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Bassnett, Susan and Trivedi, Harish. Post-Colonial Translation-Theory and Practice.

Authors:
Resenhas 407
POST COLONIAL TRANSLATION
– THEORY AND PRACTICE.
Susan Bassnett e Harish Trivedi
(orgs.) onde: editora, pp
É fato conhecido que, pelo menos
em termos das ciências não tão exa-
tas (se é que são ciências; melhor,
se é que o que consideraríamos ci-
ência é ciência), como a literatura,
a psicologia ou a antropologia, a
famosa compartimentalização dos
conhecimentos tem se comportado
de modo estranho, indo muita vez
em um vai-e-vem típico dos ner-
vosos futuros papais no corredor
de uma maternidade qualquer. Ob-
viamente a percepção de que cer-
tos objetos não são tão delimita-
dos e precisos – de que talvez, ¡ó
cruel desventura!, não passem de
axiomas – quanto se queria na épo-
ca em que seus respectivas ciênci-
as foram fundadas (caso da litera-
tura não menos que da sociologia
e da psicologia) contribui para que
tal diluição aconteça. Se por um
lado essa interpenetração dos cam-
pos muitas vezes borra de forma
tal a distinção entre eles que
sustentá-la parece inútil (e, lem-
brem-se, quando sustentamos a
divisão do conhecimento em áreas
não só o fazemos em nível teóri-
co, mas sim e grandemente em
nível institucional, muito mais rí-
gido e por vezes muito mais cego),
por outro faz com que abarque-
mos diversas instâncias de um
mesmo problema com uma só
olhada, o que contribui para uma
reconstituição mais ampla dos fe-
nômenos sociais.
O ponto onde quero chegar é
que, mesmo em campos de conhe-
cimento em que a teoria só se cons-
trói a respeito e a partir de uma
prática, a princípio bastante clara
e objetiva, os conceitos originais
e a prática que designou sua for-
mação encontram-se em estado de
fusão com outras esferas da vida
intelectual. Este é sem dúvida o
caso da teoria e prática de tradu-
ção. Diferentemente de se ter de-
senvolvido na forma de uma
tecnologia de reconstrução estéti-
ca de textos em outras línguas, a
teoria da tradução vem ganhando
dimensões cada vez mais claramen-
te políticas, sendo vista como um
exercício não só de apropriação
cultural, mas também como a am-
bígua ferramenta através da qual
se podem exercer tanto a alteridade
libertadora quanto a opressão
etnocêntrica; tanto a subversão
pós-colonialista quanto o mais puro
e simples colonialismo. Sua práti-
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ca deixa portanto de ser vista como
um simples instrumento para
transposição cultural e ganha uma
realidade própria e não inferior a
dos textos que transpõe.
Prova disso é o exemplo utili-
zado por Bassnett e Trivedi, os
organizadores de Post-Colonial
Translation: Theory and Practice
(Londres: Routledge, 1999), na
introdução do livro. A famosa
deglutição do Bispo Sardinha (e
que morte melhor a qualquer um
com um semelhante sobrenome do
que ser devorado?) é lida em ter-
mos de apropriação cultural por
parte dos Tupinamá – e apropria-
ção cultural, nós sabemos, é uma
das muitas funções da tradução.
Como resultado da analogia, per-
cebemos então que fenômenos so-
ciais diversos podem ser teorica-
mente classificados como tradução
– não mais necessariamente levan-
do-se em conta peculiaridades téc-
nicas, mas sim as conseqüências
políticas do choque entre culturas,
especialmente quando uma das
culturas em questão se pretende
hierarquicamente superior à outra.
O resultado desse tipo de ex-
pansão conceptual é que, ao se fa-
lar sobre tradução, fala-se também
sobre processos mentais de inter-
pretação, produção e recepção de
textos e/ou símbolos, fala-se tam-
bém sobre literatura(s), sobre co-
lonização e domínio político-cul-
tural. Tradução, mais que técni-
ca, é política.
E é com semelhante pensamen-
to que os diversos textos desta an-
tologia têm justamente o objetivo
de “eschew a politics of polarity”
[evitar uma política da polarida-
de], como dizem os organizadores.
Surgido da consciência mesma de
que a prática da tradução se dá
dentro de instâncias mais amplas
que a determinam não só em ter-
mos de sua execução, mas também
em termos de seus objetivos finais
– como ferramenta de apropria-
ção, transferência ou submissão
culturais –, o livro recolhe traba-
lhos recentes que versam sobre te-
oria e prática de tradução literária
nos mais diversos níveis, forman-
do um todo conciso que, muitas
vezes utilizando-se de situações
pontuais (como no caso da análise
feita por Rosemary Arrojo das tra-
duções de Clarice Lispector para
o francês ou da análise de teoria e
prática de tradução de Haroldo de
Campos e A.K. Ramanujan, fei-
tas respectivamente por Else Ri-
beiro Pires Vieira e Vinay
Dharwadker) procura trabalhar
construções teóricas mais amplas
a respeito do papel da tradução
dentro da manutenção/subversão
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das relações de poder entre colo-
nizadores e ex-colônias. A prática
literária/de tradução dos autores
estudados pelos teóricos e tradu-
tores incluídos na antologia tam-
bém é contemplada; isso não é feito
porém vendo-se a tradução antes
como um ato político do que como
o exercício de uma técnica.
Os focos principais de interes-
se dos autores aqui incluídos são o
Canadá (Sherry Simons tem dois
ensaios a respeito: no primeiro re-
trata a questão do bilingüismo,
utilizando-se da noção de “contact
zone” de Mary Louise Pratt; no
segundo [em co-autoria com
Vanamala Viswanatha], fala da
tradução como indicadora de ten-
sões culturais), o Brasil (os já men-
cionados trabalhos de Vieira e Ar-
rojo) e a Índia (um universo
riquíssimo em termos não apenas
das traduções para o inglês de tex-
tos contemporâneos ou clássicos,
ou de uma língua indiana para ou-
tras; mas também em termos das
particularidades da apropriação
feita pelos escritores indianos da
língua inglesa, e das implicações
políticas que acarretam – vide o
ensaio de G.J.V. Prasad).
É sem dúvida de grande impor-
tância que em semelhante traba-
lho encontremos ensaios a respei-
to de alguns de nossos escritores
de maior respaldo internacional –
ainda mais se pudermos, como o
fazem os autores dos trabalhos aqui
publicados, ler a situação que en-
volve a produção e distribuição dos
textos da antologia como um todo.
Que o leitor, ao ler os ensaios pre-
sentes nesta antologia, se sinta con-
vidado a inquirir sobre as conclu-
sões a que se pode chegar quando
autores brasileiros são analisados
por autores brasileiros em uma
antologia inglesa escrita inteira-
mente em inglês e publicada por
uma casa anglo-americana (na pá-
gina três do livro lê-se, abaixo do
logotipo da Routledge: London
and New York), antologia esta que
versa justamente sobre a situação
do pós-colonialismo. Uma delas
pode ser a de que já não se coloni-
za mais como antigamente – será?
Fabiano Fernandes
UFSC
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