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Serviço Social e Dona Ivone Lara: o lado negro e laico da nossa história profissional

Authors:

Abstract

This article is an exploratory study of fruit completed the doctoral thesis we present part of the result on the history of Rio de Janeiro's social service pioneer that highlight one of the first black social workers from Brazil, Dona Ivone Lara.
476 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 127, p. 476-495, set./dez. 2016
Serviço Social e Dona Ivone Lara:
o lado negro e laico da nossa história prossional*
Social work and Ms. Ivone Lara: the black and
secular side of our professional history
Graziela Scheffer
Professora da Faculdade de Serviço Social (UERJ), mestre e doutora em Política Social e
Serviço Social (UFRJ), especialista em Saúde Mental Integrada e Coletiva (ESP-RS),
pesquisadora do Ceoi (UERJ), do Neps (UERJ) e do Projeto Transversões (UFRJ).
graziela.uerj@gmail.com
Resumo: O artigo é fruto de estudo exploratório
concluído na tese de doutorado, na qual apresen-
tamos parte do resultado sobre a história das
pioneiras cariocas do Serviço Social, onde desta-
camos uma das primeiras assistentes sociais negras
do Brasil, Dona Ivone Lara.
Palavras-chave: Serviço Social. Dona Ivone Lara.
História prossional.
Abstract: This article is an exploratory study
of fruit completed the doctoral thesis we present
part of the result on the history of Rio de Janeiro’s
social service pioneer that highlight one of the
first black social workers from Brazil, Dona
Ivone Lara.
Keywords: Social Work. Dona Ivone Lara. Profes-
sional history.
Introdução
Estudar Dona Ivone Lara enquanto assistente social negra da primeira gera-
ção vai para além dos muros internos da prossão: “[...] uma das primeiras
assistentes sociais do país; ou ainda, uma das primeiras mulheres negras a
adquirirem educação no nível de terceiro grau” (Santos, 2005, p. 27). Além disso,
“ela é uma das poucas representantes vivas de uma manifestação cultural popular
brasileira — o samba — que moldou e continua dando formas ao que se quer en-
* Agradeço ao meu orientador-cúmplice Eduardo Vasconcelos, ao exemplo histórico de resistência de
Dona Ivone Lara e à amizade de Rose Pedreira, pela iniciação nas rodas de samba do Rio de Janeiro.
http://dx.doi.org/10.1590/0101-6628.081
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tender como sendo a debatida identidade nacional” (Idem). “Dona Ivone se meta-
morfoseia em dona de casa, assistente social, mãe e na personagem que mais exige
empenho: a de artista” (Burns, 2009, p. 21). Em 1965 entrou para história da mú-
sica brasileira como a primeira mulher assinando a composição do enredo de esco-
la de samba. Para entendermos a trajetória da pioneira negra, buscamos identicar
as raízes da laicização das prossões consideradas de “mulheres”, situando, nesse
debate, as lutas feministas inauguradas no período de 1889 a 1930. Também apre-
sentamos a criação do Serviço Social e as percepções da primeira geração de assis-
tentes sociais acerca do movimento feminista de sua época.
1. Uma reexão sobre as protoformas laicas do Serviço Social
No Brasil a partir de 1889, com a implantação do sistema republicano, houve
separação entre a Igreja Católica e o Estado, impulsionando um processo de laici-
zação do estatal alicerçado no capitalismo e na urbanização nascente. Esse proces-
so acarretou perdas de poder da Igreja e mudanças signicativas nas relações sociais,
econômicas e culturais. Também nesse período aparecem as primeiras organizações
da classe trabalhadora e das lutas feministas pelo direito ao voto.
O processo de laicização veio acompanhado por estruturas de cienticidade
racional na república brasileira na trilogia educar, cuidar e assistir, que, ao longo
do tempo, estava na mão da Igreja Católica e foi se transformando ideologicamente
em atributo naturalmente feminino ligado aos campos da saúde, da educação e do
direito. Conforme ilustra armação abaixo:
[...] que muitos clérigos se tornaram psicanalistas, psicólogos, assistentes sociais etc.,
e exercem novas formas de curas das almas com um estatuto de leigos e sob forma
laicizada; assiste-se então a uma redenição dos limites do campo religioso, à disso-
lução do religioso em um campo mais amplo, que se acompanha de uma perda de
monopólio da cura das almas no sentido antigo, pelo menos ao nível da clientela
burguesa. (Bourdieu, 2002, p. 122)
As mulheres que trabalhavam fora, se não fossem professoras, enfermeiras
ou assistentes sociais, eram consideradas prostitutas em potencial (Chaui, 2012,
p. 93). Tornou-se socialmente “tolerável” a mulher se dedicar prossionalmente a
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três campos: educação — professora, saúde — enfermeira e serviços sociais —
assistente social, sendo que essas fronteiras prossionais muitas vezes apresentavam-
-se intimamente interligadas ou até mesmo diluídas. Esse fato não excluiu os
conitos e disputas entre Igreja, Estado e sociedade civil. Almeida (2006) destaca
que o tempo pós-republicano foi irradiado por valores da igualdade de oportunida-
des, abrindo espaço para o magistério primário, que se tornou um dos principais
caminhos de instrução e formação das moças. Esse processo de feminização do
trabalho na educação é oriundo da expansão das escolas normais para moças, que
conseguiu avançar, apesar da oposição inicial dos segmentos masculinos mais
conservadores. Os conservadores eugenistas discordavam que as mulheres estives-
sem aptas ao exercício do magistério, alegando que eram portadoras de cérebro
pouco desenvolvido pelo seu desuso e tinham uma “psicologia” semelhante à de
uma criança, sendo todas despreparadas. Em contraponto a esses argumentos, os
grupos favoráveis, como higienistas, apontavam as qualidades inatas das mulheres
no sentido da entrega, da doação e do amor. Entretanto, o discurso da pureza femi-
nina e das qualidades morais da mulher acabava também reforçando o mito da
inferioridade biológica (Almeida, 2006).
A mulher, para o magistério, foi a expansão da lei de obrigatoriedade da es-
colaridade. Dessa forma, “a necessidade de mestras para cuidarem das classes fe-
mininas possibilitou a abertura de lugar na educação escolarizada para as mulheres”
(idem, p. 64). Do ponto de vista da autora, a feminização da prossão de educado-
ra está vinculada aos padrões patriarcais e econômicos que vinham se reestruturan-
do em nais do século XIX e nas primeiras décadas do XX.
A mulher-mãe ou professora — deveria atender aos interesses da sociedade e da nação,
por meio da retransmissão dos conhecimentos passados. Deseja-se que a mulher re-
presentasse o papel de rainha do lar e anjo da tutelar da família. [...] Nesse sentido,
era reservado a ela o papel de educadora, pois, nessa condição, podaria orientar seus
alunos como fossem seus lhos. (Silva et al., 2006, p. 94)
Outro campo sócio-ocupacional que se ampliava para a inserção da mulher é
o da saúde, vinculado ao exercício da enfermagem. Assim sendo, cabia à mulher
educar e também cuidar da saúde do povo. A criação e o desenvolvimento da enfer-
magem destacava-se nos períodos da Primeira e Segunda Guerra Mundial, que teve
ampla inserção de mulheres no trabalho de enfermagem. As enfermeiras, a partir da
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participação militar nos dois conitos mundiais, estiveram no centro do imaginário
que deniu um novo lugar para a mulher na cultura e na sociedade do século XX na
Europa e nos Estados Unidos. Logo, a enfermeira tornou a personagem feminina
mais louvada da guerra. Os trabalhos da enfermagem estiverem pautados nos atri-
butos de abnegação angelical e maternal. A imagem da enfermeira estava ligada ao
ato piedoso de consolo na cabeceira dos doentes e substituíram as religiosas que
tradicionalmente cuidavam dos enfermos. Essa imagem divinizada e racional foi
constantemente reforçada pela Cruz Vermelha (Cytrynowicz, 2000). No processo
de laicização houve uma ruptura da religiosa enfermeira “empírica, a serviço de
Deus” para mulher-cidadã cuidadosa da civilização, munida de aparato técnico.
A utilização da enfermagem e das enfermeiras — como prossão-modelo para prepa-
rar mulheres para servir à sociedade e ao Estado — teve apelo junto às classes médias.
A prossão de enfermeira constituía um importante canal de armação social e pro-
ssional de mulheres dos estratos médios da população, a partir do nal dos anos 1920
e especialmente nas décadas de 1930 e 1940. A carreira de enfermeira, junto à de
professora primária, era uma das opções possíveis, desde o século passado, para mo-
ças destes estratos sociais. (Cytrynowicz, 2000, p. 3)
A imagem piedosa da enfermeira vinha carregada pela subalternidade da
dominação masculina na conservação da estrutura de classes e gêneros. Outro as-
pecto importante da prossionalização da mulher foi a sua inserção na medicina,
em relação às diculdades de entrar no universo médico de dominação masculina.
“É preciso lembrar também que as relações de poder que se estabelecem no campo
médico estão vinculadas às outras dimensões que estruturam a realidade social; ou
seja, a classe, o gênero e as etnias” (Rago, 2000, p. 224). As mulheres que buscavam
a prossão médica tiveram que enfrentar os obstáculos do determinismo eugênico
da inferioridade biológica feminina, que as considerava incapazes.
Sobre a prossionalização da mulher brasileira, temos que perceber as cha-
madas “concessões”; foram resultados também de atendimentos e reivindicações
femininas (Franco, 2006). “A história das mulheres não é uma linearidade progres-
siva, tem ir — e vir —, e suas lutas e resistências também não podem ser vistas
apartadas das tramas de poder” (idem, p. 17). No artigo do anarquista da época,
Fábio Luz, podemos identicar as formas de resistência das mulheres ao que cha-
mava de “destino” da mulher de ser mãe e esposa:
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As únicas que em maior número se vão libertando desse jugo, ou dispensando o
auxílio do homem e fugindo aos deveres humanos propagadores da espécie, conser-
vando o celibatário, ou repelindo os companheiros que lhe não satisfazem as aspira-
ções [...] são as professoras primárias, funcionárias públicas. (Luz, apud Carone,
1984, p. 467-468)
Nessa citação observamos as mulheres que tinham vínculos empregatícios
estáveis (professoras e funcionárias públicas) e que conseguiam se “libertar” do
“destino do casamento-cativeiro”. No entanto, parece-nos que o preço dessa liber-
dade na sociedade era abrir mão de suas “práticas sexuais” (ou viver delas para sua
sobrevivência material). O magistério passou a ser visto como sacerdócio, e não
mais como prossão (Franco, 2006). Sobre a questão do celibato e o trabalho da
mulher, verica-se que “todas as prossões deveriam ser exercidas com autorização
do marido, como previsto no Código Civil, criando uma distinção entre as mulhe-
res celibatárias, um pouco mais autônomas e aquelas que haviam contraído casa-
mento” (Gonçalves, 2006, p. 35).
No período de 1917 a 1920 ocorreu uma intensa luta dos trabalhadores na
defesa do poder aquisitivo dos salários, regulação da duração da jornada de traba-
lho das mulheres e menores de idade, bem como com relação ao direito às férias,
seguro contra acidente e doença, proibição do trabalho infantil e reconhecimento
das entidades e suas lideranças. Em 1919 foi implantada uma medida ampla de
legislação social, responsabilizando as empresas pelos acidentes de trabalho. Con-
tudo, não gerou grande impacto na vida dos trabalhadores. No ano de 1925 foi
criado o Conselho Nacional de trabalho e, em 1926, a legislação do trabalho passa
a ser “administrada” pelo Congresso Nacional, sendo a regulação do mercado de
trabalho feita pelo Estado. No mesmo ano são aprovadas as leis de proteção ao
trabalho (férias, acidente de trabalho, código de menores, trabalho feminino, segu-
ro-doença etc.) (Iamamoto e Carvalho, 2004).
A feminista sufragista Bertha Lutz defendia, além do direto político do voto,
a prossionalização e o acesso à educação. Em 1924 foi aprovado o ensino domés-
tico agrícola pautado nas reivindicações apresentadas (Lôbo, 2010).
Para Rago (1985), a prioridade do acesso aos direitos relacionados ao sexo
feminino estava ancorada na visão da mulher como ser frágil e naturalmente ligada
à vocação de ser mãe. Isso sustentou práticas que buscaram o redimensionamento
da mulher trabalhadora de volta ao lar. Para a autora, tanto a legislação trabalhista
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quanto no discurso operário da época projetavam uma imagem da mulher sob viés
romântico das classes dominantes, fundamentadas pelo saber médico, que concebia
a mulher como encarnação das emoções e sentimentos.
Há uma “sutil” observação sobre a distinção acerca da constituição da ci-
dadania entre homens e mulheres no Brasil. Os primeiros passos do reconheci-
mento da cidadania das mulheres foram direitos sociais vinculados à educação
e à saúde-trabalho, ao passo que os homens já tinham seus direitos civis e polí-
ticos “garantidos”. Recordamos que os direitos civis das mulheres eram limita-
dos, pois cavam sob tutela do pai e depois do marido; elas não tinham autono-
mia em suas escolhas.
Um importante aspecto da participação das mulheres na arena política brasi-
leira foi durante a Guerra Civil de 1932 e na Campanha Constituinte, que contribuiu
para criar uma visão simbólica da mulher paulista a partir das suas mobilizações
do período, vejamos:
Mulheres escreviam e assinavam petições, faziam pronunciamentos na rádio, coleta-
vam roupas e verbas para as tropas, trabalhavam na confecção de roupas e agasalhos,
em fábricas e cozinhas de emergência destinadas aos soldados em trânsito, dirigiam
hospitais e agências para cuidar de lares em que os chefes de família tinham sido
mobilizados para a guerra, cuidavam dos feridos e ofereciam apoio moral às tropas
paulistas de inúmeras maneiras. (Weinstein, 2004, p. 74)
Para Rago (1985, p. 67), um dos principais problemas em analisar a partici-
pação da mulher operária é a falta de registro por parte delas, pois os que existem
foram feitos ótica da militância masculina, “sendo que o discurso operário mascu-
lino fala de e para a mulher trabalhadora, denido simbolicamente como sexo
frágil, física e moralmente”.
Soihet, em seu estudo sobre as mulheres das classes subalternas do Rio de
Janeiro no período de 1890 a 1920, destaca a ativa participação da mulher no mundo
do trabalho, por uma questão sobrevivência. O perl feminino das classes subalter-
nas era: mulheres pobres livres, escravas e forras sozinhas, chefes de família que
viviam precariamente do trabalho temporário, como o artesanato e o comércio
ambulante. Pela divisão sexual do trabalho, na maioria das vezes, eram obrigadas a
realizar suas atividades na casa em cômodos pequenos. Devido ao adensamento
habitacional nas regiões próximas do centro. Nesse sentido, o espaço doméstico era
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também o de trabalho. Além de exercerem suas funções cotidianas, tão pouco reco-
nhecidas socialmente,de reprodução da força de trabalho, ainda produziam para o
mercado nesse mesmo espaço, exercendo função doméstica de lavadeira, engoma-
deira, doceira; algumas eram cartomantes e muitas prostitutas(Soihet, 1989, p. 9).
De modo que a falta de infraestrutura que possibilitasse desonerar a mulher de suas
atividades domésticas condenou-a a uma dupla jornada acrescida de discriminação
salarial. A autora também coloca que a falta de comida, as doenças e a diculdade
de trabalho levavam muitas delas a ocupar espaços “condenados” — as cartomantes,
bicheiras, prostitutas, sem falar naquelas que passaram a vagar pelas ruas do Rio de
Janeiro sem qualquer possibilidade de ocupação, chamadas de vagabundas e vadias
pelas autoridades. Sobre todas recaía o peso da repressão policial.
As mulheres operárias nesse período são e se sentem exploradas pelo sistema
capitalista; já as da classe média e da elite vivem e sentem a opressão intelectual,
cultural e moral. Ainda sobre a diferença de classe na constituição das lutas pelos
direitos das mulheres brasileiras, esse legado “sinhazinha-escrava” produziu, entre
as mulheres, uma hierarquia de classe-raça que abriu fendas culturais entre as mu-
lheres brasileiras.
A questão da mulher no capitalismo é gestada numa relação pendular entre a
exploração e a opressão, unicadas nos domínios de desigualdades sociais da do-
minação burguesa. As diferenças de classe entre as mulheres delimitaram suas
formas e o conteúdo de suas demandas. Em suma, as operárias lutavam por melho-
res condições de vida, e as de classe média reivindicavam avanços no modo de vida
da mulher, por meio da inserção no mercado de trabalho, da prossionalização, da
educação e do divórcio.
As classes sociais exprimem as diferenças de situação e de posição que as separam;
não signica reduzir todas as diferenças, e muito menos a totalidade destas diferenças,
a começar por seu aspecto econômico [...]. (Bourdieu, 2011, p. 25)
Fruto de amplo conjunto de forças sociais — a luta feminista, a escolarização
laica, a prossionalização e a inserção das mulheres no mundo do trabalho, aliado
ao marco simbólico da participação cívica das mulheres paulista na Guerra Civil de
1932 —, temos, pela primeira na história do país regido pela Constituição de 1934,
uma deputada: Carlota Queiroz, médica e oriunda da elite paulistana. Identicamos
a escolarização das mulheres como produto de um movimento contraditório, pois
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se de um lado buscou “reforçar” a construção simbólica higienista da mulher com
base nos atributos “submissão” biológica, estética, subjetiva e social, de outro
proporcionou a oportunidade de elas construírem as primeiras reexões sobre sua
condição política no plano cultural.
1.1 Serviço Social, feminismo e percepções da sua primeira geração
O processo de institucionalização do Serviço Social no Brasil na década 1930
recebeu as heranças históricas da Constituição do Estado, do pensamento conser-
vador da elite e do pensamento doutrinário da Igreja (Iamamoto, 2000).
As políticas que demarcaram o Serviço Social foram a repressão e a caridade,
constituindo-se uma terceira via em relação ao comunismo e ao liberalismo oriun-
do do processo do movimento de reação da Igreja Católica, mediadas, no entanto,
pelas questões da mulher, da criança e da miscigenação. Entende-se que a repro-
dução social vai além da reprodução das forças produtivas e do trabalho (material),
pois também reproduz as questões “espirituais” da sociedade — valores, ideologias
—, que repercutem no modo de viver da classe trabalhadora. O assistente social
intervém sobre o viés persuasivo e autoritário junto às classes operárias (Iamamo-
to e Carvalho, 2004).
A constituição do Serviço Social se consolida no processo de urbanização e
de industrialização no palco do acirramento das lutas de classes, mediadas pelos
debates e relações — raça, gênero e geracional — que estavam na agenda societá-
ria da época. A ampliação do papel feminino na sociedade brasileira, ou seja, na
política, no trabalho e na cultura, ampliou e legitimou as práticas prossionais das
mulheres no cenário das políticas sociais brasileiras, ancoradas no reconhecimento
da cidadania. Ou seja, “as mulheres reclamam para si a ampliação da denição de
maternidade para além dos limites do lar e são chamadas a ocupar funções maternas
fora dele” (Corrêa, 2009, p. 85). A autora também ressalta que
o projeto de criação do Serviço Social no país é que ele parecia se dar a contrapelo
das diretrizes mais gerais do governo na época, ao mesmo tempo em que absorvia a
retórica que as expressava como que criando uma proteção ideológica para prossio-
nalização feminina ao revesti-la desse halo de continuidade da função materna. (Idem,
p. 88-89)
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A intervenção feminina no âmbito social aceita, entretanto, estava circunscri-
ta à política dos homens, visto que a participação da mulher estava respaldada
simbolicamente na ênfase maternal e benevolente, “naturalmente” feminina, bem
como no fato de que a questão social não era “plenamente” legitimada pelo poder
dominante do Estado, não sendo considerada uma “questão propriamente política”
(Werle, 2010).
Mas nem tudo foram “ores” para as mulheres, pois se instaurou em 1937 a
ditadura varguista, momento de perseguição aos comunistas, aos intelectuais da es-
querda e às organizações de lutas feministas. Durante esse período ditatorial, muitas
mulheres foram presas e torturadas, como Olga Prestes, Elisa Berger, Maria Werneck
de Castro, Nise da Silveira, Pagu etc. O registro da prisão e tortura de algumas delas
é apresentado no livro Memórias do cárcere, de Graciliano Ramos (2004, p. 277):
Pedaços de rostos, mãos, coxas, tamancos, frases amáveis, sorrisos, misturavam-se
vagos inconsciente. Na ala inferior branca e serena, Olga me atirara alguns sons gu-
turais, provavelmente a expressão de bom desejo, difícil de perceber aquela situação.
A pequena distância, os bagulhos de Nise e os lábios sangrentos de Valentina.
Acreditamos que os avanços alcançados durante a República Velha pelas lutas
feministas não conseguiram se consolidar no período varguista, no sentido das
rupturas do cunho higienista e eugenista normatizadas na relação entre sexos e da
conduta da mulher brasileira. Na verdade, quem ganhou essa “batalha de ideias”
no pós-1930 foram os intelectuais conservadores católicos e os higienistas. Ou seja,
houve inserção das reivindicações católicas nos artigos da Constituição de 1934,
que eram: indissolubilidade do matrimônio, validade do casamento religioso quan-
do registrado para ns civis, e o ensino religioso facultativo, resultado do trabalho
de um grupo católico de renovação da Igreja no Brasil. Apesar das polêmicas du-
rante a votação das propostas apresentadas pela bancada católica, a batalha foi
vencida contra as posturas laicas (Lima, 1983, p. 19).
O Serviço Social foi uma das primeiras prossões “femininas”, constituída
principalmente por mulheres de classe média e alta das principais cidades do país
(Rio de Janeiro e São Paulo), com forte inuência da Igreja Católica. Analisando
as questões de gênero e feminismo na posição das pioneiras, observa-se que, apesar
de as lutas feministas fazerem-se presentes desde a República Velha, identica-se
nas entrevistas que, quando questionadas, elas não se consideravam feministas.
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Vejo que às vezes há exagero nesse movimento feminista. Eu sempre defendi o direi-
to das mulheres e nunca considerei que os homens devessem ter mais liberdade; quei
surpresa quando fui nomeada assistente do professor Zbrozek, eu uma mulher...
(Maria Amélia Arouzo — UFRJ, 2005, s/p.)
A maioria das pioneiras negava qualquer proximidade com o movimento fe-
minista ou até mesmo de serem avançadas para o período. Acreditamos que a ne-
gação ao ideário feminista se liga profundamente às raízes católicas que marcaram
a constituição da prossão no país, como, por exemplo, o caso da Escola de São
Paulo, que foi fundada basicamente pela Igreja. Sobre o cotidiano das assistentes
sociais no trabalho com as mulheres pobres do período, observa-se uma visão es-
sencialista feminina, conforme ilustra a entrevista:
Eu disse: “Doutor Rubens, mulher é diferente. Eu vou fazer uma sala grande para as
mulheres. Mas eu quero cortina cor-de-rosa, eu quero cadeira de vime, [riso] eu
quero isso, aquilo, aquilo outro”. E z uma sala enorme em que, na hora que elas
acabavam de comer, vinham ali, sentavam, falavam umas das outras etc. e tal, levavam
crochê, trabalhos de mão… E depois eu inventei uma cozinha de sobremesas. Porque
comida... não dava tempo de aprender um prato de sal num intervalo. Mas um sorve-
te dava. Então, olha, eu z o máximo, americano [riso]. Uma cozinha só para as
mulheres de lá. E tinha uma que era cozinheira, não é, a Maria, que ensinava. Elas
gostavam muito. E elas faziam, às vezes elas comiam, às vezes levavam para casa.
(Ferreira, Maria da Glória L. — Instituto Social, 2002, s/p.)
Fica clara a diculdade das pioneiras em romper a visão essencialista da
mulher. Para Backx (1994), as assistentes sociais formadas no Instituto Social se
posicionavam pela permanência das mulheres das classes populares no lar e defen-
diam a posição da família enquanto lugar privilegiado de socialização do trabalha-
dor. Só havia tolerância ao trabalho feminino quando a mulher fosse adulta e sol-
teira, pois o seu destino era a maternidade, o casamento e o lar.
Em suma, do pós-1930 até 1960 temos uma volta ao lar das mulheres operá-
rias e uma ascensão “conservadora” dos atributos higienistas e religiosos na deli-
mitação da inserção das mulheres no mercado de trabalho, vinculadas aos atos de
educar, cuidar e assistir; ou seja, funções que representam um prolongamento das
atividades domésticas: ensino, cuidados e serviços (Bourdieu, 2002).
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2. Dona Ivone Lara: o cuidar e o assistir na passarela do samba
Dona Ivone Lara, carioca, enfermeira, assistente social, especialista em tera-
pia ocupacional, mulher de origem pobre, negra e com família oriunda do subúrbio,
é considerada a dama do samba e uma das primeiras assistentes sociais negras do
Brasil. Consideramos nossa pioneira herdeira do legado ancestral da resistência das
mulheres negras em suas manifestações africanas no Rio — o samba, a capoeira,
as danças de roda, a religiosidade da umbanda. Na música da pioneira “Lamento”
podemos identicar essas matrizes da opressão e exploração do negro e suas formas
de resistências:
Canto do negro é o lamento
Na senzala do senhor...
Depois de duro trabalho
De maus-tratos e sofrimentos
Chibata comia toda a hora
Sem roupa, sem água e alimento...
A “raiz do samba” de nossa prossional tem sua origem nas casas das tias
baianas, nas batidas do pandeiro e da faca no prato no quintal de tia Ciata, onde o
primeiro samba foi gravado em 1916. A organização das festas de sambas na Re-
pública Velha foi marcada pela ativa participação das mulheres negras e mestiças,
chamadas de tias. Durante as festas nas casas das tias, na sala de visita era execu-
tado o choro, o samba. E, após o jantar, eram realizados o batuque e o candomblé,
com os cantos dos orixás. Pelo ângulo da resistência ao trabalho capitalista surge
no universo simbólico, principalmente no Rio de Janeiro, a gura do boêmio ma-
landro carioca. Anal, como diz Oswald de Andrade: “O contrário do burguês não
é proletariado, é boêmio”.
Os boêmios eram vistos como a cigarra que cantava e se divertia no prazer do
samba do hoje e por isso contrapunha os valores da formiga burguesa do trabalho
dignicante do homem, da família e do poupar para o amanhã. “O violão, instru-
mento por excelência, companheiro das serenatas e dos boêmios, foi identicado
com a vadiagem. [...] incentivando-se contra ele o seresteiro e a perseguição policial”
(Soihet, 1989, p. 58).
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No Brasil, a proibição dos rituais africanos fez com que houvesse um sincre-
tismo religioso entre santos católicos e a mitologia africana, enquanto estratégia de
resistência dos negros na manutenção de seus cultos (Soihet, 1989). Os médicos
higienistas rotulavam os devotos do candomblé como sujeitos mentalmente dese-
quilibrados, devendo ser chados na polícia e submetidos a exames periódicos para
avaliar a estabilidade intelectual e psicológica. E as lhas de santos eram muitas
vezes comparadas com as prostitutas.
A violência contra as manifestações da classe subalterna, nas quais as mulheres cos-
tumavam ocupar papel relevante, ocorria não só através das invasões policiais, quan-
do seus praticantes eram levados à delegacia, como parte da imprensa, ao noticiar tais
episódios e da intelligentsia da época que, via de regra, emitia juízos pejorativos sobre
manifestações. (Soihet, 1989, p. 63)
Esse movimento híbrido, que também incorporou a gura do malandro resis-
tente ao trabalho capitalista, foi agregado ao universo simbólico da mitologia afro-
-brasileira. Uma das representações do malandro foi o Zé Pelintra, que simboliza
a gura mensageira entre o mundo celestial dos orixás e o terrestre, uma espécie
de Hermes negro. Entretanto, essa resistência “malandra” foi convertida em pre-
conceitos racistas que acompanharam as leituras eugênicas na década 1930:
O malandro carregava para os anos 1930 o preconceito que pairava com relação ao
trabalho, sobretudo manual, desde o período escravocrata. Desta feita, porém, a aver-
são ao labor, ainda associada à “coisa de preto”, ancorava-se na mestiçagem e vincu-
lava-se à nova imagem da vagabundagem. [...] o acento já não recai na distinção
biológica, e sim na cultural. (Schwarcz, 2012 p. 68)
Diferente da “criação” do homem guerreiro ou do malandro carioca, o trabalho
da mulher seguiu por distintos destinos e signicados. Para entender as transforma-
ções ocorridas na situação das mulheres deve-se levar em conta que “o trabalho de
reprodução esteve garantido até a época recente, por três instâncias principais, a
família, a Igreja e a escola, que, objetivamente orquestradas, tinham em comum o
fato de agirem sobre as estruturas inconscientes” (Bourdieu, 2005, p. 103).
Dona Ivone Lara agregava em sua trajetória dois legados: 1) da resistência
negra do Rio de Janeiro, fazendo parte daquilo que Pierre Bourdieu denominou in-
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telligentsia proletaroide, que se caracterizava por estabelecer uma relação com a vida
boêmia, os escritores e artistas existentes desde a época romântica. Embora fosse um
segmento de parte da classe dominante, mas ligada ao ethos dos dominados, ele
apresenta uma ambiguidade estrutural de sua posição na estrutura da classe dominan-
te. a manutenção de uma relação ambivalente, tanto com as frações de classe
dominantes (os “burgueses”) como com as classes dominadas (o “povo”) (Bourdieu,
2011, p. 192); 2) inserção das mulheres no mercado de trabalho sob o lastro da do-
minação burguesa. Desta forma, as escolhas prossionais circunscrevem-se a este-
reótipos do que é ser o trabalho de mulher — enfermeira, professora e assistente
social —, entre outras categorias ligadas ao universo “doméstico e religioso”.
Dona Ivone Lara andava entre dois mundos: de um lado a realidade da classe
média vivenciada na escola e na universidade; de outro, o da família pobre de tra-
dição cultural negra. Portanto, era fruto de diferentes inuências de classe e de
tradição cultural. “Encontrava na escola as meninas de classes sociais diferentes da
sua e, quando voltava para casa, se deparava com realidade das casas pobres do
subúrbio do Rio de Janeiro. Convivia com negros, brancos, com pessoas de eleva-
da formação escolar ou gente sem qualquer estudo” (Burns, 2009 p. 37). Concor-
damos com Darcy Ribeiro quando arma que cultura afro-brasileira é
Uma cultura feita de retalhos do que o africano guardara no peito nos longos anos de
escravidão, como sentimentos musicais, ritmos, sabores e religiosidade. A partir des-
sas bases precárias, o negro urbano veio a ser o que de mais vigoroso e belo na
cultura popular brasileira. [...] o nosso Carnaval, o culto de Iemanjá, a capoeira [...].
(Ribeiro, 2008, p. 204-205)
Apesar da opressão republicana, o samba conseguiu ser reconhecido enquanto
expressão nacional na era Vargas. Havia um clima intelectual favorável para a
pioneira negra em suas criações musicais, pois: “Na mesma época em que Dona
Ivone Lara compunha seu primeiro samba — início da década de 1930 — ‘Casa-
-grande e senzala’ —, ele tornava-se um marco bibliográco nacional” (Burns,
2009, p. 37). Entretanto, o trabalho de composição esteve em segundo plano até a
sua aposentadoria de assistente social. “Até aposentadoria, ela se apresentava às
pessoas como ‘Yvonne Lara, assistente social’, e não como cantora ou composito-
ra” (Burns, 2009, p. 81). E durante muito tempo quem assinou as autorias de suas
músicas foi um primo sambista.
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Sua trajetória prossional teve início na enfermagem, como visitadora social
na Escola Anna Nery (EAN). Após trabalhar durante seis anos, foi fazer o curso de
Serviço Social, concluído em 1947.
Lara passou a integrar outra prossão onde a presença de negros, pelo menos no Rio
de Janeiro, sempre foi majoritária: a área de enfermagem. Ela teria exercido esta
prossão por seis anos apenas, porque tempos depois começaria no Rio de Janeiro o
curso de Serviço Social para formação de assistentes sociais. Lara então volta para os
bancos escolares para fazer os cursos complementares que lhe confeririam o título de
assistente social, prossão que exerceu com orgulho e dedicação por trinta e sete anos
até o momento de sua aposentadoria, em 1977. (Santos, 2005, p. 16; grifos nossos)
Sobre a trajetória prossional de Dona Ivone Lara, de enfermeira-visitadora
social para o Serviço Social, ela destaca a cumplicidade da formação ligada à saú-
de na Escola Anna Nery:
Quando eu me formei (enfermeira), tive a felicidade também de car bem colocada e
aí fui admitida no Serviço Nacional de Doenças Mentais. E aí eu comecei a trabalhar.
Quer dizer, a minha opção foi essa [Enfermagem] por causa disso (questões nancei-
ras). Porque, por exemplo, eu não tinha dinheiro pra continuar fazendo outras coisas
aqui fora, ou escolher o que eu quisesse. Num é isso? Então a melhor opção foi essa.
E me adaptei muito bem. Agora, depois de oito anos, mais ou menos uns cinco anos
que eu tava nisso, surgiu o Serviço Social, que antes era Visitadora Social. Era
obrigatório. Quem zesse Enfermagem logo a seguir fazia Visitadora Social. Eu tava
fazendo Visitadora Social quando surgiu a Assistência Social. Quer dizer que só mu-
dou o título. Eu estava ali, as matérias eram iguais. Eu z o seguinte: depois
disso eu me aperfeiçoei mais na Ana Nery. Mas os outros cursos que tinha... então eu
fui pra Ana Nery e z esses outros pra pós-graduação. E pronto. (Lara, 2005, p. 162)
Sobre o contexto da formação de Dona Ivone Lara naquele momento, a Es-
cola Anna Nery estava voltada para a formação de enfermeiras para atuarem na
Segunda Guerra Mundial, sem ter vinculação religiosa, mas sim norteada pelo
apelo patriótico, segundo abaixo:
Em 1942 havia 222 alunas matriculadas na Escola Anna Nery, no Rio de Janeiro,
sendo que 75 (que não eram internas) faziam o “curso de guerra”. Em 1942, a Cruz
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Vermelha Brasileira (que se instalara no país desde 1908) ofereceu 44 cursos de en-
fermagem que formaram cerca de 2.500 voluntárias. O voluntariado destas enfermei-
ras não prossionais conotava sua disposição de servir à pátria. Provavelmente estas
mulheres voluntárias não tinham relação com as tradicionais enfermeiras de carida-
de, ligadas a ordens religiosas, cujo discurso centrava-se na ajuda ao próximo, mas
sem apelo patriótico. (Cytrynowicz, 2000, s/p.; grifos nossos)
No estudo de Ana Lúcia Viera sobre as visitadoras sociais do Rio Janeiro
(1944-1950), é apontado que o trabalho era voltado para o registro do modo de vida
dos trabalhadores (2013, p. 31). A formação prossional tinha forte ênfase nas
técnicas de inquérito (entrevista) nos espaços intrafamiliares. “Nessas visitas do-
miciliares, além de entrevistas em forma de ‘inquérito social’, elas determinavam
hábitos de higiene e regras de conduta” (Viera, 2013, p. 26). Sobre o signicado da
mudança prossional de enfermeira para visitadora social e para a prossão de
assistente social relata:
Mudou. Completamente, mudou. Porque como visitadora social já muda. muda.
Porque tem uma coisa, a visitadora social não é supervisora, ela já não trabalha dire-
tamente com o médico. Ela trabalha, sim, em prol do doente, atendendo às necessida-
des do doente e da família do doente. E justamente o Serviço Social já cuida dessa
parte. É completamente diferente. E outras coisas mais. Agora, sendo que depois, com
o Serviço Social, ele se expandiu mais, a gente fez mais coisas, foi aonde eu tive que
fazer a pós-graduação, que era pra poder ter outros conhecimentos e fazer jus ao meu
diploma de assistente social. [...] E eu tava toda inuenciada como assistente social,
então eu quis ser assistente social. (Lara, 2005, p. 163)
A formação de enfermagem na Escola Anna Ney seguia o modelo norte-
-americano e sua estrutura estava intimamente ligada ao Serviço Social fomentado
pelo decreto de Carlota Queiroz. A formação de enfermeira na EAN era composta
por três anos; no último, eram ministradas a cadeiras de Serviço Social. Por outro
ângulo, a escolha de ser assistente social vai além das linhas limítrofes da formação
prossional de visitadora social; ligam-se profundamente com sua própria trajetó-
ria formativa as classes populares.
Dona Ivone Lara passou toda a sua vida prossional no campo da saúde men-
tal no Centro Psiquiátrico Nacional D. Pedro II, no Engenho de Dentro, que foi de
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1947 até 1977. Cabe também frisar que quem era “assistente social psiquiátrica”
no período desfrutava de enorme prestígio e bom retorno nanceiro, pois havia um
enorme reconhecimento do “capital simbólico” da prossão, no sentido dado por
Bourdieu, com potencialidades de também abrir novas chances de valorização
econômica para os prossionais (Vasconcelos, 2000, p. 169).
Durante esse período trabalhou com a dra. Nise da Silveira, que foi sua su-
pervisora e estava iniciando uma proposta terapêutica inovadora, ligada à arte.
Doutora Nise da Silveira era minha supervisora no Serviço Social. Ela ainda não tinha
fundado a Casa das Palmeiras nem começado a fazer tratamentos revolucionários,
mas já sabia que era importante avaliar a família dos pacientes. (Lara, apud Burns,
2009, p. 86)
A pioneira era responsável por fazer articulação extramuros entre paciente,
família e comunidade. Com apoio da dra Nise da Silveira, ela também deu início
às primeiras atividades musicais com os internados, que chamava “Dia para os
Doentes”. Nesses dias especiais, a gente organizava alguns internos que queriam
se apresentar, dançar, cantar, e eram essas atividades mais estimulantes pelo
método da doutora Nise, que começava ser posto em prática” (Lara, apud Burns,
2009, p. 87).
Sobre a história do Serviço Social na saúde mental, destaca-se: “Durante
décadas, várias assistentes sociais estagiaram nessas ocinas (de doutora Nise da
Silveira), e sua inuência no Serviço Social tem sido mais restrita aos prossionais
que trabalham no campo da saúde mental” (Vasconcelos, 2000, p. 186). A Casa das
Palmeiras objetivava reduzir as reinternações por meio do estabelecimento de uma
ponte entre o hospital e a vida na sociedade. O principal método de tratamento era
a terapêutica ocupacional, tendo como foco a “livre expressão artística” e pros-
sionalizante no desenvolvimento das atividades.
No estudo sobre Escola de Serviço Social da UFF há a identicação do Tra-
balho de Conclusão de Curso de duas estagiárias da Casa Palmeiras, que utilizamos
para ilustrar a visão do trabalho realizado no período:
[...] chamou-nos atenção pelo ambiente acolhedor da obra. Os clientes têm inteira
liberdade de locomoção, as portas são mantidas abertas, sem vigia, há um inter-
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-relacionamento entre os membros da equipe e os doentes, na realização das ativida-
des, promovendo o clima terapêutico, indispensável à reabilitação do enfermo mental.
(Silva e Simas, 1961, p. 18, apud Gomes, 1997, p. 156)
Na Casa das Palmeiras, o Serviço Social utilizava principalmente a abordagem
grupal com usuários e familiares. Para Vasconcelos, o impacto dessas experiências
na formação incidiu principalmente no arsenal técnico-operativo e ético-político,
pois “a abordagem era humanizada, individualizada, ética, aberta e respeitosa em
relação aos direitos dos clientes, a sua história pessoal e sua subjetividade, bem
como a sua produção artística” (2000, p. 186).
Nossa pioneira, como as outras, vinha de rigorosa formação religiosa na es-
cola, casou tardiamente para os padrões da época (aos 26 anos) e assumiu a frente
da família com a manutenção econômica oriunda de seu trabalho. Acreditamos que
seu diferencial seja principalmente na origem de classe social, articulada à sua
condição de mulher negra, aliada à cultura negra de sua família (música, religião,
dança etc.). Além disso, o trabalho prossional na Casa das Palmeiras, orientado
pela dra. Nise da Silveira, abriu amplas possibilidades para inovar sua prática pro-
ssional por meio de grupos, a interdisciplinaridade e o uso de recursos artísticos.
Por outro lado, acreditamos que o trabalho de assistente social na saúde mental
também inuenciou nas suas composições, principalmente na valorização da mi-
tologia negra, da loucura, do sonho, dos afetos e da liberdade. A palavra sonho, por
exemplo, é o universo onírico, expressando o inconsciente e as emoções, que apa-
rece na mais conhecida música de sua autoria — “Sonho meu”:
Sonho meu, sonho meu
Vai buscar quem mora longe, sonho meu
Vai mostrar esta saudade, sonho meu
Com a sua liberdade, sonho meu
No meu céu a estrela-guia se perdeu
A madrugada fria só me traz melancolia
Sonho meu
Sinto o canto da noite na boca do vento
Fazer a dança das ores no meu pensamento
[...]
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Como síntese do material apresentado, podemos vericar que Dona Ivone
Lara estava situada “entre dois mundos”, do “velho” modelo de mulher abrindo-se
ao “novo” da prossão, que contribuíram de forma diferenciada para um novo
alvorecer do pensar e do praticar o Serviço Social brasileiro.
Considerações nais
As pioneiras partilhavam as transformações societárias advindas do capitalis-
mo, da urbanização, das guerras, bem como da inserção da mulher no trabalho e na
vida pública, reetidas na criação das políticas sociais e da própria prossão. O
estudo sobre Dona Ivone Lara nos proporcionou um reconciliamento com a histó-
ria da primeira geração prossional, ao humanizar as pioneiras e nos humanizarmos
em nosso tempo “maduro”. Elas não foram feministas, não eram de esquerda; foram,
sim, mulheres reformistas em sua maioria, que contribuíram para a criação do
Serviço Social brasileiro e para o avanço das políticas sociais nos limites da época:
histórica, social, política e cultural, cadenciadas em suas trajetórias subjetivas.
Recebido em 31/3/2016
Aprovado em 25/5/2016
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... Her birth name was Yvonne da Silva Lara, and after getting married she change it to Yvonne Lara da Costa 2 . In the music world, as a samba dancer, she became known as Dona Ivone Lara, the "Dama do Samba" (Lady of Samba), and, later, she was consecrated Queen of Samba (Dona Ivone Lara, 2020;Scheffer, 2016;Burns, 2006;Santos, 2005). In the present essay, we choose to call her Yvonne Lara due to the fact that we have acquired a deep understanding of her career as a health professional, specifically in public health. ...
... Yvonne Lara was a nurse, a social worker and a specialist in Occupational Therapy (Scheffer, 2016). Until the 1950s, Occupational therapy was not yet a profession that required technical or higher education in Brazil. ...
... These experiences, as well as the progress of her singing studies nurtured in Yvonne the pleasure of music; already at that time, she started composing melodies (Burns, 2006). She lived between two different worlds (Scheffer, 2016); "[...] while at school she spent her days studying a particular musical genre, its theory and applications, on weekends, in the company of her family, she never gave up listening to others -not only a different genre but, in the eyes of society, one that was almost opposite to the former" (Burns, 2006, p. 36-37), marked by samba, chorinho, jongo, among other types of music common in that region. Burns (2006) relates that during the boarding school period there was an important event in Yvonne's life: the death of her mother. ...
Article
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This essay presents an analysis of the contributions of black memories within Occupational Therapy field - highlighting the story of Yvonne Lara. Yvonne Lara was a nurse, social worker and specialist in Occupational Therapy. From the 1940s, her practices aimed to care for people with mental disorders using music as a therapeutic activity and working in cooperation with families and communities in her efforts to deinstitutionalize individuals. The article discusses the innovation of these care practices bearing in mind the hegemony of the organicist current and the asylum-based model that marked psychiatry at that time. It is argued that the salvaging of Yvonne's history is central to the historical reconstruction of the profession, turning from the racist epistemicide against the contributions of the knowledge of black people. Herein, we seek to give visibility to individuals who were marginalized by official narratives and to build an epistemic diversity in the field, which we denominate the becoming-black of Occupational Therapy.
... She was also a nurse specialist in occupational therapy (a profession in which she worked for six years). Another outstanding branch in her professional life was as a samba composer; in 1965, she entered the history of Brazilian music as the first woman to compose a samba school theme (Scheffer, 2016). Lara lived in Morro da Serrinha in Rio de Janeiro (RJ), a community where the traditional samba school Império Serrano 3 was founded, and where she maintained a strong connection with music, which began at 12 years of age. ...
... Dr. Nise set up a music room with piano, cavaquinho, tambourine, and in the afternoons, there was a rehearsal and I was always there, dancing with them, dancing samba and singing with them. 12 This opened broad possibilities to both innovate and influence professional practice, mainly in the appreciation of black mythology, mental disorders, dreams, affections and freedom (Scheffer, 2016). Therefore, as a partner in her innovative ways of treating mental illness, Nise da Silveira authorised Lara to use music to work with the sick. ...
... From this perspective, understanding the pathway of pioneers like Dona Ivone Lara allows us not only to locate this legacy historically, but also to understand the development of the profession in Brazil, revisiting the contradictions, contributions, perspectives and challenges of those times to understand the present day. According to Scheffer (2016), these pioneers were not feminists and were not on the political Left. Most of them developed reformist practices and concepts, and they contributed to the consolidation of social work in the country, considering the limits of the time. ...
Article
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The article presents the pathway of a pioneer – black Brazilian social worker Dona Ivone Lara – as a starting point for establishing some mediations that allow for an understanding of the ethno-racial issue in social work in Brazil. The first part of the article briefly describes Ivone Lara’s career pathway and the second sets out some reflections on the permanence of the ethno-racial issue within social work in Brazil, as evidenced by the invisibility of black women within the profile of the profession. The article reaffirms the importance of revealing the dominant racial ideology in Brazil that shaped the genesis of social work. If the ethno-racial debate is fundamental to the understanding of Brazilian societal formation, it is important to understand how social work has dealt with the theme along its trajectory.
... Para isto, além dos conteúdos específicos, focava no estudo das causas morais, sofridas pelos indivíduos, de modo a conduzi-los ao retorno à sociedade, para uma vida adequada, independente; contribuindo para a melhoria nas condições materiais e morais; além de trabalhar em conjunto com as instituições de caridade e outros estabelecimentos de auxílio aos necessitados. 27,[31][32][33][34] A Escola Anna Nery f era padrão de ensino de enfermagem no país, e sua infraestrutura, cujo Pavilhão de Aulas e Internato tinham condições de receber estudantes de ambos os cursos. 29 As alunas de Serviço Social conviviam lado a lado com as alunas e professoras de enfermagem. ...
... A partir daí, foi admitida no Serviço Nacional de Doenças Mentais, sendo lotada no Centro Psiquiátrico Nacional D. Pedro II, no Engenho de Dentro (antigo local da Colônia Gustavo Riedel), onde permaneceu trabalhando, primeiro como Enfermeira Visitadora Social, depois como Assistente Social, até se aposentar, em 1977. 32,34 A partir daí, passou a se dedicar inteiramente a sua grande paixão, a música, mais especificamente ao samba. Seu trabalho como Enfermeira, ampliou-se com a graduação em Serviço Social, como profissões convergentes para o bem-estar das pessoas. ...
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Objective To rescue and reflect on nurse Yvonne da Silva Lara’s professional history, nationally known by her stage name: Dona Ivone Lara. Method Public documentary sources available online such as books, theses, dissertations, scientific articles, reports and documentaries with the character and with psychiatrist Nise da Silveira were used. Results The presentation of her life history detailed her choice and training as a Nurse, and later as a Social Worker, narrating her professional performance and work developed. It portrays the meaning and struggle of a poor black-skinned woman investing in education and professional training, highlighting her primacy for the opportunity to study, making the most of the opportunities presented to her, to study and work until retiring. Conclusion and implications for the practice Acting professionally in the areas of care, she maintained her musicality in her life, even collaborating with its use as a therapeutic activity in Psychiatry. This unprecedented text about Yvonne Lara's story expands the visibility of her professional construction in two careers and mobilizes the readers to understand her importance for Nursing. Keywords: Social construction of gender; Nursing; History of Nursing; Music; Social work
... For such purpose, in addition to the specific contents, it focused on the study of the moral causes suffered by individuals, in order to lead them to return to society, for an adequate and independent life; contributing to the improvement in the material and moral conditions; in addition to working together with charities and other assistance institutions for those in need. 27,[31][32][33][34] The Anna Nery School f was the standard for Nursing teaching in the country, and its infrastructure, whose Classroom Pavilion and Boarding premises were able to receive students from both courses. 29 The Social Work students lived side by side with the Nursing students and professors. ...
... From then on, she was admitted to the National Mental Health Service, being allocated to the D. Pedro II National Psychiatric Center, in Engenho de Dentro (former site of the Gustavo Riedel Colony), where she first worked as a Social Visiting Nurse and then as a Social Worker, until retiring in 1977. 32,34 From then on, she began to devote herself entirely to her great passion, music, more specifically to samba. Her work as a Nurse expanded with the graduate course in Social Work, as convergent professions for people's well-being. ...
Article
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Objective To rescue and reflect on nurse Yvonne da Silva Lara’s professional history, nationally known by her stage name: Dona Ivone Lara. Method Public documentary sources available online such as books, theses, dissertations, scientific articles, reports and documentaries with the character and with psychiatrist Nise da Silveira were used. Results The presentation of her life history detailed her choice and training as a Nurse, and later as a Social Worker, narrating her professional performance and work developed. It portrays the meaning and struggle of a poor black-skinned woman investing in education and professional training, highlighting her primacy for the opportunity to study, making the most of the opportunities presented to her, to study and work until retiring. Conclusion and implications for the practice Acting professionally in the areas of care, she maintained her musicality in her life, even collaborating with its use as a therapeutic activity in Psychiatry. This unprecedented text about Yvonne Lara's story expands the visibility of her professional construction in two careers and mobilizes the readers to understand her importance for Nursing. Keywords: Social construction of gender; Nursing; History of Nursing; Music; Social work
... Apesar da origem pobre, negra e de subúrbio, Ivone Lara tornou-se ícone do samba, desbravando muitos espaços considerados próprios do universo masculino. Essa "dama do samba", segundo Scheffer (2016), foi uma das primeiras assistentes sociais negras do Brasil. Com o auxílio de Ivone, Nise desenvolve no hospital psiquiátrico um trabalho sensível que se contrapõe à ciência masculina e branca da época. ...
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Introdução Este artigo integra uma pesquisa mais abrangente sobre as representações das mulheres em filmes latino-americanos contemporâneos, exibidos no cinema, visando identificar possibilidades de empoderamento feminino. O filme analisado neste artigo é Nise – o coração da loucura, que focaliza o trabalho iniciado na década de 1940 pela médica Nise da Silveira em um hospital psiquiátrico do Rio de Janeiro. Objetivo O objetivo deste texto é analisar de que maneira a protagonista da trama é representada. Nesse processo, são considerados os contextos socioculturais, os marcadores identitários e os conflitos que constituem a personagem Nise da Silveira; os vínculos que ela estabelece com os homens do filme e as possibilidades de empoderamento feminino. Método A metodologia teve abordagem qualitativa e envolveu três estratégias: pesquisa bibliográfica, análise fílmica e entrevistas, as quais contribuíram para entender de que maneira o público assimila as personagens femininas. Resultados Os resultados evidenciaram que Nise foi representada, no filme, como uma mulher e profissional empoderada que não aceitou o modo violento como as pessoas com sofrimento mental eram tratadas. Ela desenvolveu um trabalho inovador com sua pequena equipe, transformando um espaço terapêutico abandonado em um ateliê de arte para as pessoas internadas. Conclusão Nise inaugura uma terapêutica ocupacional que se contrapõe à psiquiatria pragmática e desumana da época ao utilizar a linguagem da arte para descobrir o ser humano com suas narrativas expressivas e articuladas em redes. Resistiu a toda forma de opressão imposta pelos médicos e lutou pelo direito humano e libertário tanto das mulheres, quanto daqueles considerados loucos.
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Resumo: Neste artigo, buscamos examinar como a discussão étnico-racial tem sido feita nos espaços de formação e trabalho, e como os(as) assistentes sociais lidam com o racismo no cotidiano. Este estudo, que articula pesquisas bibliográfica, documental e de campo, evidenciou que a ausência desse debate, durante o processo de formação, fragiliza a apreensão da realidade numa perspectiva de totalidade e contribui para a reprodução das desigualdades históricas vivenciadas pelas populações racializadas.
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O artigo é fruto de estudo exploratório pautado em obras, entrevistas e documentários acerca de Nise da Silveira e Paulo Freire, bem como, literatura pertinente a temática do Serviço Social na interface com a educação popular e arte. O objetivo geral é apresentar o pensamento teórico-prático dos autores com ênfase nos métodos na interlocução com o projeto ético-político profissional, buscando dar visibilidade às contribuições na atualidade
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O artigo apresenta resultados de estudo sobre as relações de gênero nas trajetórias das pioneiras do Serviço Social, a partir da análise de depoimentos de assistentes sociais que constituíram cursos de Serviço Social nos estados do Rio de Janeiro e Pernambuco. Objetiva analisar como as referidas relações se expressam nas trajetórias de vida e de trabalho destas pioneiras, considerando o contexto histórico, social e cultural no qual estão inseridas. As pioneiras foram em sua maioria mulheres de classes médias e altas com valores cristãos, cuja inserção no mercado de trabalho foi motivada pela manutenção do status social e econômico, dada a condição de assalariamento como elemento determinante do vínculo com o Serviço Social. Apesar da incidência do conservadorismo nas suas experiências profissionais, construíram trajetórias de vida e de trabalho que apresentaram inflexões quanto aos papéis de gênero fixados na sociedade do seu tempo.
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Debater o artigo “Holocausto ou Navio Negreiro?”: inquietações para a Reforma Psiquiátrica brasileira da autora Rachel Gouveia Passos. A autora nos instiga a um debate com uma perspectiva extremamente necessária e atual - o tema da Reforma Psiquiátrica brasileira mediado e/ou substanciado pelo tema racial. Percorri, para isso, não só a trajetória do Movimento da Luta Antimanicomial no Brasil à luz do Movimento italiano liderado pelo psiquiatra Franco Basaglia (que influenciou a reforma brasileira), como também o debate da questão étnico-racial.
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http://dx.doi.org/10.5007/1984-9222.2010v2n3p311
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As historiadoras feministas acostumaram-se à ausência ou omissão das mulheres como agentes nas narrativas dominantes de episódios dramáticos ou momentos históricos decisivos da vida dos países. Há várias explicações para essa ausência: é possível que as mulheres fossem realmente excluídas da participação, ou seus papéis eram ocultados pelas vozes masculinas dominantes, seja de forma consciente para minimizar a importância das mulheres, seja porque os papéis típicos das mulheres tendem a ser feminizados e, por isso, marginalizados da história. Como deve a historiadora feminista lidar com esses relatos? Foi precisamente o caso e o dilema estudado neste artigo. O episódio analisado é a participação da Mulher Paulista na Revolução Constitucionalista de 1932. O vasto material material de campanha e jornais analisados ressaltam a presença feminina na revolta e este artigo tenta responder a duas questões: Porque os homens falam tanto das mulheres? Tal participação teve implicações na vida delas?
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O envio de 73 enfermeiras junto à Força Expedicionária Brasileira (FEB) e à Força Aérea Brasileira (FAB) para servir na Itália, em 1944, durante a Segunda Guerra Mundial, é relacionado às políticas do governo Vargas de mobilização da população civil e de montagem de um front interno. O Estado Novo e a guerra foram importantes para a afirmação da enfermagem ?moderna?, conforme o sistema Nightingale, inclusive como modelo profissional para as mulheres de classe média. A enfermagem permitiu ao Estado engendrar uma de suas mais persuasivas imagens: a da pátria-mãe, que estendia os cuidados maternos à frente de batalha, tornando a guerra uma experiência coletiva que deveria unir todos os homens e mulheres, todos os brasileiros, sem quaisquer estratificações sociais. Esta ação de constituição do front interno conjugava mobilização para a guerra e adesão política das classes médias ao Estado Novo.
A ruptura do mundo masculino da medicina: médicas brasileiras no século XIX
  • RAGO E.
Um saber comprometido
  • BOURDIEU P.
Os paradigmas da submissão: mulheres, educação e ideologia religiosa -perspectiva histórica
  • J S Almeida
  • G V Silva
ALMEIDA, J. S. Os paradigmas da submissão: mulheres, educação e ideologia religiosa -perspectiva histórica. In: SILVA, G. V. et al. (Orgs.). História, mulher e poder. Vitória: Edufes, 2006.
Memória dos pioneiros do Serviço Social no Brasil: gerações formadas na década de 30 a 50
  • M Entrevista Maria Amélia
  • Arouzo
AROUZO, M. Entrevista Maria Amélia Arouzo. In: LABELLE, I. G. Memória dos pioneiros do Serviço Social no Brasil: gerações formadas na década de 30 a 50 [Relatório parcial de pesquisa]. Rio de Janeiro: Ed. da UFRJ, 1995.
Escritos de educação. Petrópolis: Vozes
  • P Dominação Masculina. Rio De Janeiro
BOURDIEU, P. A dominação masculina. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005. ______. Escritos de educação. Petrópolis: Vozes, 2011. Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 127, p. 476-495, set./dez. 2016
Nasci para sonhar e cantar
  • M Burns
BURNS, M. Nasci para sonhar e cantar. Rio de Janeiro: Record, 2009.
Caminhos e contradição no processo de escolarização das mulheres
  • S P Franco
  • G V Silva
FRANCO, S. P. Caminhos e contradição no processo de escolarização das mulheres. In: SILVA, G. V. et al. (Orgs.). História, mulher e poder. Vitória: Edufes, 2006.