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I Congresso Iberoamericano de Gestión Integrada de Áreas Litorales - 2012
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MONITORAMENTO PRAIAL ANTES E DURANTE AS OBRAS DE DRAGAGEM DO
PORTO DE SANTOS, SÃO PAULO (BRASIL)
C. R. de Gouveia Souza1,2 , A. P. Souza3, R. S. Ferreira1
1. Instituto Geológico-SMA/SP. Av. Miguel Stéfano, 3900. 04301-903. São Paulo-SP.
2. Programa de Pós-Graduação em Geografia Física da FFLCH-USP. celiagouveia@gmail.com
3. Geólogo-Consultor
RESUMO
A dragagem de um canal portuário pode provocar alterações no balanço sedimentar costeiro
e na hidrodinâmica local. Assim, dependendo das características morfodinâmicas das praias
locais, da hidrodinâmica costeira e sua interação com a hidrodinâmica estuarina (quando há
um estuário associado), dos estoques sedimentares disponíveis e, obviamente, da nova
configuração do canal e do volume de material removido, as dragagens maiores podem
provocar modificações na configuração da linha de costa e mudanças na dinâmica de
sedimentação costeira, levando à erosão de praias, dentre outros impactos físicos,
biológicos e químicos. No período entre março/2010 e novembro/2011 ocorreram obras de
dragagem para o aprofundamento do canal de acesso/navegação Porto de Santos, que
passou de 12,9 para 16 m de profundidade e de 150 para 220 m de largura. No âmbito do
licenciamento ambiental dessas obras foram desenvolvidos 28 programas de monitoramento
ambiental, visando à avaliação de possíveis impactos e proposição de medidas de mitigação
e/ou compensação, se necessárias. Um desses programas é o Programa de Monitoramento
do Perfil Praial (PMPPr), que acompanha mensalmente, desde janeiro/2010, as sete praias
do município de Santos (José Menino, Pompéia, Gonzaga, Boqueirão, Embaré, Aparecida e
Ponta da Praia), a Praia do Itararé (município de São Vicente) e a Praia do Góes (município
do Guarujá), todas localizadas ao fundo da Baía de Santos. É importante ressaltar que,
levando em consideração as características dessa costa, se os impactos ocorrerem nessas
praias, a velocidade será lenta e, devido à maior proximidade do canal, se iniciarão na Ponta
da Praia de Santos, área que sofre erosão acelerada há várias décadas. Este trabalho
apresenta alguns resultados do monitoramento realizado nessas praias no período pré e
durante as obras de dragagem, para qual foi desenvolvida uma abordagem metodológica
específica e baseada nas características das praias locais. O monitoramento foi efetuado
por meio da perfilagem praial em 33 pontos distribuídos nessas praias, e realizado
mensalmente durante uma fase de maré de quadratura. O ano de 2010 foi anômalo em
termos de eventos meteorológicos-oceanográficos, ocorrendo ressacas (marés
meteorológicas positivas) de média a fraca intensidade durante o ano todo. Em 2011 esses
eventos estiveram concentrados nos meses de março e maio, porém envolveram forte
intensidade. O segmento formado pela Praia do Itararé e a Praia do José Menino (até o
espigão do Emissário submarinho de Santos-São Vicente), mostrou-se o mais estável de
todos, apresentando muito pouca variabilidade morfológica e alta homogeneidade
granulométrica tanto ao longo da praia quanto do tempo. O segmento Emissário-Ponta da
Praia (Santos) apresentou maior variabilidade morfológica e pouco menor homogeneidade
granulométrica ao longo da praia e do tempo em relação ao segmento vizinho. A Praia do
Góes, por outro lado, apresentou grandes variações morfológicas e texturais, as quais foram
condicionadas por um fenômeno conhecido por rotação praial e iniciado pouco tempo antes
das dragagens, tendo sido observado também em fotografias aéreas de meados da década
de 1980. Até o momento não foram constatados impactos diretos das obras de dragagem
nessas praias. Todos os eventos e processos observados foram atribuídos a respostas
dessas praias aos eventos meteorológicos-oceanográficos que ocorreram nesses 18 meses
de monitoramento.
Palavras-chave: praias, monitoramento, dragagem, impactos, Porto de Santos.
INTRODUÇÃO
Atividades de dragagem de aprofundamento e alargamento do canal de navegação de um
porto podem desequilibrar os processos sedimentares das praias próximas a ele, sendo a
erosão dessas praias um dos tipos possíveis de impactos físicos.
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O Porto de Santos operou obras de dragagem de aprofundamento (de 12,9 para 15 m) e
alargamento (de 150 para 220 m) de todo o seu canal de navegação e acesso, desde a Baía
de Santos até o interior do Estuário, de março/2010 até provavelmente dezembro/2011.
Para o licenciamento ambiental dessa obra, o IBAMA (Instituto Brasileiro de Meio
Ambiente) exigiu o desenvolvimento de 28 programas de monitoramento ambiental, dentre
os quais o Programa de Monitoramento do Perfil Praial (PMPPr).
O PMPPr compreende o monitoramento das praias de Santos (município de Santos), do
de Itararé (município de São Vicente) e do Góes (município do Guarujá), todas localizadas
no interior da Baía de Santos (Figura 1), com o objetivo de estudar sua dinâmica sedimentar
e verificar se e como as mesmas estão sendo impactadas fisicamente pelas dragagens.
Figura 1. Localização dos segmentos praiais e dos perfis de monitoramento.
As praias estudadas são urbanas, mas apresentam diferentes estágios e históricos de
antropização e de uso regular.
A urbanização nas praias de Santos teve início em meados do século XIX. Na primeira
década do século XX são efetuadas as primeiras obras de impacto na orla, conhecidas
como canais de saneamento de Saturnino de Brito, e que segmentaram o arco praial em
seis segmentos menores. Em 1973, outra grande obra também ligada ao saneamento, o
Emissário submarino de Santos-São Vicente, cujo extenso espigão de pedras de condução
da bra permaneceu no local, isolando o extremo oeste da Praia de Santos para o lado da
Praia do Itararé. O extremo leste dessa praia (Ponta da Praia de Santos) foi urbanizado
entre as décadas de 1920 e 1940, com a instalação de clubes náuticos, uma linha de bonde
e, finalmente, a construção de um muro de arrimo e da avenida à beira-mar sobre a praia.
No decorrer das décadas seguintes, anteparos de pedra foram sendo instalados ao longo de
um vasto trecho da entrada do Canal Estuarino, e sucessivamente prolongados para oeste à
medida que a erosão prograda rumo ao Canal 6.
A Praia do Itararé foi urbanizada somente na década de 1990. Sua larga e extensa faixa
de areia é produto do fechamento artificial de um tômbolo que existia entre essa praia e a
Ilha Porchat, em 1944, que interrompeu a deriva litorânea prevalecente para oeste e acabou
promovendo a intensa deposição de sedimentos nessa praia.
O estado morfodinâmico de ambos os segmentos praiais é dissipativo de baixa energia
(praias abrigadas) com tendências intermediárias (Souza, 1997.
A Praia do Góes fica do outro lado da baía, encaixada numa pequena enseada (headland
bay-beach). Possui estado morfodinâmico “misto” e é semi-controlada geologicamente pelo
embasamento ígneo-metamórfico circundante (Souza, 2011). Sua ocupação foi marcada por
baixa densidade (comunidade de pescadores) até a década de 1980. A partir de então
várias construções foram implantadas, inclusive um extenso muro que ocupou metade da
pós-praia entre o extremo leste e a parte central da praia, como tentativa de proteção da
erosão das casas à sua retaguarda.
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O presente trabalho apresenta, de maneira sucinta, os resultados das variabilidades
morfométrica e textural obtidas para esses três segmentos praiais, para o período de
janeiro/2010 a agosto/2011, portanto pré e sincrônico às obras de dragagem.
MATERIAIS E MÉTODOS
A dragagem de um canal portuário implica na retirada de sedimentos do sistema costeiro
e na modificação da topografia de fundo, cujas consequências são alterações no balanço
sedimentar costeiro e na hidrodinâmica local (Figura 2).
Figura 2. Possíveis impactos físicos da dragagem
de um canal portuário.
Para compreender a variabilidade física que a
linha de costa sofre ao longo do tempo são
necessárias investigações que envolvam
diferentes escalas espaciais e temporais e uma
gama de processos: desde o movimento dos grãos
de areia sob a ação das ondas (período de
segundos), o comportamento de uma praia num contexto de célula costeira (porção da costa
com um ciclo completo de balanço sedimentar, envolvendo créditos, transporte e débitos de
sedimentos; médio período), até as heranças geológicas e as variações seculares do nível
relativo do mar, incluindo também a somatória das intervenções antrópicas na linha de costa
e na zona costeira (Komar, 2000; Souza, 2009).
A abordagem metodológica utilizada foi fundamentada nas diferentes escalas de tempo e
das respostas espaciais (geológicas e geomorfológicas) dos processos costeiros (Souza et
al., 2011).
O monitoramento, iniciado em janeiro/2010 (pré-dragagem), está sendo realizado durante
uma fase de maré de quadratura mensal (menor variação da largura praial), por meio de 07
perfis praiais no segmento Praia do Itararé-Emissário (incluindo aqui as praias do
Itararé/São Vicente e do José Menino/Santos), 20 perfis no segmento Emissário-Ponta da
Praia de Santos (do Emissário até a Ponta da Praia) e 05 perfis na Praia do Góes (vide
Figura 1). As obras de dragagem foram iniciadas efetivamente em março/2010, na boca da
Baía de Santos, e seguiram para montante, de forma que em outubro/2010 se encontravam
na entrada do Canal Estuarino. Em novembro/2011 ainda estão em execução na parte mais
interna do Estuário. A continuidade desse monitoramento está prevista para se estender por,
no mínimo, 2 anos após término dessas obras, com continuidade a ser avaliada conforme as
avaliações de impacto.
Os perfis de monitoramento, perpendiculares à linha de costa, foram inicialmente
alocados segundo um espaçamento regular (praias do Itararé e Góes), ou em função de
feições morfológicas perenes, como o tômbolo associado à Ilha de Urubuqueçaba, na Praia
do José Menino, e de intervenções antrópicas importantes na linha de costa, como os
canais de saneamento de Santos e o espigão do Emissário submarino.
Os perfis são georreferenciados a cada perfilagem, de acordo com a orientação da linha
de costa no momento da amostragem, sendo o único ponto fixo o ponto inicial (P0),
previamente alocado junto à calçada/estrutura urbana/vegetação fixa.
Em cada perfil são levantados e planilhados os seguintes tipos de dados: a) medida da
orientação da linha de costa e cálculo da orientação do perfil, balizado por P0; b)
reposicionamento espacial de todo o perfil, por georreferenciamento com GPS de
mapeamento, e controle dos pontos-chave (P0; terminação do perfil - P6 - em 10 cm de
coluna d’água; local da amostragem – P5; e limite superior do estirâncio – P3); c)
caracterização do clima de ondas (direção de propagação da ortogonal, período, altura
média, número de quebras, intensidade relativa da agitação marítima); d) identificação do
estágio da maré segundo a tábua de marés e atuação de maré meteorológica, com controle
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de horário; e) caracterização das condições meteorológicas reinantes - normais,
instabilidade, pré-frontal, frontal e pós-frontal no dia do monitoramento e na semana
antecedente, e medidas da direção e da intensidade do vento (escala de Beufort); f)
levantamento dos dados morfométricos do perfil praial emerso (larguras, declividades e
alturas - Souza, 1997); g) identificação e caracterização de indicadores morfológicos,
hidrológicos, biológicos e antrópicos de transportes longitudinal (correntes de deriva
litorânea) e transversal à costa (costa-adentro e costa-afora); h) identificação e
monitoramento de indicadores de erosão costeira (Souza, 1997; Souza & Suguio, 2003); i)
caracterização de intervenções antrópicas que possam afetar o balanço sedimentar da
praia, como retirada de areia da praia (limpeza pública, desassoreamento de canais de
drenagem etc.), construção de obras de engenharia e equipamentos urbanos fixas na orla,
movimentações de areia para instalação de equipamentos urbanos subterrâneos, instalação
de estruturas temporárias de lazer/esporte etc.; j) amostragem de sedimento (2,0 cm
superficiais) no terço inferior do estirâncio (Souza, 1997, 2007); k) amostragens de
sedimentos em subsuperfície quando no local da amostragem forem observadas alterações
na granulometria nos primeiros 20 cm superficiais.
A variabilidade morfométrica das praias é obtida por meio de tratamentos estatísticos e
gráficos espaço-temporais e temporo-espaciais das variáveis morfológicas medidas, para a
análise das tendências de cada praia e perfil, sempre em conjunto com as condições de
contorno (sistemas atmosféricos e climáticos, variáveis oceanográficas, intervenções
antrópicas) responsáveis pela morfodinâmica da praia durante o monitoramento e na
semana anterior.
As amostras sedimentares são analisadas quanto à granulometria, com remoção prévia
de carbonato biodetrítico (Suguio, 1973) e de resíduos plásticos (pellets plásticos são muito
frequentes nessas praias, Manzano, 2009).
Os parâmetros estatísticos de Folk & Ward (1957) são calculados e utilizados para a
descrição granulométrica e indicações sobre os processos sedimentares atuantes, as fontes
de sedimentos (Folk & Ward, 1957) e as variações de energia de ondas (Tanner, 1995;
Souza, 1997).
Tratamentos estatísticos e gráficos de variabilidade espaço-temporal e temporo-espacial
dos quatro parâmetros estatísticos são utilizados para a análise das tendências de cada
praia e perfil, sempre em conjunto com as condições de contorno responsáveis pela
morfodinâmica da praia durante o monitoramento e na semana anterior.
Outros estudos, cujos resultados não são objeto deste trabalho, também estão sendo
realizados, tais como: caracterização da microcirculação de células de deriva litorânea
(método de Souza, 1997, 2007); identificação e monitoramento de indicadores de erosão
costeira e classificação de risco por perfil e por praia (Souza & Suguio, 2003, adaptada para
o PMPPr); avaliação da variabilidade espaço-temporal dessas praias por meio de
retroanálises em fotografias aéreas; retroanálise das intervenções antrópicas na linha de
costa oceânica e estuarina; retroanálise da atuação de eventos atmosféricos-oceanográficos
anômalos (principalmente marés meteorológicas/ressacas e seus efeitos); análise dos
resultados de um monitoramento oceanográfico-meteorológico realizado no âmbito de outro
programa ambiental, para modelagens de ondas nas áreas críticas (Ponta da Praia de
Santos e Praia do Góes); levantamento batimétrico de detalhe nas áreas críticas; coletas de
sedimentos e modelagem do transporte residual de fundo (perfil submerso e Baía de
Santos) nas áreas críticas.
RESULTADOS
O ano de 2010 foi considerado anormal em relação à atuação de eventos atmosféricos-
oceanográficos anômalos, que geraram 26 eventos de marés meteorológicas positivas e
ressacas de variadas intensidades, distribuídas entre fevereiro e dezembro. Normalmente, a
temporada de ressacas na costa SE do Brasil e a região de Santos é o período entre o final
de abril e o final de agosto (Campos et al., 2010).
Segundo dados do Programa de Modelagem Meteo-Oceanográfica na área de descarte,
realizado pela ASA (relatórios inéditos), em todos os meses entre fevereiro e dezembro de
2010 ocorreram eventos de alta energia de ondas, totalizando: 47 sistemas frontais,
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somando 151 dias; 57 dias com ondas de alturas significativas (Hs) >2,0 m e máximas
(Hmax) entre 3,6 e 5,1 m; e ventos máximos entre 23 e 28,3 m/s em todos os meses.
Já entre janeiro e agosto de 2011, alguns eventos muito fortes marcaram os meses de
março e maio (7 dias com ondas de Hs>2,0 m e Hmáx entre 2,6 e 4,8 m), e outros poucos,
de menor intensidade, os meses de junho a agosto.
As anormalias de 2010 e meados de 2011 podem estar relacionadas à atuação de El
Niño desde 2009 até meados de 2010, seguido da instalação de La Niña, que atuou até
meados de 2011.
Praia do Itararé-Emissário
As curvas de variação de largura e declividade média deste segmento praial (Figura 3)
são sintônicas, ou seja, apresentam comportamento homogêneo ao longo do tempo.
As principais variações de largura e declividade ao longo do arco praial estão
relacionadas à presença de feições morfológicas naturais e de intervenções antrópicas na
linha de costa, destacando-se: tômbolo associado à presença da Ilha de Urubuqueçaba, que
confere ao perfil Stos-01 a maior largura e a menor declividade do segmento; confinamento
de Stos-02 entre o espigão do Emissário, a Ilha de Urubuqueçaba e o tômbolo,
responsáveis pela segunda maior largura praial em Stos-02; embaíamento em Itar-05
(menor largura e maior declividade do arco praial), formado numa zona de divergência de
duas células de deriva litorânea associada à interação entre as ilhas da Feiticeira (Itar-04) e
Urubuqueçaba, o tômbolo e o espigão do Emissário.
Figura 3. Variação das larguras totais e das declividades médias totais do segmento Praia
do Itararé-Emissário, no período de janeiro/2010 a agosto/2011.
Os sedimentos, formados por areias muito finas e muito bem selecionadas, também se
apresentaram muito homogêneos durante todo o período de monitoramento, com valores
bastante próximos entre si ao longo do arco praial e ao longo do tempo (Figura 4).
Figura 4. Variação do diâmetro médio e do grau de seleção dos sedimentos do estirâncio do
segmento Itararé-Emissário, no período de janeiro/2010 a agosto/2011.
Como esperado, variações da morfometria praial e da textura nessa praia ocorreram
devido a perturbações atmosféricas-oceanográficas associadas a frentes frias com ressacas
(marés meteorológicas). Assim, em condições de tempo bom as larguras praias são
maiores, as declividades do estirâncio são pouco menores, e os sedimentos do estirâncio se
apresentam relativamente menos finos e pior selecionados e com maior variabilidade; já
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durante a passagem de frentes frias com ressacas, as larguras se apresentam menores, as
declividades do estirâncio pouco mais elevadas e as areias do estirâncio relativamente mais
finas e melhor selecionadas e com menor variabilidade. Esta característica textural do perfil
praial durante as tempestades/marés meteorológicas, aparentemente contrária ao esperado,
está associada ao efeito de migração vertical de todo o perfil praial para o continente,
fazendo com que a nova posição do estirâncio esteja sobre a pós-praia do perfil anterior, de
tempo bom, onde os sedimentos são relativamente mais finos e melhor selecionados por
causa de constante retrabalhamento eólico.
Estudos de retroanálise em fotografias aéreas de 1962, 1972, 1987, 1994 e 2001 e
imagens de satélite de 2009, demonstram que o comportamento de largura desse segmento
praial pouco variou nos últimos 50 anos, exceto no seu setor leste (entre Itar-05 e Stos-02)
onde as mudanças puderam ser especialmente notadas após a implantação do espigão do
Emissário em 1973.
Emissário-Ponta da Praia de Santos
Este segmento praial também apresentou baixa variabilidade espacial e temporal das
componentes morfométricas, exibindo curvas quase sempre sintônicas (Figura 5). Os
padrões de largura indicam que entre os perfis Stos-07 e Stos-12 (entre canais 1 a 3) a praia
é sempre mais larga, e entre os perfis Stos-16 e Stos-23 ela é mais estreita, sendo os
demais trechos intermediários. O perfil Stos-10 é invariavelmente o de maior largura e Stos-
23 o de menor.
Figura 5. Variação das larguras totais e das declividades médias totais s do segmento
Emissário-Ponta da Praia de Santos no período de janeiro/2010 a agosto/2011.
Da mesma forma que para o segmento Itararé-Emissário, aqui são também observadas
as mesmas variações nas características morfo-texturais do perfil praial provocadas por
perturbações meteorológicas-oceanográficas, como os sistemas frontais acompanhados de
marés meteorológicas.
Estudos envolvendo retroanálises em fotografias aéreas de 1962, 1972, 1987, 1994 e
2001 e imagens de satélite de 2009, demonstram que esse comportamento não variou muito
nos últimos 50 anos, embora praticamente todo arco praial tenha apresentado recuos de
linha de costa, em especial na última década. A Ponta da Praia (Stos-21 a Stos-23) se
destacou, exibindo tendência erosiva acelerada a partir de 1994.
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Os sedimentos também se apresentaram muito homogêneos durante todo o período,
com valores bastante próximos entre si ao longo do arco praial, que apresenta areias
invariavelmente muito finas e muito bem selecionadas (Figura 6).
Figura 6. Variação do diâmetro médio e do grau de seleção dos sedimentos do estirâncio do
segmento Emissário-Ponta da Praia de Santos no período de janeiro/2010 a agosto/2011.
Praia do Góes
Ao contrário dos outros segmentos praiais, esta praia apresentou grande variação
espacial e temporal nos dados morfométricos de largura e declividade (Figura 7).
Figura 7. Variação das larguras totais e das declividades médias totais na Praia do Góes, no
período de janeiro/2010 a agosto/2011.
De maneira geral, as larguras de Góes-01 e Góes-02 foram decrescendo enquanto as
larguras de Góes-04 e Góes-05 aumentando com o tempo; em outubro/2010 Góes-02 passa
a ser o setor mais estreito da praia, onde se forma um embaíamento; Góes-03 praticamente
conserva sua largura até maio/2011, quando esta começou a reduzir bruscamente; em
compensação, Góes-04 e Góes-05, que nem puderam ser medidos em janeiro/2010, em
janeiro/2011 já apresentam larguras semelhantes a Góes-03.
As declividades, sempre elevadas, apresentaram variabilidades compatíveis com as
larguras, destacando-se o aumento progressivo e até anômalo em todo o setor leste da
praia (Góes-04 e Góes-05). As altas declividades nesses perfis estão relacionadas ao
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desajuste morfológico provocado pelo intenso empilhamento sedimentar ocorrido em 2010,
em associação com diversas intervenções antrópicas na praia, como a presença de
muros/casas e remobilizações constantes de areia na pós-praia, além do próprio píer
localizado a oeste de Góes-05, que funciona como armadilha de sedimentos no estirâncio e
face litorânea.
Os sedimentos do estirâncio também sofreram mudanças texturais importantes. No início
de 2010 as areias da praia eram grossas e pobremente selecionadas, depois passaram a
médias e moderadamente selecionadas, para darem lugar a areias finas e moderadamente
a pobremente selecionadas (Figura 8).
Figura 8. Variação do diâmetro médio e do grau de seleção dos sedimentos do estirâncio na
Praia do Góes, no período de janeiro/2010 a agosto/2011.
As significativas mudanças morfológicas e texturais ocorridas nesta praia são decorrentes
de um fenômeno conhecido como “rotação praial” (Souza, 2011). A rotação praial é
caracterizada pelo realinhamento da praia em resposta a fortes modificações no transporte
litorâneo longitudinal, como decorrência de súbita mudança na direção e altura dos trens de
ondas incidentes, resultando na alternância entre erosão e acreção nas terminações
opostas da praia (Short et al., 1999; Ranasinghe et al., 2004).
Estudos de retroanálise em fotografias aéreas de 1962, 1972, 1987, 1994 e 2001 e
imagens de satélite de 2009, demonstram que o fenômeno é cíclico nessa praia. Em 1987
(ano sob a influência de El Niño de moderada intensidade) ela se encontrava em estágio
máximo, com as maiores larguras da praia no setor leste e forte erosão no setor oeste
(deriva litorânea resultante e prevalecente para leste). Picos de normalidade (deriva
litorânea e prevalecente para oeste) foram observados nas imagens de 1972, 2001 e 2009,
enquanto situações intermediárias ocorreram em 1962 e 1994. Uma caraterística comum
observada em todos os períodos de normalidade e transição é a ocorrência de uma extensa
mancha de sedimentos que se acumulam na face litorânea de todo o setor ocidental da
enseada, que é também o seu setor mais abrigado, tanto maior quanto mais evoluído o
estágio de normalidade, podendo a mesma que se estender até praticamente a boca NW da
Enseada do Góes, como observado em 2009 (vide Figura 1).
Assim, em fevereiro/2010 ocorreu o primeiro grande pulso de inversão da deriva litorânea
para leste, quando um ciclone extratropical migrou para a região Sudeste do Brasil gerando
um sistema frontal que atingiu a região de Santos nos dias 17-19/02 (o monitoramento
ocorreu no dia 21, quando se observou repentino empilhamento sedimentar em Góes-4 e
Góes-05 e sinais de ressaca), com ondas de SSW de Hmax de 2,7 m e ventos de 6,2 m/s,
causando sobrelevação do nível do mar de 0,20 m (Harari et al., 2010). Dias depois, entre
25/02 e 06/03, uma nova e mais intensa frente fria trouxe ondulações de SSW ainda
maiores, de até 3,9 m de Hmax, ventos de 8,4 m/s e sobrelevação do nível do mar de 0,9 m,
desencadeando o segundo pulso de empilhamento sedimentar no setor leste da praia. Mas
o processo foi efetivamente mais intenso no início de abril, durante a atuação da ressaca
mais forte de 2010, no dia do monitoramento.
Assim, ao que tudo indica, o fenômeno é desencadeado quando três principais eventos,
de escalas temporais diferentes, ocorrem simultaneamente: (a) fase decadal de maior
acumulação de sedimentos no setor oeste da praia, com máximo empilhamento no perfil
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praial e transferência de sedimentos mais finos para a face litorânea até praticamente a
entrada da NW da Enseada, devido à atuação prevalecente de correntes de deriva litorânea
resultantes com sentido oeste e correntes de retorno (mega-rips) associadas, gerando um
desajuste morfológico da praia; (b) atuação do fenômeno ENOS (El Niño – Oscilação Sul),
com El Niño de média a alta intensidade (escala de alguns anos), que no Brasil é
responsável pela presença de área de convergência de baixa pressão na região Sul (Zona
de Convergência do Atlântico Sul), pelo transporte de umidade amazônica para as regiões
Sul e Sudeste e pelas altas temperaturas do Atlântico Sul, anomalias que juntas aumentam
a frequência e a intensidade dos ciclones extratropicais (geram os sistemas frontais) que
atingem a região Sudeste; (c) atuação de um ciclone extratropical (curto período) gerando
um sistema frontal que atinge a Baía de Santos com fortes ondulações de SSW e maré
meteorológica positiva (ressaca) de forma que, ao mesmo tempo em que essas ondas
geram deriva litorânea para leste, também induzem ao forte transporte costa-adentro,
capitaneado pela migração vertical de todo o perfil praial associada à ressaca (Souza,
2011).
Finalmente, comparando os parâmetros estatísticos das variáveis morfo-texturais
apresentadas para os três segmentos praiais (Tabela 1), observa-se que o segmento
Itararé-Emissário possui as maiores larguras, em relação aos valores máximos (299,4 m),
mínimos (65,4 m) e à média (158,9 m), e com menor coeficiente de variação (0,29) dessa
variável em relação às demais. As maiores declividades estão na Praia do Góes, cujos
valores variaram de 1,7 até 7,8°, sendo a média, muito superior às das outras praias, mas
com o menor coeficiente de variação (0,29) dessa variável. O diâmetro médio (areias muito
finas) das praias de Santos e São Vicente foi igual para ambos em relação a todos os
parâmetros estatísticos, destacando-se a muito baixa variabilidade do tamanho dos grãos,
com coeficiente de varação igual a 0,01. Na Praia do Góes, por sua vez, houve grande
variação, com classes texturais variando de areias grossas (mínimo de 0,01 phi) até areias
muito finas (3,24 phi). O grau de seleção dessas areias também não variou nas praias de
Santos e São Vicente (muito bem selecionadas), mas variou muito na Praia do Góes, entre
muito bem selecionadas (0,25 phi) e pobremente selecionadas (1,79 phi).
Tabela 1. Parâmetros estatísticos das variáveis morfo-texturais estudadas nos segmentos
praiais.
CONCLUSÕES
Os segmentos praiais Itararé-Emissário e Emissário-Ponta da Praia mostraram muito
baixa variabilidade morfológica e textural espacial e temporal, tanto no que diz respeito a
cada perfil individualmente, quanto em relação a todo o arco praial. As mais importantes
variações morfo-texturais dessas praias, embora de pequena amplitude, foram sentidas
durante ou logo após a passagem de um sistema frontal acompanhado de ressaca.
A Praia do Góes, entretanto, exibiu alta variabilidade nos primeiros meses de
monitoramento, a qual foi diminuindo com o tempo e mais recentemente apresenta
tendências de baixa variabilidade. As modificações nas características morfológicas e
texturais dessa praia foram causadas por um fenômeno conhecido como rotação praial, de
recorrência cíclica nessa praia, e cujo estopim está relacionado à conjugação de processos
Segmento Praial Atributos Mínimo Máximo Média
Desvio
Padrão
Coeficiente
de Variação
Declividade Média Praia Total (°) 0,20 1,70 0,70 0,29 0,43
Largura Medida Total (m) 65,40 299,40 158,90 45,82 0,29
Diâmetro Médio (phi) 3,10 3,30 3,20 0,04 0,01
Desvio Padrão (Grau de Seleção) 0,20 0,30 0,20 0,03 0,11
Declividade Média Praia Total (°) 0,00 2,60 0,80 0,35 0,45
Largura Medida Total (m) 0,00 252,30 127,30 47,20 0,37
Diâmetro Médio (phi) 3,10 3,40 3,20 0,04 0,01
Desvio Padrão (Grau de Seleção) 0,20 0,50 0,30 0,03 0,14
Declividade Média Praia Total (°) 1,70 7,80 4,20 1,21 0,29
Largura Medida Total (m) 9,10 59,40 28,80 10,80 0,38
Diâmetro Médio (phi) 0,01 3,24 2,11 0,76 0,36
Desvio Padrão (Grau de Seleção) 0,25 1,79 0,98 0,31 0,32
Góes
Emissário-Ponta da Praia
Parâmetros Estatísticos: Janeiro/2010 a Agosto/2011
Itararé-Emissário
I Congresso Iberoamericano de Gestión Integrada de Áreas Litorales - 2012
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naturais de diferentes escalas temporais e espaciais. Também neste caso a perturbação da
praia por eventos meteorológicos intensos foi fundamental.
Assim, os resultados obtidos até o momento demonstram que as variações texturais e
morfológicas encontradas nas praias de estudo correspondem a respostas a eventos
atmosféricos-oceanográficos de maneira bastante específica, mas sempre dependente do
tempo decorrido entre o evento e a amostragem, além da intensidade do evento e do
número de eventos ocorridos antes do monitoramento e até nos meses anteriores.
Não é possível atribuir a variabilidade morfo-textural encontrada nessas a possíveis
impactos causados pelas obras de dragagem de aprofundamento. Neste sentido é
importante ressaltar também que o ajuste de uma praia a obras como essa dificilmente será
imediato, pois as escalas dos processos costeiros no perfil submerso e emerso da praia são
diferentes.
AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem à Companhia Docas de Santos (Codesp) e à Secretaria Especial
dos Portos pelo suporte financeiro do PMPPr.
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