Content uploaded by Lia Hasenclever
Author content
All content in this area was uploaded by Lia Hasenclever on Aug 02, 2016
Content may be subject to copyright.
Fronteiras: Journal of Social, Technological and Environmental Science • http://revistas.unievangelica.edu.br/index.php/fronteiras/
v.5, n.1, jan.-jun. 2016 • p. 31-42. • DOI http://dx.doi.org/10.21664/2238-8869.2016v5i1.p31-42 • ISSN 2238-8869
31
Desenvolvimento de Biossimilares no
Brasil
Eduardo Braz Pereira Gomes
1
Renato Rosseto
2
Lucimar Pinheiro
3
Lia Hasenclever
4
Julia Paranhos
5
RESUMO:
Este artigo apresenta uma breve visão do advento da indústria de biossimilares no Brasil e no mundo.
Os biossimilares são medicamentos originários de proteínas terapêuticas ou biológicas, cujas patentes
estão expiradas ou em processo de expiração. Analogamente à indústria farmacêutica de genéricos
baseada na síntese química, a expiração das patentes dos medicamentos biológicos condiciona o
surgimento de um novo segmento na indústria farmacêutica. Seu advento enseja a transposição de
inúmeras barreiras, não somente regulatórias, de propriedade intelectual, bem como de processos e
domínio da expertise tecnológica. Esse nível de complexidade impõe às novas empresas que assumam a
produção de biossimilares, o mesmo patamar estratégico das empresas originadoras ou detentoras das
patentes. A importância dos biossimilares se deve no contexto de saúde pública, aos altos custos dos
biológicos originadores ou inovadores. Como a incidência de doenças crônico-degenerativas dominará
o cenário dos sistemas de saúde, devido ao envelhecimento da população, a emergência dos
biossimilares acarretará reduções substanciais de custos.
Palavras chave: Proteínas Recombinantes; Anticorpo Monoclonal; Parcerias para o Desenvolvimento
Produtivo.
1
Doutor em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento pela Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ.
Docente na Universidade Estadual de Goiás – UEG. Brasil. eb.gomes@uol.com.br
2
Doutor em Ciências pela Universidade Estadual de Campinas – Unicamp. Docente na Universidade Estadual de Goiás –
UEG. Brasil. renato.rosseto@ueg.br
3
Doutora em Ciências pela Universidade Estadual de Campinas – Unicamp. Docente no Centro Universitário de Anápolis
– UniEVANGÉLICA. Brasil. lucimar.pinheiro@yahoo.com.br
4
Doutora em Programa de Pós Graduação Em Engenharia de Produção pela Universidade Federal do Rio de Janeiro –
UFRJ. Docente na Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ. Brasil. lia@ie.ufrj.br
5
Doutora em Economia da Indústria e da Tecnologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ. Docente na
Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ. Brasil. juliaparanhos@ie.ufrj.br
Desenvolvimento de Biossimilares no Brasil
Eduardo Braz Pereira Gomes; Renato Rosseto; Lucimar Pinheiro; Lia Hasenclever; Julia Paranhos
Fronteiras: Journal of Social, Technological and Environmental Science • http://revistas.unievangelica.edu.br/index.php/fronteiras/
v.5, n.1, jan.-jun. 2016 • p. 31-42. • DOI http://dx.doi.org/10.21664/2238-8869.2016v5i1.p31-42 • ISSN 2238-8869
32
MEDICAMENTOS BIOLÓGICOS: BREVE OLHAR E MERCADO
sobrevivência do ser humano ao longo do processo evolutivo se deve não à existência de
medicamentos, mas à “farmácia” dentro do nosso corpo. Uma profusão de moléculas,
principalmente proteínas e anticorpos, continuamente sintetizadas dentro do nosso corpo
garante proteção contra desordens autoimunes, cancerígenas e infecciosas, dentre outras, permitindo a
manutenção da nossa saúde. Essas moléculas endógenas quando produzidas fora do corpo são
denominadas medicamentos biológicos (Niazi 2015).
A biossíntese dessas moléculas – proteínas recombinantes e anticorpos monoclonais – só foi
possível com o advento da biotecnologia moderna, a partir de 1953, com a descoberta da estrutura da
molécula de DNA por James Watson e Francis Crick e posteriormente com o desenvolvimento das
tecnologias do DNA recombinante (engenharia genética) por Herbert Boyer e Stanley Cohen em 1973
e do hibridoma para a produção de anticorpos monoclonais por Georges Kohler e Cesar Milstein em
1975 (Walsh 2003).
O advento das proteínas de reposição de primeira geração, tais como insulina, eritropoietina,
hormônio de crescimento obtidos pela tecnologia do DNA recombinante e os anticorpos monoclonais
de segunda geração causaram uma verdadeira revolução terapêutica nas áreas de oncologia,
reumatologia e endocrinologia. A Tabela 1 mostra que dentre os quinze medicamentos mais vendidos
no mundo em 2014, sete são biológicos, com o Humira e o Lantus ocupando as duas primeiras
posições em vendas. Os nomes em negrito indicam os medicamentos biológicos.
Tabela 01. Medicamentos mais Vendidos no Mundo em 2014.
Cont...
Posição
Medicamento
Princípio
Ativo
Empresa
Expiração da
Patente
Área
Terapêutica
Vendas
(US$
bilhões)
1
Humira
Adalimumab
Abbott
EUA 2016;
UE 2018
Inflamação
11,84
2
Lantus
Insulina glargine
Sanofi-Aventis
2015
Diabetes
10,33
3
Sovaldi
Sofosbuvir
Gilead
2030
Antiviral
9,37
4
Abilify
Aripiprazole
BMS
2015
Esquizofrenia
9,28
5
Enbrel
Etanercept
Amgen
EUA2018;*
UE 2014
Inflamação
8,71
6
Seretide
Fluticasone/
salmeterol
GSK
EUA 2010;
UE 2013
Asma
8,65
7
Crestor
Rosuvastatin
AstraZeneca
2016
Anti-colesterol
8,47
8
Remicade
Infliximab
J & J
EUA 2028;
UE 2014
Inflamação
8,10
9
Nexium
Esomeprazole
AstraZeneca
2014
Refluxo
7,68
10
Mabthera/
Rituxan
Rituximab
Roche/Genentech/
Biogen Idec
EUA, 2016;
UE, 2013
Oncologia
6,55
11
Avastin
Bevacizumab
Roche/Genentech
EUA, 2019;
UE 2022
Oncologia
6,07
A
Desenvolvimento de Biossimilares no Brasil
Eduardo Braz Pereira Gomes; Renato Rosseto; Lucimar Pinheiro; Lia Hasenclever; Julia Paranhos
Fronteiras: Journal of Social, Technological and Environmental Science • http://revistas.unievangelica.edu.br/index.php/fronteiras/
v.5, n.1, jan.-jun. 2016 • p. 31-42. • DOI http://dx.doi.org/10.21664/2238-8869.2016v5i1.p31-42 • ISSN 2238-8869
33
Posição
Medicamento
Princípio
Ativo
Empresa
Expiração da
Patente
Área
Terapêutica
Vendas
(US$
bilhões)
12
Lyrica
Pregabalin
Pfizer
Epilepsia
6,00
13
Herceptin
Trastuzumab
Roche/Genentech
EUA, 2019;
UE, 2014
Oncologia
5,56
14
Spiriva
Tiotropium/
bromide
Boehringer
Ingelheim/Pfizer
2014
Agente
respiratório
5,48
15
Januvia
Sitagliptin
Merck Sharp
andDohme
2026
Diabetes
4,99
Total
15 maiores
117,07
Total
Biológicos
57,16
Total
Mercado
Mundial
936,5
* A patente original expirou em 2012 nos EUA; uma nova patente estendeu a proteção por mais 16 anos.
Fonte: Adaptado de Pimentel et al (2013) atualizado pelo IMS Health (2014).
Até 2015, mais de 200 medicamentos biológicos, incluindo mais de 34 anticorpos
monoclonais foram aprovados para uso humano nos EUA. Globalmente, estão em estudos clínicos
aproximadamente 350 anticorpos monoclonais com indicações para doenças imunológicas, infecciosas
e câncer. Tomando como referência 2006, em média 15 novas proteínas terapêuticas foram aprovadas
anualmente pelo Food and Drug Administration (FDA). Espera-se que nos EUA, para os próximos 10
anos, 75% de todas as submissões para aprovação de medicamentos no FDA serão biológicos e, já para
2016 entre os 10 medicamentos mais vendidos, 8 serão biológicos (Niazi 2015, Singh & Bagnato 2015).
A identificação de novos candidatos a proteínas terapêuticas ou biológicos é o campo de
pesquisa mais profícuo, antecipando centenas de novas modalidades de tratamento (Ley et al. 2016).
Estima-se que cerca de dois terços de todos os novos medicamentos no futuro serão de origem
biológica e devido à sua complexidade, os custos de tratamento são altos variando de centenas a
milhares de dólares (Niazi 2015).
Tais custos impactam sobremaneira os sistemas de saúde, em virtude da mudança do perfil
epidemiológico, principalmente doenças crônico-degenerativas, devido ao envelhecimento da
população. Nos países em desenvolvimento, os impactos serão ainda muito mais acentuados(Gomes et
al. 2016). Para se ter uma ideia desse impacto, no Brasil em 2012, os biológicos responderam por 5%
das prescrições do Sistema Único de Saúde (SUS), mas por 43% dos custos de medicamentos (Guia
2013). Os medicamentos biológicos são a esperança de vida para muitos. No entanto, o seu custo
permanece muito alto, mesmo nos EUA. Por exemplo, proteínas de fusão e anticorpos utilizados para
o tratamento de artrite reumatoide podem custar entre, ou mesmo superior a, US$ 10.000 e US$ 30.000
por ano, inviabilizando a sua acessibilidade em massa (Curtis et al. 2014).
Desenvolvimento de Biossimilares no Brasil
Eduardo Braz Pereira Gomes; Renato Rosseto; Lucimar Pinheiro; Lia Hasenclever; Julia Paranhos
Fronteiras: Journal of Social, Technological and Environmental Science • http://revistas.unievangelica.edu.br/index.php/fronteiras/
v.5, n.1, jan.-jun. 2016 • p. 31-42. • DOI http://dx.doi.org/10.21664/2238-8869.2016v5i1.p31-42 • ISSN 2238-8869
34
BIOSSIMILARES: UMA ALTERNATIVA VIÁVEL
Um curso de ação óbvio é a redução dos custos dos biológicos, que expiraram ou estão em
fase final de proteção de suas patentes, por meio do desenvolvimento de biossimilares, que são
medicamentos biológicos produzidos em larga escala pela tecnologia de DNA recombinante e
aprovados por marcos regulatórios específicos, reduzindo o período e os custos de desenvolvimento
(Niazi 2015).Segundo dados da Express Scripts (2013),estima-se que os EUA economizariam US$ 250
bilhões entre 2014 e 2024, se os 11 biossimilares atualmente em desenvolvimento fossem aprovados.
Niazi (2015), citando ainda a Express Scripts
6
, salienta que os custos dos biossimilares na Europa são
cerca de um terço mais baratos do que os biológicos de marca.
Pela sua similaridade – desenvolvimento e manufatura de medicamentos com patente
expiradas, no caso biológicos – com a indústria de medicamentos genéricos de síntese química espera-
se que a redução de custos no segmento de biossimilares ocorra de forma análoga. No entanto, os
biológicos diferem do conceito de cópia aplicável aos genéricos, uma vez que são moléculas complexas
produzidas em células vivas, requerendo centenas de passos de purificação e isolamento (Crommelin et
al. 2015). A Tabela 2 mostra as diferenças fundamentais entre medicamentos de síntese química e
biológicos.
Tabela 02. Principais Diferenças entre Medicamentos Biológicos e Síntese Química.
Características
Medicamentos de síntese química
Biológicos/Biossimilares
Tamanho da molécula
10 a 1.000 Daltons
5.000 a 200.000 Daltons
Estrutura da molécula
Mais simples e pode ser facilmente
determinada por meios analíticos
Estrutura espacial complexa e difícil
de determinar
Grau de pureza
Componentes relativamente puros
Ingredientes complexos (impurezas,
excipientes, subprodutos, vírus etc)
Comportamento clínico
Modo de ação bem compreendido
Muito complicado envolvendo rotas
bioquímicas complexas.
Estabilidade
Estável
Instável, requer administração com
aplicador (seringa etc).
Processo de fabricação
Síntese química
Processos específicos e complexos
Variação lote a lote
Variações pequenas e desprezíveis
Dois lotes não são inteiramente iguais
Custo de produção
Relativamente baixo
Alto
Fonte: Adaptado de Varma 2010,Crommelin et 2015.
Na prática, é impossível produzir uma cópia idêntica de um produto biológico, porque
pequenas variações no processo podem acarretar mudanças estruturais e conformacionais na molécula,
levando a diferenças na eficácia e segurança, que podem ter impactos negativos na resposta imune ou
imunogenicidade dos pacientes (Chow 2014, Chow et al. 2016). A questão da imunogenicidade levanta
6
Express Scripts Holding Company: união de empresas que administram planos de benefícios e prescrição de medicamentos
nos EUA, estando entre os maiores orçamentos no território norte americano. Fonte: http://www.express-scripts.com
Desenvolvimento de Biossimilares no Brasil
Eduardo Braz Pereira Gomes; Renato Rosseto; Lucimar Pinheiro; Lia Hasenclever; Julia Paranhos
Fronteiras: Journal of Social, Technological and Environmental Science • http://revistas.unievangelica.edu.br/index.php/fronteiras/
v.5, n.1, jan.-jun. 2016 • p. 31-42. • DOI http://dx.doi.org/10.21664/2238-8869.2016v5i1.p31-42 • ISSN 2238-8869
35
a questão da intercambialidade entre biossimilares de produtores diferentes, que é uma questão central
do marco regulatório desses produtos (Karalis 2016).
Segundo Ellery & Hansen (2012) um produto biossimilar é aquele que, quando comparado ao
originador biológico aprovado é: a) utilizado da mesma maneira e tratamento; b) produzido numa
planta, por meio de um processo com padrões de segurança, pureza e eficácia, e; c) os dados clínicos
comprovem sua alta similaridade. De acordo com a Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa
(Interfarma 2012, p. 15) a biossimilaridade:
É uma propriedade de um produto em relação a outro produto, considerado como referência e
atestada pelo chamado exercício de comparabilidade. Uma convincente demonstração de
biossimilaridade transfere ao novo produto, parte da experiência e do conhecimento adquirido
com o produto de referência, permitindo algum grau de redução dos requerimentos para
aprovação.
Para a Organização Mundial de Saúde (OMS) o exercício de comparabilidade é “a comparação
direta de um produto biológico (candidato a biossimilar) com o produto biológico inovador
(referência), já aprovado, com o propósito de estabelecer similaridade em qualidade, segurança e
eficiência” (Interfarma 2012, p. 15).
Cabe esclarecer que o conceito de medicamento genérico não se aplica aos biossimilares. O
genérico possui o mesmo princípio ativo do produto de referência. Assim, o requerimento regulatório
para a aprovação de um genérico deve se ater à sua bioequivalência, já que os estudos de eficácia e
segurança já foram demonstrados no produto de referência. É necessário, portanto, “a comprovação de
absorção e disposição da substância ativa (biodisponibilidade)”. Já no biossimilar, a substância ativa não
é idêntica à do produto de referência, fazendo-se necessário comprovar que os efeitos clínicos não são
muito diferentes entre ambos. Conclui-se, portanto que “genéricos e biossimilares estão sujeitos a
regimes regulatórios totalmente diferentes” (Interfarma 2012, p. 16).
Desse modo, a intercambiabilidade entre medicamentos genéricos é direta e irrestrita, ao passo
que nos biossimilares é uma discussão ainda pendente, dada a extensa e complexa estrutura molecular,
já que terão variabilidade estrutural não somente entre fabricantes e mesmo entre lotes de um mesmo
fabricante – inclusive no originador. Outro aspecto fundamental que diz respeito aos biológicos
originais e biossimilares é a possibilidade de provocar reação imune, acarretando a formação de
anticorpos contra o medicamento, fenômeno denominado imunogenicidade. A variabilidade
mencionada pode induzir a formação da imunogenicidade. O principal preconceito contra os
biossimilares diz respeito a esse aspecto (Mora 2015).
Desenvolvimento de Biossimilares no Brasil
Eduardo Braz Pereira Gomes; Renato Rosseto; Lucimar Pinheiro; Lia Hasenclever; Julia Paranhos
Fronteiras: Journal of Social, Technological and Environmental Science • http://revistas.unievangelica.edu.br/index.php/fronteiras/
v.5, n.1, jan.-jun. 2016 • p. 31-42. • DOI http://dx.doi.org/10.21664/2238-8869.2016v5i1.p31-42 • ISSN 2238-8869
36
Para Niazi (2015), a experiência com medicamentos biológicos demonstra que são uma das
categorias mais seguras de medicamentos, sendo que a maioria deles não apresenta imunogenicidade
significativa e onde ela existe, está adstrita ao seu mecanismo de ação do medicamento e não como
efeito adverso. A abordagem da intercambialidade varia de país para país, por exemplo, nos EUA ela é
permitida; na Europa não, exceto na França.
REGULAMENTAÇÃO DOS BIOSSIMILARES NO BRASIL
No Brasil, o termo biossimilar não é utilizado. A nomenclatura é diferente. A Resolução da
Diretoria Colegiada RDC 55/2010 (Anvisa 2011), o principal marco regulatório brasileiro sobre registro
de biológicos, estipula que um produto original/inovador/referência é chamado de produto biológico
novo; já um produto não novo/similar é denominado produto biológico, i.e, o conceito se aplica às
cópias. O mesmo marco estipula duas vias de desenvolvimento: a de comparabilidade, que é o
biossimilar e a via individual, que não é biossimilar (Gomes 2014, p. 31). A Figura 1 ajuda a entender a
nomenclatura da Anvisa.
Figura 01. Vias Regulatórias para Produtos Biológicos, Segundo a RDC 55/2010.
Fonte: Interfarma 2012, p. 19.
Pode-se dizer então, que os “produtos biológicos registrados pela via da comparabilidade
correspondem aos biossimilares; enquanto aqueles aprovados pela via individual são alternativas não
biossimilares, pois não passam pelo exercício da comparabilidade” (Interfarma 2012, p. 18). A via
individual, bem como a não adoção do termo biossimilar, tem sido interpretada por alguns críticos
como um afrouxamento do marco regulatório.
Em diversos países da Europa, no tocante à intercambialidade dos biossimilares os
farmacêuticos devem se ater à prescrição dos médicos, não sendo permitido a sua substituição
Desenvolvimento de Biossimilares no Brasil
Eduardo Braz Pereira Gomes; Renato Rosseto; Lucimar Pinheiro; Lia Hasenclever; Julia Paranhos
Fronteiras: Journal of Social, Technological and Environmental Science • http://revistas.unievangelica.edu.br/index.php/fronteiras/
v.5, n.1, jan.-jun. 2016 • p. 31-42. • DOI http://dx.doi.org/10.21664/2238-8869.2016v5i1.p31-42 • ISSN 2238-8869
37
automática. No entanto, tanto na Europa, como no Brasil os pacientes, farmacêuticos e médicos têm
muito poucos incentivos para mudar de um biológico de referência para um biossimilar e, na verdade, o
único ator interessado é o sistema de saúde pagador. Assim, num mercado competitivo, os fabricantes
de biossimilares podem reduzir seus custos de desenvolvimento e aprovação, mas terão custos de
marketing maiores do que as empresas do produto referência, para provar que seus produtos são
comparáveis ou mesmo melhores (Friedman 2014).
No Brasil, como a produção de biossimilares é um programa do governo, com toda produção
sendo adquirida por ele e a presença de inúmeros produtores, com diferentes transferidores de
tecnologia, evidentemente a intercambialidade será automática. Caso contrário não se resolverão os
problemas de acesso e da pressão sobre a balança de pagamentos farmacêutica (Gomes 2014, p. 33).
Nos EUA, o The Biologics Price Competition and Innovation Act (BPCIA) em 2009 criou padrões
para produtos biológicos serem aprovados como biossimilares ou intercambiáveis (Paradise 2015). Um
produto biossimilar é aquele que, quando comparado ao originador aprovado é: a) utilizado da mesma
maneira e tratamento; b) produzido numa planta, por meio de um processo com padrões de segurança,
pureza e eficácia, e; c) os dados clínicos comprovem sua alta similaridade. Um produto intercambiável é
um produto biossimilar que atende padrões adicionais, de sorte que possa substituir o produto de
referência, sem a intervenção do prescritor original de referência (Ellery & Hansen 2012).
Assim, segundo Friedman (2014) o modelo americano será o do “biossimilar”, com testes
clínicos limitados para demonstrar similaridade com os biológicos de referência. O impacto dessa
abordagem é que os biossimilares diferirão muito pouco dos originadores e entre si, potencialmente
oferecendo melhorias terapêuticas, oportunidades para medicina personalizada e complicadas decisões
de prescrição.
Não bastassem os problemas relativos à regulação, as esperadas reduções de custos também
estão em disputa (Falit et al. 2015). Em relação aos genéricos, os custos de desenvolvimento e
aprovação dos biossimilares serão muito maiores. Se eles tiverem diferentes padrões de eficácia e
segurança dos originadores, sua participação de mercado será muito menor do que os genéricos. O
impacto de custos crescentes e lucros decrescentes afetará o consumidor no sentido de que ele não terá
a mesma percepção de redução de preços dos genéricos. Estima-se que os biossimilares proporcionarão
descontos de 20 a 30 por cento, ao passo que os genéricos podem atingir até 90% (Niazi 2015).
Desenvolvimento de Biossimilares no Brasil
Eduardo Braz Pereira Gomes; Renato Rosseto; Lucimar Pinheiro; Lia Hasenclever; Julia Paranhos
Fronteiras: Journal of Social, Technological and Environmental Science • http://revistas.unievangelica.edu.br/index.php/fronteiras/
v.5, n.1, jan.-jun. 2016 • p. 31-42. • DOI http://dx.doi.org/10.21664/2238-8869.2016v5i1.p31-42 • ISSN 2238-8869
38
POLÍTICA INDUSTRIAL DA SAÚDE NO BRASIL: PARCERIAS PARA O DESENVOLVIMENTO
PRODUTIVO
É reconhecido o atraso do Brasil no setor farmoquímico. Mais de 90% dos princípios ativos
são importados em grande parte da China e Índia (Agência Câmara de Notícias 2011). Isso impõe sério
entrave estratégico para o país, que é “extremamente vulnerável a pressões cambiais e na eventualidade
de uma crise internacional, a possibilidade de escassez interna de medicamentos é uma possibilidade
que não deve ser descartada” (Gomes 2014, p. 39).
Diante dessa realidade, a partir de 2008, com o intuito de resgatar a indústria farmacêutica o
governo formulou uma política industrial denominada Política para o Desenvolvimento Produtivo
(PDP), cujo principal instrumento – Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo – que são Parcerias
Público Privadas (PPP) (Sundfeld & Souza 2013).
O objetivo da PDP não somente visa criar a indústria de biotecnologia médica no Brasil por
meio dos biossimilares, mas também resgatar a indústria de rota química, de dispositivos médicos e
testes de diagnóstico, tais como marca-passos, stents, aparelhos auditivos etc (MS 2015). A demanda
desses produtos foi calculada em função das necessidades do SUS.
Tabela 03. Principais Medicamentos Biossimilares contemplados a partir de Parcerias para o
Desenvolvimento Produtivo.
Medicamento
Classe terapêutica
Laboratório Público
Laboratório Privado
Adalimumabe
Artrite Reumatóide
Bahiafarma
Biomanguinhos
Libbs/Mabxience
Orygen/Alteogen
Bevacizumabe
Oncológico / DMRI
Biomanguinhos
Butantan
IVB
Tecpar
Orygen/Alteogen
Libbs/Mabxience
Bionovis/Merck Serono
Biocad
Certolizumabe
Artrite Reumatóide
Biomanguinhos
UCB Pharma/Meizler
Cetuximabe
Oncológico
Butantan
IVB, Biomanguinhos
Libbs/Mabxience
Bionovis/Merck Serono
Etanercepte
Artrite Reumatóide
Bahiafarma
Butantan
Orygen/Alteogen
Libbs/Mabxience
Infliximabe
Artrite Reumatóide
IVB
Biomanguinhos
Bionovis
Insulina Humana
Recombinante
Diabetes
Farmanguinhos
Indar
Biomm
Rituximabe
Oncológico/Artrite Reumatóide
Butantan
Libbs/Mabxience
Trastuzumabe
Oncológico
Bahiafarma
Biomanguinhos
IVB
Libbs/Mabxience
Fonte: Adaptado de Varma 2010,Crommelin et 2015.
As Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo envolvem basicamente três atores: a)
laboratório público; b) laboratório farmacêutico privado (nacional ou estrangeiro instalado no país) e c)
produtor de insumos biotecnológico ou de rota química nacional. De modo geral, o ator c) não possui
Desenvolvimento de Biossimilares no Brasil
Eduardo Braz Pereira Gomes; Renato Rosseto; Lucimar Pinheiro; Lia Hasenclever; Julia Paranhos
Fronteiras: Journal of Social, Technological and Environmental Science • http://revistas.unievangelica.edu.br/index.php/fronteiras/
v.5, n.1, jan.-jun. 2016 • p. 31-42. • DOI http://dx.doi.org/10.21664/2238-8869.2016v5i1.p31-42 • ISSN 2238-8869
39
capacitação tecnológica e deverá obtê-la por transferência de tecnologia de uma empresa estrangeira
(Rezende 2013).
Essas parcerias já resultaram entre 2009 e 2013 em 104 termos de compromisso, dos quais 28
em biossimilares. Duas grandes empresas – a Bionovis e a Orygen – foram constituídas sob os
auspícios do Ministério da Saúde como objetivo precípuo de desenvolver e produzir, mediante
transferência de tecnologia externa desses produtos. Ambas são joint-ventures de empresas de genéricos
nacionais. A Bionovis tem como sócios: Aché, EMS, Hypermarcas e União Química. A Orygen:
Eurofarma, Cristália, Libbs e Biolab. Posteriormente saíram da Orygen a Cristália e a Libbs, que
continuaram a desenvolver projetos próprios de biossimilares, porém ainda vinculadas às PDPs
(Gomes 2014). A Tabela 3 compila os principais biossimilares contemplados nas PDPs, que
correspondem à maior parcela de custos do SUS.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
É indiscutível a importância do advento dos biológicos na terapêutica moderna, pelo fato de
possibilitar a perspectiva de cura de inúmeras doenças crônico-degenerativas como câncer, diabetes e
doenças autoimunes. Tais medicamentos, ora em processo de expiração de patente, estão no mercado
há muitos anos e comprovaram efetivamente sua eficácia e segurança. No entanto, a complexidade da
sua biossíntese aliada ao monopólio de patente fez com que o custo de sua utilização atingisse
patamares que são proibitivos para a maioria dos sistemas de saúde no mundo.
A expiração das patentes dos principais biológicos fez com que, à semelhança da indústria de
genéricos de síntese química, possibilitasse a emergência de produtores de similares desses produtos –
conhecidos como biossimilares – entendidos como produtos, cujas moléculas não são cópias idênticas
dos originadores, mas devem manter características aproximadas, senão muito próximas com aqueles,
na segurança e eficácia.
Destarte, a grande maioria dos países estabeleceu programas para o desenvolvimento de
biossimilares, dentre eles o Brasil. Baseado na demanda dos principais medicamentos biológicos pelo
SUS, o governo estabeleceu a prioridade sobre sete medicamentos biológicos, a serem produzidos
como biossimilares, mediante parcerias público privadas conhecidas como Parcerias para o
Desenvolvimento Produtivo (PDPs), envolvendo a participação de laboratórios públicos e privados e
transferidores de tecnologia. Apesar de todas as dificuldades inerentes à sua implementação, o
programa é uma oportunidade única de estabelecer, num primeiro momento, o desenvolvimento da
indústria farmacêutica de biotecnologia da saúde no país, e posteriormente com o domínio da expertise,
inovar criando biológicos inovadores.
Desenvolvimento de Biossimilares no Brasil
Eduardo Braz Pereira Gomes; Renato Rosseto; Lucimar Pinheiro; Lia Hasenclever; Julia Paranhos
Fronteiras: Journal of Social, Technological and Environmental Science • http://revistas.unievangelica.edu.br/index.php/fronteiras/
v.5, n.1, jan.-jun. 2016 • p. 31-42. • DOI http://dx.doi.org/10.21664/2238-8869.2016v5i1.p31-42 • ISSN 2238-8869
40
AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem ao Programa de Bolsa de Incentivo à Pesquisa e Produção Científica
(PROBIP/UEG) e à Fundação Nacional de Desenvolvimento do Ensino Superior Particular
(FUNADESP/UniEVANGÉLICA) pela concessão de bolsas de pesquisa.
REFERÊNCIAS
Agência Câmara de Notícias 2011 [homepage on the Internet].Relatório aprovado indica dependência
externa da indústria farmacêutica. Available from: http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/
noticias/SAUDE/206588-RELATORIO-APROVADO-INDICA-DEPENDENCIA-EXTERNA-
DA-INDUSTRIA-FARMACEUTICA.html. Updated April 29, 2016.
Chow SC 2014. Biosimilars: Design and Analysis of Follow-on Biologics. CRC Press, Boca Raton, Florida.
Chow SC, Song FY, Chen, M 2016. Some thoughts on drug interchangeability. J Biopharm Stat 26(1):
178-186.
Crommelin DJA, Shah VP, Klebovich I, McNeil SE, Weinstein V, Flühmann B, Mühlebach S, de
Vlieger JSB 2015. Eur J Pharm Sci 76: 10-17.
Curtis JR, Schabert VF, Harrison DJ, Yeaw J, Korn, JR, Quach C, Yun H, Joseph GJ, Collier DH 2014.
Estimating effectiveness and cost of biologics for rheumatoid arthritis: application of a validated
algorithm to commercial insurance claims. Clin Ther 36 (7):996-1004.
Ellery T, Hansen N 2012. Pharmaceutical lifecycle management: making the most of each and every brand. John
Wiley & Sons, Hoboken, New Jersey.
Falit BP, Singh SC, Brennan TA 2015. Biosimilar competition in the United States: statutory incentives,
payers, and pharmacy benefit managers. Health Aff 34(2): 294-301.
Friedman Y 2014. Building biotechnology: business, regulations, patents, law, policy, science, 4a ed., Logos Press,
Washington DC.
Gomes EBP 2014. Clusters e biotecnologia para a superação da imitação: estudo de caso da indústria
farmacêutica brasileira. PhD Thesis, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.
Gomes EBP, Hasenclever L, Paranhos J 2015. Biossimilares no Brasil: desafios na política de
desenvolvimento produtivo. Available from: http://www.altec2015.org/anais/altec/papers/451.pdf.
Updated April 29, 2016.
Guia TM 2013. Parcerias para o desenvolvimento produtivo em saúde: oportunidades e desafios sob o
ponto de vista da Bionovis. Ciclo de Debates do Sistema Gestec – NIT. Inovação em Saúde. Available
from: http://www.fiocruz.br/vppis/gestec/ciclo_debates.php. Updated April 29, 2016.
IMS Health. Top 20 global products 2014. Available from: http://www.imshealth.com/files/web/
Corporate/News/TopLine%20Market%20Data/2014/Top_20_Global_Products_2014.pdf. Updated
April 29, 2016.
Interfarma. Associação Brasileira da Indústria Farmacêutica de Pesquisa 2012. Entendendo os medicamentos
biológicos. Interfarma, São Paulo.
Desenvolvimento de Biossimilares no Brasil
Eduardo Braz Pereira Gomes; Renato Rosseto; Lucimar Pinheiro; Lia Hasenclever; Julia Paranhos
Fronteiras: Journal of Social, Technological and Environmental Science • http://revistas.unievangelica.edu.br/index.php/fronteiras/
v.5, n.1, jan.-jun. 2016 • p. 31-42. • DOI http://dx.doi.org/10.21664/2238-8869.2016v5i1.p31-42 • ISSN 2238-8869
41
Karalis VD 2016. From bioequivalence to biosimilarity: the rise of a novel regulatory framework. Drug
Res 66(1): 1-6.
Ley K, Rivera-Nieves J, Sandborn WJ, Shattil S 2016. Integrin-based therapeutics: biological basis,
clinical use and new drugs. Nat Rev Drug Discov15: 173-183.
Mora F 2015. Biosimilar: what it is not. Br J Clin Pharmacol 80(5): 949-956.
MS, Ministério da Saúde 2015. Balanço das Parceriaspara o DesenvolvimentoProdutivo. Available
from: http://portalsaude.saude.gov.br/index.php/cidadao/principal/agencia-saude/18638-medica
mentos-biologicos-lideram-lista-de-novos-projetos-de-pdp. Updated April 29, 2016.
Niazi SK 2015. Biosimilars and Interchangeable Biologics: Strategic Elements. CRC Press, Boca Raton, Florida.
Paradise J 2015. The legal and regulatory status of biosimilars: how product naming and state
substitution laws may impact the United States healthcare system. Am J L & Med 41(1): 49-84.
Pimentel V et al. 2013. O desafio de adensar a cadeia de P&D de medicamentos biotecnológicos no
Brasil. BNDES Setorial, Rio de Janeiro, 38, 173-212 pp.
Rezende KL 2013. As parcerias para o desenvolvimento produtivo e estímulo à inovaçãoem
instituições farmacêuticas públicas e privadas. Master Dissertation, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de
Janeiro.
Singh SC, Bagnato, KM 2015. The economic implications of biosimilars. Am J Manag Care 21(16): S331-
S340.
Sundfeld CA, Souza RP 2013. Parcerias para o desenvolvimentoprodutivo em medicamentos e a lei de
licitações. Revista de Direito Administrativo 264: 91-133.
Varma S. Biosimilars: the growth opportunities. Presentation MBA, Bt IMED, 2010. Available from:
http://www.slideshare.net/VarmaSwati/biosimilars-5751654. Updated April 30, 2016.
Walsh G 2003.Biopharmaceuticals: biochemistry and biotechnology. John Wiley and Sons, West Sussex.
Anvisa. Agência Nacional de Vigilância Sanitária 2011. RDC 55/10: resolução no 55 de 16 de dezembro
de 2010. In: Registro de produtos biológicos: bases legais e guias. Coletânea. Brasília
Development of Biosimilars in Brazil
ABSTRACT
This article presents a brief overview of the biosimilar industry in Brazil and in the world. Biosimilars
are drugs originating from therapeutic or biological proteins, whose patents are expired or are going to
expire. Similarly to the generic pharmaceutical industry, the expiration of patents for biologics allows
the emergence of a new segment in the pharmaceutical companies. The advent of biosimilars enables to
overcome of several barriers, not limited to regulatory aspects of intellectual property, but also issues
Desenvolvimento de Biossimilares no Brasil
Eduardo Braz Pereira Gomes; Renato Rosseto; Lucimar Pinheiro; Lia Hasenclever; Julia Paranhos
Fronteiras: Journal of Social, Technological and Environmental Science • http://revistas.unievangelica.edu.br/index.php/fronteiras/
v.5, n.1, jan.-jun. 2016 • p. 31-42. • DOI http://dx.doi.org/10.21664/2238-8869.2016v5i1.p31-42 • ISSN 2238-8869
42
related to process and technological expertise. At this level of complexity, the biosimilar manufacturers
need to have the same expertise or capabilities compared to originator drug companies or holders of
the patents. The importance of biosimilars is due to public health context and high costs of originator
biologics. Due to an aging population, the incidence of chronic degenerative disease will increase and
will have a major impact in healthcare system, in this way the emergence of biosimilars will result in
substantial cost reductions.
Keywords: Recombinant Protein; Monoclonal Antibody; Productive Development Partnerships.
Data Submissão: 13/05/2016
Data Aceite: 25/05/2016