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DOI: 10.5433/1980-511X.2015v10n1p171
* Mestrando em Teorias Ju-
rídicas Contemporâneas
pelo Programa de Pós-Gra-
duação em Direito da Uni-
versidade Federal do Rio de
Janeiro. E-mail: henriquer
angelc@gmail.com
** Professor Adjunto e Vice-
Diretor da Faculdade Naci-
onal de Direito e Professor
Permanente do Programa
de Pós-Graduação em Di-
reito da Universidade Fe-
deral do Rio de Janeiro. Di-
retor do Centro de Pesqui-
sa e Documentação da Or-
dem dos Advogados do Bra-
sil, Subseção do Rio de Ja-
neiro. Bolsista de Produti-
vidade em Pesquisa pelo
Conselho Nacional de De-
senvolvimento Científico e
Tecnológico. E-mail:
bolonhacarlos@gmail.com
*** Professor do Curso de
LL.M em Direito Tributá-
rio da Fundação Getúlio
Vargas, do Curso de Espe-
cialização em Direito Fi-
nanceiro e Tributário da
Universidade Federal
Fluminense e do Curso de
Direito Tributário da Esco-
la Superior de Administra-
ção Fazendária. Doutoran-
do em Finanças Públicas,
Tributação e Desenvolvi-
mento pelo Programa de
Pós-Graduação em Direito
da Faculdade de Direito da
Universidade do Estado do
Rio de Janeiro. Mestre em
Teorias Jurídicas Contem-
porâneas pelo Programa de
Pós-Graduação em Direito
da Universidade Federal do
Rio de Janeiro. Auditor Fis-
cal da Secretaria da Receita
Federal do Brasil. E-mail:
agsepulveda@ig.com.br
REVISTA DO DIREITO PÚBLICO, Londrina, v.10, n.1, p.171-187, jan./abr.2015
Cortes constitucionais e
instrumentalização da
legitimidade1
CONSTITUTIONAL COURTS AND
INSTRUMENTALIZATION OF LEGITIMACY
* Henrique Rangel
** Carlos Bolonha
*** Antonio Sepulveda
Resumo: As instituições democráticas atendem ao seu papel
constitucional no interior da atividade política do Estado. As
Cortes Constitucionais representam as instituições que melhor
promovem esta função. O presente artigo busca investigar, em
particular, a Corte Constitucional brasileira em seus
comportamentos deliberativos, dialógicos e sistêmicos, focando
no que se chama de instrumentalização da legitimidade. Acredita-
se que estes mecanismos se apresentam, pelo menos, em duas
formas: (i) por mecanismos de inclusão-participativa; e (ii) por
mecanismos dialógicos institucionais. Ambos os canais permitem
as Cortes alcançarem uma posição de destaque na definição de
parâmetros deliberativos que, sustenta-se, são pressupostos
para um compromisso institucional cooperativo. O objetivo
deste artigo é verificar as capacidades institucionais da Corte
brasileira no atendimento deste papel ao aplicar mecanismos de
instrumentalização da legitimidade, e analisar a contribuição
destes para a construção de parâmetros deliberativos.
Palavras-chave: Cortes Constitucionais; Teoria Deliberativa;
Capacidades Institucionais; Diálogos Institucionais;
Instrumentalização da Legitimidade.
1Este artigo foi elaborado no âmbito do Laboratório de Estudos
Teóricos e Analíticos sobre o Comportamento das Instituições
(LETACI), vinculado à Faculdade Nacional de Direito (FND) e
ao Programa de Pós-Graduação em Direito (PPGD) da Univer-
sidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), financiado pelo Conse-
lho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(CNPq), no âmbito do Edital Universal nº 14/2013, e pela Fun-
dação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do
Rio de Janeiro (FAPERJ), no âmbito das concorrências do Auxí-
lio à Pesquisa, APQ-1, 2013, e do Edital nº 41/2013, do Progra-
ma de Apoio a Grupos Emergentes de Pesquisa no Estado do Rio
de Janeiro.
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HENRIQUE RANGEL, CARLOS BOLONHA E ANTONIO SEPULVEDA
REVISTA DO DIREITO PÚBLICO, Londrina, v.10, n.1, p.171-187, jan./abr.2015
Abstract: The democratic institutions attempt their
constitutional role inside the political activity of the State.
The Constitutional Courts represent the institutions whom
had better promote that functions. This paper looks for
investigate the Brazilian, in their deliberative, dialogic and
systemic behavior, focusing mainly in what we call
instrumentalization of legitimacy. We believe these mechanisms
are presented by at least two forms: (i) by participative-
inclusion mechanisms; and (ii) by institutional dialogic
mechanisms. Both channels allow the Courts reach an award
position on the definition of deliberative parameters which,
we urges, are presupposed to an institutional cooperative
commitment. The objective of this article is to verify the
institutional capacities of some Courts to attempt this role
applying instrumentalization of legitimacy mechanisms, and
analyze its contribution to the construction of deliberative
parameters.
Keywords: Constitutional Courts; Deliberation Theory;
Institutional Capacities; Institutional Dialogues;
Instrumentalization of Legitimacy.
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CORTES CONSTITUCIONAIS E INSTRUMENTALIZAÇÃO DA LEGITIMIDADE
REVISTA DO DIREITO PÚBLICO, Londrina, v.10, n.1, p.171-187, jan./abr.2015
INTRODUÇÃO
As instituições democráticas atendem ao seu papel constitucional em
uma atividade política de Estado.1 As Cortes Constitucionais são aquelas que
melhor promovem esta função. Este estudo investiga, em particular, os
mecanismos da Corte Constitucional brasileira na garantia da definição de
parâmetros deliberativos, eliminando, porém, a possibilidade de caracterização
de uma supremacia judicial.2
No Brasil, há exemplos como o amicus curiae e as audiências públicas.
Além do mais, uma atividade institucional, associada a compromissos
cooperativos, pressupõe a elaboração de parâmetros deliberativos para amparar
seu déficit de legitimidade. Por um lado, pode-se dizer que as Cortes atuando
em questões políticas de elevado desacordo sem o suporte de instrumentos que
auxiliem este déficit de legitimidade é mais suscetível de desgaste perante a
população e as demais instituições. Por outro lado, a Corte que responde ao
crescimento da demanda social para a efetivação de direitos básicos e para a
1O termo “instituições democráticas” utilizado no presente artigo não se limita às instituições
representativas do sistema político. Esta, na verdade, parece limitar a noção de democracia a seu
aspecto representativo, quando outras situações como a legitimidade também concorrem na atri-
buição de seu sentido. Por esta razão, as Cortes Constitucionais também são integradas a esta
terminologia, uma vez que, mesmo sem representação popular, desempenham funções constituci-
onalmente definidas e promovendo direitos e garantias a seus jurisdicionados. O critério determinante
para a compreensão de uma instituição como democrática ou não, portanto, é a promoção de
princípios de justiça em sua atividade (BOLONHA; RANGEL; ALMEIDA, 2011).
2Tratar o Supremo Tribunal Federal (STF) como uma Corte Constitucional não é um posicionamento
acadêmico aceito de maneira unânime. O caráter híbrido das funções exercidas por esse Tribunal
conduzem juristas a discutir acerca de sua configuração enquanto Suprema Corte ou Corte Consti-
tucional, respectivamente concentradas nas atividades de última instância recursal e de controle de
constitucionalidade. Uma das referências mais prestigiadas no assunto é a obra de Louis Fovoreu,
em que estabelece como critério definidor de uma Corte Constitucional o desempenho de função
especial e exclusivamente de natureza contenciosa constitucional. (FAVOREU, 2004). Esse não é
único critério oferecido no meio acadêmico, embora altamente influente. Sobretudo a partir do
modelo europeu de controle de constitucionalidade, é possível sistematizar algumas características
marcantes dos autênticos modelos de Tribunal Constitucional, como fez José de Albuquerque Ro-
cha. De acordo com esse autor, cinco critérios poderiam ser utilizados para esta finalidade: (i)
estatuto constitucional, que indica sua previsão na Constituição; (ii) designação por critérios polí-
tico-democráticos, devendo a composição da Corte ser definida por eleição de categorias profissi-
onais do direito, como magistratura, sociedade civil, Ministério Público e Poder Executivo; (iii)
mandato fixo e improrrogável; (iv) incompatibilidade, impedindo a acumulação do membro do
Tribunal com diversa função, sobretudo política; e (v) competência, centralidade no exercício do
controle de constitucionalidade. (ROCHA, 1995). Em verdade, o STF é uma Corte que não se
enquadra, definitivamente, nos critérios “ii” e “iii”, sendo extremamente controvertido se atende-
ria também ao critério “v”. Isso ocorre porque o STF reúne competências amplas, pelo menos, de
controle de constitucionalidade, de última instância recursal – além de instância recursal originária
em determinadas hipóteses –, de dissídios federativos e de foro por prerrogativa de função. Além
dessa amplitude, pesquisas empíricas têm evidenciado a predominância do caráter de Corte recursal
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tomada de decisões essenciais, ao mesmo tempo em que se abre ao diálogo
com a população ou demais instituições, pode observar o aumento do
reconhecimento de sua legitimidade.
É necessário verificar a importância e a aptidão das Cortes em atender
a esta função analisando suas capacidades institucionais. Também é necessário
identificar estes mecanismos de instrumentalização da legitimidade em um
sistema deliberativo democrático e seu exercício pelo guardião da Constituição.
Considerando o crescimento da importância destes novos mecanismos na
jurisdição constitucional, algumas instituições estrangeiras podem auxiliar na
sua compreensão, a exemplo das Cortes norte-americana e canadense. A
estabilização da ordem constitucional e de parâmetros políticos, assim como a
promoção de um sistema de direitos, através das Cortes Constitucionais são
situações que, em contrapartida, podem conduzir a dificuldades no plano
democrático, resultando em significativos desgastes.
O objeto central deste trabalho é o fenômeno responsável por compensar
este déficit democrático das Cortes Constitucionais. Acredita-se que estes
mecanismos se apresentem, pelo menos, através de duas formas distintas: por
mecanismos de inclusão-participativa e por mecanismos de atividade dialógico-
institucional.
1 O JUDICIAL REVIEW E A CONQUISTA HISTÓRICA DE SEUS
CONTORNOS POLÍTICOS
Na teoria constitucional norte-americana, tornou-se um desafio, para
qualquer estudioso, apresentar sistematicamente os desdobramentos teóricos
sobre a atividade da Corte Constitucional. Criaram-se perspectivas de profunda
do STF do ponto-de-vista quantitativo, fortalecendo sua semelhança com o perfil de Corte Supre-
ma. (FALCÃO; HARTMANN; CHAVES, 2014). Atualmente, há um Projeto de Emenda à Consti-
tuição – PEC nº 275/2013 –, que pretende alterar esse perfil do STF, aproximando-o de uma
autêntica Corte Constitucional e transferindo parcela significativa de sua atuação recursal ao
Superior Tribunal de Justiça, o que resultaria em um desenho similar ao português de segregação
entre Tribunal Constitucional e Supremo Tribunal de Justiça. Embora o STF não se submeta, com
perfeição, aos critérios academicamente firmados para caracterização de uma Corte Constitucio-
nal, com especial ênfase à tradição jurisdicional europeia, é inegável que o exercício do contencioso
constitucional, no Brasil é desempenhado de maneira exclusiva por essa instituição. O fato de o STF
ser quem exerce, no Brasil, o controle de constitucionalidade, considerando que os mecanismos de
controle preventivo no interior do Congresso Nacional não têm se desvencilhado da função
política precípua dessa instituição, torna problemático retirar, por completo, seu perfil de Corte
Constitucional. Por essa razão, sustenta-se que o STF represente um caso de Corte Constitucional
inautêntica: apesar de não se submeter aos padrões regulares de caracterização apresentados acima,
é a instituição que exerce com centralidade a função de contencioso constitucional no país.
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especificidade para analisar e contribuir para uma atuação criativa do judicial
review, discutindo, sobretudo, o status de supremacia judicial.
O judicial review passou por, pelo menos, duas fases marcantes na
história constitucional americana. Seu nascimento costuma ser louvado com
o caso Marbury v. Madison (1803), mas é necessário observar que o
judicial review que se discute hoje não é este.3 Tal mecanismo surgiu em
um período em que a Corte de Marshall (1801-1835) tentava se livrar das
influências político-partidárias sobre sua atividade e sobre suas sucessivas
nomeações influenciadas pelo plano de governo dominante. Quando o Chief
Justice Marshall defende a impossibilidade desta Corte deliberar sobre
matéria que diretamente versa sobre questões políticas, obtém êxito na
garantia de um Judiciário independente. Este fato, porém, limitaria a Corte
a um reduzido espectro de atuação, mas a criação da doutrina do judicial
review sustentou seu status perante os poderes eleitos. Nesta primeira fase,
somente a matéria eminentemente jurídica poderia ser alvo de verificação
de compatibilidade com a Constituição. O critério utilizado para a distinção
entre a legal discretion e a political discretion era o caráter de
mutabilidade da matéria. Sendo de maior flutuação no campo político, a
controvérsia estaria fora do âmbito de atuação do judicial review. Sendo
algo assentado e visto como imutável, poderia a Corte intervir e suprimir a
validade do ato. Ressalte-se que o grande fundamento adotado como matéria
imutável era a propriedade privada.4
Inicialmente, o judicial review, enquanto um instrumento de grande
aprovação, ganhou forças e, progressivamente, tornou-se mais recorrente e
mais abrangente. Em meados do século XX, porém, a Suprema Corte foi
deslocada para o centro das exigências e pressões sociais na reivindicação de
prestação de direitos e estabelecimento de parâmetros políticos de deliberação.5
Atendendo a estas expectativas, assumiram um verdadeiro papel de protagonista
político e deliberativo as Cortes de Warren e de Burger nos Estados Unidos.
Nestes períodos, a Suprema Corte assumiu uma responsabilidade política de
atuação que transformou em regra o enfrentamento de controvérsias que seriam
tipicamente, na origem do judicial review, de political discretion. Desta forma,
alguns autores afirmam, a partir desta proeminência política da Corte, um quadro
3Marbury v. Madison, 5 U.S. 137 (1803).
4Sobre este período inicial do judicial review e suas divisões entre legal e political discretion,
(WILLIAM, 2000).
5Para fins de delimitação do conceito de deliberação, a presente pesquisa adota como seu referencial
a obra (BOHMAN, 2000).
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de supremacia judicial, correspondente a uma segunda fase do judicial review
(GRIFFIN, 2005).
Sendo o centro das atenções e pressões, entretanto, foi inevitável o
desgaste do judicial review, ao final do século XX e início do século XXI. O
comportamento da Corte tornou-se prudentemente mais contido. As correntes
do constrained judicial review, havendo quem o subdivida em
constitucionalismo popular, departamentalismo e week form judicial
review6. No atual debate sobre o judicial review, defende-se, por um lado, um
modelo fortemente dialógico (constrained judicial review) e, por outro lado,
um modelo de revisão que favoreça a autonomia do Judiciário em matérias de
teor mais político (strong judicial review). A autonomia da Corte para integrar
ou não outras instituições a esta atividade de maior conteúdo político se tornou
o foco da discussão.
É com esta dimensão teórica sustentada pelos juristas norte-americanos,
sobre os temas relativos à atividade de sua Corte, que se pode analisar, por
exemplo, a atividade do Supremo Tribunal Federal (STF). Atualmente, este
apresenta um aparente comportamento que foge do que se entende como strong
judicial review, para moldar-se a uma postura constrainted judicial review,
valorizando a atuação das outras instituições democráticas. Os polêmicos
julgamentos da inconstitucionalidade da Lei do Ficha Limpa (Lei Complementar
nº 135/2010), não a aplicando às eleições imediatamente após sua publicação, e
da extradição do italiano Cesare Battisti, apreciando-a como legal, mas decidindo
que a palavra final caberia ao Presidente da República – que não o extraditou
–, mostram uma modulação da atuação no sentido deste comportamento7.
6É o que se apresenta em (SHINAR; HAREL, 2011). Representam a corrente do constitucionalismo
popular autores contemporâneos que combatem a capacidade de o Judiciário exercer o controle de
constitucionalidade das leis, defendendo um padrão democrático mais estabelecido no princípio
majoritário, indo de encontro com a democracia constitucional dworkiniana e seus núcleos de
princípios fundamentais de intangibilidade moral individual. Trata-se de autores que rejeitam a
noção de “trunfos contra a maioria” do contramajoritarismo atual. Pode-se afirmar que há a defesa
de uma espécie de legislature supremacy (TUSHNET, 2006). Para o departamentalismo, o sistema
jurídico deve estar aberto para a atuação legislativa, porém, muito claramente definidos os limites
do judicial review. Impede-se que haja interferências além de suas próprias competências, critican-
do uma postura ativista que avance sobre assuntos políticos atribuídos a diverso Poder (THAYER,
1893). Com as teorias do week form judicial review, encontram-se propostas de uma atuação
branda, geralmente, apenas como suficiente para a garantia concreta de direitos. É possível citar
como um exemplo destes modelos de judicial review, o second look (DIXON, 2011). Alguns
entendem certos trabalhos de Mark Tushnet como integrantes desta subdivisão (TUSHNET, 2007).
7Para o caso Lei do Ficha Limpa, Cf. Recurso Extraordinário nº 633.703, Min. Rel. Gilmar Mendes,
5/04/2011. Para o caso de Cesare Battisti, Cf. Extadição nº 1.085 e Reclamação Constitucional nº
11.243, Min. Rel. Gilmar Mendes, 16/06/2011.
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2 LIMITES INSTITUCIONAIS PARA O JUDICIAL REVIEW
O debate da teoria constitucional dedicou sua atenção a certos aspectos
institucionais dos processos de interpretação da Constituição e das normas
infraconstitucionais, bem como seus desdobramentos.8 Neste momento,
identificaram-se duas questões institucionais: as capacidades institucionais
e os efeitos sistêmicos. Esta análise se posiciona criticamente sobre teorias
interpretativas, sobretudo, no que tange às chamadas visões perfeccionistas do
Poder Judiciário e das Cortes Constitucionais.9 Ressalte-se, no entanto, que
este enfoque não se restringe apenas ao Judiciário, mas a todas as instituições
revestidas de atribuições em uma ordem deliberativa. Isto significa que os
processos de deliberação democrática devem considerar, primeiro, quais seriam
suas capacidades institucionais para enfrentar a controvérsia e, segundo,
quais os resultados sistêmicos que poderiam advir desta decisão. Os resultados
pretendidos e as consequências de sua atividade deliberativa dentro de uma
ordem institucional dialógica firmam a concepção de efeitos sistêmicos. Estes
se preocupam com os resultados que podem recair sobre pessoas, instituições
públicas e instituições privadas; o que exige do processo de deliberação um
rigor maior na interpretação do caso concreto a partir de suas circunstâncias
particulares.
Dessa forma, a partir das críticas encontradas nas chamadas questões
institucionais, o processo de deliberação pode ocorrer, legitimamente, de
maneira aprofundada e minuciosa, na medida em que for implementada a
capacidade da instituição de lidar com o problema e previstas as decorrências
sistêmicas de seu desfecho, sobretudo em relação aos seus reflexos sobre outras
instituições. Do contrário, não é tão recomendável que a instituição se aventure
em interpretações de alto nível de criatividade ou de excepcionalidade. O
afastamento dos termos legais e demais inovações, em que há certa tendência
de atuação política, devem ser encargos de instituições dotadas da capacidade
correspondente e para situações de reduzidas projeções sistêmicas.
Esta perspectiva institucional traz um posicionamento crítico que, porém,
não pretende promover um completo redesenho da ordem constitucional
8As primeiras observações desenvolvidas no que atualmente se chama teoria institucional foram
apresentadas por autores, entre outros, como Gillman e Clayton (1999) e Griffin (1999). Porém,
esta tradição de pensamento somente se transformou em teoria institucional após o desenvolvi-
mento de pesquisas marcantes como Sunstein e Vermeule (2002) e Levinson e Pildes (2006).
9Como fiel representante e defensor do perfeccionismo no direito constitucional (DWORKIN,
1977).
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democrática. Muitos dos arranjos institucionais em uma macroesfera já se
encontram consolidados e, em que pesem estas duas dificuldades perante a
atividade institucional, é mais estratégico criar mecanismos democráticos em
um reduzido nível de desenho institucional.10 Portanto, mais do que pretender
extinguir instituições como o judicial review, parece ser mais apropriado para
atender a valores democráticos, como a deliberação, instituir novos mecanismos
que superem dificuldades específicas de seu exercício11.
3 MECANISMOS DE INSTRUMENTALIZAÇÃO DA
LEGITIMIDADE NO JUDICIAL REVIEW
Outros estudiosos críticos do pensamento perfeccionista, por sua vez,
são surpreendidos por situações excepcionais em que o processo de deliberação
explora certos mecanismos e canais que, para o caso em questão, elevam suas
capacidades institucionais e melhoram a percepção quanto aos efeitos sistêmicos
decorrentes de suas decisões institucionais (LECLAIR, 2003).
Em primeiro lugar, é preciso considerar que o debate sobre perfeccionismo
está estritamente ligado a deliberações do Judiciário, uma vez que teve seu
início a partir das discussões acerca da legitimidade e do papel do Tribunal em
exercer o judicial review. Em segundo lugar, é preciso considerar que algumas
críticas sobre o perfeccionismo cuidam de desenvolver uma argumentação tendo
por base, unicamente, os juízes nela inseridos. Quando analisam a capacidade
institucional da Corte, deixam de considerar que outros atores podem participar
do processo deliberativo e do espaço público ali remontado.
Existem institutos, que aqui serão entendidos genericamente como canais
de inclusão-participativa, concebidos com a finalidade própria de elevar, por
exemplo, as capacidades institucionais do Judiciário. No sistema jurídico
10 O debate sobre desenho institucional começou a ser desenvolvido com maior vigor a partir da obra
coletiva (GOODIN, 1996). Particularmente, há uma concepção de desenhos institucionais em
pequena e larga-escalas a que se vincula o presente texto. Os arranjos institucionais seriam aqueles
correspondentes aos desenhos em larga-escala, tais como a separação de poderes e o controle de
constitucionalidade. Quando se abordam mecanismos institucionais, tais como os de inclusão-
participativa e de diálogos institucionais ora trabalhados, a referência é diretamente feita aos
desenhos institucionais em pequena-escala. Tal classificação é proporcionada por Vermeule (2011).
11 Ressalte-se, que Adrian Vermeule considera quatro valores democráticos como indispensáveis para
a atividade das instituições. Considera-se, especialmente, no presente artigo, a deliberação. “What
goals, exactly, are the mechanisms of democracy supposed to serve? How might we judge or not
they are successful, and under what conditions? I will suppose mechanisms that advance four core
values of democratic constitutionalism: impartiality, accountability, transparency, and deliberation”.
(VERMEULE, 2011, p. 4) (grifos do autor).
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brasileiro, destacam-se, entre eles, (i) o amicus curiae e, mais recentemente,
(ii) as audiências públicas.
O primeiro representa uma espécie de manifestação de terceiro no
processo judicial em razão de algum interesse próprio sobre a questão em litígio.
Há, no Brasil, divergências quanto a sua natureza jurídica; se seria um terceiro
interessado ou terceiro não interessado, pela lógica do interesse jurídico no
campo processualista. Ao lado destas duas correntes principais de terceiro
interessado e terceiro desinteressado, há a posição de Cassio Scarpinella Bueno,
concebendo o amicus curiae como um terceiro a quem se atribui interesse
institucional – uma vez que está comprometido em auxiliar com a prestação
de informações necessárias à resolução do litígio (BUENO, 2008).12 O debate
norte-americano, por outro lado, centra-se em outra discussão. Busca entender
a lógica do amicus curiae como um verdadeiro “amigo da corte”, comprometido
12 A divergência doutrinária parece ter sido amenizada com a publicação da Lei nº 13.105/2015,
instituindo o Novo Código de Processo Civil, uma vez que o instituto do amicus curiae passou a
receber tratamento legal, diretamente, no título da intervenção de terceiros. Com isso, o amicus
curiae estaria atendendo às mesmas premissas dos demais terceiros com interesse jurídico que
devessem ou pudessem se manifestar no processo, o que não impede que a discussão acerca do
interesse institucional ou meramente jurídico seja mantida. Até então, não havia lei que se referisse
diretamente ao termo “amicus curiae” no ordenamento jurídico brasileiro. O que está sendo
tratado como inovação do Novo Código de Processo Civil, no entanto, mais parece uma generali-
zação do regramento observado no controle de constitucionalidade, a partir do Regimento Interno
do STF. De um lado, o Regimento Interno traz, em suas disposições sobre o Presidente da Corte,
sobre o Relator do processo e sobre a existência de Repercussão Geral em Recurso Extraordinário,
respectivamente, o seguinte: “Art. 13. São atribuições do Presidente: [...] XVIII – decidir, de forma
irrecorrível, sobre a manifestação de terceiros, subscrita por procurador habilitado, em audiências
públicas ou em qualquer processo em curso no âmbito da Presidência. [...]; Art. 21. São atribuições
do Relator: [...] XVIII – decidir, de forma irrecorrível, sobre a manifestação de terceiros, subscrita
por procurador habilitado, em audiências públicas ou nos processos de sua relatoria. [...]; Art. 323.
Quando não for caso de inadmissibilidade do recurso por outra razão, o(a) Relator(a) submeterá, por
meio eletrônico, aos demais Ministros, cópia de sua manifestação sobre a existência, ou não, de
repercussão geral. [...] § 2º Mediante decisão irrecorrível, poderá o(a) Relator(a) admitir de ofício
ou a requerimento, em prazo que fixar, a manifestação de terceiros, subscrita por procurador
habilitado, sobre a questão da repercussão geral.” De outro lado, o Novo Código de Processo Civil
estabelece o seguinte: “Art. 138. O juiz ou o relator, considerando a relevância da matéria, a
especificidade do tema objeto da demanda ou a repercussão social da controvérsia, poderá, por
decisão irrecorrível, de ofício ou a requerimento das partes ou de quem pretenda manifestar-se,
solicitar ou admitir a participação de pessoa natural ou jurídica, órgão ou entidade especializada,
com representatividade adequada, no prazo de 15 (quinze) dias de sua intimação.” Questões como
a irrecorribilidade da decisão que admite ou denega a inserção do amicus curiae no processo, bem
como sua possibilidade de admissão de ofício, já eram tratadas de modo pacífico pelo STF, e agora
possuem regulamentação no processo civil, em geral. Entretanto, o novo diploma legal tem a
oferecer um campo mais abrangente de controvérsias doutrinárias. Por exemplo, o significado de
“representatividade adequada” ilustra mais um desafio aos acadêmicos do direito processual, haven-
do outros conceitos jurídicos que permanecerão indeterminados por algum tempo, tais como
“repercussão social da controvérsia”. Uma das maiores controvérsias processuais do instituto foi
amenizada ao se abordar o amicus curiae no título da intervenção de terceiros, mas o Novo Código
de Processo Civil parece ter trazido mais incertezas do que propriamente respostas.
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com a solução de um conflito pelo caminho mais justo e devido ao prestar
informações relevantes, ou se, em verdade, representa um “amigo da parte”,
auxiliando a Corte somente na medida em que seus interesses particulares
estavam sendo assegurados13.
Quanto às audiências públicas, experiência mais recente e ainda pouco
explorada14, a Lei do Procedimento da Ação Direta de Inconstitucionalidade
(ADI) e da Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC), Lei nº 9.868/
1999, sustenta, em seu art. 9º, §1º, que o instituto se aplica na necessidade de
esclarecimento de matéria ou circunstância de fato ou de notória insuficiência
de informações15. Seguindo-se rigorosamente o texto, pode-se extrair o sentido
de que os entes convidados a se manifestarem em audiência pública atuam
com o único e exclusivo interesse de esclarecer a matéria ou circunstância de
fato ou prestar informações além das contidas nos autos. Analisando, entretanto,
a lógica deste canal inclusivo-participativo, as audiências públicas têm remontado
uma figura de espaço público discursivo e argumentativo.16 Não há a figura
13 Para Michael Lowman, o amicus curiae, nos EUA, configurava-se mais tendencialmente como um
“amigo da parte” (LOWMAN, 1992). Foi este o autor que cunhou o termo litigating amicus para
designar a prática assistencialista desse instituto em questões de proteção a interesses próprios em
litígios alheios. Após esta pesquisa, outras trataram de avaliar o impacto de tais participações nas
decisões da Suprema Corte norte-americana. Entre as mais importantes, (MARRILL; KEARNEY,
2000). Representando desdobramentos desta questão – amigo da parte ou da Corte? – no Brasil,
(MEDINA, 2010).
14 No total, somente 16 audiências públicas foram realizadas pelo STF até abril de 2015, tratando, em
ordem cronológica, sobre os seguintes temas: (1) pesquisas com células-tronco embrionárias – ADI
nº 3.510; (2) importação de pneus usados – ADPF nº 101; (3) interrupção da gestação de fetos
anencefálicos – ADPF nº 54; (4) judicialização do direito à saúde – SL nº 47 e outros nove; (5) ações
afirmativas no acesso ao ensino superior – ADPF nº 186 e RE nº 597.285; (6) proibição da venda
de bebidas alcoólicas próxima a rodovias – ADI nº 4.103; (7) proibição do uso de amianto – ADI nº
3.937; (8) marco regulatório para TV por assinatura – ADI nº 4.679 e outras duas; (9) campo
eletromagnético das linhas de transmissão de energia – RE nº 627.189; (10) queimada de canaviais
– RE nº 586.224; (11) regime prisional – RE nº 641.320; (12) financiamento de campanhas
eleitorais – ADI nº 4.650; (13) publicação de bibliografias não autorizadas – ADI nº 4.815; (14)
Programa “Mais Médicos” – ADI nº 5.037 e 5.035; (15) marco regulatório da gestão coletiva de
direitos autorais – ADI nº 5.062 e 5.065; (16) internação hospitalar com diferença de classe na
saúde pública – RE nº 581.488.
15 Lei nº 9.868 de 1999, art. 9º, §1º: “Em caso de necessidade de esclarecimento de matéria ou
circunstância de fato ou de notória insuficiência das informações existentes nos autos, poderá o
relator requisitar informações adicionais, designar perito ou comissão de peritos para que emita
parecer sobre a questão, ou fixar data para, em audiência pública, ouvir depoimentos de pessoas com
experiência e autoridade na matéria”.
16 Os instrumentos de inclusão-participativa podem ser aproximados de teorias discursivas como a
habermasiana. (HABERMAS, 1996). Tendo em vista que o presente trabalho pretende relacioná-
los com as questões suscitadas pela teoria institucional, especificamente, e sua influência sobre a
legitimidade da Corte Constitucional, optou-se por não promover maiores digressões envolvendo
sua adequação discursiva ou sua contribuição ao potencial de racionalidade da ação comunicativa,
entre outros aspectos.
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institucional de um ente convocado a fornecer subsídios aos juízes para que
estes construam, entre si, a decisão adequada. O decorrer das audiências sugere
a tendência de uma situação participativa de deliberação, na qual os atores
tratam de se associar a uma das partes litigantes e passam a representar
interesses extrajurídicos – políticos, econômicos, filosóficos, teológicos, entre
outros – de natureza particular ou relativos a uma categoria ou classe (sendo
muito comum, nos Estados Unidos, o emprego do termo bias para tais
comportamentos).
O ingresso no processo como amicus curie e a convocação de audiências
públicas podem atender, na prática, a distintas finalidades. Sua admissão na
Corte Constitucional pode decorrer, desde formalidades legais por haver
pertinência temática entre o caso e a atividade do terceiro que pretende se
manifestar, até mesmo por motivos de maior relevância. Neste último caso, é
possível observar a manifestação de terceiros visando reduzir um déficit
informacional, ocasionado pela complexidade da matéria enfrentada ou para
legitimar a decisão tomada através da participação de grupos sociais que
acompanham o processo. Algumas audiências públicas tiveram a finalidade de
preencher esta lacuna informacional da Corte, oferecendo conhecimentos
extrajurídicos específicos, como nos casos de pesquisa com células-tronco
embrionárias, interrupção da gravidez de fetos anencefálicos e proibição do
uso de amianto – pois envolveram aprofundados conhecimentos das ciências
da natureza. Outras, por sua vez, serviram para abrir espaço à sociedade como
forma de legitimação de sua decisão, como foi o caso das ações afirmativas
para acesso ao ensino superior, envolvendo grupos socialmente excluídos como
negros, índios e estudantes de escolas públicas por exemplo. Ainda sob este
aspecto, as audiências públicas de pesquisa com células-tronco embrionárias e
interrupção da gravidez de fetos anencefálicos também cederam espaço a
entidades religiosas e teológicas e até mesmo a movimentos sociais feministas.
Desse modo, os mecanismos de inclusão-participativa servem, tanto para
contribuir para as capacidades institucionais da Corte ao decidir, quanto para
preservar a legitimidade de sua atuação.
Os mecanismos institucionais dialógicos podem ser desenvolvidos de
acordo com a experiência democrática conquistada em cada ordem
constitucional. Dependendo das disposições constitucionalmente previstas e da
tradição do comportamento de suas instituições, mecanismos distintos podem
ser desenvolvidos. A concepção de instrumentos legitimadores da atividade da
Corte Constitucional brasileira pode ser auxiliada através da observação dos
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experimentos realizados pela teoria constitucional e pela efetiva prática
institucional norte-americana e canadense em suas vias de constrained judicial
review.
Primeiramente, é preciso esclarecer que o debate sobre os diálogos
institucionais não se restringe à relação entre Judiciário e Legislativo, mas
este é o campo em que se encontram maiores propostas por parte das teorias.17
Os diálogos institucionais resumem-se como uma metáfora definidora do
mecanismo de atuação das instituições quando suas decisões afetam
diretamente deliberações construídas por outra instituição (LECLAIR, 2003).
Remonta-se a ideia de que as instituições, em seu comportamento, precisam
se ajustar à organização e às atribuições das demais, evitando colisões e
atritos entre si que possam gerar alguma queda de legitimidade ou dificuldade,
impasses no plano democrático ou complicações na concretização das normas
constitucionais.
O debate canadense sobre as teorias dialógicas gira em torno da atuação
de sua Suprema Corte e a efetivação dos direitos fundamentais da Carta
Canadense. Rosalind Dixon elabora uma das teorias dos diálogos institucionais
mais instigantes (DIXON, 2009). Preocupada com as relações entre o Judiciário
e o Legislativo, formula um sistema de atuação no qual, ao invés de contrariar
e suprimir as deliberações do Legislativo, o Judiciário deveria permitir que este
lançasse um “segundo olhar” sobre a questão18. A partir de Dixon, é possível
afirmar que a teoria canadense tem a preocupação de corrigir imperfeições no
campo constitucional, mas fazê-lo sem grandes interferências em matérias
reservadas a entes com papel próprio em uma estrutura com poderes distintos.
A ideia do second look cases promovido pelo Legislativo, instituição que
deliberou inicialmente a questão sub judice na Corte, caracteriza a teoria de
Dixon como um padrão de comportamento institucional fundado no requerimento
de autorreflexão sobre deliberações próprias, mantendo a Corte em aguardo de
seu posicionamento, o que ela chama de narrow statement ex ante.
17 O debate acerca dos diálogos institucionais foi iniciado com (HOGG; BUSHELL, 1997). Nesta
pesquisa, ainda havia uma limitação à relação entre Judiciário e Legislativo, pois seu objeto era
precisamente a lógica das declarações de inconstitucionalidade da Suprema Corte Canadense. Pos-
teriormente, suas discussões superaram os limites das declarações de inconstitucionalidade e da
relação Judiciário-Legislativo.
18 “It may look as though the SCC is being asked to practice two different forms of review, but as the
article explains, this approach to second look decision making should not be rejected out of a
concern for judicial independence. Provided courts are mindful of its preconditions and rationale,
such an approach will be fully compatible with the maintenance of judicial independence” (DIXON,
2009, p. 4).
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A teoria norte-americana, por outro lado, sob a perspectiva de Cass
Sunstein, trata a questão diferentemente (SUNSTEIN, 1999). O minimalismo
judicial seria uma teoria dialógica a partir do momento em que a Suprema
Corte, nos momentos de promover o judicial review, considera suas capacidades
institucionais e os resultados advindos sobre suas decisões a partir de suas
deliberações. Segundo tal teoria dialógica, a atuação da Suprema Corte em
decidir somente sobre os assuntos estritamente necessários, desenvolve sua
atividade a partir de dois critérios: profundidade e amplitude. Para Sunstein,
uma atuação da Corte que decide somente o que é essencial na questão, tendo
um padrão de atuação shalow e narrow, alcança resultados positivos. Quando
alguma questão deixa de ser decidida pela Corte, desde que não implique prejuízos
aos cidadãos, a responsabilidade repousa nos agentes democraticamente
legítimos sobre a decisão – o Legislativo. Chama-se a isto democracy-promote
minimalism, um comportamento de caráter dialógico que alerta as instituições
democraticamente responsáveis sobre deliberações que devem realizar.
Em uma análise comparativa, é possível afirmar que o debate canadense
estrutura-se sobre problemas relativos à questão democrática, vis-à-vis a
situação de legitimidade que se pretende preservar. O debate norte-americano
centra-se na questão institucional, versando sobre capacidades e resultados
sistêmicos. Em ambos os casos, são evitadas situações de tensão política e de
desgaste da legitimidade da Corte Constitucional, preservando seu prestígio na
ordem institucional e perante seus jurisdicionados. Embora a Corte Constitucional
brasileira tenha apresentado alguns exemplos de comportamento contido em
suas decisões, apesar dos episódios de ativismo judicial da última década, ainda
não foram estabelecidos mecanismos regulares e de uso corrente de diálogo
com as demais instituições atuantes em seu plano. Apenas em algumas ocasiões,
o STF dialoga com outras autoridades por meio das próprias audiências públicas,
como no julgamento dos casos de judicialização do direito à saúde, convocando
membros do ministério correspondente, o que demonstra uma precariedade em
seus mecanismos de diálogo institucional.
Analisando estas duas espécies de instrumentalização da legitimidade
– mecanismos de inclusão-participativa e de diálogo institucional –, a saída
para as imperfeições do sistema democrático não parece ser redefinir
radicalmente toda a estrutura constitucional do Estado, mas usar o potencial de
racionalidade de cada discussão aberta nas instituições, em respeito aos
fundamentos constitucionais. Ao invés de buscar grandes reorganizações no
desenho institucional em nível de grandes arranjos, talvez seja mais interessante
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elaborar mecanismos democráticos em uma escala mais reduzida que possam
atender a valores como a deliberação (VERMEULE, 2011). A partir do momento
que as limitações técnicas, econômicas ou políticas são reconhecidas, impedindo
uma saída no molde das teorias de first-best, as perspectivas institucionais
como a instrumentalização da legitimidade se apresentam como saídas
estratégicas para a atividade deliberativa democrática da Corte Constitucional.
CONCLUSÃO
Considerando-se a necessidade de estabelecimento de parâmetros
deliberativos bem definidos e compartilhados pelas instituições em um sistema
dialógico e cooperativo de atividade, necessita-se de um procedimento
democrático claro e definido para esta construção. Defende-se, aqui, que as
Cortes Constitucionais podem exercer um papel de liderança no estabelecimento
de tais parâmetros necessários à coordenação da atividade institucional.
Para justificar a presente hipótese, é preciso analisar quais são os
procedimentos democráticos institucionalizados no âmbito de suas atividades
de modo a compreender se estão sendo elaborados mecanismos democráticos
capazes de suprir as falhas e as dificuldades dos arranjos de grande dimensão
institucional. Neste sentido, entre uma série de críticas quanto à falta de
capacidades institucionais e o grau de legitimidade da atividade das Cortes na
atual conjuntura político-jurídica, é de central importância a criação e o
aprimoramento do que chamamos de mecanismos de instrumentalização da
legitimidade. Estes podem representar alternativas à deliberação democrática,
amparando-se em, pelo menos, duas propostas para o caso das Cortes
Constitucionais: (i) por meio de procedimentos inclusivo-participativos para
cidadãos que, de alguma forma, podem contribuir à potencialização do debate,
fornecendo informações que, a princípio, não são de domínio das Cortes –
implementando suas capacidades institucionais – ou diretamente envolvidos e
afetados pelos efeitos da decisão – abrangendo a previsibilidade de seus efeitos
sistêmicos; ou (ii) por meio de critérios ou princípios dialógicos de decisão que
aproximem a Corte das entidades democraticamente responsáveis pela
deliberação, reduzindo as proporções das críticas que apelam a um viés mais
propriamente legitimatório.
Por meio de tais mecanismos institucionais em pequena escala, resultados
significativos podem ser obtidos pela Corte Constitucional, contribuindo-se para
sua atividade na definição de parâmetros deliberativos para a ordem
constitucional.
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Artigo recebido em: 26/10/2014
Aprovado para publicação em: 22/04/2015
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Como citar: RANGEL, Henrique. BOLONHA, Carlos. SEPULVEDA,
Antonio. Cortes constitucionais e instrumentalização da legitimidade.
Revista do Direito Público. Londrina, v.10, n.1, p.171-187, jan./abr.2015. DOI:
10.5433/1980-511X.2015v10n1p171.