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Abstract

“Tinha chegado o tempo / Em que era preciso que alguém não recuasse / E a terra bebeu um sangue duas vezes puro / Porque eras a mulher e não somente a fêmea / Eras a inocência frontal que não recua / Antígona poisou a sua mão sobre o teu ombro no instante [em que morreste / E a busca da justiça continua”. Neste poema, Sophia de Mello Breyner Andresen evoca Catarina Eufémia, lutadora pelo trabalho e pão, resistente à repressão e exploração quotidianas do fascismo, voz que se ergueu pelo proletariado rural alentejano, assassinada em Baleizão. Sophia escolhe Antígona para sua companheira porque a protagonista da tragédia de Sófocles e a lutadora anti-fascista alentejana deram ambas a vida na busca pela justiça, a primeira no mundo das ficções, a segunda no mundo dos factos. A figura de Antígona já tinha aparecido noutro momento da obra da escritora, num posfácio ao seu Livro Sexto, onde se lê: A moral do poema não depende de nenhum código, de nenhuma lei, de nenhum programa que lhe seja exterior, mas, porque é uma realidade vivida, integra-se no tempo vivido. E o tempo em que vivemos é o tempo duma profunda tomada de consciência. Depois de tantos séculos de pecado burguês a nossa época rejeita a herança do pecado organizado. Não aceitamos a fatalidade do mal. Como Antígona a poesia do nosso tempo diz: “Eu sou aquela que não aprendeu a ceder aos desastres.” Antígona permanece levantada mesmo quando o poder a procura calar e subjugar. Recusa-se a aceitar o ensinamento de que a justiça não deve ser reclamada. É nestes eixos que repousarei a minha reflexão sobre o filme realizado por Danièle Huillet e Jean-Marie Straub, “Die Antigone des Sophokles nach der Hölderlinschen Übertragung für die Bühne bearbeitet von Brecht 1948 (Suhrkamp Verlag)” (1992).
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Tinha chegado o tempo
Em que era preciso que alguém não recuasse
E a terra bebeu um sangue duas vezes puro
Porque eras a mulher e não somente a fêmea
Eras a inocência frontal que não recua
Antígona poisou a sua mão sobre o teu ombro no instante
[em que morreste
E a busca da justiça continua (1)
Neste poema, Sophia de Mello Breyner Andresen evoca Catarina Eufé-
mia, lutadora pelo trabalho e pão, resistente à repressão e exploração quo-
tidianas do fascismo, voz que se ergueu pelo proletariado rural alentejano,
assassinada em Baleizão. Sophia escolhe Antígona para sua companheira
porque a protagonista da tragédia de Sófocles e a lutadora anti-fascista
alentejana deram ambas a vida na busca pela justiça (2), a primeira no
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A figura de Antígona já tinha aparecido noutro momento da obra da
escritora, num posfácio ao seu Livro Sexto, onde se lê:
A moral do poe ma o depende de n enhum có digo, de nenhuma
lei, de nenhum programa que lhe seja exterior, mas, porque é uma
realidade vivida, integra-se no tempo vivido. E o tempo em que
vivemos é o tempo duma profunda tomada de consciência. Depois
de tantos séculos de pecado burguês a nossa época rejeita a herança
do pecado organizado. Não aceitamos a fatalidade do mal. Como
Antígona a poesia do nosso tempo diz: «Eu sou aquela que não
aprendeu a ceder aos desastres.» (3)
Antígona permanece levantada mesmo quando o poder a procura calar
e subjugar. Recusa-se a aceitar o ensinamento de que a justiça não deve
ser reclamada. É nestes eixos que repousarei a minha reflexão sobre o
filme realizado por Danièle Huillet e Jean-Marie Straub, Die Antigone
Sérgio Dias Branco
Antígona, Mulher Levantada
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SÉRGIO DIAS BRANCO
Antígona, Mulher
Levantada
des Sophokles nach der Hölderlinschen Übertragung für die Bühne bear-
beitet von Brecht 1948 (Suhrkamp Verlag) (A «Antígona» de Sófocles na
Tradução de Hölderlin tal como foi Encenada por Brecht em 1948, 1992).
Longo título, cuja grande dimensão corresponde ao desejo de situar o filme
em relação ao que o antecedeu de forma precisa. A tradução de Hölderlin
foi feita entre 1800 e 1803. A adaptação de Brecht data de 1948. Trata-
-se, portanto, de um texto vivo, ainda lido e reflectido, ainda evocativo e
contemporâneo.
1. Peça e Filme
O dramaturgo grego Sófocles escreveu a peça em 441 a.C. Antígona,
filha de Édipo, quer enterrar o seu irmão Polinices seguindo os rituais
mortuários vigentes. Polinices tinha travado uma guerra contra o seu
irmão Etéocles, que opôs a cidade de Tebas à cidade de Argos. Ambos
morreram, Tebas saiu vitoriosa, e Polinices é visto como traidor pelo tio
de Antígona, Creonte, agora no trono. Por essa razão, Creonte aprova um
édito que estipula que o corpo morto de Polinices será largado aos animais,
pensando que tal vergonha impediria uma nova tentativa de conquista do
trono. Antígona dispõe-se a abrir mão da sua vida para enterrar o irmão,
já que a lei de Creonte vai contra a lei divina que ela reconhece, num
confronto entre a legalidade e a moralidade. Antígona desrespeita o édito
e começa os rituais. É levada à presença de Creonte e a discussão entre
os dois funda-se na oposição entre a Lei e o Amor, a Letra e o Espírito.
Creonte convoca a irmã de Antígona, Ismena, que se diz culpada sem o
ser. São ambas condenadas à morte. Hémon, filho de Creonte e noivo de
Antígona, faz notar respeitosamente ao pai que o édito está a ser contestado
nas ruas. O povo concorda com Antígona, mas Creonte não recua, cego de
poder, corroído pelo despotismo. Hémon ameaça matar o pai se ele não
revogar a condenação. Irado por ser desafiado por Antígona, pelo povo,
e por Hémon, Creonte decide tornar o castigo mais violento e exemplar:
Antígona será emparedada viva numa caverna, para que a sua vida se
esvaia lentamente. O adivinho Tirésias tenta convencer Creonte que o
mal se vai abater sobre ele se ele insistir na condenação e na proibição do
enterro. Finalmente persuadido, Creonte cede e tenta libertar Antígona,
apercebendo-se nesse momento que ela se suicidou. Hémon mata-se após
esta descoberta. Eurídice, mãe de Hémon e esposa de Creonte, põe termo
à vida a seguir. Creonte fica com o peso e o sangue de todas estas mortes.
A história não começou agora nem terminou na chamada Antiguidade
Clássica, grega e romana. Não havia cinema na Grécia Antiga, mas Hui-
llet e Straub desvendam talvez o cinema que pode emergir do texto de
Sófocles. A rodagem do filme durou cinco semanas no teatro antigo de
Segeste, na Sicília, no verão de 1991. Cada palavra possui uma carga de
verdade, que começa por ser performativa, com os actores a recitarem em
vez de interpretarem, com precisas modulações de voz e subtis inflexões
de tom. O texto fala através deles e não o contrário. Trata-se, assim, de
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ANTÍGONA, MULHER LEVANTADA
um entendimento do cinema como arte impura, como já dizia André
Bazin sobre a relação criativa entre o cinema e a literatura (4). O dizer
do texto exige um contexto e é esse o papel do teatro e da paisagem no
qual a tragédia se vai inscrever. Basta ver, por exemplo, como o plano se
abre quando Creonte (Werner Rehm) recua na sua teimosia. As relações
espaciais entre os actores que o filme mostra brotam do cenário, do teatro
e do que o circunda – o arranjo no espaço torna-se arranjo no plano. Este
teatro, como é comum neste tipo de construções em pedra, está incrus-
tado na terra, unido de modo orgânico ao território. No filme, o espaço da
orquestra (orkhéstra) é ocupado pelos anciãos e é separado do espaço da
cena (skéna) pela demarcação existente no teatro. É do espaço da cena que
surgem as personagens, incluindo aquelas que chegam a tocar na fronteira
entre os espaços, Antígona (Astrid Ofner) e um guarda (Lars Studer).
Fig. 1: Die Antigone...
A câmara roda num ponto único, junto à linha de pedra divisora (fig.
1), a três alturas diferentes. Ao filmar assim os actores e o teatro, os
cineastas traçam um diagrama das tensas relações de poder. Creonte e
Antígona estão sempre à esquerda desta linha. O coro, representando os
cidadãos de Tebas e ligando a história ao mito, à direita. É na linha que
um ancião deposita o vinho e o milhete que ela levará para a campa – o
coro entrega-lhe a morte, podemos dizer. Todo o drama é encenado de
forma límpida, dando importância ao silêncio na composição sonora e ao
vazio na composição visual. Esta geometria tem um sentido psicológico.
A psicologia ausente nas personagens torna-se presente na composição e
experiência do filme. Neste sentido, o enquadramento e montagem são
elementos fundamentais da obra destes cineastas, como registou Pedro
Costa no documentário gît votre sourire enfoui? (Onde Jaz o Teu
Sorriso?, 2001), mas nada são sem ideias às quais dão forma. Este modo
de pensar coloca-os na mesma linhagem de Sergei Eisenstein, mas para
eles as ideias estão ligadas a um texto e a uma determinada forma de o ler.
Aqui, é uma criada (e não um mero mensageiro) que transmite a notícia
dos suicídios de Antígona e Hémon. É uma forma de recuperar a figura
de Antígona, como se a sua luta continuasse através de outra mulher, com
uma posição social distinta.
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Antígona, Mulher
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2. Política e Mito

5). Reivindica-se assim do
marxismo e da sua análise porque «o método marxista por excelência con-
sistia em voltar até os assírios e mostrar como as coisas eram diferentes,
o que havia mudado. E Marx ia cada vez mais longe à medida que enve-
lhecia» (6). Dando uma volta, não para contornar a questão, mas porque
a pergunta só pode ser respondida trabalhando em torno dela, ele acres-
centa: «É preciso então voltar ao que diz Benjamin; a revolução também
é “colocar em seu lugar coisas muito antigas, mas esquecidas” (Péguy).
7). Straub fala
no plural, implicando portanto Huillet nas suas palavras. A política tem
a ver com a vida comunitária, não só com o espaço onde ela decorre e se
negoceia, mas também com a participação nessa vida. São esses os dois
sentidos da palavra polis que está na raiz da palavra política: a cidade e o
corpo de cidadãos (ou mesmo a própria ideia de cidadania). Nesse sentido,
o artista consciente do seu ofício não pode deixar de ser político, já que o
seu trabalho tem a ver com a memória e a história cultural dos povos – uma
memória que preserva, reaviva, e reinterpreta.
Antígona é uma figura mitológica, caracterizada em simultâneo como
jovem e inabalável (fig. 2). Os mitos gregos, como todos os mitos, enraí-
zam-se na realidade, emergem dela, reagem a ela. É este o entendimento
que encontramos nas palavras de Straub:
Fig. 2: Die Antigone...
O mito não é algo arbitrário, mas um viveiro de símbolos aos

poderia fornecer. Quando repetimos um nome próprio, um gesto,
um prodígio místico, expressamos numa linha ou em algumas
sílabas um fato sintético e comprimido, um cerne de realidade

humana, todo um complexo conceitual (8).

9). Barton Byg defende que, no fundo, a
politização da peça já vem de Sófocles e é reelaborada por Hölderlin e
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ANTÍGONA, MULHER LEVANTADA
depois por Brecht. É que «a força mítica de Antígona não evoca um mundo
sem história e o mito é também uma forma de história» (10).
3. Tempo e Poder
Laurence Giavarini escreve num texto crítico sobre o filme que «[o]
verdadeiro tema de Antigone encenado por Jean-Marie Straub e Danièle
Huillet é a palavra na sua relação com o tempo, com o passado.» (11)
Contudo, este é um passado que ainda não passou e que talvez não venha
a passar, um passado-presente, um passado-futuro. No interior de um
vasto conjunto de leituras do mito de Antígona, George Steiner sustenta:
«Quando se dirige a um texto da ordem de Antígona, o “compreender” é
[...] dinâmico tanto em termos de história como em termos de actualidade.
[...] A leitura nunca é estática. O sentido é sempre móvel.» (12) O escritor
alemão Peter Handke acusou o filme de ser demasiado explícito na sua
dimensão política, especialmente devido ao texto de Brecht que ouvimos
e vemos no fim. Só que este último texto, como a peça, gera dúvidas em
vez de certezas, inquieta em vez de apaziguar. É um texto localizado no
tempo, escrito na década de 1950, já depois da divisão da Alemanha em
duas. O som do helicóptero sobreposto à imagem do texto é uma intrusão
contemporânea. As palavras contemplam o passado e imaginam o futuro,
entre a memória e a imaginação. São as últimas frases do filme, mas
podiam ter sido as primeiras se não se desse o caso de só fazerem sentido
como expansão do que as antecedeu:
A memória da humanidade para os sofrimentos passados é
espantosamente curta. Sua imaginação para os sofrimentos por vir
é quase menor ainda.
É essa insensibilidade que temos que combater.
Porque a humanidade é ameaçada por guerras, que compara-
das com as que se passaram são ensaios, e elas virão sem dúvida
alguma, se àqueles que publicamente as preparam, não se lhes
corta as mãos.
Bertolt Brecht, 1952 (13)
Handke viu nesta inscrição a explicitação de um pensamento moral e



linguagem, mas também do enredo: «Com Hitler e Stalingrado em mente,
Brecht tornou os motivos de Creonte para a guerra com Argos em motivos
imperalistas em busca de minério de metal.» (14) A Antígona de Brecht, ao
incitar o povo a resistir à tirania, declara que o destino da humanidade é a
humanidade. Divergindo de Handke, Byg argumenta que o texto de Brecht
introduz questionamento, incerteza, tendo em conta o facto de ter sido
escrito quando ele vivia na República Democrática Alemã (RDA). Com
a absorção da RDA pela República Federal Alemã em 1990, «veio uma
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Antígona, Mulher
Levantada
Antígona responde» (15) dois

Figs. 3: Die Antigone...
A dialéctica entre o velho e o novo que o filme estabelece não se limita
aos textos. Espelha-se também em duas contradições moventes: a diferença
de idades entre Antígona e Creonte, que não uma correspondência directa
na sabedoria de cada um, e na composição do coro de anciãos, constituído
por um jovem (fig. 3). Sendo a imagem da ruína fundamental no filme,
este trecho de Brecht fornece uma forma de olhar para esta dialéctica que
é especialmente adequada ao este projecto cinematográfico:
Parece haver uma boa dose de confusão sobre o que é novo e o
que é antigo, enquanto o medo de que o antigo vai voltar se mistu-
rou com o medo de que o novo vai entrar em cena [...], os artistas
seriam bem aconselhados a não confiar cegamente na garantia de
que novas ideias são bem-vindas. No entanto, a arte só pode encon-
trar os seus pés indo em frente e precisa de o fazer em companhia da
parte avançada da população e não afastada deles. Junto com eles,
deve parar de esperar que outros ajam e passar a agir em si. Deve
encontrar algum ponto de partida na ruína geral. (16)
Através dos tempos, a questão do poder foi sendo recolocada em cir-
cunstâncias históricas concretas. A revolta de Antígona não é meramente
individual. O apoio popular legitima-a e faz quebrar o laço de poder
existente, pondo em causa o papel subalterno atribuído às mulheres. Na
sua análise ao Estado Moderno com vista à sua superação, Lénine conclui
o seguinte a partir de Engels: «Enquanto há Estado, não há liberdade.
Quando houver liberdade não haverá Estado.» (17) Faz parte da sua natu-
reza que o Estado reprima uma classe, enquanto existirem classes sociais
, Lénine escreve

A liberdade da sociedade capitalista permanece sempre apro-
ximadamente como era a liberdade das repúblicas gregas antigas:
liberdade para os escravistas. Os escravos assalariados actuais,

esmagados pela necessidade e pela miséria que «não estão para
democracias», «não estão para políticas» que, no curso habitual,
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
da participação na vida político-social. (18)
4. Da Grécia de Hoje
Por que é que este texto trágico e esta mulher levantada que vêm da
Grécia Antiga ainda nos interpelam? As notas alinhadas nestes texto res-
pondem a esta questão. Antígona permanece uma peça cultural viva, aberta
a novas leituras e adaptações, de Hölderlin, de Brecht, de Huillet e Straub.
Não obstante, uma história trágica ocorrida na Grécia actual, inserida na
União Europeia, dá-nos outras pistas sobre os ecos da figura de Antígona
no presente, isto é, sobre o modo como podemos ler o presente a partir dela.
Durante a Semana Santa, um aposentado grego matou-se com um tiro na
cabeça na manhã de 4 de Abril de 2012, na Praça Syntagma, em frente ao
Parlamento Helénico, protegido por forças policiais e dominado por forças
políticas de ideologia neo-liberal que negam um futuro digno e uma verda-
deira democracia ao povo grego. Em 2012, a Grécia já estava em recessão
há cinco anos. Uma em cada cinco pessoas estava desempregada. Sucessivos
cortes de salários e pensões atingiam quem ainda tinha emprego ou estava
aposentado. A morte de Dimitris Christoulas, farmacêutico aposentado de
77 anos, foi um acto de alguém que foi brutalmente encostado à parede e
fica como um sinal funesto dos tempos que vivemos. Dimitris suicidou-se
no palco onde têm desaguado numerosos protestos das massas trabalhadoras
e populares. Deixou uma pequena nota, onde confessa que não conseguiu
encontrar outro caminho para reagir a não ser dar um fim digno e definitivo
à sua vida antes de ser obrigado a revirar o lixo para sobreviver. As teste-
munhas dizem que, antes de atirar, gritou que não queria deixar dívidas para
os seus filhos. Com o seu gesto e as suas palavras enfrentou a crueldade.
Fig. 4: Die Antigone...
Antígona é condenada à morte por desafiar o seu tio Creonte, o rei,
mas suicida-se antes que a sentença seja cumprida. Este duplo desafio ao
poder é um puro grito que não pode deixar de ressoar na vasta paisagem
que se vê no último plano do filme (fig. 4). A acção de Creonte rumo ao
desastre, na interpretação de Brecht, «é ao mesmo tempo uma transgressão
da civilização e um extremo da lógica do capitalismo» (19). Guardemos
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Antígona, Mulher
Levantada
a passagem dita pelo coro sobre esta imagem, tal como foi reescrita pelo
dramaturgo alemão, porque guardando-a não deixamos calar Antígona,
nem Catarina, nem Dimitris:
Mas nós ainda o seguimos, para baixo. A mão constrangida ser-
-nos-à cortada para que não suporte mais espancamentos. Mas essa
mão que tudo viu só pode ajudar o inimigo, que vem extirpar-nos
de imediato. Porque curto é o tempo, tudo ao redor é desgraça, e
nunca é suficiente viver, sem pensar e de ânimo leve, tolerando o
crime e tornando-se sábio com a idade (20) (21).
Notas
(1) Sophia de Mello Breyner Andresen, Dual [1972] (Lisboa: Caminho, 2004), p. 74.
(2)  
de Mello Breyner Andresen», forma breve, n.o 9 (2012), «Conto Interpolado: Ciclo de Contos»,
pp. 125-38.
(3) Breyner Andresen, «Posfácio» [1964], in Livro Sexto [1962] (Lisboa: Assírio & Alvim, 2014),
p. 94.
(4) André Bazin, O que é o Cinema? [1975], trad. Ana Moura, 2.a ed. (Lisboa: Livros Horizonte,
1992), pp. 91-117.
(5) Danièle Huillet e Jean-Marie Straub
Dinamite!”» [2001], entrevistados por François Albera, in Straub-Huillet, org. Ernesto Gougain
(São Paulo: Centro Cultural do Banco do Brasil, 2012), p. 68.
(6) Ibid.
(7) Ibid., p. 69.
(8) Huillet e Straub, «Material de imprensa de Esses encontros com eles» [2003], in Straub-Huillet,
org. Ernesto Gougain (São Paulo: Centro Cultural do Banco do Brasil, 2012), p. 67. O texto
Quei loro incontri (2006).
(9) Huillet e Straub, «Cinema [e] Política», p. 67.
(10) Barton Byg, Landscapes of Resistance: The German Films of Danièle Huillet and Jean-Marie
Straub (Oakland: University of California Press, 1995), pp. 224-25: «the mythical force does not
evoke a world without history, and myth itself is also a form of history».
(11) Laurence Giavarini et al.Straub/Huillet, org. António Rodrigues
(Lisboa: Cinemateca Portuguesa – Museu do Cinema, 1998), p. 137.
(12) George Steiner, Antígonas [1984], trad. Miguel Serras Pereira, 2.a ed. (Lisboa: Relógio D’Água,
1995), p. 225.
(13) «Das Gedächtnis der Menschheit für erduldete Leiden ist erstaunlich kurz. Ihre Vorstellungsgabe
für kommende Leiden ist fast noch geringer.
Diese Abgestumpftheit ist es, die wir zu bekämpfen haben.
Denn der Menschheit drohen Kriege, gegen welche die vergangenen wie armselige Versuche
sind, und sie werden kommen ohne jeden Zweifel, wenn denen, die sie in aller Öffentlichkeit
vorbereiten, nicht die Hände zerschlagen werden.
Bertolt Brecht, 1952»
(14) Byg, Landscapes of Resistance, p. 220: «With Hitler and Stalingrad in mind, Brecht has made
Creon’s motives for the war with Argos into imperalistic ones in search of metal ore.»
(15) 
(16) Bertolt Brecht, «Masterful Treatment of a Model (Foreword to the Antigone-Model)», in Col-
lected Plays: Eight – «The Antigone of Sophocles», «The Days of the Commune», «Turandot or
the Whitewasher’s Congress», ed. Tom Kuhn e David Constantine, trad. Bertold-Brecht-Erben
(Londres: Methuen Drama, 2003), p. 203: «There seems to be a good deal of confusion as to
what is new and what is old, while fear that the old will return has become mixed with fear that
the new will step in [...], artists would be well advised not to rely blindly on the assurance that
    
company of the advanced part of the population and not way from them. Together with them it

general ruin.»
(17) V. I. Lénine, O Estado e a Revolução, 4.a
(18) Ibid., pp. 96-97.
(19) Byg, Landscapes of Resistance, p. 225: “is both a transgression of civilization and an extreme of
the logic of capitalism”.
(20)                     
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VÉRTICE 176/Julho-Agosto-Setembro 2015
ANTÍGONA, MULHER LEVANTADA
ne porte plus de coups, la main contraignable. Mais celle qui vit tout ne peut seulement qu’aider
l’ennemi, qui à présent vient et nous extirpe aussitôt. Car court est le temps, tout alentour est
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aber / Folgen auch jetzt ihm all, und / Nach unten ist’s. Abgehaun wird / Daß sie nicht zuschlag
mehr / Uns die zwingbare Hand. Aber die alles sah / Konnte nur noch helfen dem Feind, der jetzt
/ Kommt und uns austilgt gleich. Denn kurz ist die Zeit / Allumher ist Verhängnis, und nimmer
genügt sie / Hinzuleben, undenkend und leicht / Von Duldung zu Frevel und / Weise zu werden
im Alter
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escolhido por mim para integrar o ciclo Clássicos no Cinema, organizado pela associação Origem
da Tragédia, na Sala Arte à Parte a 21 Maio 2012.
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