionais;
d) neutralidade científica e imparcialidade do pesquisador frente ao seu
objeto;
e) predomínio da abordagem espacial.
Conforme destacam Galvão e Faissol (1970, p. 6):
[...] é necessário, entretanto, acrescentar uma noção importante ligada
ao fato de que esta revolução quantitativa não significa usar dados
quantitativos em oposição a dados não quantitativos, para descrever,
analisar e interpretar os fenômenos geográficos de uma determinada
área.
Assim, para os referidos autores é fundamental compreender que, no
desenvolvimento da Nova Geografia, os métodos quantitativos representam uma nova
e importante arma para a análise dos fenômenos geográficos com vistas à análise de
alguns conceitos teóricos passíveis de questionamento.
Desta forma, segundo Galvão e Faissol (1970, p. 07) “[...] as concepções
atuais não são mais excepcionistas e sim procuram enquadrar os fenômenos
geográficos num contexto geral, formando o que se costuma denominar de disciplinas
nomotéticas, isto é, aquelas que procuram identificar as leis gerais segundo as quais os
fenômenos ocorrem”.
Trata-se de uma nova forma de garantir e precisar o estatuto científico da
Geografia, fugindo, portanto, do dilema referente à indefinição do objeto da Geografia e
de suas dicotomias estruturais. Daí que, de acordo com Gonçalves (1982, p. 93): “[...]
esta busca de cientificidade é, até certo ponto, um esforço de legitimação do intelectual
perante a sociedade como um todo”.
Para Burton (1977), a “revolução” foi inspirada por uma necessidade de
tornar a Geografia mais científica e por uma preocupação em desenvolver um corpo de
teoria.
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Contudo, será mesmo uma revolução o que aconteceu na Geografia? Ou,
como diria Moreira (1982), mais uma máscara social comprometida com os interesses
capitalistas?
Segundo o Dicionário Básico de Filosofia, de Japiassú e Marcondes (1993),
o termo revolução é empregado para designar uma mudança radical, ou o surgimento
de um fato novo, ou uma nova forma de agir que altera a situação anterior. Eis uma
questão para se pensar?
Na opinião de Galvão e Faissol (1970), a Nova Geografia deve ser entendida
em duas etapas, quais sejam:
a) a da necessidade que se vinha sentido de ultrapassar a fase monográfica;
b) a adoção de métodos matemáticos de análise que permitissem resultados
objetivos e precisos.
Para estes autores, integrando-se com outras disciplinas que têm
preocupações com parte do processo espacial ou fenômenos socioeconômicos, é
possível avançar rumo à compreensão dos problemas das sociedades modernas.
A Geografia Teorética ou Geografia Quantitativa, como se convencionou
erroneamente chamar, tem sua raiz na Europa, especificamente na Alemanha, Suécia e
Finlândia; contudo, seu desenvolvimento e divulgação processaram-se, sobretudo, nos
Estados Unidos. A partir destes países se disseminou pelos demais continentes,
propiciando a vinculação de adeptos de diversas matizes metodológicos.
No Brasil, representando a Geografia Quantitativa, duas referências básicas
se destacam, a saber: o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e a
Associação de Geografia Teorética e Quantitativa (AGETEO).
Segundo Reis Jr. (2004), o Departamento de Geografia do IBGE funcionou
como um centro de difusão de metodologias, contribuindo, para tanto, os seus dois
vínculos de informação: a Revista Brasileira de Geografia e o Boletim Geográfico. De
outro lado, para o mesmo autor, destaca-se o Departamento de Geografia da
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Rio Claro (SP), na qual foi criada o Boletim
de Geografia Teorética em 1971 e a Revista Geografia, em 1976.
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No plano internacional, Christofoletti (1985) destaca a contribuição de Fred
Schaefer (1953) em Exceptionalism in Geography: a Methodological Examination, que
marca a tomada de consciência dessas tendências renovadoras na Geografia.
Para Christofoletti (1985), três obras foram circunstanciais para apresentar os
principais conceitos adquiridos, bem como molas propulsoras para o debate da Nova
Geografia. São elas:
1) Theoretical Geography, de William Bunge, publicada em 1962 e reeditada
e ampliada em 1966;
2) Locational Analysis in Human Geography, de Peter Haggett, escrita em
1965;
3) Frontiers in Geographical Teaching, sob coordenação de Richard J.
Chorley e Peter Haggett e que foi publicada em 1965.
Todavia, são muitos os livros e periódicos que se encarregaram de divulgar e
promover o ideário da Nova Geografia. Aliás, é com este objetivo específico que são
fundados inúmeros centros de intercâmbio de ideias, cujo principal objetivo era fazer a
difusão desta “novidade”.
No Brasil, vários foram os intelectuais que tomaram para si esta árdua tarefa,
entre os quais se destacam: Antonio Christofoletti, Antônio Olivio Ceron, Esperidião
Faissol, Lívia de Oliveira, Lucia Helena de Oliveira Gerardi6, José Alexandre Filizola
Diniz, entre outros profissionais ligados principalmente à Rio Claro e ao Rio de Janeiro.
Na Nova Geografia a análise visa fornecer elementos para a formulação de
teorias que, por sua vez, permitirão estabelecer modelos. Nesta perspectiva teórica,
destaca-se a unidade da Ciência Geográfica quanto ao objeto e ao método
(CHRISTOFOLETTI, 1971).
Assiste-se, pois, a uma renovação metodológica. Desta feita, segundo
Burton (1977, p. 68), “[...] os geógrafos começaram a procurar técnicas quantitativas
6 Gerardi e Silva (1981) publicaram livro de destaque sobre o tema, intitulado: Quantificação em
Geografia, que se configura como um verdadeiro manual para os interessados em se adequar a esta
“Nova Geografia”.
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que pudessem ser aplicadas aos seus problemas”. Para o mesmo autor, o impacto da
quantificação começou a ser sentido na geografia quase imediatamente.
Para Reis Jr. (2004), podemos dizer que com a nova geografia ganhou-se
mais produtividade e estímulo à criação, embora o trabalho tenha tornado-se mais
complexo e repleto de riscos.
Na verdade, de acordo com o mesmo autor ocorreram simplificações, as
quais deturparam o entendimento da quantificação em Geografia. Como exemplo,
podemos salientar a visão de que a revolução teórica e quantitativa era um repúdio ao
dado sensorial, à percepção intuitiva etc.
No plano do ensino de Geografia nas escolas, evidencia-se a valorização
dos aspectos físico-naturais, com destaque para o discurso eminentemente positivista
que busca a todo custo não perceber ou camuflar as lutas de classes no seio da
sociedade. Os professores encurralados em seus guetos não exitam em ler a cartilha e
pregar o conteúdo pelo conteúdo, o qual é avesso à reflexão mais profunda.
Conforme salienta Vesentini (1984, p. 33):
Como (quase) todos de nós já o sabemos, a função do ensino da
geografia, nesse contexto, é a de difundir uma ideologia da “Pátria”, do
“Estado -Nação”, tornar essa construção histórica como “natural”, dar
ênfase não à sociedade (aliás, esta deve sempre ser vista como
“comunidade”, e os “problemas normais” que surgirem “serão
inevitavelmente resolvidos pelo Estado”, com as “leis” ou com os
“planejamentos”) e sim à terra.
Podemos aprofundar este debate ao posicionarmos frente ao entendimento
desta forma de geografar na medida em que se põe em debate o paradigma.
De fato, para alguns autores, como Christofoletti (1985), a Geografia
Quantitativa figurou-se como um paradigma; por outro lado, há autores, tal qual Milton
Santos (1978), que destacam que a Geografia Quantitativa não é um paradigma,
configurando-se como uma corrente específica limitada; afinal, para Santos (1978),
para ser paradigma é necessário romper com o velho e propor o novo.
A este respeito, Faissol (1978, p. 6) enfatiza que:
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[...] este novo paradigma torna a Geografia cada vez mais e cada vez
menos individualizada. Cada vez mais porque, talvez, tenha encontrado
o verdadeiro lugar que esta disciplina ocupa no contexto científico [...].
Cada vez menos individualizada porque, afinal, a complexidade da
organização da sociedade humana sobre a terra vai se tornando de tal
modo crescente que se torna necessário o uso de todos os segmentos
do conhecimento desta sociedade, em conjunto, para melhorar seu
entendimento.
É importante considerarmos neste momento a crítica à Geografia
Quantitativa, pois esta representou um marco na evolução do pensamento geográfico
brasileiro ao passo em que colocou em cena a necessidade de reação teórica por parte
dos geógrafos, permitindo que ocorresse uma quebra paradigmática na forma de
pensar a ciência, baseada no método do materialismo histórico e dialético, que
conduziu, mais tarde, ao desenvolvimento da Geografia Crítica.
Gonçalves (1982) chama atenção para a necessidade de repensar a
natureza da crise da Geografia, bem como sobre os novos horizontes teórico-
metodológicos que apresentam-se no cenário intelectual, que, a seu ver, deve ser
compreendido como uma dinâmica específica que sofre influência do próprio contexto
histórico que constitui. Neste sentido, o autor coloca:
[...] se não percebermos a natureza da crise que ora atravessamos,
produziremos uma nova visão que correrá o risco de exercer uma nova
hegemonia não pelos problemas que efetivamente coloca, mas porque
simplesmente será nova e produzirá novos modismos e novos papas
muito bem instalados nos altares das academias e instituições oficiais
(GONÇALVES, 1982, p. 96).
Por sua vez, Corrêa (1982) apresenta-nos uma série de críticas à produção
desta Nova Geografia. vejamos:
– “Coisificação” das formas espaciais criadas pelo homem;
– Neutralidade;
– Quantificação que pretensamente forneceria objetividade e cientificidade;
– Excessiva preocupação com semelhanças e regularidades em detrimento
de diferenciações;
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– Visão idealista da sociedade;
– Paradigma do consenso;
– Domínio da descrição;
– Visão fragmentada da realidade;
– Reduzido interesse nos estudos das relações homem-natureza.
Por outro lado, faz-se necessário destacarmos o papel vinculado à Geografia
Quantitativa no que diz respeito ao direcionamento rumo ao planejamento e à ideologia,
uma vez que, segundo Moreira (1982), tem-se subordinado o espaço geográfico aos
interesses do capital.
Segundo Andrade (1977), os geógrafos quantitativistas, como novos
iconoclastas, passaram a renegar todo o conhecimento geográfico anterior e a formular
novos métodos, esquecendo-se que a aplicação destes poderiam ser realizados sobre
fatos qualitativos que resultaram de um processo, por exemplo. Além disto, esqueciam
ainda que, ao usar a matemática e a estatística sem muitas vezes dominá-las
suficientemente, cometeram-se não poucos equívocos.
Todavia, é preciso chamar a atenção para outro aspecto levantado por
Andrade (1977), e que merece destaque quando refletimos sobre a Geografia
Quantitativa, ou seja, sua introdução no Brasil proporcionou contribuição especial no
sentido de “[...] ter lançado com grande veemência um movimento contestatório,
provocou a intensificação dos estudos geográficos e chamou os nossos geógrafos a
uma reflexão maior sobre a teoria geográfica” (ANDRADE, 1977, p.16).
Afinal, é importante que o geógrafo intervenha no espaço e não apenas
conheça o espaço7. Neste sentido, a prática e a teoria devem caminhar juntas para se
promover uma geografia libertadora que seja norteada por desafios e vise combater as
desigualdades e mazelas presentes no espaço.
Fica evidente que se nos ativer somente a pensar o espaço e ficar inertes à
propostas e ações não avançaremos nas questões de cunho político e filosófico, afinal
7 Esta questão esta sendo pensada e estruturada por nós desde 2003, através inicialmente da criação da
Revista Cosmos ISSN: 1679-0650, assim como mediante a escrita de textos em geral.
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geográfico. Será um esforço inútil e pouco contribuirá para a sociedade e o homem em
sua interação fundamental.
O espaço sob a ótica quantitativista
O conceito de espaço é de fundamental importância para a geografia e o seu
significado é dinâmico.
O espaço, no decorrer dos tempos, teve significados diferentes, sendo que,
embora seja um conceito-chave da geografia8, foi valorizado e compreendido ora com
maior ou menor destaque no cenário desta ciência, uma vez que, conforme ocorre a
transformação da paisagem, também muda-se o foco de análise e os elementos que
estruturam o pensar dominante.
Desta forma, se na Geografia Tradicional9 era relevante, enquanto conceitos
analíticos a esta ciência, principalmente, a paisagem e a região, posteriormente, estes
deixam de o ser, despontando, pois, outras formas talvez mais representativas da
realidade atual, as quais são baseadas em formulações filosóficas novas e,
principalmente, amparadas nas transformações em curso no limiar do século XXI.
Conforme destaca Oliveira (1972), durante a hegemonia da Geografia
Quantitativa a compreensão do conceito caracterizou-se pela incorporação da idéia do
espaço relativo em detrimento do espaço absoluto da visão hartshorniana que, por sua
vez, entendia-o como um conjunto de pontos que têm existência em si.
Para Corrêa (2003, p.21) “[...] o espaço relativo é entendido a partir das
relações entre os objetos, relações estas que implicam em custos para se vencer a
fricção imposta pela distância”.
Eis o porquê de Corrêa (2003) dizer tratar-se de uma visão limitada de
espaço, dado que se por um lado privilegia em demasia a distância, por outro, as
contradições, as transformações e os agentes e suas práticas sociais ficam
marginalizados, não merecendo uma análise acurada.
8 Cf. Corrêa (2003).
9 Entenda-se como a que vigorou entre 1870 e 1950, aproximadamente.
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De outro modo, para Christofoletti (1983, p. 08):
[...] o envolvimento das análises geográficas relacionadas com a
denominada Nova Geografia criou condições para ampliar o estudo das
formas e dos processos espaciais, através de muitas técnicas
quantitativas para descrever e caracterizar os tipos e os padrões das
distribuições espaciais.
Neste sentido, na Geografia Quantitativa, privilegia-se uma concepção do
espaço multidimensional, e que, portanto, busca contribuições da geometria, das
técnicas cartográficas, recorrendo ao emprego de modelos10, para efetuar investigações
e compreender seu objeto de pesquisa. As suas análises demonstram preocupações
com as relações espaço-tempo, espaço-custo, espaço-comportamento, etc.
Conforme destaca Santos (1978), o maior pecado da Geografia Quantitativa
é que a mesma desconhece a existência do tempo, de maneira a trabalhar com
estágios sucessivos da evolução espacial sem, no entanto, conseguir compreender o
que se encontra entre um estágio e outro.
Para Oliveira (1972, p. 18) “[...] as pesquisas geográficas vêm se orientando
na procura de métodos e técnicas para mensurar quantitativa e qualitativamente as
relações espaciais, no sentido de obter maior precisão e melhor aproveitamento dos
dados coletados”.
O entendimento do conceito de espaço é circunstancial para pensar o
território e sua conseqüente gestão territorial. Decorre disto que, ao buscarmos
entender o espaço apenas pelo viés geométrico, teremos, inevitavelmente, dificuldade
de acompanhar as transformações em curso.
Vejamos um exemplo.
Ao analisar a agricultura, mais precisamente, a dinâmica da agroindústria
canavieira, podemos, de antemão, por meio da análise dos dados, verificar com
entusiasmo o seu potencial produtivo e econômico para a economia brasileira. Pois
veremos que atualmente a cana de açúcar territorializa-se em cerca de 9 milhões de
hectares no Brasil, onde emprega centenas de trabalhadores nas mais diversas etapas
10 Para compreender melhor os modelos na Geografia Quantitativa, ver Christofoletti (1976).
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produtivas desenvolvidas no campo e na planta fabril, gerando grande volume de
renda, oriunda de impostos para os municípios que sediam as agroindústrias
canavieiras. Enfim, notar-se-à que a agroindústria canavieira é um dos principais
suportes do agronegócio.
No entanto, é preciso que não nos amparemos apenas nos números no
momento em que realizamos uma leitura do espaço total, pois, estes mascaram a
realidade quando são utilizados sem critérios sérios e, mais do que isso, visto dentro de
uma perspectiva histórica e da gênese dos processos sociais.
Esse é o caso do exemplo apresentado, uma vez que, ao considerar-se
quantitativamente os dados do setor canavieiro, oculta-se a existência da exploração do
trabalho, de onde é extraída a mais valia do trabalhador, e que são constantes o
desrespeito em relação às relações de trabalho empreendidas.
Do mesmo modo, sonega-se o fato de que na ânsia de obter uma balança
comercial positiva (superávit), o Estado deixa de investir em culturas alimentícias, o que
rebate diretamente no binômio soberania alimentar/segurança alimentar e,
consequentemente, em políticas públicas eficazes e abrangentes para as classes
trabalhadoras do campo e da cidade.
Por outro lado, exalta-se o agronegócio, sendo os seus resultados motivo de
orgulho para brasileiros(as) que não raras vezes esquecem dos impactos
socioambientais que eventos como estes acarretam em seu cotidiano.
Segundo observação de Santos (1978, p. 53) “[...] o espaço que a geografia
matemática pretende produzir não é o espaço das sociedades em movimento e sim a
fotografia de alguns de seus momentos”.
Verifica-se, desta maneira, que o papel do espaço na Geografia Quantitativa
é negligenciado para a efetivação “segura” de um planejamento comprometido com o
status quo.
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Para não concluir... Algumas palavras
Procuramos neste texto trazer para o debate alguns aspectos que julgamos
relevantes para entendermos a importância da Geografia Quantitativa e sua influência
na produção científica atual.
Neste sentido, chamamos atenção para a necessária revisão e reflexão
acerca das correntes do pensamento geográfico, tendo em vista o fato de os
acontecimentos pautarem-se no movimento dinâmico da realidade, a qual tem que ser
percebida em suas contradições e especificidades inerentes.
Conquanto, é preciso avançar nas discussões sobre o método na Geografia
e também sobre a relação entre a prática e a teoria nesta ciência para que, com isso,
as coisas mudem, sem permanecer a mesma coisa11.
Simplesmente não é mais possível pensarmos em transformações sem
“fazê-las acontecer” em nosso dia-a-dia, enquanto professores ativos – ou ativistas? –,
principalmente quando estamos cientes que vivemos em uma sociedade desigual e
comprometida com a ideologia e a engrenagem do capital.
Firmamos, pois, a necessidade e o compromisso de irmos além de uma
Geografia Quantitativa, sem, paradoxalmente, pretendermos desprezar o que de melhor
nos legou tal contribuição. Afinal, não é apagando o velho que chegaremos a um
momento melhor.
Viva o velho e o novo e que as conquistas culturais e políticas, sejam o ponta
pé inicial para o avanço científico!
Referências
ANDRADE, M. C. O pensamento geográfico e a realidade brasileira. Boletim Paulista
de Geografia, São Paulo, n. 54, 1977.
AZEVEDO, J. R. N. Expansão da agroindústria canavieira no Mato Grosso do Sul:
relação Capital X Trabalho e reconfiguração espacial. Dourados, MS: UFGD, 2008.
11Alusão ao texto de Milton Santos (1982), publicado no Boletim Paulista de Geografia.
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AZEVEDO, J. R. N; BARBOSA, T. Contra o revisionismo e sua vulgaridade: por uma
Geografia Livre. Ciência Geográfica, Bauru, n. 2, v.xiii, 2008. p. 38-43.
AZEVEDO, J. R. N; BARBOSA, T. SILVA; E. Coimbra. Epistemologia Geográfica.
São Miguel Arcanjo/SP: 2009 (mimeo).
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