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Rev. Triang.: Ens. Pesq. Ext. Uberaba – MG, v.3. n.2, p. 177-190, jul/dez. 2010
TECNOLOGIA ASSISTIVA PARA AS ATIVIDADES DE VIDA DIÁRIA NA TETRAPLEGIA
COMPLETA C6 PÓS-LESÃO MEDULAR
ASSISTIVE TECHNOLOGY FOR ACTIVITY Of DAILY LIVING ON C6 TETRAPLEGIA AFTER SPINAL CORD
INJURY
Daniel Marinho Cezar da Cruz1
Maria Teresa Augusto Ioshimoto2
RESUMO: A partir de um relato de caso tem-se por objetivo apresentar o efeito da tecnologia
assistiva na independência para Atividades de Vida Diária-AVDs, pós lesão da medula espinal. São
apresentadas as adaptações e órteses prescritas e confeccionadas para uma paciente com
tetraplegia C6 (ASIA A), ao longo de sete meses de reabilitação em terapia ocupacional hospitalar. O
instrumento utilizado para a coleta de dados foi a Medida de Independência Funcional-MIF. Embora a
classificação de dependência modificada não tenha sido alterada, os resultados mensurados em
valores quantitativos no escore total da MIF aumentaram de 50 para 64 e permitem discutir a melhora
na independência para os itens de alimentação e autocuidado, a partir do treino com adaptações. As
AVDs instrumentais:uso do computador, leitura e escrita também foram promovidas com o uso de
tecnologia assistiva. Por fim, a importância da pesquisa em tecnologia assistiva é destacada a fim de
favorecer indicadores de melhora na reabilitação e, no sentido clínico, maior possibilidade de
independência no desempenho ocupacional desses pacientes.
PALAVRAS-CHAVE: Terapia ocupacional. Traumatismos da medula espinal. Reabilitação.
Equipamentos de auto-ajuda.
ABSTRACT: This case report aims to present the effect of assistive technology for independence on
Activities of Daily Living-ADL, after spinal cord injury. Aids and orthoses prescribed and made are
presented for a patient with C6 tetraplegia (ASIA A), over seven months of rehabilitation in an
occupational therapy service at the hospital. The instrument used for data colleta was the Functional
Independence Measure-FIM. Although the classification of modified dependence has not been
changed, the scores results measured in quantitative values in the total FIM score increased from 50
to 64 and permit to discuss the improvement in independence mainly for the items of feeding and self-
care, after the training with devices. The instrumental Activities of Daily Living-AIDL: use the
computer, reading and writing were also promoted with the use of assistive technology. Finally, the
importance of research in assistive technology is deployed to show the outcomes of rehabilitation and
also to improve the independence in occupational performance of these patients.
KEYWORDS: Occupational therapy. Spinal cord injuries. Rehabilitation. Self-help devices.
INTRODUÇÃO
As ações da terapia ocupacional são reconhecidas em diferentes áreas de
ocupação: Atividades de Vida Diária-AVDs, Atividades Instrumentais de Vida Diária-
AIVDs, descanso e repouso, educação, trabalho, lazer, brincar e participação social
(AOTA, 2008). A profissão tem como contribuição maior a promoção de saúde e
participação da pessoa, organizações e populações através do engajamento em
ocupações (AOTA, 2008).
1 Professor Assistente do Departamento de Terapia Ocupacional da UFSCar, São Carlos-SP.
2 Coordenadora do Serviço de Terapia Ocupacional do Hospital Israelita Albert Einstein - HIAE,
São Paulo-SP.
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As AVDs, um dos focos deste estudo, contemplam atividades relacionadas ao
cuidado pessoal, também referidas como Atividades Básicas de Vida Diária-ABVDs.
Essas atividades são fundamentais para a vida no mundo social; tornam possível a
sobrevivência básica e o bem estar (AOTA, 2008). Já as AIVDs são aquelas que se
relacionam à vida em casa e na comunidade e que requerem interações mais
complexas do que o autocuidado das ABVDs (AOTA, 2008). As AVDs são uma das
atividades que mais identificam atuação do terapeuta ocupacional em reabilitação
física (CRUZ, CORDEIRO, IOSHIMOTO, 2008).
Esse conceito de terapia ocupacional, relacionado ao desempenho de
atividades significativas para a saúde e qualidade de vida da pessoa, encontra
consonância com a Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e
Saúde (CIF), da Organização Mundial de Saúde (OMS), que considera como
condição de saúde/doença a dinâmica entre as estruturas e funções corporais, o
desempenho de atividades e participação como domínios relacionados entre si e aos
fatores de contexto ambientais (barreiras físicas e atitudinais) e pessoais
(OPAS/OMS, 2003).
A Lesão Medular enquanto condição de saúde/doença é uma das causas de
déficits em estruturas e funções motoras e sensitivas do corpo (tetraplegias e
paraplegias) em adultos e que pode repercutir em limitação funcional de atividades,
assim como em restrições na participação ativa em situações da vida cotidiana.
Segundo Polia e Castro (2007), o impacto da Lesão Medular sobre a vida
ocupacional da pessoa merece maior atenção em relação à pesquisa, em especial
pelos terapeutas ocupacionais, a fim de ampliar a visão de como as modificações
decorrentes da lesão se expressam no comportamento ocupacional.
A tetraplegia resulta em déficits nas estruturas e funções do corpo,
importantes no desempenho de atividades. Os Membros Superiores-MMSS, tronco,
Membros Inferiores-MMII e órgãos pélvicos são comprometidos e implicam em uma
necessidade para a utilização de produtos e tecnologias, tais como, cadeiras de
rodas, equipamentos para transferências, sistemas de controle do ambiente ou
automação e outros recursos assistivos, que são facilitadores para o desempenho
de várias atividades.
O termo “tetraplegia” substitui a antiga terminologia “quadriplegia”, e define-se
pela perda das funções motoras e/ou sensoriais nos segmentos cervicais da medula
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espinal, de acordo com o conceito mundialmente utilizado da American Spinal Cord
Injury Association-ASIA (ATKINS, 2005; ASIA, 1996).
As tetraplegias completas (Escala de ASIA A) são os casos de lesões
medulares cervicais que comprometem a sensibilidade e motricidade abaixo do nível
da lesão, sem nenhuma preservação nos segmentos sacrais S4-S5 (ATKINS, 2005;
ASIA, 1996).
Existem perdas significativas diversas, relacionadas ao nível da lesão da
medula espinal e o comportamento motor do paciente com Lesão Medular se
associa ao grau de preservação motora. Para este estudo de caso, serão descritas
brevemente as características da tetraplegia de nível motor C6.
Em relação ao comprometimento motor dos MMSS, para o nível C6, pode-se
afirmar que esses pacientes apresentam como característica, alterações para as
habilidades no ato preênsil e, conseqüentemente, das habilidades manuais como um
todo (etapas de alcance, preensão, manipulação, deslocamento e o soltar ativo de
objetos no espaço), habilidades necessárias ao desempenho de funções diárias.
O nível motor C6 tem como músculo-chave determinado pela ASIA, o
extensor radial do carpo (extensores de punho) e todos os músculos acima do nível
da lesão, preservados (ASIA, 1996).
Para esse nível motor, pela ausência de inervação para musculatura
intrínseca da mão, a utilização da musculatura extensora radial do carpo é recrutada
para extensão do punho e fechar a mão, enquanto que na ausência da musculatura
flexora de punho e dedos, a abertura da mão é feita pela ação da gravidade. Esse
mecanismo é chamado de tenodese (ATKINS, 2005; TEIXEIRA & SAURON, 2003).
Pode-se discutir que, na prática clínica, nem sempre é possível ter
independência em relação ao uso das mãos apenas pela tenodese e vários fatores
podem estar relacionados a isto, tais como: força muscular diminuída, desequilíbrio
entre a musculatura agonista e antagonista; comprometimento do tônus muscular;
encurtamentos músculo-tendíneos; deformidades ósteoarticulares de membro
superior (cotovelo, antebraço, punho e dedos); déficit na sensibilidade; falta de
treinamento específico para esse mecanismo; do potencial de reabilitação; estado
emocional do paciente; nível de envolvimento e adesão ao tratamento por parte do
paciente, e também por seus familiares, dentre outros.
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Em relação aos outros comprometimentos nos MMSS, mais especificamente
na função preênsil, após uma Lesão Medular, é provável ocorrer uma sobrecarga
em MMSS a qual pode prejudicar o uso das mãos pela tenodese.
Isso em parte se atribui ao overuse, gerado principalmente pelas atividades
de propulsão de cadeiras de rodas (DRONGELEN et al, 2006). Outras atividades
que podem ser atribuídas a essa sobrecarga são as transferências e manobras
constantes para o alívio de pressão como o “push-up”.
Felizmente, o avanço nas pesquisas na área da saúde e tecnologia tem
permitido o desenvolvimento de produtos, equipamentos e dispositivos que facilitam
a funcionalidade desses pacientes, que deverão ser treinados para o uso adequado
e correto dessas tecnologias, o que sugere cada vez mais investigações que
possam discutir e promover a qualidade e eficiência das tecnologias para essa
população, aliando-as com treinamento preciso e acompanhamento periódico.
Existem adaptações3 para diversas AVDs, as quais têm a função de substituir/
compensar a ausência de musculatura preservada para esse nível de lesão. Essas
adaptações, embora comumente apresentadas na literatura da terapia ocupacional e
utilizadas na prática clínica, enquanto recursos de tecnologia assistiva, não têm sido
objeto de pesquisas publicadas no Brasil, em relação à maximização do potencial
funcional com menor gasto energético e maior eficiência no resultado do
desempenho funcional.
Estudos prospectivos também mostram que pacientes com tetraplegias
completas e incompletas mantém os ganhos no autocuidado ao longo de um ano
após a alta, porém recomendam a necessidade de estratégias inovadoras a serem
desenvolvidas para atender às necessidades únicas dessas pessoas (LYSACK et al ,
2000). Esses achados também justificam a importância da apresentação de casos
clínicos e da discussão sobre adaptações.
3 As formas de adaptação são a modificação do método de realizar uma tarefa, a utilização de
um dispositivo para desempenhá-la e/ou adaptação do ambiente. Todas as formas, com a meta de
promoção da independência (TROMBLY, 2005). O terapeuta ocupacional ao utilizar dispositivos e
adaptações ambientais faz uso de tecnologia assistiva, termo designado para remeter-se a qualquer
item, peça de equipamento ou sistema de produtos, adquiridos comercialmente, modificados, ou
feitos sob medida, utilizados com o propósito de aumentar, manter ou melhorar as habilidades
funcionais de pessoas que apresentam limitações funcionais (COOK & HUSSEY, 2002).
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OBJETIVO
Apresentar o efeito do uso de tecnologia assistiva no treino de AVDs, para
aumento da independência funcional, num caso de tetraplegia completa de nível
C6, por lesão da medula espinal.
ESTUDO DE CASO
O estudo de caso é uma forma de demonstrar resultados individuais relativos
a tratamento, casos clínicos raros e situações específicas de uma intervenção
profissional. A escolha por esse tipo de estudo baseia-se na promoção de
conhecimento para discussão sobre abordagens de atuação na terapia ocupacional.
Os casos clínicos são recursos didáticos que favorecem aquisição de
conhecimento e a formação profissional e isto é possível a partir da análise dos
resultados de avaliações funcionais em diferentes disfunções neurológicas (NUNES,
2008).
Isso também ilustra a importância de medidas que impliquem não somente
para o direcionamento objetivo e fundamentado do programa de reabilitação, mas
para a demonstração dos resultados da terapia ocupacional em reabilitação física.
Caso clínico
A4, sexo feminino, 52 anos, diagnóstico de Lesão Medular (tetraplegia
completa nível motor C6- ASIA A), por acidente automobilístico, foi atendida durante
sete meses (08/10/2007 a 28/05/2008) no serviço de terapia ocupacional, em
reabilitação ambulatorial de um hospital de grande porte na cidade de São Paulo-
SP, totalizando 49 sessões.
O quadro motor de MMSS apresentado na avaliação inicial era: diminuição da
força muscular global (Força Muscular grau 3 no Teste Muscular Manual-TMM para
o músculo extensor radial do carpo, bilateral), esboço de preensão precária, por
ação da tenodese, e padrão de mão caracterizado por atrofia de interósseos dorsais
e palmares, polegar aduzido e com flexão da articulação interfalângica de polegar.
4 A paciente assinou um Termo de Consentimento autorizando a publicação do estudo. Como
procedimento ético foi mantida a integridade da paciente, logo, o nome e outras informações pessoais
foram ocultados para manter o anonimato.
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Quanto a recursos assistivos para locomoção, a paciente fazia uso de cadeira
de rodas manual e após uma avaliação de adequação postural foi prescrita e
realizada adaptação da cadeira por um terapeuta ocupacional. As adaptações
realizadas foram: encosto e assento de base rígida, colocação de pinos nos
sobrearos e prescrição de uma almofada com gomos de ar para facilitar o alívio da
pressão durante a postura sentada.
Avaliação Funcional
Durante o período de reabilitação foram realizadas um total de sete
avaliações mensais utilizando-se a Medida de Independência Funcional-MIF, como
um indicador assistencial do Setor de Terapia Ocupacional, com o objetivo de
demonstrar a qualidade e a excelência da gestão em saúde através de um indicador
validado no Brasil e representativo no registro de resultados de ganho na
independência funcional.
A MIF foi projetada para medir a incapacidade, e como tal, é útil para
descrever as limitações ou para programar a avaliação inicial nos programas de
reabilitação. É parte de um sistema uniforme de dados, que coleta a informação
sobre a conclusão e eficiência da reabilitação (LAW, 2005). Foi desenvolvida na
América do Norte, na década de 80, e seu objetivo primordial é avaliar, de forma
quantitativa, a carga de cuidados demandada por uma pessoa, para a realização de
uma série de tarefas motoras e cognitivas da vida diária (RIBERTO et al, 2004).
A MIF tem por critérios para pontuação; para independência, 7=
Independência completa e 6= Independência modificada. Para dependência, 5=
dependência modificada (supervisão), 4= dependência modificada (auxílio com
contato mínimo), 3= dependência modificada (auxílio moderado). Para dependência
total 2= auxílio máximo e 1= auxílio total (MELLO & MANCINI, 2007; RIBERTO et al,
2004).
Foram traçados objetivos de curto, médio e longo prazo, de intervenção da
terapia ocupacional no programa de reabilitação do hospital, e, reavaliados
mensalmente para averiguação dos resultados obtidos, de forma a monitorar
paulatinamente a evolução do programa estabelecido. Além disso, tinha-se por
propósito alcançar o potencial de reabilitação pertinente ao diagnóstico apresentado
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e a meta de alta hospitalar após sete meses do início da reabilitação ambulatorial
em hospital.
Cabe informar que a MIF foi uma das medidas utilizadas para compor a
avaliação da paciente, visto que a avaliação pode conter medidas, mas não se limita
a elas (NUNES, 2008). As medidas informam ou quantificam determinada
habilidade, mas a avaliação informa o valor dessa habilidade para a pessoa
(NUNES, 2008). Esse valor foi estabelecido a partir de um conjunto de informações
que envolveram a narrativa da história da paciente, a observação, trabalho em
equipe e a consideração dos padrões de desempenho da paciente.
Cabe esclarecer que os padrões de desempenho ocupacional da pessoa
abrangem: os hábitos; comportamentos automáticos usuais, sua rotina; seqüência
de ocupações ou atividades, papéis; série de comportamentos esperados pela
sociedade e modelados pela cultura e que podem ser conceituados e definidos pela
pessoa e os rituais; ações simbólicas com significados simbólicos, culturais e sociais
que contribuem para a identidade da pessoa, seus valores e crenças (AOTA, 2008).
Resultados e discussão para o caso de tetraplegia C6
Para este Estudo de Caso, foram enfocados para análise apenas os itens de
autocuidado da MIF. As demais adaptações para as atividades funcionais, não
previstas nessa avaliação, serão comentadas à parte. A figura 1 a seguir dispõe os
resultados alcançados ao longo de sete meses de reabilitação em terapia
ocupacional:
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Figura 1: Independência funcional na tetraplegia C6 em sete meses de reabilitação
De acordo com Mello e Mancini (2007), o escore total de 108 na MIF,
representa independência em todos os itens mensurados, menor que 108 e maior
que 36, dependência modificada, e menor ou igual a 36, dependência total. Verifica-
se que a paciente aumentou o escore no seu valor bruto, de 50 na ocasião da
primeira avaliação, para 64 na avaliação de alta hospitalar, porém, a classificação de
dependência modificada permaneceu.
Entretanto, ao se considerar os itens de forma isolada, percebe-se a
evolução, por exemplo, no item alimentação (MIF=1, dependência total, para MIF=5,
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necessidade de supervisão). Melhora expressiva também foi identificada,
principalmente, nos itens referentes ao autocuidado, que são parte das ABVDs. Das
atividades funcionais promovidas com o uso de facilitadores (adaptações), identifica-
se que houve melhora na independência; de dependência total (MIF=1), para
independência modificada (MIF=6), pelo uso de dispositivos nas atividades de
higiene elementar: escovar dentes, pentear cabelos, passar batom (Figura 2) e lavar
o rosto e mãos.
Figura 2: adaptações para as atividades de pentear cabelos, escovar dentes e passar
batom.
O autocuidado é comprovadamente uma das áreas de ganho funcional em
pacientes tetraplégicos. Esse resultado está de acordo com a pesquisa de Yarkony
(1988) a qual investigou 69 tetraplégicos de nível C6 (54 homens e 15 mulheres,
com idade média de 29,2 anos). Nesse estudo foi observado um aumento no
autocuidado, utilizando-se como critério o instrumento Índice de Barthel, que avalia
as ABVDs. O sub-escore para autocuidado aumentou de 12,8 para 32,2 nesses
pacientes ao longo de 108,4 dias de reabilitação.
Por outro lado, há algumas atividades não contempladas na MIF e que
possibilitaram aumento na independência, as quais são denominadas, na terapia
ocupacional, como as AIVDs, tais como a leitura de livro e escrita manual (Figuras 3
e 4) e acesso ao computador.
Figura 3: comparação do padrão da mão para escrita com adaptação pré-fabricada e com
órtese confeccionada sob medida.
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Figura 4: anel para virar páginas de livro, confeccionado com EVA®
A confecção de um anel (Figura 4) em EVA® e, portanto, de baixo custo, permite
discutir que é possível se produzir adaptações simples e com materiais alternativos.
Essa é uma das formas diferenciadas de atuação do terapeuta ocupacional que
trabalha com tecnologia assistiva no Brasil.
Em relação às adaptações com materiais alternativos Cruz e Toyoda (2008)
destacam que para qualquer adaptação, é indispensável questionar se ela é
necessária. Deve-se lembrar que o excesso de adaptações poderá reforçar o
estigma de deficiência ou mesmo tornar difícil a rotina ocupacional da pessoa, ao
invés de auxiliá-la. Isso requer atuação conjunta de todos os profissionais e, acima
de tudo, a decisão do cliente.
Alguns dos recursos comumente utilizados por terapeutas ocupacionais na
confecção de adaptações são materiais como EVA®, retalhos de ezeform®, cola
quente, neoprene®, garrafas plásticas, velcro®, argolas para chaveiro, “clip” para
papel (CRUZ & TOYODA, 2008). O Quadro abaixo resume as órteses e adaptações
prescritas e/ou confeccionadas ao longo dos sete meses de tratamento:
QUADRO: Adaptações prescritas e/ou confeccionadas
ATIVIDADE
FUNCIONAL- AVDs ADAPTAÇÕES/ FACILITADORES/ PRODUTOS E
TECNOLOGIA
ABVD:
alimentação
“Cock-up” com colher adaptada e engrossador para colher
ABVD:
autocuidado- pentear
cabelos
Engrossador para escova, com velcro adaptado no cabo
ABVD:
autocuidado- escovar
dentes
Escova de dentes elétrica, adaptação em ezeform® para encaixe
da escova nas mãos, adaptação para uso de fio dental em ezeform®
ABVD:
autocuidado- passar
batom
Adaptação em três pontos confeccionada em ezeform® para uso
do batom
ABVD:
autocuidado- lavar o
rosto e mãos
Escova com encaixe nas mãos, sabonete líquido com ejeção a
base de pressão
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ABVD:
banho- lavar e
enxugar o corpo
Escova com alça, toalha com alça, cadeira de banho, ventosa
para sabonete, recipiente com pressão para sabonete líquido.
AIVD: leitura
de livro
Adaptação em EVA para passar páginas de livro com os dedos
AIVD: escrita
manual
Adaptação em três pontos, confeccionada com ezeform® para
escrita manual (substituição de preensão).
AIVD: uso do
computador Adaptação pré-fabricada para digitação- uso do teclado
Componente
de desempenho:
padrão preênsil
adequado
Órtese funcional para preensão bilateral na tenodese.
À luz da literatura, identifica-se que as adaptações prescritas e/ou
confeccionadas, indicadas para o caso clínico, correspondem ao desempenho
funcional esperado na MIF para o nível de lesão C6 (ATKINS, 2005).
Teixeira e Sauron (2003) relatam que pacientes com este nível de lesão poderão
ganhar independência nas áreas de alimentação, higiene oral e elementar, escrita,
uso de computador, propulsão de cadeira de rodas no plano e rampas de suave
inclinação, dirigir carro adaptado e auxiliar no vestuário. Destaca-se que, para a
realização dessas atividades, podem ser utilizadas, não somente as adaptações
(dispositivos), mas alterações do método de realização das tarefas e adaptações do
ambiente (TROMBLY, 2005).
A despeito da dificuldade no ganho de força muscular ao longo de sete meses
(TMM grau 3 para o músculo extensor radial do carpo), a mudança de um esboço de
preensão sustentado pela ação da tenodese foi um objetivo alcançado com o uso de
uma órtese, confeccionada no padrão de flexão da articulação
metacarpofalangeana, abdução e oponência do polegar, o que favoreceu a mudança
do padrão de pinça da chave precário, para pinça polpa a polpa mais efetiva na
preensão de objetos pequenos. Esse padrão facilitou o uso da extremidade superior
para atividades funcionais que exigiam destreza e agilidade preênsil (Figura 5).
Figura 5: Comparação do padrão preênsil antes e após uso de órtese
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Uma discussão pertinente está na consideração de que as atividades funcionais
apresentadas foram enfocadas com base nas necessidades, desejos e objetivos da
paciente, e não meramente, na confecção de adaptações, comumente apresentadas
na literatura para este tipo de trauma.
Essa reflexão possibilita discutir que as adaptações são prescritas no contexto
das necessidades funcionais do paciente e de acordo com seu contexto de vida.
Para tanto, é importante o uso de avaliações funcionais periódicas, utilização de
indicadores assistenciais, monitoramento da rotina diária através da montagem de
uma planilha onde são inseridas todas as atividades realizadas pelo paciente
durante o transcorrer do dia (rotina ocupacional) de forma a melhorar o seu
programa de reabilitação de forma efetiva.
CONCLUSÃO
O enfoque nas AVDs é objetivo da terapia ocupacional, na reabilitação de
pacientes com disfunções físicas. Uma das formas de favorecer a independência
pós-lesão medular pode ser na indicação de tecnologia assistiva e no uso efetivo de
equipamentos e dispositivos que possam aumentar as capacidades funcionais de
modo a compensar uma função perdida.
Para o caso de tetraplegia apresentado, observou-se melhora nos escores de
independência da MIF e isto, em parte, relacionou-se ao efeito positivo da aplicação
de tecnologia assistiva (órteses e adaptações) na terapia ocupacional.
Embora a classificação de dependência modificada não tenha sofrido
alterações, ao se analisar os itens de forma individual notou-se o aumento na
independência para algumas atividades pessoais de alimentação e autocuidado
(pentear cabelos, lavar rosto e mãos, passar batom e escovar dentes). Outras
atividades como as AIVDs, não avaliadas na MIF, também foram promovidas com o
uso de adaptações (uso do computador, leitura e escrita).
Por fim, no Brasil destaca-se a necessidade de pesquisas em terapia
ocupacional, mais especificamente na área de tecnologia assistiva, envolvendo
materiais, produtos e tecnologias e seu acompanhamento longitudinal, essenciais
para mensurar o ganho de independência, assim como evitar o abandono por seus
usuários.
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Recebido para publicação em: 10/01/2010
Aceito: 20/12/2010
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