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Verso e Reverso, 30(75):186-195, setembro-dezembro 2016
2016 Unisinos – doi: 10.4013/ver.2016.30.75.03
Este é um artigo de acesso aberto, licenciado por Creative Commons Atribuição 4.0 Internacional (CC-BY 4.0), sendo per-
mitidas reprodução, adaptação e distribuição desde que o autor e a fonte originais sejam creditados.
Mas, afinal, o que é o Tinder? – Um estudo sobre
a percepção que os usuários têm do aplicativo
Afterall, what is Tinder? – A study on the users’ perception of the app
Ana Luiza de Figueiredo Souza1
Universidade Federal do Rio de Janeiro. Av. Pasteur, 250, Praia Vermelha,
22290-240, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. analuiza.dfigueiredo@gmail.com
1 Graduada em Publicidade e Propaganda pela Escola de Comunicação (ECO) da UFRJ, atua como produtora de con-
teúdo, revisora e redatora publicitária. Com publicações em diferentes revistas e periódicos acadêmicos, escreve para
a revista digital Afronte. Participa de sete antologias, uma delas publicada na Espanha. Em 2016 lançou o livro e e-book
infantil “O Mirabolante Doutor Rocambole”, finalista no Prêmio Off Flip de Literatura.
Resumo. Colin Campbell arma que o hedonismo,
ou seja, a busca pelo prazer, é o que movimenta
tanto os desejos de consumo quanto as relações in-
terpessoais dos indivíduos modernos. Já Zygmunt
Bauman defende que, na sociedade de consumi-
dores, a conduta e as relações dos indivíduos são
inuenciadas por valores de mercado inseridos na
essência de atividades cotidianas. Este artigo apre-
senta uma pesquisa survey na qual são entrevista-
dos usuários do aplicativo Tinder, a m de vericar
até onde as proposições desses teóricos se aplicam
ao modo como os usuários percebem o aplicativo e
se relacionam com as outras pessoas que o utilizam.
Palavras-chave: relacionamentos interpessoais, he-
donismo moderno, sociedade consumidora, Tinder.
Abstract. Colin Campbell states that the hedonism,
in other words, the search for pleasure, is what
drives not only consumption desires, but also the
interpersonal relationships of modern individuals.
On the other hand, Zygmunt Bauman claims that,
in consumer society, the individuals’ conduct and
relationships are inuenced by market values in-
serted into everyday life activities. This paper pres-
ents a survey in which Tinder app users are inter-
viewed in order to verify whether the propositions
of both theorists apply to the way users perceive the
app and relate to the other people who also use it.
Keywords: interpersonal relationships, modern he-
donism, consumer society, Tinder.
Introdução
Para o teórico Colin Campbell (2001), o he-
donismo é uma doutrina losóca e moral que
arma que o prazer é o bem supremo da vida
humana. Assim sendo, as atividades dos indi-
víduos visariam seu alcance, classicando-os
como membros de uma sociedade hedonista.
No livro A ética romântica e o espírito do con-
sumismo moderno (2001), Campbell aponta o
romantismo como ponto de virada do “espí-
rito de poupança” calvinista para o “mundo
do consumo” característico da sociedade con-
temporânea. Segundo ele, o espírito românti-
co, imbuído de sentimentalismo e valorização
da liberdade e das sensações, provocou uma
importante mudança no hedonismo tradicio-
nal. Através da disseminação dos valores ro-
mânticos, aliada ao crescimento das vitrines e
galerias pelos centros urbanos, o indivíduo era
encorajado a experimentar novas sensações e
envolver-se em condutas diferentes, sendo li-
vre para fazer e sentir.
Se, antes, o prazer era procurado em algo
já conhecido, cujas possibilidades de prazer já
eram constatadas, o hedonismo moderno con-
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Mas, afinal, o que é o Tinder? – Um estudo sobre a percepção que os usuários têm do aplicativo
gura-se como a busca de um prazer imaginá-
rio, ilusório. O consumo atual seria, portanto,
oriundo desse hedonismo modicado – onde
o romantismo é a ética do consumismo e o
consumo não é mais materialista.
O hedonismo moderno consistiria na con-
duta fomentada pelo desejo da antecipada
qualidade do prazer prometido. Campbell
(2001) chama essa antecipação de devaneios,
isto é, cenários imaginários que são possíveis
de ocorrer. São tomados, então, como realida-
des potenciais.
A experiência do dia a dia não oferece
muitas possibilidades de desfrute e prazer,
de forma que devanear – ou seja, deixar-se
absorver em devaneios – passa a ser uma ati-
vidade hedonista. O devaneio possui uma di-
mensão a mais de prazer do que a fantasia,
pois nele existe a contemplação da realização,
ligada ao anseio.
Campbell arma que, ao criar esses ce-
nários imaginários – mas potencialmente
realizáveis –, o indivíduo ilude a si mesmo.
Os devaneios criados são perfeitos, ideali-
zados, e o indivíduo deixa-se levar por essas
ideias inalcançáveis a m de extrair delas o
prazer sonhado. Assim, a consumação do de-
sejo se converte necessariamente em uma ex-
periência desencantadora.
Torna-se mais satisfatório imaginar uma si-
tuação perfeita do que colocá-la em prática e,
ao exercê-la, descobrir que ela não era tão per-
feita ou interessante assim. O hábito moderno
de introduzir o devaneio no hedonismo torna
o próprio desejo uma atividade agradável.
É possível associar essa constatação ao que
Zygmunt Bauman argumenta no artigo Con-
suming Life (2001). Segundo o teórico, o maior
prazer está na busca pelo prazer, na luta por
ele. A graça de ter é buscar ter. A partir do mo-
mento em que o objeto de desejo é alcançado,
perde-se o interesse por ele e procura-se um
objeto novo, ou seja, empenha-se uma nova
busca tentando alcançar um objetivo diferente
– o que seria, de certo modo, a reprodução da
lógica capitalista de oferta e descarte.
O querer (ou seja, a vontade) motivaria
as ações e desejos na sociedade da abundân-
cia. Cientes dessa vontade, os indivíduos não
mais precisam justicar seu consumo. Ele é
insaciável e o próprio fato de querer alguma
coisa já basta para legitimá-lo. Assim, o ciclo
de querer – desejar – alcançar – querer se re-
pete inndavelmente.
Campbell (2001) também estabelece um
ciclo que classicaria o consumismo moder-
no: desejo – aquisição – desilusão – desejo.
De acordo com o que propõe, os devaneios,
sonhos e ilusões que permeiam a mente do
consumidor no ato da compra são mais im-
portantes do que o objeto adquirido em si. Isso
reetiria um “desejo de experimentar na reali-
dade os dramas agradáveis já desfrutados na
imaginação” (Campbell, 2001, p. 127), inclusi-
ve quando se trata das relações interpessoais.
Entretanto, segundo Bauman (2001), a bus-
ca pelo prazer não é o único motivador do
consumo atual. Inuenciados pelo grande nú-
mero de ofertas disponíveis no mercado, os in-
divíduos consumidores, em um processo irra-
cional sobre o qual têm pouco controle, veem
seus quereres constantemente alimentados e
estimulados. A isso junta-se a noção propaga-
da pelo mercado de que nenhuma decisão dos
consumidores é nal, ou seja, não existem con-
sequências irreversíveis.
Somada à falta de necessidade de justicar
o consumo, tal crença faz com que o ato de
consumir seja desprovido de culpa, bem como
o de desejar.
Tendo em vista as proposições de Campbell
e Bauman sobre o consumo atual, inclusive no
âmbito das relações interpessoais, o presente
artigo pretende entender como os indivíduos
da sociedade hedonista moderna (ou socieda-
de consumidora) percebem e se relacionam
com outros usuários de um aplicativo feito
justamente para promover a interação entre
diferentes pessoas: o Tinder.
Há algum tempo, no campo da comunica-
ção, os estudos de consumo vêm sendo utili-
zados para compreender as interações esta-
belecidas entre os indivíduos da sociedade
contemporânea. Analisar os relatos e opiniões
de usuários acerca de um aplicativo de rela-
cionamento (ou seja, uma tecnologia forneci-
da pelo mercado, com ns de consumo, mas
que se verte para um aspecto fundamental da
vida social) com que possuem familiaridade
seria uma maneira interessante de tensionar a
correspondência entre as teorias sobre as inte-
rações interpessoais, mediadas por novas pla-
taformas e recursos, e a prática da utilização
dessas mesmas mídias. Sobretudo no contex-
to contemporâneo, em que as identidades se
constroem externamente, com a necessidade
de serem visíveis ao olhar alheio, de maneira
uida e constante.
Para isso, 10 jovens usuários do aplicativo
foram selecionados para participarem de uma
pesquisa survey descritiva de corte transversal
(Freitas et al., 2000). Eles responderam a um
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Ana Luiza de Figueiredo Souza
questionário, no qual forneceram suas opini-
ões sobre essa rede social e como cada um de-
les, dentro das possibilidades do aplicativo, se
relaciona com outros usuários.
O Tinder e a sociedade tecnológica
Criado em 2012, o Tinder é um aplicativo
de localização de pessoas para encontros, dis-
ponível para smartphones e tablets com sistemas
iOS ou Android. Mundo afora, o Tinder possui
100 milhões de usuários. Dez por cento deles,
ou seja, 10 milhões, são brasileiros. Isso faz do
Brasil o terceiro maior mercado do aplicativo,
atrás apenas dos Estados Unidos e do Reino
Unido (Tagiaroli, 2014).
Para se cadastrar, basta que o usuário bai-
xe o aplicativo e entre no Tinder a partir de
sua conta no Facebook, da qual são importas
até cinco de suas fotos de perl e informações
sobre sua idade, gostos (opções “curtir”) e lo-
calização. Por se utilizar das programações de
segurança do próprio Facebook, o aplicativo
garante maior proteção contra a criação de
contas falsas ou múltiplas.
Já que importa dados de outra rede social, a
conta recém-criada ca previamente congu-
rada para selecionar pers da mesma região
que o novo usuário. Ele, então, pode editar
seu perl. O usuário é capaz de escolher até
seis fotos para publicar em sua conta, além de
denir se quer selecionar pers masculinos ou
femininos, de qual idade e em até que distân-
cia. Também é possível escrever uma pequena
biograa e editar seus gostos.
Pode-se relacionar o uso das opções “curtir”
para montar o perl do usuário do Tinder com
o que Campbell aponta no ensaio Eu Compro,
Logo Sei que Existo: As Bases Metafísicas do Con-
sumo Moderno (2007). Segundo ele, as escolhas
de consumo do indivíduo ajudam a criar sua
identidade e dizem algo sobre si, seja um traço
de sua personalidade seja seu posicionamento
acerca de determinada questão.
Feito isso, pers de pessoas próximas ao
usuário são exibidos na tela, apresentando
sua idade, uma breve descrição (biograa) e
os amigos em comum. Se o usuário gostar de
um perl apresentado, deve clicar no ícone de
coração na parte inferior da tela ou deslizá-la
para a direita. Caso contrário, deve clicar no
ícone de X ou deslizar a tela para a esquerda.
Se o dono do perl selecionado também gos-
tar do perl do usuário, o aplicativo notica
ambos com um match e então é aberto um chat
privado para que possam conversar.
Em seu site ocial, o Tinder descreve a si
mesmo da seguinte maneira: “O Tinder é
como as pessoas se conhecem. É como a vida
real, só que melhor” (App Tinder, 2014). Tal
descrição se relaciona ao hedonismo descrito
por Campbell (2001). Trata-se da idealização
de um devaneio. A partir dessa promessa, a
pessoa vai começar a devanear sobre as pos-
sibilidades de prazer possíveis pelo Tinder –
que, segundo o próprio aplicativo, é melhor
do que a vida real.
No mesmo site, o Tinder se refere aos per-
s de outros usuários como “alvos”, diz que o
aplicativo permite “avaliar as fotos e interesses
de outros pers e qualicá-los como SIM ou
NÃO” e dá a seguinte instrução para os novos
usuários: “É importante que você, antes de co-
meçar a qualicar outras pessoas, edite o seu
perl já que é através dele que as pessoas vão
te qualicar como positivo ou negativo... você
tem que se vender direito” (Tinder, 2015).
Pelo teor do texto e pelas expressões em-
pregadas, é possível relacioná-lo ao que Bau-
man aponta em Vida para Consumo: A Trans-
formação das Pessoas em Mercadoria (2012). Para
ele, as práticas e valores que regem o mercado
inuenciam o modo como os indivíduos da so-
ciedade de consumidores interagem entre si,
ou seja, as relações interpessoais, mesmo que
despercebidamente, também seriam regidas
pela lógica de mercado, na qual a necessidade
de adequação impeliria as pessoas a se vende-
rem como desejáveis, atraentes e interessantes,
tanto para empregadores quanto para amigos
e parceiros em potencial.
Em entrevista ao site UOL, o cofundador da
plataforma, Justin Mateen, descreveu o aplica-
tivo pela seguinte denição (Tagiaroli, 2014):
Essencialmente, promovemos uma apresentação
entre duas pessoas [...]. Pode ser para um relacio-
namento amoroso, amizade ou para fazer negó-
cios. Quando você vai a uma festa ou a um café,
ninguém chega para você e diz: “Estou aqui para
achar uma mulher” ou “estou aqui apenas para
fazer amigos”. São os usuários que denem como
usar a ferramenta.
Pode-se relacionar essa fala ao que Igor
Kopyto arma em A Biograa Cultural das
Coisas: A Mercantilização como Processo (2008).
O teórico defende que as mercadorias devem
ser entendidas como resultado de um processo
de atribuição de valor às coisas. A partir do mo-
mento em que uma determinada mercadoria é
produzida e exposta ao público, as pessoas se
apropriam dela, atribuindo-lhe signicado e
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Mas, afinal, o que é o Tinder? – Um estudo sobre a percepção que os usuários têm do aplicativo
modo de uso de acordo com suas referências
culturais, valores, vivências, interesses, entre
outros fatores. O que dá sentido a um objeto
(no caso, o aplicativo Tinder) não é tanto o ob-
jeto em si, mas o uso que as pessoas fazem dele.
Para Bauman (2001), as tecnologias, in-
cluindo o Tinder, seriam criações do mercado
para si mesmo, à medida que instauram novos
modos de conduta e percepção por ele com-
partilhados. Assim, seriam mais um espaço
para o qual as práticas capitalistas se esten-
deriam. Justamente por isso, também agiriam
como fornecedoras de opções de consumo
para os indivíduos. Agora eles podem escolher
entre ainda mais ofertas, o que aumenta a po-
tência do querer insaciável e da angústia dos
indivíduos diante das muitas possibilidades
disponíveis.
Para Campbell (2001), as tecnologias se-
riam meios de facilitar novas experiências e
o alcance do prazer. Tal suposição remete ao
que Bauman arma em Consuming Life (2001),
ao dizer que os membros da sociedade consu-
midora buscam novas sensações, desde que
sejam controladas, sem abrir mão do conforto
e da segurança. A isso ele chama de “experi-
mentação simulada” já que, em determinados
espaços, físicos ou virtuais, simula-se uma ex-
periência de forma a editá-la, proporcionando
apenas seus aspectos prazerosos, agradáveis e
protegidos.
Esse medo do imprevisível e do descon-
forto seria construído nos consumidores pelo
próprio capitalismo, que, depois de tê-lo insta-
lado, se oferece como aquele que vai proteger
e resgatar o consumidor.
Considerações metodológicas
A pesquisa survey descritiva é utilizada
quando o foco de interesse do estudo é iden-
ticar quais situações, eventos, opiniões e ati-
tudes estão presentes em determinado grupo.
Também permite comparar como esses po-
sicionamentos estão distribuídos dentro do
mesmo (Freitas et al., 2000). Adequava-se, por-
tanto, como método de pesquisa para o pre-
sente artigo. A variedade escolhida foi a survey
de corte transversal, ou seja, com os dados ex-
traídos em apenas um intervalo temporal, de
uma única vez (Freitas et al., 2000).
Para cumprir a nalidade do estudo, ou
seja, discutir até onde as proposições de Camp-
bell e Bauman se alinham com a percepção que
os indivíduos têm dos mecanismos, sistemas e
características da sociedade consumidora (ou
hedonista), era preciso escolher um objeto de
análise que agregasse os aspectos descritos
por ambos os teóricos: princípio hedonista,
mercantilização dos processos cotidianos, en-
tre outros previamente listados.
Assim, optou-se por analisar as opiniões
acerca de um aplicativo de relacionamento por
três motivos básicos:
(i) Adequação à unidade de análise. Era
preciso escolher um campo no qual os
entrevistados se sentissem à vontade,
algo que zesse parte de seu cotidiano
a ponto de serem capazes de responder
ao questionário da forma mais natural
possível.
(ii) Alinhamento com a proposta do ar-
tigo. Escolher um objeto de análise
de cunho intimista e pessoal rende-
ria mais informações relevantes para
a pesquisa, visto que os aplicativos
de relacionamento dizem respeito a
formas muito particulares como cada
indivíduo enxerga a si mesmo, aos ou-
tros indivíduos e, a partir disso, intera-
ge com eles.
(iii) Aplicativos de relacionamento sinteti-
zam muitos dos aspectos descritos por
Campbell e Bauman em seus estudos
sobre a sociedade contemporânea e
sua organização.
Uma vez denido que a delimitação da
pesquisa seria um aplicativo de relacionamen-
to, escolheu-se fazer o recorte sobre o mais
popular deles, no mundo e no Brasil: o Tinder
(Fabrício, 2015). Desse modo, além de maio-
res chances de encontrar usuários dispostos a
participar da pesquisa, também seria possível
analisar sua percepção sobre um aplicativo
que já faz parte do vocabulário universal.
A seguir, era preciso determinar as carac-
terísticas da unidade de análise, ou seja, dos
entrevistados. Segundo dados fornecidos pelo
próprio Tinder ao jornal The Guardian, 50% dos
usuários do aplicativo estão na faixa de 18 a 24
anos (Dredge, 2015).
Para a realização do presente artigo, então,
optou-se por uma amostra que representas-
se justamente a parcela mais signicativa de
usuários do aplicativo. Por ser uma amostra
escolhida a partir de critérios de seleção – sen-
do o primeiro deles a idade dos entrevistados
–, trata-se de uma amostra não probabilística
(Freitas et al., 2000).
Assim, a amostra foi estabelecida a partir
dos seguintes critérios:
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Ana Luiza de Figueiredo Souza
(i) Ter entre 18 e 24 anos de idade.
(ii) Usar o Tinder há mais de um ano, em
frequência regular.
(iii) Já ter saído com alguém que conheceu
no aplicativo.
A escolha dos participantes da pesquisa se
deu por meio da técnica metodológica snow-
ball (Albuquerque, 2009). Foram inicialmente
escolhidos 03 usuários que tinham mais con-
tato com o aplicativo, bem como mais experi-
ências relacionadas a seu uso. Eles formaram,
portanto, as “sementes” do estudo. A partir
de suas indicações (ou mesmo de seu recruta-
mento), foram alcançados os demais partici-
pantes da pesquisa.
O “ponto de saturação” da amostragem em
bola de neve é atingido quando os novos entre-
vistados passam a repetir o conteúdo já obtido
nas entrevistas e/ou questionários anteriores,
deixando de acrescentar novas informações ou
dados relevantes à pesquisa (Hudelson, 1994).
No presente estudo, isso ocorreu quando o nú-
mero de participantes da amostra totalizava 10
jovens, 06 mulheres e 04 homens.
O grupo era composto por estudantes uni-
versitários, todos com a graduação ainda em
curso. Cinco deles habitam a cidade de Nite-
rói, 04 a cidade do Rio de Janeiro e apenas 01
jovem reside em São Gonçalo. Todos os entre-
vistados pertencem a camadas médias2 da po-
pulação uminense.
O instrumento utilizado para a survey foi
um questionário com perguntas abertas, redi-
gido sob a forma de lista, isto é, com questões
que faziam alusão direta ao que a pesquisa
pretendia vericar (Moscarola, 1990). Tais ve-
ricações consistiam em conhecer:
(i) A percepção que o entrevistado tinha
do aplicativo.
(ii) A percepção que o entrevistado tinha
dos outros usuários do aplicativo.
(iii) A forma de interação do entrevista-
do com o aplicativo e com os outros
usuários.
(iv) Como o uso do aplicativo inuenciava
(ou não) suas atitudes e interações fora
dele.
O questionário foi enviado por e-mail e/ou
inbox pelo Facebook, sendo que os participan-
tes não foram pressionados para respondê-lo
rapidamente. A coleta de respostas ocorreu
durante uma semana, prazo do qual cada par-
ticipante foi avisado, e, passados sete dias, ve-
ricando-se que as respostas começavam a se
repetir, a etapa de realização do questionário
deu-se por encerrada.
A partir de então, foi feita a análise das res-
postas com base nas proposições teóricas de
Campbell (2001, 2007), Bauman (2001, 2012) e
Kopyto (2008).
Analisando as entrevistas
Quando indagados sobre quais seriam a
maior qualidade e o maior defeito do Tinder
em comparação ao “olho no olho”, os entrevis-
tados responderam:
A maior vantagem do Tinder em comparação aos
encontros tradicionais é a praticidade, que é ine-
gável. O pior defeito é que não tem como saber
exatamente como as pessoas são só por ele, o que
torna a escolha mais complicada e aumenta as
chances de você se enganar.
Ter um jeito alternativo de conhecer novas pes-
soas é a maior qualidade. O maior defeito é que
você tem pouco tempo pra decidir se o perl de
uma pessoa vale a pena ou não. E se você sem
querer dispensar o perl de alguém legal, já era.
A maior qualidade é que você pode saber mais
sobre a pessoa antes de se encontrar com ela.
O defeito é que isso não é garantia de segurança,
o aplicativo, ao contrário do “olho no olho”, não
tem como dizer se a pessoa está mal-intencionada
ou é, sei lá, doente.
Não existe o nervosismo de conversar pessoal-
mente, dá pra descobrir se aquela pessoa combina
com você antes de ter um primeiro encontro. Você
também pode ter tempo pra pensar na resposta ou
pode evitar o assunto, caso se torne inconvenien-
te. Além disso, você conhece gente que não conhe-
ceria se não fosse pelo Tinder. O maior defeito é
que nem sempre as pessoas são exatamente como
elas demonstram pelo aplicativo. Cara a cara a
personalidade pode mudar e fazer você se arre-
pender de ter considerado a saída.
A qualidade é poder conhecer e interagir com pes-
soas diferentes de forma mais prática. A desvan-
tagem é que você só tem uma chance de decidir se
um perl é interessante ou não.
O Tinder é relativamente seguro, já que mostra
os amigos em comum do Facebook, então você
2 De acordo com a definição de Rial e Grossi (2000): “[...] ao falar de classes médias estamos nos referenciando a uma par-
cela da população que vive em grandes centros urbanos e que compartilha de valores culturais individualistas ocidentais
contemporâneos”.
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Mas, afinal, o que é o Tinder? – Um estudo sobre a percepção que os usuários têm do aplicativo
tem uma referência sobre a pessoa que deseja co-
nhecer e ainda perde um pouco a timidez. O ruim
é que, mesmo tendo mais segurança, eu nunca
me sinto 100% segura em conhecer alguém pela
internet.
Entre as respostas, a possibilidade de co-
nhecer novas pessoas foi listada como uma
das maiores qualidades do aplicativo. É possí-
vel associar essas revelações ao que Campbell
(2001) arma sobre a relação entre os deva-
neios e a busca por novas experiências, inclu-
sive no âmbito das relações interpessoais. Para
muitos entrevistados, o aplicativo funciona
como um facilitador de uma atividade social
comum e muito necessária: conhecer pesso-
as. Isso possibilitaria os devaneios do usuário
acerca da pessoa recém-conhecida, o que gera
prazer e, consequentemente, estímulo para in-
teragir com mais usuários.
Já o medo do desconhecido e de se relacio-
nar com pessoas perigosas ou mal-intenciona-
das foram listados como os maiores defeitos.
O apego à segurança também esteve muito
presente nas respostas. Entre as maiores pre-
ocupações dos entrevistados estava a impossi-
bilidade de terem certeza de como são os usuá-
rios fora do cenário virtual. Tal necessidade de
controle, embasada pelo sentimento de temor,
se relaciona com o que Bauman arma em
Consuming Life (2001) sobre experimentações
simuladas. Deseja-se vivenciar uma experiên-
cia, no caso, se relacionar com outros usuários
também abertos à possibilidade de estabelecer
um laço afetivo, desde que seja desprovida de
imprevistos, desconforto ou desdobramentos
indesejáveis. Em suma, que seja perfeita den-
tro daquilo que pode ser, tal qual os devaneios
descritos por Campbell (2001).
Além disso, seja para conhecer mais pesso-
as ou encontrar o maior número possível de
usuários atraentes, o querer insaciável tam-
bém aparece nos depoimentos.
É interessante notar como algumas respos-
tas, como a segunda e a quinta acima trans-
critas, também reforçam o que Bauman (2001)
arma sobre a noção de que não existem conse-
quências irreversíveis na sociedade consumido-
ra. No Tinder, é preciso dar “like” nos usuários
de seu interesse no momento em que aparecem,
do contrário, o contato é perdido junto com os
possíveis desdobramentos que viriam dele. Ou
seja, cada avaliação é terminal. Contudo, para
os entrevistados, isso é mais do que um defeito,
é uma lástima. Acreditam que nenhuma atitude
no aplicativo deveria ser tão decisiva.
O lamento de deixar escapar alguém inte-
ressante também se relaciona com o que Camp-
bell (2001) classica como “espírito romântico”,
que idealiza prazeres e sensações que poderiam
derivar de um objeto, no caso, o usuário atra-
ente. Também é possível relacioná-lo ao que
Bauman (2001) arma sobre a grande quanti-
dade de ofertas disponíveis para os indivíduos
consumidores: querem experimentar o maior
número delas, sem perder nenhuma. Quando a
perda acontece, é sofrível e angustiante.
Ao responderem sobre qual era seu aspecto
preferido no Tinder e de qual gostavam me-
nos, os entrevistados disseram:
Eu gosto de conhecer pessoas diferentes, que não
poderia ter conhecido se não fosse por ele. Mas
do que menos gosto é que não tem como garantir
que os outros usuários usam o Tinder com boas
intenções.
Gosto porque já usa suas informações direto do
Facebook, o que o torna prático e mais seguro
também. Não gosto do modo como muitas pes-
soas procuram o Tinder apenas para terem algo
casual, sem envolvimento.
Poder conhecer gente nova sem nem sair de casa
é minha parte favorita no Tinder. Eu não gosto
mesmo é da “fama” que o aplicativo tem, como
se todo mundo que estivesse ali só procurasse al-
guém pra car e acabou. Não é bem assim.
É importante perceber que os entrevistados
não culpam o aplicativo pelos aspectos nega-
tivos que identicam em seu uso, mas sim a
forma como as pessoas utilizam ou percebem
o Tinder. O problema não estaria no aplicati-
vo, mas nas intenções de quem o usa, o que se
relaciona com o processo de atribuição de va-
lor descrito por Igor Kopyto (2008). Já entre
as maiores qualidades do aplicativo guram,
mais uma vez, a possibilidade e a facilidade de
conhecer pessoas novas.
Quando indagados se considerariam come-
çar um relacionamento sério com alguém que
conhecessem no aplicativo, apenas 02 dos 10
entrevistados disseram que não. Um respon-
deu que talvez começasse. O restante (ou seja,
mais da metade), armou que sim e, entre as
respostas, destaca-se o seguinte depoimento:
Acredito que o aplicativo é apenas uma forma de
conhecer alguém, assim como é um bar, um pub
ou uma balada. Se eu teria um relacionamento
sério com uma pessoa que eu conhecesse em qual-
quer um desses lugares, por que não com alguém
do Tinder?
192 Verso e Reverso, vol. 30, n. 75, setembro-dezembro 2016
Ana Luiza de Figueiredo Souza
Na visão da entrevistada, o Tinder é um
novo espaço para socializar, alternativo aos
lugares tradicionais onde se procuram pesso-
as diferentes e possivelmente interessantes.
Tem-se expressa a percepção do Tinder como
uma extensão da vida cotidiana e suas práti-
cas, o que condiz com a descrição que Justin
Mateen faz do aplicativo por ele criado.
Aos entrevistados, então, foi indagado
quais eram suas expectativas, se é que exis-
tia alguma, ao criar um perl no Tinder e se
elas já haviam sido concretizadas ou frustra-
das. Os 10 entrevistados responderam que
tinham expectativas, muitas vezes mais de
uma. Os anseios variavam desde “apenas
se divertir” até “encontrar alguém especial”.
A expectativa mais popular era criar um perl
capaz de atrair usuários parecidos com eles,
ou seja, com gostos e anidades semelhantes
(06 de 10). A segunda resposta mais popular
foi criar um perl que reetisse da melhor ma-
neira possível a pessoa que eles eram, 03 de 10.
Apenas um entrevistado respondeu que cons-
truía seu perl esperando chamar a atenção do
maior número de usuários.
Isso revela um princípio de seletividade:
querem atrair pessoas parecidas com eles.
Essa preferência acaba agindo como um ltro
que, de certo modo, contradiz o que a maioria
dos entrevistados respondeu ser a maior qua-
lidade do Tinder – poder conhecer um maior
número de pessoas. Se a intenção é conhecer
novas pessoas, ou seja, pessoas diferentes das
com quem se convive habitualmente, seria
esperado que construíssem seus pers para
atrair o maior número possível de usuários
para, dentro deles, escolher os que mais lhe
interessassem.
Vê-se presente, mais uma vez, a experimen-
tação simulada descrita por Bauman (2001). O
usuário quer conhecer o maior número de pes-
soas, desde que se encaixem no perl de seu
interesse, ou seja, que pertençam a um mesmo
nicho, que é o de sua zona de conforto. Entre-
tanto, dentro desse nicho, é importante que
haja possibilidades de escolha. Muitas, prefe-
rencialmente. Como arma Bauman (2001), é
essa grande oferta que estimula o querer dos
indivíduos, fazendo-os desejar cada vez mais e
agirem para alcançar os objetos desejados. No
caso, parceiros em potencial.
Em relação às expectativas, todos os usu-
ários armaram já terem se frustrado. A
maioria, inclusive, armou que a frustração é
constante. Entre as respostas fornecidas, des-
tacam-se as seguintes:
O primeiro encontro é sempre frustrante, mesmo
que seja legal. A pessoa nunca vai ser 100% do
jeito que você imaginou.
As frustrações seriam as mesmas de quando você
conhece supercialmente uma pessoa e depois
passa a conhecê-la melhor. Nem tudo que você
imagina acontece ou então nem tudo é tão legal
quanto parecia.
Eu acho que me decepciono porque sei que qual-
quer coisa que eu imagine sobre a pessoa no Tin-
der vai ser diferente na realidade. Por isso às ve-
zes dá vontade de nem marcar um encontro, pra
não estragar.
Vê-se presente um aspecto que Campbell
(2001) descreve como inerente à sociedade he-
donista moderna. Os devaneios criados pelo
indivíduo são mais interessantes do que a ex-
periência concreta em si, o que a torna uma
desilusão. A última resposta reete o que o te-
órico arma sobre ser mais agradável ao indi-
víduo imaginar uma situação perfeita em sua
mente do que colocá-la em prática e descobrir
que não era tão perfeita assim.
De volta ao questionário, a quinta pergun-
ta indagava como os entrevistados avaliam se
algum usuário é de seu interesse no Tinder.
A maioria deles respondeu que era através
da análise das fotos e dos interesses do perl.
A noção de que os gostos (ou seja, as opções
“curtir”) de um usuário dizem alguma coisa
sobre ele reete as armações de Campbell
(2007) sobre como as escolhas de consumo aju-
dam a formar a identidade do indivíduo.
Considerando-se o funcionamento do
aplicativo, tais quesitos (fotos e gostos) po-
dem ser classicados como critérios de ava-
liação. Nesse sentido, relacionam-se com as
proposições sobre distinção e qualicação
apresentadas em Vida para Consumo: A Trans-
formação das Pessoas em Mercadoria (2012). Tan-
to o usuário sabe que suas fotos e gostos serão
usados pelos outros usuários para avaliá-lo
quanto ele próprio utiliza esses mesmo que-
sitos para dar ou não “like” nos pers que lhe
são apresentados.
A pergunta seguinte questionou se os en-
trevistados já haviam deixado de usar o apli-
cativo algum tempo depois de tê-lo baixado,
e qual teria sido a razão para isso. Depois, in-
dagava qual o motivo por que decidiram vol-
tar a usá-lo. Interessante constatar que todos
os entrevistados deixaram de usar o aplica-
tivo em algum momento, como mostram as
seguintes respostas:
Verso e Reverso, vol. 30, n. 75, setembro-dezembro 2016 193
Mas, afinal, o que é o Tinder? – Um estudo sobre a percepção que os usuários têm do aplicativo
Sim. Comecei a car com alguém mais sério e não
tinha mais por que usar o aplicativo, já que não
estava procurando outra pessoa. Quando não deu
certo, voltei a usar o Tinder, uma vez que esta-
va completamente solteira de novo. No entanto,
apesar de não estar usando durante aquela época,
não tinha excluído a minha conta. Apenas a apa-
guei quando comecei a namorar.
Sim, eu estava me sentindo muito exposta, tinha
muita gente conhecida ali no meio. Voltei a usar
porque estou solteira e sem muito tempo de sair
e conhecer gente legal. Não é perfeito, cansa um
pouco, mas encurta o caminho.
Sim. Deixei de usar porque as pessoas não es-
tavam tão interessantes e voltei porque estava
carente.
Os depoimentos denotam que o uso do
aplicativo se apresenta condicionado ao status
de relacionamento dos usuários, assim como
ocorre com a paquera no cotidiano. O erte e
a procura por possibilidades de envolvimento
com outras pessoas são permitidos enquanto
se é solteiro, mas suspensos a partir do mo-
mento em que se entra em uma relação mais
séria com alguém. Se alguns aspectos da vida
de solteiro podem fatigar os usuários, isso
também acontece na vida de solteiro virtual
possibilitada pelo Tinder, como indica o se-
gundo depoimento.
A última pergunta do questionário era se
os entrevistados haviam notado alguma mu-
dança na maneira de se relacionar com as pes-
soas e/ou buscar parceiros depois de começa-
rem a usar o aplicativo e, se sim, qual seria.
Seis dos 10 entrevistados responderam que
não perceberam mudanças. Assim, pode-se
inferir que tudo que fazem no aplicativo, des-
de como escolhem outros usuários até o modo
como se apresentam, não difere do que fazem
em seu cotidiano, como demonstra o seguinte
depoimento:
Não, eu continuo me produzindo para sair e co-
nhecendo pessoas novas pelos lugares onde sem-
pre andei. O Tinder é um bônus.
Dos que notaram mudanças, foram obtidas
as seguintes respostas:
Sim, passei a car mais conante na hora de con-
versar com as pessoas.
Acho que perdi um pouco da paciência de car
esperando o menino que eu tinha cado no m
de semana me procurar de novo. Ficou tão fácil
fazer a “la andar” que, a não ser que tivesse va-
lido muito a pena, não tinha motivo para car
esperando aquele menino aparecer quando podia
conseguir outro em algumas horas. Bastava dar
match com alguém no Tinder, conversar e mar-
car para sair.
Nesses depoimentos, é possível constatar
que os entrevistados perceberam as implicân-
cias do uso do Tinder em seu dia a dia como
positivas, algo que agregou a suas experiên-
cias rotineiras.
A última resposta reete o que é defen-
dido tanto por Bauman (2001, 2012) quanto
por Campbell (2001). É possível comparar a
rapidez e a falta de culpa em “fazer a la an-
dar” com a velocidade de descarte promovida
pelo regime capitalista – prática de mercado
igualmente desprovida de culpa que, de tão
presente no cotidiano, pode ter inuencia-
do o comportamento da entrevistada. Entre-
tanto, isso não é percebido pela jovem como
problemático, mas como uma solução para
evitar o desgaste e as amarguras de um deva-
neio frustrado. As situações imaginárias, mas
potencialmente alcançáveis, apontadas por
Campbell ainda são criadas pelos indivíduos e
a frustração com a experiência concreta (e seus
desdobramentos) se mantém, o que impulsio-
na novos desejos. O que acontece é que, com
o aplicativo, esses processos se dão de forma
mais rápida e a frustração gerada pela concre-
tude da experiência (o encontro que termina
sem um telefonema no dia seguinte) gera me-
nos impacto, uma vez que, como justicaria
Bauman (2001), há muitos objetos disponíveis
para serem desejados e alcançados.
Porém, nem todos consideram a inuência
do Tinder positiva, como pode ser visto nos se-
guintes depoimentos:
Sim, quei mais desiludida no amor. O motivo
para eu usar o Tinder é ter a remota chance de
encontrar minha alma gêmea, mas pelo visto ela
não existe.
Sim, sou mais cuidadosa na hora de me encontrar
com alguém que conheço pelo aplicativo. Esco-
lho um lugar movimentado, deixo meus amigos
saberem pra onde eu vou, mando mensagem se
alguma coisa sair fora do esperado. Eu não sou
tão cautelosa com quem já conheço pessoalmente.
A preocupação com a segurança volta a
aparecer, assim como uma certa idealização
romântica das relações. A entrevistada que
deu a primeira resposta revelou que usa o
Tinder na esperança de encontrar sua alma
gêmea e se decepciona quando as pessoas que
194 Verso e Reverso, vol. 30, n. 75, setembro-dezembro 2016
Ana Luiza de Figueiredo Souza
conhece através dele não correspondem a suas
expectativas. Mais uma vez, os devaneios apa-
recem norteando a busca dos indivíduos por
novas experiências.
Ao longo das respostas, vericaram-se
tanto o princípio hedonista moderno descrito
por Campbell (2001) quanto a necessidade de
opções de escolha – que também angustiam e
deslumbram – apontada por Bauman (2001).
A pesquisa mostrou que, para os usuários en-
trevistados, o Tinder é mais um espaço, e um
modo alternativo, de conhecer pessoas novas.
Considerações nais
Ao nal da pesquisa, constatou-se que o
Tinder, enquanto empresa que fornece um
serviço, tem uma visão sobre o aplicativo e
as relações nele estabelecidas alinhada ao que
Bauman defende em Vida Para Consumo: A
Transformação das Pessoas em Mercadoria (2012),
onde os indivíduos, para exigirem qualquer
coisa do mercado (no caso, o aplicativo), tam-
bém precisariam se colocar como mercadorias
atraentes e valorosas.
Entretanto, a pesquisa revelou que os usuá-
rios entrevistados não notam a atuação de va-
lores capitalistas que, segundo Bauman (2012),
condicionariam suas escolhas ou o modo de se
relacionarem com outros indivíduos. Enquan-
to usuários do Tinder, eles não se percebem
em uma vitrine, nem no papel de mercadorias
nem na função de consumidores – mesmo que
construam seus pers visando atrair usuários
de seu interesse.
Apesar disso, é importante considerar que
o fato de estar imerso em uma determinada
cultura altera a percepção das pessoas sobre
suas práticas. O próprio Bauman (2001) argu-
menta que as tecnologias criadas pelo mercado
vêm imbuídas de valores, condutas e noções
que buscam ser incorporados pelos indivídu-
os que as utilizam. Isto posto, os entrevistados
inseridos na cultura capitalista de consumo
podem não ter a noção de que reproduzem os
princípios de mercado descritos por Bauman
(2012) – estraticação, diferencial competitivo,
variedade de oferta, entre outros – para esco-
lherem os usuários com que vão se relacionar.
Isso não necessariamente quer dizer que tal
inuência não exista, mas que foi incorporada
de modo a não ser percebida como existente
ou problemática.
O fato de o site ocial do próprio Tinder ob-
jeticar seus usuários denota que essa cultura
capitalista de mercado rege o funcionamento
das empresas no cenário atual. Isso, porém,
não signica que as condutas por ela estimu-
ladas serão adotadas pelas pessoas que fazem
uso dos produtos e serviços de tais empresas.
Os entrevistados inclusive se ressentem pela
rapidez do aplicativo – que os faz não ter a
chance de reencontrar o perl de alguém inte-
ressante – e pelo modo como muitas pessoas o
utilizam ou descrevem como apenas um meio
de obter relações de curto prazo, não signi-
cativas. Reforçando a proposição de Igor Ko-
pyto (2008), o sentido e o valor das mercado-
rias (no caso, o Tinder) se dão pelo uso que as
pessoas fazem delas. Entre os entrevistados, a
intenção de se relacionar de forma mais ínti-
ma, honesta e duradoura através do Tinder era
maior do que a de apenas ter interações passa-
geiras ou dissimuladas.
Também foi percebido que, apesar de ser
um aplicativo para marcar encontros, a inte-
ração que os entrevistados têm com outros
usuários do Tinder é similar à que teriam
com as pessoas em um bar ou boate. Não ne-
cessariamente a conversa vai se transformar
em um envolvimento amoroso, mas pode
ser prazerosa ou render uma nova amizade.
Assim, reforçando a denição do cocriador
do aplicativo, Justin Mateen, o Tinder seria
uma extensão das práticas e da vida cotidiana
de seus usuários.
À medida que os entrevistados, como usu-
ários, revelaram que pretendem atrair e serem
atraentes, está implícita a lógica hedonista de
Campbell (2001). O ciclo de desejo (que gera
prazer antecipado) – aquisição (no caso, a
conquista do interesse de outro usuário) – de-
silusão (a experiência concreta do encontro,
fora do ambiente do Tinder) – desejo (novos
devaneios, com outros ou o mesmo usuário)
é mantido. Trata-se da procura por um prazer
antecipado sobre as experiências, mesmo que
sejam relações interpessoais.
Também é possível associar esse processo
ao que Bauman (2001) dene sobre o prazer
na sociedade consumidora e o ciclo de querer
– desejar – alcançar – querer. Para ele, o maior
prazer está na busca pelo prazer, armativa que
é reforçada pelo fato de todos os entrevistados
solteiros manterem um perl ativo no Tinder,
mesmo tendo críticas a ele. Considerando que
se tratam de membros de uma sociedade hedo-
nista – usando aqui a classicação de Campbell
(2001) – se o uso do aplicativo não proporcio-
nasse nenhum prazer, não haveria motivo para
mantê-lo. A graça de ter um envolvimento in-
terpessoal, amoroso ou não, é buscá-lo.
Verso e Reverso, vol. 30, n. 75, setembro-dezembro 2016 195
Mas, afinal, o que é o Tinder? – Um estudo sobre a percepção que os usuários têm do aplicativo
Movidos pelo querer e atiçados pela enor-
me quantidade de ofertas, os indivíduos con-
sumidores constantemente se lançariam na
busca por alguma coisa. No caso dos usuários
do Tinder entrevistados, conhecer pessoas
com as quais poderiam ter algum tipo de en-
volvimento. A partir do momento em que se
conquistasse o objetivo, o indivíduo perderia
o interesse por ele e começaria uma nova bus-
ca. Ou, na visão de Campbell, quando a situa-
ção vivida não fosse tão interessante quanto a
realidade potencial criada pelo indivíduo ou
as possibilidades disponíveis por meio dos
outros usuários do aplicativo, ela perderia o
encanto, fato que estimularia o desejo por ou-
tras sensações.
Abrir a possibilidade para novas experiên-
cias, nascidas do contato com novas pessoas,
parece ser o que move o uso do Tinder, pos-
sibilidade esta que é maior do que o apego à
segurança e o desespero causado pela multi-
plicidade de ofertas disponíveis.
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Submetido: 08/12/2015
Aceito: 19/05/2016