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As molduras possíveis para o Petrolão: uma análise de enquadramento de Carta Capital e Veja

Authors:
Verso e Reverso, 30(73):11-22, janeiro-abril 2016
2016 Unisinos – doi: 10.4013/ver.2016.30.73.02
ISSN 1806-6925
Resumo. Este artigo tem como objetivo veri car
quais foram os enquadramentos realizados pelas
revistas Veja e Carta Capital a respeito da operação
Lava-Jato. Enquadramento é um conceito amplo,
que começou a ser utilizado no campo da Comu-
nicação nos anos 1980. A primeira de nição do ter-
mo dentro do campo foi a de Gaye Tuchman (1978),
que dizia que o enquadramento das notícias de ne
e constrói a realidade; a origem do conceito, entre-
tanto, vem de Erving Go man (1974), que estudou
o framing sob a ótica das ciências sociais. Foram
analisadas, tendo como base as categorias de Ro-
bert Entman (1993), as matérias de capa que faziam
referência ao tema, no período de janeiro de 2014 a
junho de 2015, resultando em 9 matérias da Carta
Capital e 19 matérias da Veja. A análise forneceu
subsídios para se pensar a relação contemporânea
estabelecida entre a mídia e a política, bem como
a pertinência teórica do conceito de enquadramen-
to para a análise da cobertura jornalística dos fatos
políticos.
Palavras-chave: Lava-jato, enquadramento noticio-
so, construção social da realidade.
As molduras possíveis para o Petrolão: uma análise
de enquadramento de Carta Capital e Veja
The possible frames for Petrolão: A framing analysis
of Carta Capital and Veja
Carla Candida Rizzo o1
Universidade Federal do Paraná. Rua Bom Jesus, 650, 80035-010, Juvevê,
Curitiba, PR, Brasil. carla_rizzotto@yahoo.com.br
Giulia Sbaraini Fontes2
Universidade Federal do Paraná. Rua Bom Jesus, 650, 80035-010, Juvevê,
Curitiba, PR, Brasil. giuliasfontes@gmail.com
Paulo Ferracioli3
Universidade Federal do Paraná. Rua Bom Jesus, 650, 80035-010, Juvevê,
Curitiba, PR, Brasil. ferracioli.paulo@gmail.com
Abstract. This paper has the goal to verify which
the frames applied by the magazines Veja and Carta
Capital for the Lava-Jato operation were. Framing is
a wide concept, which started to be used in Com-
munication studies in the 1980’s. The rst de nition
of the concept in this eld was from Gaye Tuchman
(1978), who said that news’ framing de ne and
build the reality; the source of the concept, though,
comes from Erving Go man (1974), who studied
framing through the approach of social sciences.
The paper was based on Robert Entman’s (1993)
categories to analyse the cover articles from the
magazines that reported about Lava-Jato on the pe-
riod of January 2014 to June 2015. Nine pieces from
Carta Capital and 19 from Veja were analysed. The
study o ered supplies to think about the contem-
poraneous relationship between media and politics,
and also the theoretical relevance of the framing
concept to the analysis of journalistic approach of
the political facts.
Keywords: Lava-Jato, frame analysis, social con-
struction of reality.
Este é um artigo de acesso aberto, licenciado por Creative Commons Atribuição 4.0 International (CC BY 4.0), sendo per-
mitidas reprodução, adaptação e distribuição desde que o autor e a fonte originais sejam creditados.
1 Professora do PPG em Comunicação da Universidade Federal do Paraná. Pesquisadora do Grupo de Pesquisa Comuni-
cação e Participação Política. Bolsista de pós-doutorado PNPD/Capes.
2 Mestranda do PPG em Ciência Política da Universidade Federal do Paraná, com bolsa Capes. Membro do Grupo de
Pesquisa Comunicação e Participação Política.
3 Mestrando do PPG em Comunicação da Universidade Federal do Paraná, com bolsa Capes. Membro do Grupo de Pes-
quisa Comunicação e Participação Política.
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Carla Candida Rizzotto, Giulia Sbaraini Fontes, Paulo Ferracioli
Introdução
Este artigo tem como objetivo veri car
quais foram os enquadramentos realizados
pelas revistas Veja e Carta Capital a respeito do
escândalo da Petrobras, também conhecido
pelo nome de operação Lava-Jato, escolhido
em razão do objeto inicial das investigações:
uma rede de postos de combustíveis e lava-a-
-jato de veículos usada para lavagem de di-
nheiro. A investigação se expandiu e passou
a ter foco em um esquema de corrupção na
maior empresa estatal do país, a Petrobras.
As investigações apontam que empreiteiras
formavam um cartel e pagavam propina a
diretores da companhia para garantir a par-
ticipação em licitações. Essa rede durou mais
de dez anos e envolvia a participação de do-
leiros, que faziam a intermediação entre os
agentes públicos e particulares. O envolvi-
mento de parlamentares e políticos de des-
taque sempre foi mencionado pela imprensa,
mas o foro privilegiado, que lhes permite se-
rem julgados pelo Supremo Tribunal Federal,
retardou a divulgação dos nomes dessas au-
toridades até que os inquéritos fossem aber-
tos em Brasília.
A análise aqui realizada parte da ideia
inicial, pautada nas imbricações entre o cam-
po político e o midiático, de que o poder de
controlar a opinião pública por parte dos dois
campos – autônomos, porém profundamente
dependentes – se dá de modo mais básico a
partir da questão da mediação. As informa-
ções consumidas pelo público não são expe-
rimentadas por ele próprio, mas mediadas
pelas empresas de comunicação que o públi-
co quali ca como credíveis, e essas empresas
não dão publicidade a todos os fatos necessá-
rios para a formação da opinião individual.
A in uência na opinião pública por parte
da esfera comunicacional é caracterizada pelo
poder de pautar o real. A nal, sob o aspecto
cognitivo apenas consideramos reais, além
das coisas tangíveis, os acontecimentos ofe-
recidos pela compilação de mundo realiza-
da pela mídia: “neste peculiar idealismo da
sociedade contemporânea podemos a rmar,
com lógica, mas também com assombro, que
o real é o midiático e o midiático é o real.”
(Gomes, 2004, p. 326). Então, “tudo que não
conhecemos através de nossa experiência di-
reta são invenções que adquirem o valor de
realidade à medida que são aceitas por con-
senso” (Badia e Clua, 2008, p. 120). Levando
em conta essa percepção, adotam-se como
base teórica deste artigo as teorias constru-
tivistas do jornalismo, especialmente na voz
de Gaye Tuchman (1983), além da Teoria da
Agenda, ponto inicial das discussões sobre o
enquadramento, metodologia escolhida para
a análise empírica aqui realizada.
A notícia como construção social
da realidade
As vertentes mais tradicionais da sociolo-
gia colocam que os atores sociais têm a sua
consciência produzida a partir de sua sociali-
zação e das características da estrutura social.
Para as vertentes interpretativas, por outro
lado, esse processo é de troca. A sociedade
ajuda, sim, a moldar a consciência dos atores
sociais. Mas, ao mesmo tempo, apreendendo
os fenômenos, as pessoas os constroem coleti-
vamente, dando forma ao mundo social.
Aplicando essas visões à notícia, apare-
cem duas vertentes. A partir da sociologia
tradicional, autores como Roshco (1975 in
Tuchman, 2002) dizem que as de nições do
que é notícia dependem da estrutura da so-
ciedade. A seleção feita pelos jornalistas do
que é ou não notícia re etiria, dessa manei-
ra, as preocupações e os interesses da própria
estrutura social. Olhando por esse ângulo, as
notícias di cilmente seriam capazes de pro-
duzir mudanças nessa estrutura, pois perma-
necem dependentes dela.
Do outro lado, está a abordagem interpre-
tativa, que concebe a notícia como fruto do
trabalho dos jornalistas e dos veículos infor-
mativos. Por essa visão, ao mesmo tempo em
que é produto da estrutura social, a notícia
participa de transformações nessa realidade.
Enquanto transforma, ela também é transfor-
mada. Essa visão é abordada por Tuchman
tanto em La Producción de La Notícia (1983)
quanto em As Notícias Como Uma Realidade
Construída, capítulo do livro Comunicação e
Sociedade (2002), organizado por João Pissarra
Esteves.
No artigo citado, de 2002, Tuchman reitera
sua visão da notícia como uma janela para o
mundo. Esse conceito atribui ao jornalista a
de nição do que é ou não notícia, já que ele
faz um recorte da realidade – um quadro –
nos relatos, algo que não é simplesmente
dado pela estrutura social. A cada decisão,
a rma a autora, os jornalistas reiteram o que
acham ser digno de uma notícia a partir de
normas que são invocadas e, simultaneamen-
te, reinventadas.
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As molduras possíveis para o Petrolão: uma análise de enquadramento de Carta Capital e Veja
Da forma semelhante, defende esta abordagem
que as notícias não espelham a sociedade. Aju-
dam a constituí-la como um fenômeno social par-
tilhado, dado que, no processo de descrição de um
acontecimento, as notícias de nem e moldam este
acontecimento; tal como as histórias noticiosas
interpretaram e construíram o período inicial do
moderno movimento feminista, como uma ativi-
dade de ridículas incendiárias de soutiens (Tu-
chman, 2002, p. 92).
A autora coloca que essa visão deriva do
trabalho de Alfred Schu (in Tuchman, 2002),
que fala a respeito da chamada “atitude natu-
ral”. Segundo ele, no mundo cotidiano, os ato-
res sociais aceitam os fenômenos como dados,
diferentemente da postura fenomenológica do
“por entre parêntesis”, proposta por Husserl
(in Tuchman, 2002). Aplicando essa ideia para
o jornalismo, Tuchman (2002) coloca que os lei-
tores podem até duvidar da veracidade dessa
ou daquela notícia, mas que a existência das
próprias notícias em si nunca é posta em causa.
Nessa “atitude natural”, dessa forma, os
atores observam permanentemente o mun-
do, em busca de aprendizado e da criação
de signi cações. Os jornalistas, portanto, tra-
balham para dar signi cado à realidade ao
identi car certos tópicos como notícias. Duas
características da “atitude natural” descritas
pelos etnometodólogos estão nesse processo:
a re exividade e a indexicalidade. A primei-
ra se refere ao pertencimento dos relatos dos
acontecimentos à própria realidade que eles
descrevem. Já a segunda trata da capacidade
de atribuir novos sentidos a relatos aplican-
do-os em outros contextos. Segundo Tuchman
(2002), essas duas características são inerentes
ao caráter público da notícia e também ao pró-
prio trabalho informativo.
As notícias registram a realidade social e são si-
multaneamente um produto dessa mesma realida-
de, na medida em que fornecem aos seus consu-
midores uma abstração seletiva intencionalmente
coerente, mesmo podendo descurar certos porme-
nores. Quando os consumidores de notícias leem
ou veem notícias, acrescentam-lhes pormenores
– mas não necessariamente aqueles que foram su-
primidos na construção da história. A abstração e
a representação seletivas da informação, e a atri-
buição re exiva de signi cado aos acontecimentos
enquanto notícias são características naturais da
vida cotidiana (Tuchman, 2002, p. 96).
A autora cita como exemplo da in uência
da notícia na realidade o caso Watergate. Se
as conspirações não tivessem vindo a público,
por meio dos veículos de comunicação, os pro-
cessos judiciais a respeito do caso poderiam
não ter sido iniciados. Em última instância, o
presidente dos EUA na época, Richard Nixon,
poderia não ter renunciado. A notícia, assim,
tem a capacidade de tornar os acontecimentos
públicos e estabelecer as de nições de como
eles serão encarados pela sociedade.
Para que uma ocorrência se transforme
em acontecimento e, por sua vez, um aconte-
cimento se transforme em notícia, entretanto,
é preciso que o jornalista organize a realidade
que está a sua volta e da qual ele mesmo faz
parte. Essa organização aparece re etida no
enquadramento dado à notícia, conforme será
visto a seguir.
Duas dimensões do agendamento
A Teoria da Agenda, que tem como seu
marco inicial o estudo de Chapel Hill realiza-
do por Maxwell McCombs e Don Shaw (1972),
evoluiu a partir da tentativa de explicar a in-
uência que a comunicação de massa exerce
na opinião pública. Sua primeira contribuição
foi a comprovação de que os tópicos enfatiza-
dos nas notícias da mídia acabam por ser con-
siderados importantes também pelo público,
ou seja, a mídia estabelece a agenda pública,
o que pode ser considerado o estágio inicial da
formação da opinião pública. McCombs (2009)
ressalta, todavia, que essa in uência não é pre-
meditada, mas resulta da necessidade que os
veículos possuem de selecionar, dentre tantos,
alguns poucos tópicos como os mais salientes
do momento.
As evidências sobre a in uência midiática
providas pela Teoria da Agenda estão funda-
mentadas em diversas pesquisas de opinião
pública entrecruzadas com análises de con-
teúdo de notícias efetivamente veiculadas na
mídia; além de experimentos laboratoriais,
em que ocorrem manipulações dos conteúdos
midiáticos de maneira que possam ser feitas
comparações entre os resultados. Mas também
faz parte dessas evidências o fato de que a opi-
nião pública também sofre outras importantes
in uências, e não é unicamente formada pelos
veículos de massa (McCombs, 2009).
Partindo da tese de Lippmann (1920), que
explica que os veículos noticiosos atuam como
janelas que de nem nosso mapa cognitivo
do mundo, e que, portanto, a opinião pública
não responde à in uência do ambiente social,
mas sim do pseudoambiente construído pela
mídia, a Teoria da Agenda se posiciona con-
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trariamente à lei das mínimas consequências,
enfatizando o forte efeito que a comunicação
de massa exerce no público. Contudo, “a Teo-
ria da Agenda não é o retorno à teoria da bala
ou hipodérmica sobre os poderosos efeitos
da mídia. Nem os membros da audiência são
considerados autômatos esperando para se-
rem programados pelos veículos noticiosos”
(McCombs, 2009, p. 24).
De acordo com a disponibilidade psicológi-
ca do indivíduo para perceber e dedicar aten-
ção às mensagens da mídia, ocorre a primeira
dimensão do agendamento: a transferência da
saliência do objeto, quer dizer, os temas que
recebem ênfase na cobertura midiática acabam
por se tornar importantes também para o pú-
blico. A segunda dimensão do agendamento
trata da transmissão da saliência do atributo,
ou seja, como o indivíduo compreende os as-
pectos da cobertura de determinado tópico.
De maneira esquemática, pode-se dizer que,
na primeira dimensão, a mídia diz ao indiví-
duo sobre o que pensar, enquanto, na segunda
dimensão, ela diz como pensar sobre os assun-
tos (McCombs, 2009).
Para compreender o agendamento de
atributos, é essencial discorrer a respeito do
processo de enquadramento (framing). Assim
como o fotógrafo escolhe uma parte menor
de um plano geral para enquadrar, de forma
a passar uma mensagem, o jornalista também
seleciona um aspecto percebido da realidade
e o enfatiza de tal maneira a torná-lo mais sa-
liente. O enquadramento é a metodologia es-
colhida para a análise da cobertura noticiosa
realizada pelos veículos Veja e Carta Capital e
será detalhado no próximo item.
Enquadramento noticioso
O conceito de enquadramento é amplo. No
campo da Comunicação, ele começou a ser
utilizado nos anos 1980, porém, sem uma fun-
damentação teórico-conceitual de nida para
a ideia de frame. Dos anos 1990 em diante, os
pesquisadores passaram a buscar uma estru-
turação conceitual para a área. Atualmente, há
diferentes noções do termo, de acordo com pa-
radigmas distintos.
A primeira de nição do termo dentro do
campo da Comunicação foi de Gaye Tuchman
(1978): “as notícias impõem um enquadramen-
to que de ne e constrói a realidade”. A origem
do conceito, entretanto, vem de Erving Gof-
fman (1974), que estudou o framing sob a ótica
das ciências sociais, tratando da organização
das experiências dos indivíduos por meio das
interações cotidianas.
O uso mais frequente do conceito de en-
quadramento no campo da Comunicação e,
especialmente, nas pesquisas na área do Jor-
nalismo é relacionado a análises de conteúdo.
Observando enunciados e discursos, o pesqui-
sador procura compreender como a realidade
foi enquadrada a partir de uma perspectiva
especí ca. Dessa maneira, os frames possuem
uma dimensão política: eles podem de nir
problemas e propor soluções, ou mesmo fazer
julgamentos morais sobre um tema. O enqua-
dramento, de acordo com Entman (1993), não
está só no emissor. O framing, para ele, perpas-
sa todo o processo comunicativo, envolvendo
interlocutores, texto e cultura.
Diante desse panorama, é objetivo deste
artigo realizar análise de enquadramento das
notícias publicadas a respeito do escândalo
da Petrobras nas revistas Veja e Carta Capital
ao longo do ano de 2014 e primeiro semestre
de 2015. Fazem parte do corpus da pesquisa
as matérias de capa que zeram referência ao
tema dentro do referido período, totalizando
9 matérias na Carta Capital e 19 na Veja. A
pesquisa é conduzida através das categorias
sugeridas por Entman (1993), quais sejam: a
de nição particular do problema, interpreta-
ção causal, avaliação moral e recomendação
de tratamento. Essas categorias geraram um
livro de códigos elaborado a partir da observa-
ção da descrição do fato, por meio da utiliza-
ção de elementos linguísticos e imagéticos, da
caracterização dos envolvidos e referência às
bases partidárias e dos julgamentos e possíveis
consequências.
Em primeiro lugar, foram identi cadas as
fontes, bem como as citações de fala pública,
ou seja, declarações oriundas de materiais pú-
blicos não elaboradas exclusivamente para a
matéria em questão. Para os dois itens, servi-
ram os seguintes códigos: (i) autoridades, se-
jam elas do poder executivo ou da Petrobras;
(ii) políticos; (iii) Ministério Público; (iv) inves-
tigados pela operação; (v) analistas indepen-
dentes, como professores universitários e con-
sultores, e (vi) populares e testemunhas.
Em seguida, foi veri cado se a matéria
promovia ou não a de nição do problema,
e, nos casos positivos, foram identi cados os
problemas a seguir: (i) envolvimento de todos
os partidos no esquema de corrupção; (ii) a
impunidade dos corruptores, que in uencia
o aparecimento de mais casos de corrupção;
(iii) futuro (político) da Petrobras em jogo; (iv)
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As molduras possíveis para o Petrolão: uma análise de enquadramento de Carta Capital e Veja
efeitos da operação no mundo político, res-
saltando que as investigações estão gerando
efeitos na disputa político-partidária; (v) esva-
ziamento do discurso da esquerda, sinalizan-
do que a esquerda deve pensar em uma nova
forma de governo, abandonando a política de
coalisões; (vi) a relação promíscua entre em-
presas e políticos, e (vii) tentativa de sabotar a
operação Lava-Jato.
Relacionados à de nição do problema, em
seguida aparecem a descrição das suas causas
e o apontamento de possíveis soluções. Para
as causas, foram percebidas: (i) falta de puni-
ção adequada; (ii) o uso político das delações;
(iii) o envolvimento de todos os partidos na
corrupção, que, em algumas matérias, havia
aparecido como problema, mas, em outras, é
apontado como causa de outro problema des-
crito, e (iv) descrevendo o projeto de poder do
PT como causador dos casos de corrupção. Ve-
ri cou-se, ainda, o apontamento das seguintes
soluções: (i) agilidade da justiça na identi ca-
ção e punição dos envolvidos; (ii) a proibição
de doação de empresas; (iii) a continuidade
das investigações, mostrando con ança no tra-
balho de Moro e Janot4, e (iv) a construção de
uma nova esquerda.
Por último, como julgamento moral ou
posicionamento diante do problema descrito,
percebeu-se: (i) ceticismo; (ii) esperança de
punição dos envolvidos; (iii) defesa do patri-
mônio nacional, ou seja, impedir que a Petro-
bras ou o executivo percam a importância, e
(iv) condenação prévia do PT como principal
responsável pela corrupção.
A relação entre os problemas, suas causas
e possíveis soluções é diversa, possibilitando
que, para um mesmo problema, sejam descri-
tas causas diferentes, que uma mesma relação
causal seja apontada para problemas diversos,
ou ainda, que uma única solução seja conside-
rada ideal para resolver problemas não equiva-
lentes. Acreditamos que o encadeamento entre
essas categorias seja mais bem compreendido
a partir da descrição exempli cativa de uma
matéria analisada.
Na matéria da Carta Capital de 1 de abril
de 2015, intitulada “O ônus coletivo”, por
exemplo, o texto aborda a questão sob a óti-
ca do esvaziamento do discurso de esquer-
da. O PT, como grande partido de esquerda
que alcançou o poder e foi alvo de inúmeros
escândalos, gerou uma percepção de que a
esquerda não é mais uma alternativa. Isso é
exempli cado pela reportagem ao narrar um
xingamento sofrido por um ciclista, baseado
na mera suposição de que andar de bicicleta
é ser de esquerda e, portanto, estar envolvi-
do na corrupção que destrói o Brasil. A causa
apontada para esse problema pela revista é o
uso político das investigações, principalmente
o vazamento de trechos isolados das delações
premiadas e dos testemunhos. Assim, mesmo
que a investigação aponte o envolvimento de
diversos partidos, é o PT quem sempre ganha
destaque, o que leva ao desencantamento com
o partido. O texto aborda a questão de manei-
ra cética, destacando a incapacidade do PT em
assumir seus erros e o espaço já tomado pelos
evangélicos e líderes conservadores. A solução
que a Carta Capital propõe seria a construção
de uma nova esquerda, ou seja, a reunião de
parcela da sociedade que comungue desses
ideais e construa um projeto viável e que res-
peite os valores de esquerda.
Em seguida, apresenta-se o resultado com-
parativo da análise realizada, a m de escla-
recer o enquadramento de cada uma das re-
vistas, veri cando como as diferentes posições
ideológicas assumidas por cada veículo trans-
parecem nas suas páginas.
Discussão dos resultados: a Lava-Jato
nas páginas de Veja e Carta Capital
A primeira diferença notável diz respeito
ao espaço dedicado ao assunto. Enquanto na
Carta Capital o assunto recebeu destaque de
capa em 9 edições no período analisado, na
Veja a capa foi dedicada à Lava-Jato 19 vezes.
As 19 matérias da Veja ocuparam um espaço
de 155 páginas, o que representa uma média
de pouco mais de 8 páginas por matéria, sen-
do que a maior – “Como o PT está afundando
a Petrobras” – foi apresentada em 16 páginas.
As 9 matérias de Carta Capital totalizaram 95
páginas, com uma média um pouco maior que
a de Veja, de 10,5 páginas. A maior delas ocu-
pava 17 páginas.
Quanto às fontes utilizadas, é possível vi-
sualizar as diferenças no Grá co 1.
A Carta Capital não cita fonte alguma em
3 matérias (mais de 30% do total), e a Veja não
cita fontes em 5 das 19 matérias (pouco mais
4 Na Carta Capital, a menção direta a Moro e Janot ocorria constantemente, enquanto a Veja nem sempre personificava os
responsáveis pelas investigações.
16 Verso e Reverso, vol. 30, n. 73, janeiro-abril 2016
Carla Candida Rizzotto, Giulia Sbaraini Fontes, Paulo Ferracioli
de 26% do total). O que mais chama atenção é
o grande espaço que a Veja dedica aos investi-
gados, usados como fonte em 9 matérias; en-
quanto a Carta Capital não os cita nenhuma
vez. A Veja também é a única a conceder espa-
ço para populares e testemunhas.
É frequente também a utilização de falas
públicas, originadas em outros contextos que
não o da elaboração da reportagem, como se
vê no Grá co 2.
A Veja não utiliza nenhuma fala pública em
7 matérias, e a Carta Capital não o faz em 3
matérias. Nota-se que esse é um recurso bas-
tante utilizado pela Veja – 25 vezes –, sendo
que a maior parte das vezes são citadas falas
de políticos e dos investigados pela operação.
A Carta Capital utiliza com uma frequência
menor, tendo dado espaço 3 vezes a políticos,
uma a autoridades, uma ao Ministério Público
e uma aos investigados.
Passando agora às categorias de Entman, o
ponto de partida da análise se localiza na de-
nição do problema, que se divide em 7 códi-
gos, conforme mostra o Grá co 35.
Aí notamos que a Carta Capital de niu o
problema com igual frequência para o envolvi-
mento de todos os partidos, a impunidade dos
corruptores, o futuro da Petrobras e os efeitos
da operação no mundo político. O esvazia-
mento do discurso de esquerda aparece com
uma frequência um grau abaixo, enquanto a
relação promíscua entre empresas e partidos e
a tentativa de sabotar a operação Lava-Jato não
aparecem nenhuma vez. A Veja, ao contrário,
apresenta como problema a relação promíscua
entre empresas e partidos na maior parte das
vezes (10 vezes), dando pouco ou nenhum es-
paço para o envolvimento de todos os parti-
dos, a impunidade dos corruptores, a tentativa
de sabotar a operação e, como era de se esperar
de um veículo que assume uma posição ideo-
lógica à direita, o esvaziamento do discurso de
esquerda. As duas publicações tratam de ma-
neira equivalente, em termos de frequência, as
Gráfico 1. Fontes utilizadas.
Graph 1. Sources used.
5 Optou-se pela utilização de um bubble chart, uma vez que esse tipo de gráfico relaciona três variáveis:
no eixo x, estão localizados os códigos; no eixo y, a frequência de acontecimentos em números absolutos.
Porém, já que o número de textos analisados de cada um dos veículos não é equivalente, faz-se necessário
demonstrar também a porcentagem de aparecimento de tal código para cada revista, o que é feito por meio
do tamanho das bolhas.
Verso e Reverso, vol. 30, n. 73, janeiro-abril 2016 17
As molduras possíveis para o Petrolão: uma análise de enquadramento de Carta Capital e Veja
Gráfico 2. Fala pública.
Graph 2. Public speech.
Gráfico 3. Definição do problema.
Graph 3. Problem definition.
18 Verso e Reverso, vol. 30, n. 73, janeiro-abril 2016
Carla Candida Rizzotto, Giulia Sbaraini Fontes, Paulo Ferracioli
implicações da operação no mundo político e
o futuro da Petrobras. Em termos de conteúdo,
entretanto, quando a Veja de ne o problema
em relação ao futuro da Petrobras, há um enfo-
que predominante em mostrar como o PT es-
truturou uma rede que permitisse o desvio de
dinheiro público e sua perpetuação no poder,
enquanto a Carta Capital se preocupa com a
possibilidade de privatização da empresa.
A cada um desses problemas está ligada
uma ou mais causas, que são relacionadas no
Grá co 4.
A Carta Capital não apresenta as causas
do problema em uma das matérias, intitulada
As 750 obras de Youssef”, na qual traz uma
relação com todas as obras em que Youssef se
envolveu, e apenas no parágrafo nal apresen-
ta esperança nas investigações. Nas demais, a
causa mais frequente é o uso político das dela-
ções, seguido da falta de punição adequada e
do envolvimento de todos os partidos.
Já a Veja, que também não apresenta rela-
ções causais em uma das matérias, cita uma
única vez a falta de punição adequada como
causa da impunidade dos corruptores (pro-
blema 2); o envolvimento de todos os partidos
aparece como causa em 4 matérias, uma vez re-
lacionado ao futuro da Petrobras (problema 3),
duas vezes gerando efeitos no mundo político
(problema 4) e uma vez ocasionando a relação
promíscua entre empresas e partidos (proble-
ma 6); mas a causa que mais aparece é o pro-
jeto de poder do PT, em um total de 15 vezes.
Por exemplo, na reportagem “Os segredos do
empreiteiro”, do dia 25 de fevereiro de 2015, o
projeto de poder do PT é apontado como cau-
sa da relação promíscua entre os partidos: “As
agruras dos PT com o petrolão são fruto do
mesmo pecado original que produziu o escân-
dalo do mensalão: a ideia assombrosa de que o
partido pode se servir do Estado como se fosse
sua propriedade, das leis como se existissem
apenas para os outros e das instituições como
bombeiros de suas eternas crises”.
O item seguinte diz respeito à proposição de
possíveis soluções para os problemas aponta-
dos. Duas matérias da Carta Capital não apon-
tam solução alguma, enquanto oito matérias da
Veja também se eximem de pontuar possíveis
saídas para as situações descritas. As restantes
geraram o resultado apresentado no Grá co 5.
Ambas as publicações falaram que a con-
tinuidade das investigações representa o
melhor caminho possível para solucionar os
problemas descritos, demonstrando con an-
ça na operação do Ministério Público, como
exempli ca o seguinte trecho, da reportagem
da Veja de 29 de abril de 2015, “Empreiteiro ar-
rasta Lula para o meio do escândalo”: “Depen-
dendo da decisão, a segunda turma do STF,
presidida pelo ministro Teori Zavascki, pode
mudar os rumos da operação Lava-Jato”. As
duas também apontaram, ainda que em menor
grau, que uma maior agilidade da justiça po-
deria dar conta de resolver a impunidade dos
corruptores – no caso da Veja – ou de garan-
tir punição adequada para todos os partidos
envolvidos – no caso da Carta Capital. Esta
Gráfico 4. Causas do problema.
Graph 4. Causal interpretation.
Verso e Reverso, vol. 30, n. 73, janeiro-abril 2016 19
As molduras possíveis para o Petrolão: uma análise de enquadramento de Carta Capital e Veja
última propõe, ainda, a proibição de doações
de empresas como solução para a impunidade
dos corruptores (“A doce vida do corruptor”,
de 23 de abril de 2014) e a construção de uma
nova esquerda como maneira de resolver o es-
vaziamento do discurso de esquerda (“Os pa-
péis de Duque”, de 1 de abril de 2015).
A última categoria analisada (Grá co 6) – e
sem dúvidas a que fornece maiores indicativos
sobre as diferenças ideológicas dos dois veícu-
los jornalísticos – trata do julgamento moral,
ou seja, da maneira como as revistas se posi-
cionam política ou ideologicamente diante do
problema descrito.
A Carta Capital demonstrou, na maior par-
te das vezes (55,5%), estar esperançosa de que
os envolvidos no escândalo de corrupção se-
rão punidos. Outras vezes, saiu em defesa do
patrimônio nacional, ressaltando a importân-
cia do poder executivo e da Petrobras como
empresa pública. Demonstrou, também, em
duas matérias, seu ceticismo em relação ao an-
damento do caso, como exempli ca a reporta-
gem “O poder do doleiro”, de 16 de abril de
2014, que diz: “O ecumenismo de Youssef é
uma arma deste jogo. Quem terá coragem de
investigar a fundo um doleiro acusado de la-
var 10 bilhões de reais e que tem sido generoso
com todos os espectros políticos há no mínimo
duas décadas? Talvez a máxima prevaleça: as
CPIs ladram, Youssef passa”.
A Veja, por sua vez, de maneira numerica-
mente equivalente, se mostrou às vezes cética,
às vezes com esperança que as investigações
resultem em punição adequada. Porém, na
maioria de suas reportagens de capa – qua-
se 79% – condenou previamente o PT como
exclusivo responsável pelos acontecimentos,
frequentemente personi cado nas guras de
Dilma Rousse e Lula, como é possível perce-
ber até mesmo nos títulos de capa: “Como o
PT está afundando a Petrobras” (9 de abril de
2014), “Eles sabiam de tudo” (29 de outubro
de 2014, em uma referência à Dilma e Lula,
na polêmica capa da véspera do segundo tur-
no das eleições presidenciais), “A operação
Lava-Jato e o PT” (10 de dezembro de 2014)
e “Empreiteiro arrasta Lula para o meio do
escândalo” (29 de abril de 2015). Este trecho
é signi cativo: “Por razões que precisam ser
diligentemente apuradas, Lula e Dilma usa-
ram seu poder – ou deixaram de usá-lo – de
uma maneira que, ao m e ao cabo, favore-
ceu o grupo que extraía propinas de obras da
Petrobras” (“De: Paulo Roberto, Para: Dilma
Rousse ”, 26 de novembro de 2014). Duas se-
manas depois, acusação semelhante acontece:
“O doleiro [Alberto Youssef] já a rmou que o
ex-presidente Lula e a presidente Dilma Rou-
sse sabiam da existência da quadrilha na
Petrobras. As novas declarações indicam que,
além de saberem, eles podem ter se bene -
ciado política e eleitoralmente do esquema”
(“A operação Lava-Jato e o PT”, 10 de dezem-
bro de 2014). A condenação de Lula apareceu
até em um infográ co na matéria do dia 4 de
fevereiro de 2015, “Reação em Cadeia”, que
dizia: “Na conta de Lula – Os principais en-
Gráfico 5. Soluções para o problema.
Graph 5. Treatment recommendation.
20 Verso e Reverso, vol. 30, n. 73, janeiro-abril 2016
Carla Candida Rizzotto, Giulia Sbaraini Fontes, Paulo Ferracioli
volvidos no caso do petrolão têm em comum
a ligação estreita com o ex-presidente”.
De maneira geral, a relação que mais apare-
ce nas matérias analisadas em Veja é a que enca-
deia o problema número 6, “relação promíscua
entre empresas e políticos”, com a causa núme-
ro 4, “projeto de poder do PT”. O que se pôde
perceber é que os textos da revista enquadram a
corrupção na Petrobras como o problema prin-
cipal, na forma de troca de favores entre políti-
cos e empreiteiros. De acordo com a revista, o
dinheiro seria utilizado para nanciar as cam-
panhas eleitorais. A matéria de 25 de fevereiro
deste ano, por exemplo, diz: “Com mais de uma
década de parceria com o PT, Ricardo Pessoa se
ressente da falta de solidariedade dos políticos
que, garante ele, receberam ajuda nanceira em
campanhas”. Tais políticos, de acordo com o
texto, seriam integrantes do Partido dos Traba-
lhadores, que, depois da prisão do empreiteiro,
o deixou sem apoio.
A troca de favores entre empresários e
políticos com dinheiro público seria, então,
a maneira que o PT encontrou de garantir a
sua permanência no poder. A revista compa-
ra o “Petrolão” ao escândalo do “Mensalão”,
que comprava o apoio dos parlamentares
no Congresso também com dinheiro desvia-
do do Estado. Dentro dessa relação, aparece
constantemente o julgamento moral número
4, “condenação prévia do PT”. Por mais que
as próprias investigações tenham apontado a
participação de políticos de outros partidos, a
publicação coloca o Partido dos Trabalhadores
como principal mentor do esquema, sem pro-
vas judiciais e com base, principalmente, nas
falas dos investigados em acordos de delação
premiada. O argumento é de que, na delação,
o investigado assina um termo em que se com-
promete a dizer a verdade e provar tudo o que
disse, em troca de ter uma diminuição na sua
punição. Esse julgamento aparece na maioria
dos textos, algumas vezes acompanhado do
número 2, “esperança na punição dos envol-
vidos”.
Na Carta Capital, por sua vez, as de nições
do problema mais identi cáveis corresponde-
ram ao envolvimento político de todos os par-
tidos na corrupção e ao futuro da Petrobras em
jogo. As reportagens analisadas ou debatiam
a premissa de que todos os agentes políticos
se envolvem em práticas corruptas ou analisa-
vam as implicâncias das investigações na em-
presa estatal.
As causas desses problemas foram a fal-
ta de punição adequada dos envolvidos, em
decorrência da lentidão e ine ciência do Po-
der Judiciário e dos outros atores envolvidos
e que acaba por estimular a permanência de
comportamentos ilícitos; e o uso político das
delações, como os vazamentos seletivos, que
foi apontado pela publicação como uma prá-
tica que poderia interferir no andamento das
eleições e na situação econômica da Petrobras
(especi camente com o fortalecimento do dis-
curso que pede a privatização da companhia).
O posicionamento predominante da revis-
ta era a esperança de punição dos envolvidos,
Gráfico 6. Julgamento moral.
Graph 6. Moral evaluation.
Verso e Reverso, vol. 30, n. 73, janeiro-abril 2016 21
As molduras possíveis para o Petrolão: uma análise de enquadramento de Carta Capital e Veja
uma vez que as matérias deixavam claro que
as investigações continuariam e iriam desco-
brir novas irregularidades, a serem punidas
pelo Judiciário. Esse posicionamento está inti-
mamente relacionado com a solução apontada
com mais frequência pelo semanário, que é a
continuidade das investigações. A publicação
deixa claro que o trabalho da Força-tarefa de
procuradores e de policiais federais é a solu-
ção para o problema apontado. As citações
constantes e nominais ao juiz Sérgio Moro e
ao procurador geral da República Rodrigo Ja-
not embasam, ainda mais, a crença na solução
desses problemas que afetam a democracia
brasileira.
Considerações nais
Os dados aqui apresentados não apontam
grandes surpresas, a nal, é sabido que as duas
revistas possuem posições ideológicas opostas
– esta foi, inclusive, a razão da escolha delas
como objetos desta pesquisa. Da Veja, de di-
reita, era esperada a condenação do PT como
grande responsável pelos casos de corrupção
que assolam o país. Da Carta Capital, de es-
querda, já se podia prever que o foco das ma-
térias não recaísse sobre o PT, mas que outras
causas fossem apontadas para o problema da
corrupção.
Ainda assim, a análise mostrou a maneira
como as publicações utilizam os recursos jor-
nalísticos para construir o enquadramento. A
utilização frequente dos investigados como
fonte pela Veja, por exemplo, se opõe ao tra-
tamento que a Carta Capital dá a esses perso-
nagens, aos quais não é atribuída nenhuma
credibilidade para embasar as matérias. Por
outro lado, esperava-se que o enquadramento
da Carta Capital acompanhasse o discurso de
esquerda, que insiste em mostrar como a in-
vestigação desrespeita os direitos básicos dos
envolvidos e viola várias regras de processo
penal. Porém, neste ponto, percebeu-se que a
Carta Capital, assim como a Veja, dá crédito à
Força-tarefa e ao juiz Sérgio Moro.
A importância desta análise recai no fato
de que ela forneceu subsídios para se pensar
a relação contemporânea estabelecida entre
a mídia e a política. Tendo como base as teo-
rias construtivistas do jornalismo, foi possível
observar que as notícias moldam os aconteci-
mentos, se constituindo como um “fenômeno
social partilhado” (Tuchman, 2002, p. 92). É
por isso que o mesmo acontecimento é enqua-
drado de maneiras tão diferentes pelos dois
veículos.
Fundamental ressaltar, porém, que os
acontecimentos, ainda que formados por ele-
mentos exteriores ao sujeito, só adquirem sen-
tido por meio do sujeito, ou seja, é o sujeito
quem constrói e reconhece o acontecimento,
por meio de um processo de intertextualida-
de, relacionando um fato com outros fatos, e
assim determinando o acontecimento como
fenômeno social (Alsina, 2009, p. 116). A inte-
ração da mídia com a sociedade, então, se dá
em um processo circular: o fato social é visto
pela mídia como um acontecimento, então é
transformado em notícia e transmitido para a
sociedade, que enxerga esse produto midiático
como um acontecimento social.
Partindo da visão de Alsina (2009), a notí-
cia é sempre um produto mediado pela ins-
tituição comunicativa, ou seja, por meio do
enquadramento dos acontecimentos, a mídia
expressa a sua própria valoração do fato. Com
base nas concepções acerca do acontecimento
e da notícia, pode-se perceber que o jornalista
desempenha, além dos já tradicionais papéis
de selecionador (gatekeeper) e de defensor (ad-
vocate)6, também o papel de produtor da reali-
dade social.
Mas mesmo diante de tais conclusões, não
podemos cair na falácia explicada por Gomes
(2004) de assumir a fragilidade intelectual e
moral do público, de nindo-o como uma esfe-
ra passiva, e, de outro lado, assumir a maldade
deliberada dos proprietários das empresas de
comunicação em manipular a opinião pública.
Os receptores constroem uma compreensão
de si mesmos, do tempo e do espaço por meio
da sua interpretação dos conteúdos simbólicos
mediados (Thompson, 2008).
Como mérito da pesquisa, destaca-se, es-
pecialmente, a pertinência teórica do conceito
de enquadramento para a análise da cobertu-
ra jornalística dos fatos políticos. Ainda que
seja um conceito em construção, como visto,
ele é capaz de fornecer um instrumental e -
ciente para compreender como o jornalismo
procede na transformação do fato social em
notícia. Essa base teórico-metodológica pode
ser útil para a análise da cobertura das mais
6 Este modelo surgiu no contexto da discussão a respeito do mito da objetividade jornalística e prega que o comunicador
não é um indivíduo acético, mas intencional.
22 Verso e Reverso, vol. 30, n. 73, janeiro-abril 2016
Carla Candida Rizzotto, Giulia Sbaraini Fontes, Paulo Ferracioli
diferentes temáticas, consolidando esse mode-
lo analítico como uma via de desenvolvimento
do campo de pesquisa em comunicação e po-
lítica.
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comunicação de massa. Lisboa, Livros Horizonte,
p. 91-104.
Submetido: 05/10/2015
Aceito: 12/01/2016
Article
Full-text available
Este artigo tem como objetivo verificar quais foram os enquadramentos predominantes nas principais revistas semanais brasileiras a respeito da operação Lava Jato. Tendo como base as categorias de Robert Entman, foram analisadas as matérias de capa que faziam referência ao tema no período de abril de 2014 a setembro de 2015, resultando em um corpus de 82 matérias. Os resultados demonstram que há pouca pluralidade de enquadramentos acionados, geralmente enfatizando as relações perniciosas entre agentes políticos e econômicos ou focados em impactos no jogo político e no mercado.
Article
Full-text available
In choosing and displaying news, editors, newsroom staff, and broadcasters play an important part in shaping political reality. Readers learn not only about a given issue, but also how much importance to attach to that issue from the amount of information in a news story and its position. In reflecting what candidates are saying during a campaign, the mass media may well determine the important issues--that is, the media may set the "agenda." of the campaign.
Utopias frágeis: imprensa livre e democracia, segundo Walter Lippmann
  • L Badia
  • A Clua
BADIA, L.; CLUA, A. 2008. Utopias frágeis: imprensa livre e democracia, segundo Walter Lippmann. In: C. BERGER; B. MAROCCO (org.), A era glacial do jornalismo. Teorias sociais da imprensa. Porto Alegre, Sulina, p. 117-134.
A Teoria da Agenda: a mídia e a opinião pública
  • M Mccombs
McCOMBS, M. 2009. A Teoria da Agenda: a mídia e a opinião pública. Petrópolis, Vozes, 240 p.
Frame analysis: an essay on the organization of experience
  • R Entman
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