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Taxidermia de pequenos mamíferos não-voadores
previamente preservados em meio líquido
Carlos Rodrigues de Moraes Neto¹, Ana Lazar² & Leila Maria Pessôa³
¹ Universidade Federal do Rio de Janeiro, Museu Nacional, Departamento de Vertebrados – MN/UFRJ.
² Instituto Oswaldo Cruz, Fundação Oswaldo Cruz, Laboratório de Biologia e Parasitologia de Mamíferos Reservatórios Silvestres Reservatórios,
Pavilhão Lauro Travassos. Avenida Brasil, 4.365, Manguinhos, CEP 21040‑900, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
³ Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Biologia, Departamento de Zoologia, Laboratório de Mastozoologia, Edifício do Centro de
Ciências da Saúde. Avenida Carlos Chagas Filho, 373, Cidade Universitária, CEP 21941‑902, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
* Autor correspondente: ana.lgs@gmail.com
Resumo: É comum encontrarmos séries inteiras de espécimes de pequenos mamíferos preservados
em meio líquido, mesmo não sendo o procedimento mais indicado. A técnica aqui proposta trata
da preparação de exemplares fixados por um longo período de tempo em meio líquido e sobre
particularidades no processo de taxidermia. O protocolo foi aplicado com sucesso em espécimes
de Thrichomys sp. mantidos em álcool 70% comprovando que a utilização da taxidermia para o
resgate de informações de mamíferos em via úmida contempla a recuperação de informações
anatômicas. Os caracteres internos são revelados e os caracteres externos são mantidos íntegros
para a apreciação científica.
Palavras-Chave: Thrichomys; Via úmida; Via seca; Roedores.
Abstract: Taxidermy of non-volant small mammals previously preserved in wet collection.
Currently we often find complete series of specimens in fluid preserved collection, although it is
not the most appropriate procedure. The technique proposed here details the taxidermy process
of specimens preserved in wet collection for a long period of time. The protocol was applied
successfully for specimens of Thrichomys sp. held f in 70% alcohol, proving that the use of taxidermy
to rescue information from mammals in wet collection is able to recover anatomical information.
The internal characters, the muscular and skeletal portions, are revealed and external characters,
the skins, are kept intact and able to further scientific examination.
Key-Words: Thrichomys; Wet collection; Dry collection; Rodents.
espécimes têm sido preservados em meio líquido (fixa-
ção com formalina 10% e manutenção em álcool 70%),
mesmo não sendo o procedimento mais indicado. Nes-
se contexto, esse trabalho visa propor um protocolo de
preparação através de taxidermia de indivíduos previa-
mente mantidos em álcool.
Os espécimes utilizados nesse estudo pertencem
ao gênero Thrichomys e foram coletados no estado de
Tocantins entre 2008 e 2013. Trinta e um indivíduos fo-
ram coletados e mantidos em meio líquido, dos quais 12
foram submetidos ao protocolo a seguir (LBCE 12000,
12027, 12126, 12752, 12723, 12727, 12729, 12730,
12733, 12995, 13372, 13373). Os espécimes serão depo-
sitados na Coleção de Mamíferos do Museu Nacional, RJ.
Neste processo o material em meio líquido a ser ta-
xidermizado (Figura 1A) deve ser lavado em água corren-
te por 2 minutos com o uso de sabão neutro (Figura 1B).
Tal procedimento auxilia na reidratação da pele devido
ao rompimento das cadeias lipídicas de revestimento
associadas ao pelo, fazendo com que esta se torne mais
tolerante a água e, consequentemente, mais flexível. Em
seguida, o exemplar é submergido em uma solução de
etanol 40% até que seus apêndices estejam maleáveis,
A vastidão do mundo animal, com mais de 1 mi-
lhão e 500 mil espécies conhecidas, restringe os zoólo-
gos a um ou alguns campos de interesse e pesquisa e,
nesse sentido, torna-se impossível colecionar, preservar
e estudar tudo (Papavero, 1994). Por isso, cada grupo
de animal ou cada tipo de pesquisa exige particulari-
dades específicas para sua preservação. O objetivo da
preservação post mortem de um animal em instituições
acadêmicas é viabilizar a obtenção e manutenção de
informações relevantes sobre sua anatomia, fisiologia
e sistemática. A palavra taxidermia vem do grego tax
(ordenação) e derme (pele), sendo uma técnica clássica
cujo surgimento ocorreu com a necessidade de preser-
var espécimes de vertebrados em gabinetes de curio-
sidades, no final do séc. XVI (Boitard & Maigne, 1881;
Chwalisz et al., 1994). Para estudos com mamíferos, 90%
dos espécimes são preservados através da técnica de ta-
xidermia e 10% mantidos em meio líquido (Auricchio &
Salomão, 2002; Hornaday, 1916).
Na atualidade, com o aumento de inventários para
consultoria de mastofauna, tem proliferado o número
de espécimes a serem depositados em coleções científi-
cas. No entanto, na maioria desses inventários, todos os
NOTAS
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permitindo sua articulação. Esse processo pode durar de
uma a quatro horas (Figura 1C). Durante esse processo
de hidratação da pele, o exemplar deve ser observado a
cada 15 minutos, uma vez que a exposição desmedida a
esta solução pode resultar no apodrecimento dos tecidos
moles, levando à perda de informações. Após o processo
de hidratação, o exemplar é seco com papel absorvente,
para que haja facilidade no processo de remoção da pele
(Figura 1C). Nesse protocolo há uma abordagem diferen-
ciada da usualmente utilizada em espécimes previamen-
te frescos. Assim, 4 regiões do corpo do animal serão
abordadas. Região Abdominal: inicia-se uma incisão
abdominal entre o processo xifóide do esterno até a re-
gião perianal, com precaução para o não rompimento
da cavidade peritonial e à manutenção das informações
ligadas aos órgãos reprodutores. Com o auxílio de uma
tesoura cirúrgica curva fina de ponta romba (Figura 1D),
inicia-se o processo de remoção da pele. Pela fissu-
ra ocorre o desprendimento do tegumento na região
ventral, nos apêndices posteriores, na cauda, na região
dorsal, na região torácica, nos apêndices anteriores e na
cabeça. Devido à falta de maleabilidade do tegumento,
faz-se necessário a desarticulação dos membros poste-
riores e anteriores. Membros posteriores: Nesta região,
a desarticulação é proferida entre o fêmur e a tíbia. Feita
a desarticulação, a pele ligada a esses membros estará
apta à eversão. A eversão deve ser feita até o local do
músculo extensor dos dedos, onde haverá a desarticula-
ção do membro na porção tarsal. Região Caudal: Por se
tratar do gênero Thrichomys, que por característica re-
aliza autotomia na região base-caudal, o tratamento da
cauda necessitará de especificidades. Após o desprendi-
mento dos membros posteriores, inicia-se a dissociação
do tegumento com os músculos sacrocaudais, glúteo
médio e coccígeo. Dada à luz do diâmetro caudal, com
o auxílio de uma pinça anatômica estriada reta, efetua-
-se o movimento de alavanca para a remoção do tegu-
mento associado ao músculo piriforme. Esse músculo se
localiza após a região autotômica, e pode ser observado
após as três primeiras vértebras caudais. Caso ocorra o
rompimento das fibras musculares na base da cauda,
deve-se iniciar uma nova incisão longitudinal preferen-
cialmente na porção ventral da cauda para a remoção do
tegumento desta região. Membros anteriores: Para que
ocorra a total desarticulação desses membros é neces-
sário o rompimento da musculatura estriada associada à
escápula, entre os músculos peitorais, braquiocefálico,
romboide, supra espinhal e infra espinhal. Após o rom-
pimento da musculatura epaxial associada à escápula, a
pele do membro anterior estará apta a eversão. A pele
na região apendicular anterior será desprendida até a
região carpal, onde haverá a desarticulação do membro.
Região craniana: Nesta região, a pele é desprendida da
base do crânio em direção ao músculo auricular rostral.
Uma incisão é feita na cartilagem do ouvido interno, di-
reito e esquerdo, promovendo sua ruptura. Nesta ins-
tância o ouvido externo estará integro e associado ao te-
gumento. Após a remoção dos ouvidos externos, faz-se
necessária a dissociação do tegumento na região orbi-
tal. Com o auxílio de uma lâmina nº 15 inserida no cabo
de bisturi nº 3, nos lados esquerdo e direito do animal,
remove-se o tecido tegumentar associado ao músculo
retrator lateral do ângulo do olho até a porção frontal
do músculo orbicular do olho. Para a remoção do lábio,
uma incisão sobre o músculo bucinador faz-se necessá-
ria. Os lábios superior e inferior devem ser removidos
conjuntamente para que não ocorram rupturas na epi-
derme. Por fim, rompe-se a cartilagem nasal resultando
na remoção completa da pele.
Uma vez que a pele tenha sido retirada e por ain-
da se encontrar com alguma umidade. Assim é neces-
sário tratá-la com pó de cálcio, através de sucessivas
Figura 1: (A) Espécimes preservados em meio liquido; (B) Espécimes
sendo lavados em água corrente; (C) Espécime imerso em solução de
álcool 40%; (D) Material usado para a taxidermia, de baixo para cima:
cabo de bisturi nº 3 e lâmina de bisturi nº 15; tesoura cirúrgica reta
fina de ponta romba; tesoura cirúrgica reta fina de ponta fina; tesoura
cirúrgica curva grossa de ponta romba; tesoura cirúrgica fina curva de
ponta romba; (E) Secagem da pele com pó de cálcio após sua retirada;
(F) Peles taxidermizadas.
NOTAS
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exposições ao pó, até que esteja totalmente seca (Figu-
ra 1E). A partir desse momento o protocolo para o pre-
enchimento da pele segue a técnica tradicional de taxi-
dermia como descrito nos trabalhos de Aldrighi (1957),
DeBlase & Martin (1974), Ferreira (1924), Metcalf (1981),
Rowley & Chapman (1943) e Tiemeier (1936). Caso esta
técnica seja aplicada em séries extensas, quando não há
tempo hábil para o preenchimento de todos os exempla-
res, a armazenagem temporária somente das peles pode
ser feita em uma solução de etanol 60%.
Este protocolo foi aplicado com sucesso a uma sé-
rie de roedores do gênero Thrichomys mantida durante
seis anos em álcool 70% (Figura 1F). Neste sentido, foi
possível comprovar que a utilização da taxidermia para
preservar a anatomia interna de mamíferos depositados
em via úmida contempla o resgate do máximo de infor-
mações anatômicas de um mesmo exemplar. Os carac-
teres internos contidos nas porções musculares e esque-
léticas são revelados, e os caracteres externos contidos
nas peles, são mantidos íntegros e aptos à apreciação
científica.
AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem ao Laboratório de Biologia
e Parasitologia de Mamíferos Silvestres Reservatórios
(IOC/FIOCRUZ) por disponibilizar os espécimes utilizados
no estudo, ao Setor de Mamíferos do Museu Nacional
(MN) – UFRJ pelo recebimento do material preparado
e ao Dr. João Alves de Oliveira (MN) pelas reflexões me-
todológicas curatoriais de âmbito do Museu Nacional.
LMP é bolsista do Conselho Nacional de Desenvolvimen-
to Científico e Tecnológico (CNPq 305564/2010-2) e AL é
bolsista CAPES e FAPERJ (E26/102.804/2011).
REFERÊNCIAS
Aldrighi AD. 1957. Taxidermia. Ministério da Agricultura, Divisão de
Caça e Pesca, Rio de Janeiro.
Auricchio P, Salomão MG. 2002. Técnicas de Coleta e Preparação de
Vertebrados para fins científicos e didáticos. Instituto Pau Brasil.
Boitard M, Maigne MP. 1881. Nouveau Manuel Complet du Naturaliste
Preparateur, Deuxième Partie – Taxidermie, Préparation des
Pièces Anatomiques. Paris, Librairie Encyclopédique de Roret.
Chwalisz P, Heinemann C, Lieberwirth J. 1994. Taxidermie, Kunst &
Natur, Tierpraparation im Museum. Museum fur Naturkunde,
Magdeburg.
DeBlase AF, Martin RE. 1974. A Manual of Mammalogy, with keys to
families of the world. WCB, Dubuque.
Ferreira AM. 1924. Breves Noções sobre a Preparação de Esqueletos
para Estudo e para Museus, Baseadas nos Trabalhos Feitos no
Museu Nacional do Rio de Janeiro. Boletim do Museu Nacional do
Rio de Janeiro 1(5): 341-354.
Metcalf JC. 1981. Taxidermy, a complete manual. Duckworth.
Papavero N. 1994. Fundamentos Práticos de Taxonomia Zoológica
(coleções, bibliografia, nomenclatura). UNESP & FAPESP, São
Paulo.
Rowley J, Chapman FM. 1943. Taxidermy and Museum Exhibition. D.
Appleton-Century Company – Incorporated. New York, London.
Tiemeier OW. 1936. The Dermestid Method of Cleaning Skeletons. The
University of Kansas, Science Bulletin XXVI(10): 377-382.
Submetido em 13/março/2015
Aceito em 22/agosto/2015
NOTAS
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