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HAASE_8LAUDAS Treinamento de pais: linguagem 1
TREINAMENTO DE PAIS SOBRE COMO ESTIMULAR A LINGUAGEM DAS
CRIANÇAS DESDE O NASCIMENTO
Ângela Maria Vieira Pinheiro, Ana Luíza de Carvalho Araújo, Douglas de Araújo Vilhena
As habilidades que produzem um bom leitor apresentam muitas semelhanças com as
que fazem um bom ouvinte, apesar de haver diferenças específicas. Uma criança com
vocabulário empobrecido, habilidades sintáticas e semânticas fracas, incapacidade de fazer
inferências, de acompanhar uma sequência e de relacionar partes de uma informação vai ter
muitas dificuldades em entender o que lê, pois já apresenta dificuldades em entender o que
ouve. No entanto, tais dificuldades são muito maiores para compreender um texto escrito, pois
este apresenta um vocabulário mais rico, sentenças muito mais complexas, além de seu autor
não estar junto do leitor para dar explicações e para lhe facilitar a compreensão com gestos
(ex., apontando para objetos) e expressividade: o leitor tem que “se virar sozinho” para
compreender o que lê.
As pessoas podem aprender palavras novas em qualquer idade, mas as habilidades
linguísticas não podem ser ensinadas em qualquer idade. Elas se desenvolvem a partir de uma
dança verbal particular entre a criança e seus pais e/ou cuidadores. A atuação dos pais é crítica
em cada passo dado, já que as crianças privadas de interações verbais têm o desenvolvimento
gravemente comprometido e podem nunca se recuperar se o período de privação for
demasiado longo.
Evidências têm mostrado que o desenvolvimento de boas habilidades linguísticas
durante os primeiros anos de vida, decorrente de uma íntima interação verbal entre a criança e
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seus pais, prediz a facilidade de aprendizagem da leitura (ex., Catts, Hogan, & Adolf, 2005;
Scarborough, 2005; Viana, 2001), particularmente das crianças que ouvem histórias,
sobretudo em virtude de desenvolverem seus conhecimentos linguísticos e os esquemas
mentais de forma estruturada. Deprende-se, então, que diferenças ambientais podem amenizar
ou exacerbar a predisposição da criança em apresentar uma dificuldade de aprendizagem da
leitura.
Considerando as habilidades linguísticas de pré-escolares, Pinheiro (2008) faz uma
revisão dos estudos que explicam o desenvolvimento da leitura em termos do papel
desempenhado pela consciência e conhecimento fonológicos (habilidades de identificação e
manipulação de unidades menores do que a palavra, tais como a rima, a sílaba e o fonema). A
autora descreve estudos clássicos nos quais é demonstrado que a habilidade de analisar a fala
em suas unidades constituintes correlaciona-se ao uso das regras de correspondência entre
grafema e fonema, cujo domínio eficiente é a base do reconhecimento de palavras. Quando o
reconhecimento ocorre de forma rápida e precisa, sobram recursos de atenção e de memória
para serem direcionados para a compreensão, que é o propósito da leitura. Alves e
colaboradores (Alves, Reis, & Pinheiro, 2015; Alves, Reis, Pinheiro, & Capellini, 2009), que
estudaram a relação entre fluência de leitura e compreensão, apresentam evidências que
ilustram o oposto dessa situação. Mostram que, em comparação com bons leitores, tanto as
crianças com transtornos de aprendizagem quanto as com dislexia apresentam dificuldades no
processo de decodificação, que dificultam a organização prosódica na leitura de um texto,
comprometendo, assim, sua compreensão.
Para Scliar-Cabral (2013) e Dehaene (2012), bons leitores são aqueles que
automatizaram o reconhecimento dos traços que diferenciam as letras em si, conhecem os
valores que cada grafema (uma ou duas letras com a função de distinguir significados na
palavra escrita) e, assim, leem com fluência e com compreensão. Em virtude disso, seu
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vocabulário vai se tornando cada vez mais rico, e esses leitores passam a reconhecer a palavra
escrita sem ter necessidade de soletrá-la, sendo capazes até de antecipar palavras que podem
surgir na sentença, com base no seu conhecimento da gramática e familiaridade com a
linguagem escrita e com o assunto em questão. Um bom leitor necessita, pois, de um bom e
amplo vocabulário e de certa facilidade com a estrutura gramatical de sua língua.
McGuinness (2004), em seu livro Growing a Reader from Birth: your child´s path
from language to literacy, faz uma brilhante revisão da literatura e revela o quanto bebês
sabem se expressar desde os primeiros meses de vida. Em síntese, a autora enfatiza que a
biologia determina o desenvolvimento pelo qual a criança passa ao progredir do
reconhecimento das palavras (padrões auditivos) ao entendimento do significado do que ouve
para a produção da fala (do balbucio à pronúncia das palavras com compreensão). Isso, em
média, acontece durante o primeiro ano de vida, com margem de seis meses para mais ou para
menos, com as funções mais complexas da linguagem se desenvolvendo durante os próximos
dois anos.
A criança não conta apenas com sua carga genética para aprender uma língua. Ela
deve ouvi-la sendo falada. Sem a interação verbal dos pais, o desenvolvimento da linguagem
não acontecerá normalmente, e pode nem mesmo ocorrer. Estudos com gêmeos e crianças
adotadas mostram que 50% da habilidade verbal de uma criança pode ser atribuída a seus
genes, ou seja, é altamente correlacionada à habilidade verbal biológica de seus pais. A maior
parte dos 50% restantes é atribuível ao ambiente ao qual a criança é exposta em casa. Os pais
não somente passam os genes, mas podem “escrever’’ nesses genes também, dependendo de
como eles interagem vocalmente e emocionalmente com a criança.
Com base em uma detalhada descrição do desenvolvimento da linguagem da criança,
McGuinness (2004) criou um programa inovador para ensinar aos pais como estimular a
linguagem de seus filhos desde o nascimento, de forma que no futuro eles possam ser bons
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leitores. Esse trabalho oferece insights fascinantes sobre a linguagem das crianças e também
sabiamente aconselha os pais sobre como maximizar as interações com seus filhos, agindo
como uma força positiva no desenvolvimento da linguagem desde o nascimento. Segundo a
autora, a boa notícia é que a ciência tem mostrado exatamente o que as crianças precisam
aprender para garantir que sejam boas leitoras.
Inspirado em McGuinness (2004), desenvolveu-se o projeto “Treinamento de pais: um
programa de intervenção nos problemas de aprendizagem da leitura”, uma ação de extensão
de fluxo contínuo, de caráter preventivo, educativo e social (registro no SIEX/UFMG:
400798). O objetivo deste capítulo é realizar uma breve apresentação desse treinamento, que
ocorreu no Ambulatório da Criança de Risco do Hospital das Clínicas (ACRIAR – HC), da
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), no período de agosto de 2011 a dezembro de
3013.
Treinamento de pais
O projeto, coordenado pela primeira autora, teve início em agosto de 2011. As sessões
de treinamento foram ministradas aos pais que frequentavam o ACRIAR, semanalmente, nas
tardes de quarta-feira. Inicialmente, os encontros ocorreram nos corredores do ambulatório,
mas, após os primeiros meses de sua realização, uma sala foi disponibilizada para esse
propósito. Cada encontro tinha duração aproximada de 30 a 40 minutos (aproximadamente
180 treinamentos no período). Assim, os pais podiam aproveitar o tempo ocioso de espera
entre consultas para informar-se a respeito de dicas importantes sobre o desenvolvimento
linguístico das crianças, focado, sobretudo, na criança nascida pré-termo. Se toda criança
precisa de estimulação para um desenvolvimento cognitivo adequado, tal necessidade se faz
ainda mais presente naquela nascida prematuramente, que, além do risco biológico, está
sujeita também a riscos ambientais. Por permanecer mais tempo no hospital do que bebês que
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nascem sem comprometimento, têm interações sociais reduzidas e estímulos auditivos
compostos principalmente por ruídos.
De forma específica, visou-se assistir os pais na educação linguística de seus filhos,
mostrando-lhes, de forma interativa, modelos de condutas adequados com o potencial de
facilitar o desenvolvimento da linguagem de suas crianças e também de identificar os sinais
de desenvolvimento atípico dessa habilidade.
O principal instrumento do treinamento foi um minicurso desenvolvido em 2010 por
alunos de graduação do curso de Psicologia da UFMG, coordenado pela primeira autora. Esse
instrumento foi inicialmente testado na Maternidade do Hospital Risoletta Neves e tem
passado, desde então, por muitos aprimoramentos. Ele é ministrado com o apoio de ricos
recursos audiovisuais, que transmitem e exemplificam de forma simples e dinâmica o
desenvolvimento da linguagem. O treinamento apresenta vários módulos divididos por idade
(de 0 a 1 ano, de 1 a 2 anos, de 2 a 3 anos e de 3 a 4 anos), que são escolhidos segundo a
demanda dos pais (idade de seus filhos e cursos que já assistiram anteriormente), uma vez que
o público-alvo para o qual ele se direciona pode ser recorrente, como é o caso da ACRIAR.
Detalhes do procedimento e resultados da experiência do ACRIAR são relatados em
Nascimento, Rodrigues e Pinheiro (2013). Dos participantes, 98,92% afirmaram ter aprendido
novas informações, e todos afirmaram ser possível aplicar os conhecimentos adquiridos no
cotidiano. Os assuntos que despertaram maior interesse foram sobre o relacionamento dos
pais com o bebê e sobre o conhecimento da linguagem dos bebês. Esses tópicos englobam os
seguintes assuntos: i) a importância da fala materna; ii) a forma de conversar com o bebê; iii)
o ensino limites sem ser autoritário; iv) o aproveitamento de todos os momentos para
conversar; v) o hábito de contar e recontar histórias; vi) o uso de frases completas, falar
claramente e não ser repetitivo; e vii) a compreensão de que a criança compreende mais do
que consegue falar.
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O Projeto no ACRIAR, de caráter preventivo, busca enfatizar o impacto positivo que
os pais podem ter na aquisição da linguagem e nas habilidades de comunicação de seus filhos,
o que, além de contribuir para o incremento do vínculo entre pai e filho, promove o aumento
da autoestima e das habilidades cognitivas gerais das crianças. Espera-se que, a partir dos
conhecimentos adquiridos, os pais passem a atuar como os primeiros agentes na identificação
dos fatores precursores das dificuldades de aprendizagem da leitura, que a ciência tem
mostrado estarem relacionados a um desenvolvimento comprometido da linguagem falada.
A esse propósito, prevenção e intervenção precoce foram um dos temas centrais
tratados no II Fórum Mundial de Dislexia (dislexiabrasil.com.br/wdforum2014), realizado na
Universidade Federal de Minas Gerais em agosto de 2014. Segundo os conferencistas Hugh
Catts e Linda Siegel, a prevenção de problemas de leitura é uma meta importante para a
sociedade. Evasão escolar, abuso de drogas, falta de moradia, comportamento antissocial e
problemas de saúde mental são algumas das consequências da incapacidade de se prevenir
e/ou identificar e tratar as dificuldades de aprendizagem. Dessa forma, transtornos de
linguagem devem receber intervenções o quanto antes, já que é possível identificar seus
fatores de risco, como os indicadores precoces da dislexia, que incluem atraso no
desenvolvimento da linguagem, expresso por problemas na pronúncia das palavras, no
vocabulário, na gramática e na coerência do discurso das crianças.
O treinamento de pais, objeto desse trabalho, representa uma tentativa de influenciar o
desenvolvimento linguístico da criança ainda mais cedo, uma vez que estimula os pais a
proporcionar a seus bebês um ambiente linguístico que ofereça a base necessária para a
formação de um bom leitor e a atuar como os primeiros agentes na identificação dos fatores
precursores das dificuldades de aprendizagem da leitura. O diferencial dessa iniciativa é que
ela não lida apenas com o fator de risco, mas também com transformação do ambiente da
criança em um mecanismo de proteção.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
O projeto alcançou seu objetivo de sensibilizar os pais, inicialmente na Maternidade do
Hospital Risoletta Neves e depois no ACRIAR, sobre a necessidade de se desenvolver
adequadamente a linguagem emergente de seus filhos, bem como incentivá-los a colocar os
conhecimentos transmitidos em prática no seu dia a dia. Um grande fator para o sucesso do
treinamento em pauta foi a valorização do próprio saber e da experiência dos pais que dele
participaram, o que possibilitou uma troca entre o conhecimento acadêmico e a vivência da
população-alvo. Além desse grande ganho, o projeto produziu diversos materiais,
apresentações, vídeos, blog, pôsteres científicos, guias para os pais e um artigo. Essa
experiência pode ser facilmente replicada em ambulatórios e centros de saúde de todo o País,
contribuindo para a qualidade de vida das famílias.
REFERÊNCIAS
Alves, L. M., Reis, C., & Pinheiro, A. M. V. (2015). Prosody and reading in dyslexic
children. Dyslexia, 21(1), 35-49. doi: 10.1002/dys.1485
Alves, L. M., Reis, C., Pinheiro, A. M. V., & Capellini, S. A. (2009). Aspectos prosódicos
temporais da leitura de escolares com dislexia do desenvolvimento. Revista da
Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia, 14(2), 197-204. doi: 10.1590/s1516-
80342009000200010
Catts, H. W., Hogan, T. P., & Adolf, S. M. (2005). Developmental changes in reading and
reading disabilities. In H. W. Catts & A. G. Kamhi (Eds.), The connections between
language and reading disabilities (pp. xvii, 227 p.). Mahwah, N.J.: L. Erlbaum
Associates.
Dehaene, S. (2012). Os neurônios da leitura: como a ciência explica a nossa capacidade de
ler (L. Scliar-Cabral, Trans.). Porto Alegre: Penso.
McGuinness, D. (2004). Growing a reader from birth : your child's path from language to
literacy (1st ed.). New York: W.W. Norton & Co.
Nascimento, F. M., Rodrigues, M. B., & Pinheiro, A. M. V. (2013). Programa de orientação:
como estimular a linguagem das crianças nascidas pré-termo. Psicologia: Teoria e
Prática, 15, 155-165.
Pinheiro, A. M. V. (2008). A Leitura e a Escrita: uma abordagem cognitiva (2 ed.). São
Paulo: Editora Livro Pleno, Ltda.
Scarborough, H. S. (2005). Developmental relationships between language and reading:
econciling a beautiful hypothesis with some ugly facts. In H. W. Catts & A. G. Kamhi
(Eds.), The connections between language and reading disabilities (pp. xvii, 227 p.).
Mahwah, N.J.: L. Erlbaum Associates.
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Scliar-Cabral, L. (2013). Sistema Scliar de alfabetização – Fundamentos. Florianópolis:
Editora Lili.
Viana, F. L. P. (2001). Melhor falar para melhor ler. Coleção Infas. Centro de estudos da
criança (2 ed.). Portugal: Universidade do Minho.