Content uploaded by Gláucia Silva
Author content
All content in this area was uploaded by Gláucia Silva on Jun 21, 2016
Content may be subject to copyright.
O fim é apenas o começo: o ensino de português língua de
herança para adolescentes e adultos
Gláucia V. Silva
University of Massachusetts Dartmouth
Palavras-chave: bidialetalismo, ensino, língua de herança
Introdução
Os aprendizes de língua de herança (LH) apresentam várias características em
comum. No entanto, entre esses aprendizes podemos encontrar muitos níveis de
bilinguismo, desde a aluna que apenas demonstra algum entendimento da língua falada até
a aprendiz que compreende, fala, lê e escreve a LH (Valdés, 2001). Por existir num meio
dominado por outra(s) língua(s), a LH costuma não se desenvolver da mesma maneira que
a língua dominante. Assim, temos um cenário onde os aprendizes de LH apresentam tanto
semelhanças como diferenças em relação aos aprendizes de língua nativa/dominante (L1) e
de língua estrangeira (LE).
Em comum com o aprendizado de L1, a aquisição de LH tem o ambiente natural.
Por aprenderem a língua com a família, os falantes de LH costumam apresentar um sotaque
nativo (ou quase nativo) da língua. Além disso, muitos demonstram facilidade em
compreender a língua falada. Nesses dois aspectos, os aprendizes de LH se distanciam dos
aprendizes de LE, que, ao aprender a língua num ambiente acadêmico, costumam encontrar
dificuldades com a compreensão e a produção oral (Silva, 2011). Por outro lado,
dependendo do nível de bilinguismo dos aprendizes de LH, estes podem demonstrar traços
linguísticos semelhantes àqueles encontrados entre aprendizes de LE (Lynch, 2008). A
título de exemplo, podemos citar a interpretação de situações futuras, em que os falantes de
português como língua de herança (PLH) se aproximam dos aprendizes de português LE
(Amaral, Cunha e Silva, 2011).
Considerando que o aprendizado de LH evidencia semelhanças e diferenças tanto
com a aquisição de L1 quanto com o aprendizado de LE, fica claro que os aprendizes de
LH têm necessidades próprias e particulares. Este capítulo se concentra nessas
necessidades, focalizando o ensino de PLH para adolescentes e adultos. Enfatiza-se, porém,
a primeira parte do título do capítulo: o aprendizado linguístico não termina. Portanto, o fim
nada mais é do que o começo de uma nova etapa, ou simplesmente a continuação da
jornada.
Seguindo esta breve introdução, este capítulo discorre sobre algumas características
dos aprendizes de LH adolescentes e adultos encontradas na literatura. Em seguida,
expõem-se os dados que temos, neste momento, a respeito do PLH como variante
linguística. Depois, voltamo-nos para o ensino de PLH, destacando a noção do
bidialetalismo (Valdés, 1981). Discorre-se também a respeito da variação na língua
portuguesa, lembrando-se a necessidade e o valor de conhecer diversas variantes de uma
língua que é falada em quatro continentes. Posteriormente, fornecem-se exemplos de
atividades que podem ser utilizadas com adolescentes e adultos. Por fim, apresentam-se
breves considerações que encerram o capítulo.
Aprendizes de herança: adolescentes e adultos
Muitos aprendizes têm contato com a sua LH exclusivamente no ambiente familiar
até chegar ao nível secundário ou mesmo universitário, quando, por motivos diversos,
procuram cursos que lhes permitam manter ou desenvolver as suas habilidades linguísticas
(Carreira e Kagan, 2011). Portanto, para esses aprendizes, o primeiro contato com o
registro formal e/ou acadêmico da LH ocorre quando o conhecimento do registro formal da
língua dominante já está bastante avançado. Assim, esses aprendizes se caracterizam, entre
outros aspectos, pelo uso de vocabulário e de estruturas informais na LH, mesmo em
situações que exigem o registro linguístico formal.
Outra caracetrística comum aos aprendizes de herança nessa faixa etária é o
julgamento que fazem das próprias habilidades linguísticas. Tendo tido contato limitado—
se tiveram algum—com a LH em registro escrito, os aprendizes adolescentes e adultos
costumam considerar que são mais proficientes nas habilidades orais (fala e compreenão
oral) do que na leitura e na escrita (Carreira e Kagan, 2011; Santos e Silva, a ser publicado;
Shinbo, 2004; Silva, 2011). Carreira e Kagan (2011), por exemplo, relatam que cerca de
50% dos mais de 1500 aprendizes de LH que participaram da pesquisa avaliam sua
habilidade escrita como “nenhuma” ou “baixa”. Por outro lado, quase 68% desses
participantes consideram que a sua habilidade de compreensão oral é “avançada” ou
“nativa”.
Se os aprendizes de herança consideram que já falam e entendem a sua LH, cabe
tentar entender o que os leva a estudá-la no nível secundário ou universitário. A motivação
principal para estudar PLH no nível universitário, segundo Jouët-Pastré (2011), são os laços
familiares. No entanto, esse não é o único aspecto que motiva os aprendizes jovens e
adultos: Gontijo (2010) mostra que os aprendizes de PLH no nível universitário também
exibem motivação do tipo instrumental, ou seja, percebem o valor da língua portuguesa
como ferramenta de comunicação no meio acadêmico e, principalmente, no ambiente de
trabalho. Esses aprendizes compreendem que a língua portuguesa pode lhes ser muito útil
na carreira que escolherem.
Se por um lado os aprendizes adolescentes e adultos entendem a importância da
língua portuguesa no mundo atual, por outro lado muitos deles demonstram baixa auto-
estima em relação aos seus conhecimentos linguísticos e/ou em relação à variante que
aprenderam no ambiente familiar (Gontijo, 2010). Vários pesquisadores chamam atenção à
importância de se valorizar a variante linguística que os aprendizes trazem para a sala de
aula (Harklau, 2009; Parodi, 2008; Villa, 1997; entre outros). Como ilustrado por Harklau
(2009), a não valorização da contribuição dos alunos de LH leva à desmotivação e,
possivelmente, à interrupção dos estudos. Portanto, é importante que os profissionais da
área de PLH não descartem a variante produzida pelos aprendizes, que tem valor afetivo. Se
determinada estrutura, por exemplo, não corresponde à variante padrão, a professora pode
partir daquela estrutura para chegar ao seu correspondente no português padrão, mostrando
quando e onde se deve utilizar cada registro e fornecendo oportunidades de prática
linguística.
A prática com jovens e adultos pode incluir a análise metalinguística. Para que esse
tipo de exercício apresente resultados positivos, reforçamos a importância de não se
considerar errada a contribuição dos aprendizes, e sim mostrar as possíveis diferenças entre
a variante do português que eles utilizam no contexto familiar e aquela que é utilizada em
outros contextos. Também é importante apontar e contextualizar estruturas que não estejam
solidificadas na produção linguística dos aprendizes. Esse tipo de trabalho pode ser
facilitado pelo que já foi descoberto por alguns pesquisadores em relação às características
do PLH produzido por jovens e adultos, que resumimos a seguir.
PLH: algumas características de uma variante linguística
As línguas de herança costumam apresentar características comuns a línguas em
contato. Essas características incluem uma gramática possivelmente simplificada (Silva-
Corvalán, 1990, 1996) e a mudança de código (Carvalho, 2012). Em relação ao PLH
especificamente, já dispomos de alguma informação que nos permite começar a descrever
esta variante linguística. Apesar de relativamente recente, a pesquisa centrada no PLH já
produziu resultados importantes no que diz respeito às estruturas gramaticais e discursivas
presentes (ou não) nesta variante. Esta seção resume algumas descobertas relativas ao PLH.
Num estudo abordando o infinitivo pessoal (p.ex., É importante os alunos
aprenderem português), Rothman (2007) constatou que o grupo pesquisado—jovens
adultos, falantes de herança de português brasileiro—não dominava essa estrutura.
Seguindo o estudo de Pires (2006), Rothman (2007) argumentou que o infinitivo pessoal,
presente na variante padrão do português brasileiro (PB), é uma estrutura adquirida através
da escolarização. Por não terem sido escolarizados em português, os participantes da
pesquisa de Rothman não chegam a dominar a estrutura: em muitos casos, os falantes
sequer conseguiam interpretar corretamente as situações descritas no experimento
realizado. Em português europeu (PE), no entanto, o infinitivo pessoal parece estar presente
independentemente de escolarização na língua. Pires e Rothman (2009) pesquisaram esta
estrutura entre falantes de herança de PE e constataram que, mesmo não tendo recebido
extensa escolarização em português, os participantes demonstravam dominar o infinitivo
pessoal.
Além do infinitivo pessoal, há outras estruturas que parecem não ser completamente
dominadas por falantes de herança de português (tanto PB como PE), inclusive aqueles que
estudaram português no nível universitário. Investigando o contraste semântico entre
condições presentes (p.ex., Se os alunos estudam, tiram boas notas) e hipóteses futuras
(p.ex., Se os alunos estudarem, vão tirar boas notas), Amaral, Cunha e Silva (2011)
verificaram que os aprendizes adultos de PLH não demonstram bom controle da diferença
entre o uso do presente do indicativo (estudam) e do futuro do subjuntivo (estudarem).
Além de aprendizes de PLH, os participantes da pesquisa incluíam também falantes nativos
de português e aprendizes de PLE. Naturalmente, os falantes nativos foram os que
demonstraram maior domínio da estrutura. Os aprendizes de PLE, por outro lado,
responderam apenas cerca de metade das questões corretamente. Embora os aprendizes de
PLH tenham se saído um pouco melhor do que os aprendizes de PLE, a diferença entre os
grupos não era estatisticamente significativa, o que sugere que o contraste entre o presente
do indicativo e o futuro do subjuntivo constitui um desafio para os dois grupos de
aprendizes.
Os resultados do estudo de Amaral, Cunha e Silva (2011) não são muito diferentes
daqueles apresentados por Silva (2008) num estudo envolvendo os três tempos do
subjuntivo (presente: p. ex., Eu espero que você venha; imperfeito: p. ex., Ele queria que
você fosse; e futuro: p.ex., Quando eu estiver lá, telefono). Uma análise da interpretação e
produção do subjuntivo por aprendizes de PLH e PLE mostrou que os aprendizes de PLH
se saíram melhor do que os de PLE, mas a diferença entre os dois grupos tinha correlação
negativa com o tempo de estudo: quanto mais alto o nível da aula em que os aprendizes
estavam inscritos, menor a diferença entre os dois grupos. Diante do pouco progresso
apresentado pelos aprendizes de PLH, Silva (2008) concluiu que o ensino de gramática em
aulas de PLE (os aprendizes estavam matriculados em turmas mistas) parece não ser tão
vantajoso para os aprendizes de PLH, pelo menos em relação ao modo verbal.
Como vemos, o PLH como variante linguística apresenta algumas características
morfossintáticas (ou seja, gramaticais) que o diferem do português como L1. No entanto, os
falantes de PLH parecem adquirir conhecimento sociopragmático que lhes permite utilizar
estruturas apropriadas em certas situações, pelo menos em relação a sugestões. Num estudo
desse ato de fala, Santos e Silva (2008) exploraram a percepção e produção de sugestões
por aprendizes de PLH e PLE. Como base, as pesquisadoras utilizaram um pequeno corpus
que consistia de gravações de reuniões de trabalho no Brasil. A análise das gravações
revelou que o tipo de estratégia linguística usada para formular sugestões correspondia ao
nível hierárquico do falante. Os dados obtidos com os aprendizes mostraram que os
aprendizes de PLH, muito mais do que os alunos de PLE, tinham consciência das restrições
discursivas relacionadas aos níveis hierárquicos. Embora as estratégias usadas pelos
aprendizes de PLH não fossem necessariamente as mesmas que os falantes nativos
utilizaram, ficou claro que o PLH como variante linguística de fato inclui várias estratégias
de mitigação. Tornou-se também evidente que muitos aprendizes de PLH entendem a
necessidade de lançar mão dessas estratégias de acordo com a posição (de maior ou de
menor poder) ocupada pelo falante na interação.
As características do PLH discutidas nesta seção deixam claro que esta variante não
equivale ao português como língua nativa. Por outro lado, também é evidente que as
necessidades linguísticas dos aprendizes de PLH não são atendidas por aulas e currículos
projetados para PLE. A próxima seção sugere uma abordagem para o ensino de PLH para
adolescentes e adultos.
Ensino de PLH: acrescentando uma variante
Já em 1981, Guadalupe Valdés defendia a noção do bidialetalismo no ensino de LH.
A autora explica que o bidialetalismo é a ideia que ambos os dialetos—o dialeto padrão e
aquele utilizado pelos falantes de herança—são válidos e aceitáveis, embora em contextos
distintos. Lembrando que o falante de herança é um indivíduo bilíngue—não dois
monolíngues perfeitos reunidos na mesma pessoa—e que, como tal, tem as duas línguas em
contato, Valdés (1981) argumenta que se deve almejar o bidialetalismo no ensino de LH
porque, desse modo, os alunos não são levados a crer que a sua variante linguística é
“inferior” e precisa ser alterada. O ensino da variante padrão como uma variante a ser
adicionada àquela utilizada pelos aprendizes permite ao falante de PLH escolher qual é o
melhor dialeto a ser usado em determinada situação. Desse modo, a variante padrão da
língua portuguesa e o PLH, com suas características próprias, convivem lado a lado e vêm
ao auxílio da falante quando ela percebe a necessidade de se usar um ou outro dialeto, o que
ocorrerá de acordo com as situações sociais em que a aprendiz se encontrará.
Para estabelecer semelhanças e diferenças entre o dialeto padrão do português e o(s)
dialeto(s) usado(s) pelos alunos, a professora pode utilizar exemplos diversos, do léxico
(vocabulário) à sintaxe (estruturas gramaticais). A título de ilustração, pode-se estabelecer
um paralelo entre o que esta autora chama, em sala de aula, de “português regional” e
“português padrão” (em aula, explica-se que “português padrão” é aquele utilizado em
escolas e ambientes de trabalho nos países de língua portuguesa). Prepara-se então um
exercício em que aparece uma lista de palavras, em ordem alfabética, que inclui várias
palavras do “português regional” e seus correspondentes em “português padrão”. Embaixo
dessa lista (ou em outra folha), aparece uma tabela com duas colunas, uma para cada grupo
de palavras. Em grupos, os aprendizes podem tentar preencher as colunas em uma aula ou
no decorrer do semestre (inclusive acrescentando novos itens à lista). Alguns exemplos de
itens possíveis na lista (num contexto onde o inglês seja a língua dominante) seriam os
pares “bega/bolsa”, “bisado/ocupado” e “parquear/estacionar”. Como se nota, esses
exemplos de “português regional” derivam das palavras inglesas bag, busy e to park. Ao
perceber que existem outras palavras que são utilizadas em comunidades linguísticas que
não têm extenso contato com a língua inglesa, os aprendizes terão a oportunidade de
utilizar o vocábulo mais adequado de acordo com a situação. Se estão conversando com
familiares ou amigos que também vivem num contexto onde a língua inglesa é dominante,
podem utilizar “parquear”. Se, no entanto, estão interagindo com familiares que vivem no
Brasil, por exemplo, optarão por utilizar “estacionar”. Naturalmente, o vocabulário, tanto o
padrão quanto o regional, será utilizado em situações em sala de aula que permitam que os
aprendizes percebam quando devem lançar mão de que palavra. Esse tipo de
“regionalismo”—ou seja, vocabulário influenciado pela língua dominante—existe em todos
os contextos de língua em contato, não apenas aqueles em que o português está em contato
com o inglês. Portanto, o procedimento delineado acima pode ser adotado com aprendizes
de PLH independentemente da língua dominante (usando-se os exemplos relevantes em
cada contexto).
Na sala de aula, é fundamental que as atividades sejam contextualizadas. É possível
contextualizar o uso linguístico não apenas trabalhando a própria língua, mas também
outros tópicos como história, geografia, ecologia ou temas atuais, para citar apenas alguns
exemplos. Além de proporcionar excelentes exemplos do uso linguístico, a inclusão de
outras disciplinas na aula de PLH permite seguir a recomendação do ACTFL (American
Council for the Teaching of Foreign Languages) de se fazer conexões através da língua. No
caso de adolescentes e adultos, eles podem contribuir para a discussão estabelecendo
comparações entre o conhecimento (histórico, geográfico etc.) que já têm com o que estão
aprendendo sobre o Brasil, Portugal ou outros países lusófonos. Dessa maneira, pode-se
incentivar discussões entre os alunos, que assim terão oportunidades de construir
conhecimento juntos, sempre utilizando a língua portuguesa.
Como mencionado acima, os adolescentes e adultos podem praticar a análise
linguística, inclusive da sua própria produção. Num trabalho que contraste o PLH e a
variante padrão do português, a professora pode trazer para a aula exemplos do que os
alunos produziram (oralmente ou por escrito) e pedir que eles mesmos detectem usos de
uma ou outra variante e os corrijam se for o caso. Esse verdadeiro trabalho de detetive
costuma dar excelentes resultados em termos de engajamento intelectual. No entanto, é
preciso estar ciente que certas estruturas ou palavras não vão desaparecer da produção
linguística dos alunos apenas porque eles mesmos as corrigiram duas ou três vezes. Será
preciso praticar as estruturas em situações contextualizadas várias vezes para que os
aprendizes não apenas notem a diferença entre a estrutura que produzem e a estrutura alvo
(Schmidt & Frota, 1986), mas venham de fato a produzir a estrutura alvo.
Exposição a outros dialetos do português
Como se sabe, o português é a língua oficial de oito países em quatro continentes.
Nesse sentido, é uma língua verdadeiramente mundial. Como também vimos acima, não é
incomum que os jovens adultos falantes de PLH queiram desenvolver as suas habilidades
linguísticas devido ao valor da língua portuguesa no mercado de trabalho. Assim, é
importante que os alunos sejam expostos ao português que é falado em regiões diferentes
das regiões de origem das suas famílias. Por exemplo, se uma turma descende
predominante de brasileiros, traz-se para a aula noticiários e/ou filmes produzidos em
Portugal ou em Angola. Se um grupo de alunos tem origem em Portugal, a professora pode
trabalhar com textos produzidos no Brasil e em Moçambique, tais como jornais ou textos
literários. A diversidade cultural e linguística de um mesmo país também deve ser
explorada. Os vários dialetos brasileiros e portugueses permitem a exposição à rica
variação linguística que pode haver dentro de um país. Para que os alunos entendam melhor
as culturas das regiões lusófonas, a professora pode convidar falantes oriundos de
países/regiões diferentes para conversar com a turma e responder perguntas. Dessa maneira,
os alunos não apenas se acostumam a sotaques e estruturas diferentes, mas também
aprendem mais sobre os outros países e regiões. Esse conhecimento pode lhes ser precioso
num mundo (e num mercado de trabalho) cada vez mais globalizado. Afinal, apesar da
globalização, as diferenças linguísticas e culturais entre os povos permanecem, e a língua
portuguesa pode ser uma excelente ferramenta para eliminar barreiras.
Nesta seção, discutimos brevemente a adição do dialeto padrão e a valorização do
que os aprendizes contribuem na aula de PLH. Mencionamos também a exposição às
variantes do português utilizadas em reigões diferentes das regiões de origem das famílias
dos alunos. A próxima seção fornece dois exemplos de atividades utilizadas com alunos de
PLH no nível universitário.
Exemplos de atividades
Antes de apresentar os exemplos de atividades, é importante lembrar que qualquer
atividade de sala de aula não deve ser isolada, e sim inserir-se num contexto determinado
seja pelo livro adotado, pelo currículo da escola ou pela necessidade dos alunos. Abaixo
fornecem-se dois exemplos. O primeiro exemplo consiste de duas perguntas debatidas pelos
alunos ao ler um texto a respeito das religiões no mundo lusófono (Klobucka, Jouët-Pastré,
Sobral, Moreira & Huntchinson, 2007, p. 318). A primeira pergunta foi discutida antes de
realizar a leitura; a segunda, depois da leitura. Em ambas, procura-se trazer para a sala de
aula a experiência dos alunos, seja a partir do seu próprio círculo familiar, seja a partir do
que podem observar na região onde vivem. O segundo exemplo se insere no tema
festividades/feriados e envolve uma análise da produção escrita, enfatizando a ortografia.
Este tipo de exercício metalinguístico pode ser usado para focalizar diferentes aspectos
linguísticos, tais como estruturas gramaticais e uso da língua. O exercício também pode ser
realizado a partir de exemplos orais.
Exemplo 1
1. O que você sabe sobre os feriados religiosos em Portugal? E no Brasil? Que feriados
religiosos são feriados nacionais nos EUA? Em Portugal? No Brasil?
2. O que vem mudando em Angola e no Brasil em termos de religião? Há evidência dessas
mudanças em relação aos imigrantes brasileiros? (Pense nas comunidades e também nos
programas regionais de televisão e de rádio).
Exemplo 2
A professora coleta exemplos de erros dos alunos e prepara uma lista de palavras ou
frases, que é distribuída na aula. Alunos trabalham em pares ou em grupos para detectar e
corrigir os erros. Se a lista for longa ou se o tempo for curto, pode-se dividir as frases entre
os grupos: por exemplo, o primeiro grupo trabalha com as frases 1-4, o segundo grupo com
5-8 e assim por diante (mas todos recebem todas as frases). Ao terminar, um(a) aluno(a) de
cada grupo compartilha as suas respostas com o resto da turma, que pode ou não concordar
com os resultados apresentados. A professora deve tentar não interferir até que os alunos
cheguem a alguma conclusão a respeito do exercício inteiro, para que os alunos possam ter
a oportunidade de negociar as suas respostas.
Com este tipo de atividade, é possível que os alunos menos fluentes—ou menos
seguros—deixem que outros dominem o exercício. É importante que a professora incentive
todos os alunos a participarem e a darem a sua opinião nos seus grupos e na correção do
exercício. Note também que esta atividade não vai eliminar imediatamente os erros
analisados. No entanto, com a prática e depois de ver o mesmo tipo de problema várias
vezes, os alunos tendem a mostrar progresso. Segue abaixo parte de uma atividade utilizada
numa aula para alunos universitários no segundo semestre de um curso de PLH. Neste
exemplo, mostramos dois dos textos apresentados pelos alunos e parte do exercício criado a
partir desses textos. Note-se que nem todos os erros foram incluídos no exercício; a
professora pode priorizar o que deseja trabalhar num dado momento. Note-se também o
destaque ao que foi produzido corretamente (o que vem abaixo de “Muito bom!”), incluído
com a intenção de salientar o progresso dos alunos, neste caso em concordância e em
ortografia (destacados em negrito). Os textos eram a resposta à pergunta: Qual é a sua
festividade ou o seu feriado favorito? Por quê?
Texto 1:
O meu feriado favorito é o dia 4 de Julho. Eu gusto de fazer hambúrgezas para os meus
pais e para os meus amigos. Eu também gusto de ver as várias cores das explosões dos
foguetes. Eu também gusto de este dia porque a nossa família visita ajente e falamos muito
com eles sobre o que está a contecer nas vidas de eles.
Texto 2:
O meu feriado mais favorite e a Verspera do Ano Novo. Eu adoro quando as
pessoas levem o dia interio a se preparar para a noite. E depois quando chega a umas oito
horas da noite, tao todos a se vestir e se amanhar para sair ou para ter. Esse ano, eu tive
com a minha prima e mais algunas amigas dela num apartmento. Ajente tivem a beber e
tivemos a comer pizza e doces. Depois de comer, tivemos a jogar jogos de cartas e outros
jogos como twister. Ajente depois tivemos deitadas a ver um filme ate chegar a hora para
chegar o ano novo.
Eu acho que e especial quando tão todos juntos a espera do ano novo. Na minha
família todos se dar beijos quando chega o ano novo. Um dos meus sonhos e poder ir a
muitos paises para ver como os outros lugares celebrem o ano novo. Queria muito poder
ver as manerias differentes de celebrar o ano novo. Acho que o momento quando uma
pessoa está a contar os segundos e está cheia de esperança por o ano novo ser bom e
trazer felizidade, esse sintemento é muito bom. E por isse, a Verspera do Ano Novo é o meu
feriado mais favorito.
Atividade:
Analisando a língua
1. Eu gusto de fazer hambúrgezas para os meus pais e para os meus amigos.
2. Eu também gusto de este dia porque a nossa família visita ajente.
3. O meu feriado mais favorite e a Verspera do Ano Novo.
4. Eu adoro quando as pessoas levem o dia interio a se preparar para a noite.
5. [Este ano] Ajente tivem a beber e tivemos a comer pizza e doces.
6. Eu acho que e especial quando tão todos juntos.
7. Queria muito poder ver as manerias differentes de celebrar o ano novo.
8. Esse sintemento é muito bom.
Muito bom! J
as várias cores das explosões
está cheia de esperança
!
Considerações finais
Com este pequeno texto, procurou-se mostrar que o aprendizado em LH não
termina (possivelmente, nem em L1...). Portanto, o ensino de PLH para adolescentes e
adultos deve servir como maneira de possibilitar a prática linguística e cultural em vários
níveis: nas diferentes habilidades linguísticas, nos registros formal e informal, oral e
escrito, e em diversas situações e contextos. Seja para praticar uma estrutura inédita para os
aprendizes ou uma situação ainda não encontrada, a professora de PLH deve procurar
contextualizar a estrutura, situação, vocabulário ou qualquer outro aspecto linguístico ou
cultural trabalhado em sala de aula. No caso de aprendizes de PLH, é essencial valorizar o
conhecimento linguístico e cultural da aluna, fornecendo oportunidades para praticar tanto
aqueles contextos e estruturas que são familiares como aqueles que estão sendo encontrados
pela primeira vez. Somente dessa maneira a aprendiz não se sentirá desmotivada: pelo
contrário, encontrará na sala de aula um lugar onde se sente à vontade para se expressar
como já sabe e que lhe permite compartilhar e, ao mesmo tempo, compreender melhor a
sua própria herança.
Referências bibliográficas
Amaral, L., Cunha, F., & Silva, G. (2011, March). The acquisition of a semantic contrast in
subordinate clauses by heritage speakers of Portuguese. Comunicação apresentada
na American Association for Applied Linguistics (AAAL) Conference, Chicago, IL.
Carreira, M., & Kagan, O. (2011). The results of the National Heritage Language Survey:
Implications for teaching, curriculum design, and professional development.
Foreign Language Annals, 40, 41-64.
Carvalho, A. (2012). Code-switching: From theoretical to pedagogical considerations. Em
S. Beaudrie & M. Fairclough (Orgs.), Spanish as a heritage language in the United
States: State of the field (pp. 139-160 ). Washington, DC: Georgetown University
Press.
Gontijo, V. (2010). The role of attitudes, motivation and heritage in learning Portuguese
(Unpublished M.A. thesis). University of Massachusetts Dartmouth, Dartmouth,
MA.
Harklau, L. (2009). Heritage speakers’ experiences in new Latino diaspora Spanish
classrooms. Critical Inquiry in Language Studies, 6, 211-242.
Jouët-Pastré, C. (2011). Mapping the world of the heritage language learners of Portuguese:
Results from a national survey at the college level. Portuguese Language Journal,
5, Fall 2011. Retirado de http://www.ensinoportugues.org/archives/
Klobucka, A., Jouët-Pastré, C., Sobral, P., Moreira, M., & Hutchinson, A. (2007). Ponto de
Encontro: Portuguese as a world language. Upper Saddle River, NJ:
Pearson/Prentice Hall.
Lynch, A. (2008). The linguistic similarities of Spanish heritage and second language
learners. Foreign Language Annals, 41, 252-281.
Parodi, C. (2008). Stigmatized Spanish inside the classroom and out: A model of language
teaching to heritage speakers. Em D. M. Brinton, O. Kagan, & S. Bauckus (Orgs.),
Heritage language education: A new field emerging (pp. 199-214). New York &
London: Routledge.
Pires, A. (2006). The minimalist syntax of defective domains: Gerunds and infinitives.
Amsterdam: John Benjamins.
Pires, A., & Rothman, J. (2009). Disentangling sources of incomplete acquisition: An
explanation for competence divergence across heritage grammars. International
Journal of Bilingualism, 13, 211-238.
Rothman, J. (2007). Heritage speaker competence differences, language change and input
type: Inflected infinitives in heritage Brazilian Portuguese. International Journal of
Bilingualism, 11, 359-389.
Santos, D., & Silva, G.V. (2008). Making suggestions in the workplace: Insights from
learner and native speaker discourses. Hispania, 91, 651-664.
Santos, D., & Silva, G.V. (A ser publicado). Exploring Portuguese heritage and non-
heritage learners’ perceptions of and performance in listening. Canadian Journal of
Applied Linguistics.
Schmidt, R., & Frota, S. N. (1986). Developing basic conversational ability in a second
language: A case study of an adult learner of Portuguese. In R. R. Day (Org.), Talking
to learn: Conversation in second language acquisition (pp. 237-326). Rowley, MA:
Newbury House.
Shinbo, Y. (2004). Challenges, needs, and contributions of heritage language students in
foreign language classrooms. (Unpublished M.A. thesis). The University of British
Columbia, Vancouver. Retirado de
https://circle.ubc.ca/bitstream/handle/2429/15703/ubc_2004-0626.pdf
Silva, G. V. (2008). Heritage language learning and the Portuguese subjunctive. Portuguese
Language Journal, 3, Fall 2008. Retirado de
http://www.ensinoportugues.org/archives/
Silva, G.V. (2011). Textbook activities among heritage and non-heritage learners of
Portuguese. Hispania, 94, 734-750.
Silva-Corvalán, C. (1990). Current issues in studies of language contact. Hispania, 73, 162-
176.
Silva-Corvalán, C. (1996). Language contact and change: Spanish in Los Angeles. Oxford:
Clarendon.
Valdés, G. (1981). Pedagogical implications of teaching Spanish to the Spanis-speaking in
the United States. Em G. Valdés, A. Lozano, & R. García-Moya (Orgs.), Teaching
Spanish to the Hispanic bilingual: Issues, aims, and methods (pp. 3-20). New York:
Teachers College Press.
Valdés, G. (2001). Heritage language students: Profiles and possibilities. Em J. Peyton, D.
Ranard, e S. McGinnis (Orgs.), Heritage languages in America: Preserving a
national resource (pp. 37-77). McHenry, IL: Delta Systems e Center for Applied
Linguistics.
Villa, D. (1997). Theory, design, and content for a “grammar” class for native speakers of
Spanish. Em M.C. Colombi & F. Alarcón (Orgs.), La enseñanza del español a
hispanohablantes: Praxis y teoría (pp. 93-102). Boston: Houghton Mifflin.