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Território e Materialidade: Wikileaks e Controle do Espaço Informacional / Territory and Materiality: Wikileaks and the Control of the Informational Space

Authors:

Abstract

Abstract: The wikileaks phenomenon has attracted attention from the international media and scholars from the field of network and technology studies, but been rarely approached by geographers, urban planners and architects, or other researchers interested in urban and spatial studies. Almost nothing has been written about possible territorial interpretations of this case, or yet about conditions and consequences for space of this geopolitical and communicational phenomenon. In this chapter, it is proposed a spatial approach, or more specifically a territorial approach, for explaining a paradoxical coexistence between the freedom in which protests, cyberactivism and counter-surveillance spread through the informational space, and the attempts to control (legally) – and so, territorially within the limits of Nation-sates – these “detours” of activities in the Net. Territory as a geographical concept is used in this essay as a variable to help us better understand the linkage between control and informational space, having the wikileaks case as a reference.
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contemporanea|comunicação e cultura
W W W . C O N T E M P O R A N E A . P O S C O M . U F B A . B R
TERRITÓRIO E MATERIALIDADE:
WIKILEAKS E O CONTROLE DO ESPAÇO INFORMACIONAL
TERRITORY AND MATERIALITY:
WIKILEAKS AND THE CONTROL OF THE INFORMATIONAL SPACE
Rodrigo Firmino*
RESUMO
O fenômeno wikileaks tem despertado a atenção da mídia internacional e vários estudiosos das redes e
das tecnologias da informação e comunicação, mas tem recebido pouca atenção de geógrafos, urbanistas
e arquitetos, ou outros pesquisadores preocupados com o espaço. Pouco ou nada sesobre possíveis in-
terpretações territoriais deste caso, ou sobre as condicionantes e conseqüências espaciais deste fenômeno
geopolítico, jornalístico e das comunicações. Neste ensaio, discute-se uma abordagem espacial, ou mais
especificamente territorial, para explicar a paradoxal coexistência entre a liberdade com que se multipli-
cam estratégias de protesto, ciberativismo e contra-vigilância no espaço informacional e as tentativas de
controle jurídico – e portanto territorial, ou nos limites de territórios de Estados-nação – desses “desvios”
nas atividades da rede. O território enquanto conceito geográfico é usado aqui como parâmetro de com-
preensão do vínculo entre controle e espaço informacional, tendo como referência o caso wikileaks.
PALAVRAS-CHAVE: território, territorialidades, ciberespaço, controle, wikileaks.
ABSTRACT
The wikileaks phenomenon has attracted attention from the international media and scholars from the field
of network and technology studies, but been rarely approached by geographers, urban planners and archi-
tects, or other researchers interested by urban and spatial studies. Almost nothing is written about possible
territorial interpretations of this case, or yet about conditions and consequences for space of this geopoliti-
cal, journalistic and communicational phenomenon. In this essay, it is proposed a spatial approach, or more
specifically a territorial approach, for explaining a paradoxical coexistence between the freedom in which
protests, cyberactivism and counter-surveillance spread through the informational space, and the attempts
to control (legally) – and so, territorially within the limits of Nation-sates – these “detours” of activities in the
Net. Territory as a geographical concept is used in this essay as a variable to help us better understand the
linkage between control and informational space, having the wikileaks case as a reference.
KEYWORDS: territory, territorialities, cyberspace, control, wikileaks.
*Professor adjunto do Programa de Pós-graduação em Gestão Urbana, e do curso de Arquitetura e Urbanismo,
PUCPR. Arquiteto e urbanista, Doutor em Planejamento Urbano e Regional pela Universidade de Newcastle (Reino
Unido). Mestre em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo. Email: rodrigo.firmino@pucpr.br
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INTRODUÇÃO
Recentemente, temos testemunhado diversos episódios em que o Estado, na figura de governantes e
assessores oficiais, expôs uma de suas maiores fragilidades atuais, uma paradoxal dificuldade em con-
trolar o fluxo de informações na Internet. O evento recente de maior repercussão e que segue seu
caminho inalterado até o momento de redação desse texto – é, sem dúvida, o caso da disponibilização
de arquivos de Estado na Internet por meio do website da organização conhecida como wikileaks.
É notório que o wikileaks não passa de um intermediário na tarefa de tornar público esses documentos
secretos, existindo ainda com papel tão importante quanto este de intermediário, a imprensa que
publica o material disponibilizado pelo wikileaks – e, ainda mais importante, os informantes anônimos
responsáveis pelo “vazamento” dos documentos. O papel e as atividades dessa cadeia de, ao menos,
três atores fundamentais, têm sido recorrentemente e convenientemente atribuídas de forma resumida
à figura do wikileaks, e de maneira mais específica a um de seus criadores e diretores, o australiano
Julian Assange. Mueller (2011, p.12) expõe claramente essa atribuição de papéis à organização, como
forma recente de repreensão à vazamentos de informações:
Na era pré-Internet, pelos menos nos EUA, durante um vazamento “normal” havia
uma clara separação entre aquele que vazava a informação e aquele que a publi-
cava. Os governos deviam manter seus segredos, mas se falhassem em fazê-lo e um
jornalista pusesse as mãos em informações que pudessem interessar ao público, a
Primeira Emenda e o respeito à prestação de contas devida pelo governo significa-
vam que o jornalista estaria isento de perseguições, quase que a despeito do modo
como a informação fora obtida. Era o informante que estava no alvo.
Essa sistemática associação de papéis e ações a uma organização ou pessoa específica tem um propósi-
to muito claro. Trata-se de uma estratégia para minar o processo informativo de “vazamento” de docu-
mentos pelo controle legal do principal elo dessa cadeia de eventos, como colocado acima. O fator de-
terminante dessa estratégia reside no fato do controle da Internet, ou de certas atividades na Internet,
ser possível apenas pela vinculação dessas atividades a algum território concreto, material.
A razão para isso é simples: regimes jurídicos são eminentemente territoriais, isto é, a lei só se aplica a
territórios absolutamente, materialmente e precisamente definidos. E, finalmente, a lei é a única forma
oficial de intervenção de governos, instituições e corporações. Obviamente, não se pode dizer que essa
é uma regra sem exceções, dado que em diversas oportunidades, governos e corporações agem “ilicita-
mente” ou sem o amparo da lei, de forma secreta ou ainda unilateralmente, principalmente quando os
limites territoriais não são tão claros como no caso de intervenções militares sobre Estados-nação, com
ou sem o apoio de organismos supranacionais como a Organização das Nações Unidas (ONU).
Em seu ensaio Wikileaks: l’État, le réseau et le territoire, Antony (2010) defende, de modo semelhante,
a vinculação entre o caso wikileaks, a atuação do Estado e as questões territoriais colocadas acima. Mas
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com uma diferença fundamental, e complementar. Para Antony, o evento dá visibilidade a uma sobre-
posição de territórios: o território dos Estados e o território da Internet.
Simplificando seu pensamento, o que o autor aponta é que, ao considerar a vasta quantidade de in-
formações relacionadas em rede na Internet como seu próprio território, a atuação do wikileaks (ou
da cadeia de atores representada pelo wikileaks) em disponibilizar documentos secretos abertamente,
representaria uma invasão do “território informacional” dos Estados. Ou como coloca o próprio Antony
(2010), “La mise en ligne des “cables”, c’est l’annexion par le réseau d’une partie du territoire de l’État”.
E todos sabemos que invasão (ou anexação) de território é um dos preceitos históricos para declaração
do estado de guerra. Aliás, Castells (2010) nos alerta sobre o papel da informação e seu fluxo ao afirmar
que o poder, nos dias de hoje, sustenta-se sobre o controle da comunicação e que isso está evidenciado
no caso wikileaks.
Assim, o que será apresentado neste ensaio é que o paradoxo relacionamento entre a Internet e o ter-
ritório representa, ao mesmo tempo, os pontos forte e fraco da comunicação em rede no embate entre
o controle e a liberdade de ações travado no território “imaterial” do ciberespaço. Analogamente, essa
relação talvez represente, atualmente, o maior trunfo e a maior fraqueza no caso wikileaks, por ser ao
mesmo tempo condição de sua existência (a desvinculação a territórios concretos específicos), mas tam-
bém o único ponto de apoio de governos e autoridades na tentativa de controlar suas ações (a vincula-
ção “forçada” de Julian Assange ou do wikileaks a territórios concretos definidos). Além desta introdução
e das considerações finais, o texto se divide em três partes. Na primeira parte se explora os próprios
conceitos de território e territorialidades, com atenção especial às reflexões trazidas da geografia. Em
seguida, o texto se dedica a explicar as possíveis territorialidades no espaço informacional. Enfim, na
terceira parte, são relacionadas as distintas materialidades (e imaterialidades) do espaço e o fenômeno
wikileaks, tendo sempre como perspectiva suas vinculações à construção do território.
TERRITÓRIO E TERRITORIALIDADES
Do ponto de vista do conceito geográfico de território, os possíveis vínculos entre espaço, Internet e
controle são ainda mais fortalecidos. Em sua clássica definição de espaço, Milton Santos (1996) deter-
mina a base para a formação do território, bem como a base para a formação do lugar. Quando afirma
que o espaço é um conjunto indissociável de sistemas de objetos e sistemas de ações, Santos cria,
conceitualmente, a argila da qual se fazem os tijolos do território e do lugar, sendo esses três (espaço,
território e lugar) os pilares conceituais das teorias espaciais.
Apesar de muito próximos, território e lugar se distinguem por um detalhe pequeno, mas que faz toda
diferença: o controle, a imposição, a determinação. Tem-se que ambos conceitos são porções específi-
cas (mais ou menos delimitadas) do espaço. Mas enquanto o conceito de lugar admite porções do es-
paço carregados de valores culturais compartilhados entre pessoas com algum tipo de afinidade (étnica,
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temática, religiosa, política, topológica, etc.), o conceito de território pressupõe a busca por controle so-
bre uma determinada parcela do espaço (delimitada), sobre a qual imanta-se/impõe-se valores culturais
específicos (Duarte, 2002). Dessa forma, um determinado território não coincide necessariamente com
um determinado lugar, e vice-versa. Neste sentido, a subjetividade do lugar torna o conceito muito mais
próximo da idéia de espaço (comparativamente ao conceito de território), o que o enfraquece. Ferrara
(2002, p.19) esclarece que:
A palavra lugar é frágil como designação porque se confunde com ponto, local,
logradouro, ou seja, é sinônimo de espaço e dele não se distingue, porém é
necessário proceder essa distinção a fim de que seja possível criar parâmetros
para aquela reflexão. Assim, não se pode pensar em lugar sem o designativo
que o qualifica; o lugar é informado e aqui se inicia a questão do confronto entre
espaço e lugar no complexo processo de globalização econômica e mundialização
cultural do planeta.
Nessa visão, assim, o controle sobre uma porção do espaço define toda diferença entre os dois conceitos.
Ao território vinculam-se necessariamente leis, documentos, instituições, regras de convivência para a
manutenção de seus limites, do poder e da dominação. Ao lugar podem-se vincular esses instrumentos
de controle, mas apenas se isso for condição para a convivência comum, para o pertencimento, para o
compartilhamento de valores (Tuan, 1980), nunca por meio da imposição. O Estado-nação representa
a modernização e, principalmente, a institucionalização do território e da busca pela perfeita coincidên-
cia entre lugar e território. Ao território do Estado-nação definem-se fronteiras, costumes e elementos
socioculturais (sempre uns em detrimento de outros) na “esperança” de que estes exprimam o senso
comum de pertencimento da população compreendida neste “desenho territorial”, à base geográfica e
topológica delimitada por suas fronteiras. Para Duarte (2002, p.83-5):
Os territórios do Estado-nação têm uma característica fundamental que os singu-
lariza: os seus limites externos são precisos. Voltando ao atlas, vê-se que além de
bandeiras, línguas e moedas, os estados nacionais têm linhas limítrofes precisas
[...] O que se quer aqui dizer é que a delimitação precisa do território do Estado-
nação é um instrumento de gestão de um determinado espaço, característico de
sua construção, tanto quanto os outros símbolos, como a língua ou a moeda [...]
Resumidamente, tem-se que o lugar está mais próximo da experiência, enquanto
o território é fundamentalmente simbólico – e isso, como foi visto, exacerba-se
com o território do Estado-nação.
Por mais que se advogue que a Internet é um espaço público, compartilhado, onde se exercita a liber-
dade na sociedade contemporânea, seus limites de atuação e abrangência são incertos mas estão con-
tidos na sua própria imaterialidade. Há regras de uso e delimitações claras de realização de suas ações,
independente da amplitude que os impactos dessas ações possam ter. Talvez por tudo isso, a Internet
seja comumente chamada de território e mais raramente de lugar. Ainda assim, esse tipo de rotulação
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é incerta na medida em que se torna possível definir limites e esferas de ações que se dão na Internet,
e que possam ser analogamente delimitadas como território ou lugar. Neste sentido e do ponto de vista
geográfico, a Internet se posiciona muito mais como um espaço do que como um território ou lugar, uma
vez que se caracteriza como um conjunto de objetos e ações sujeito à recortes, delimitações e apro-
priações específicas. A definição de Milton Santos aplica-se sem restrições ao “espaço da Internet”.
A noção de espaço ampliado, mais recente e ligada ao suporte material das tecnologias da informação
e comunicação (TICs), talvez ajude explicar a sensação de quebras de fronteiras quando está em jogo o
potencial aumento de nossas capacidades comunicativas e de experiência no espaço. Duarte e Firmino
(2009) explicam que o crescente uso de TICs cada vez menores e cada vez mais “infiltradas” no meio
construído – muitas vezes sem sequer serem percebidas – potencializa o uso do espaço para além de
sua materialidade concreta, imediata. Os autores também defendem que este tipo de ampliação de
nossa experiência no espaço era possível no passado, por outros meios (religião, meditação, arte,
drogas, etc.), mas dependia de uma ação deliberada do sujeito, enquanto em tempos recentes a pos-
sibilidade de ampliação está presente no próprio meio, à disposição do sujeito. Ou, ainda:
In this sense, contemporary augmentation of our immediate reality, differing from
such experiences in the past (based on the fact that religion, magic, metaphysics
and art have always provided means for augmenting the immediate material worlds
of our existence), does not depend on specific and deliberate individual or collec-
tive beliefs. Augmentation takes place everywhere and anytime, regardless of our
knowledge of what is indeed happening. (Duarte e Firmino, 2009, p.545-546)
Assim, a indefinição em termos geográficos das ações neste ambiente ampliado talvez se dê, ou seja
mais influenciada, principalmente pelas características imateriais da Internet e das redes tecnológicas.
Sua imaterialidade, por sua vez, assim como sua abrangência global, determinam a dificuldade ou
mesmo impossibilidade de se estabelecer um lastro territorial concreto ao que acontece no ciberespaço.
De fato, como afirma Duarte (2002, p.86), “o desenvolvimento técnico potencializa a amplitude territo-
rial alheia à contigüidade geográfica”. A impossibilidade de vínculo entre a imaterialidade da Internet
e a materialidade do território concreto (e suas leis, seus governos, etc.) definem as possibilidades de
existência e atuação sem controle de fenômenos como o wikileaks ou as revoltas populares do norte da
África e Oriente Médio (principalmente pelo uso de redes tecnológicas como Facebook e Twitter). Basta
notar que todas as tentativas de coibição nesses casos partiram de vínculos forçados entre seus atores
principais e um território específico com leis e força policial de Estado, ou ainda o uso dessa força policial
na reafirmação dos limites territoriais de ação do Estado.
Ainda com relação ao território enquanto conceito e como continente de estruturas sociopolíticas es-
pecíficas, poder-se-ia especular – como de fato se especulou – sobre o enfraquecimento das fronteiras
territoriais concretas a partir da globalização da economia, ou ainda a partir do que alguns geógrafos
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(Santos, 1996; Cataia, 2007) chamam de unificação técnica do planeta. Entretanto, como constata
Cataia (2007), se por um lado há evidências dessa unificação técnica, científica e informacional a partir
de fluxos financeiros e de informação, por outro lado as regras e condições de existência de territórios
nacionais absolutamente bem definidos se fortalecem, pois “é na sua estrutura que se fundam quadros
legais de legitimação do poder e reconhecimento das soberanias” (ibidem, p.2).
TERRITÓRIO, LEGISLAÇÃO E SOBERANIA
Foucault (2008) relaciona a constituição do território à espacialização do controle social e da segurança
ao apontar, esquematicamente, como o exercício do poder se aplica no espaço. Para Foucault, “a so-
berania se exerce nos limites do território, a disciplina se exerce sobre o corpo dos indivíduos e, por fim,
a segurança se exerce sobre o conjunto de uma população” (ibidem, p.15-6). O autor ainda relativiza
essa correlação simplificada, explicando que, “afinal, a soberania, a disciplina, como também, é claro, a
segurança só podem lidar com multiplicidades” (ibidem, p.16). Ainda assim, como já apontado, o con-
trole visível e legítimo (do ponto de vista legal) de indivíduos ou grupos (população) se dá somente se
circunscrito a uma determinada delimitação territorial – um país, um estado, uma região, uma cidade, um
bairro, etc. – pois nesses casos estabelecem-se limites de aplicação de determinados regimes jurídicos.
Em termos espaciais, as tendências de homogeneização da Internet e outras relações supranacionais
atuais esbarram no fortalecimento de fronteiras territoriais nacionais como (re)afirmação de poderes re-
gionais e globais. Essa territorialização sustenta-se, pois, sobre um aparato legal e institucional definido
pelo espaço geográfico do Estado-nação. Assim, a vinculação entre território e controle é sustentada
pelo espaço político circunscrito ao território nacional e defendido por uma “armadura” legal, que por
sua vez o legitima. Essa é a base de estratégias de controle das ações desencadeadas na e a partir da
Internet, disponível aos governos e corporações. A dicotomia entre território material e imaterial, ou
ainda com relação à definição das fronteiras territoriais é o que, felizmente, dificulta tal controle.
Essa dificuldade advém da impossibilidade de se traçar, materialmente, fronteiras políticas (e, portanto,
legais) no território informacional de atuação, por exemplo, do wikileaks e a divulgação dos documentos
confidenciais de Estado. Por isso, governos e corporações tentam, a todo momento, estabelecer vínculos
concretos entre partes desse processo de divulgação (entendido desde o momento de recebimento das
informações até a sua efetiva circulação por meio da imprensa) com territórios e leis específicas.
Inutilmente, isso representa a tentativa de encontrar respostas a perguntas como: onde se encontram
fisicamente os servidores que armazenam as informações recebidas e/ou divulgadas pelo wikileaks?
Onde se encontra armazenado o próprio wikileaks? Quem são, juridicamente, os responsáveis por tal
divulgação? Seria possível responsabilizá-los por algum tipo de ação criminal em algum país pelo simples
fato de armazenarem e tornarem visíveis as informações confidenciais?
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A dificuldade de se resolver tais questões obriga as instituições incomodadas com a atuação do wikileaks
a considerarem outros tipos de ação na tentativa de bloqueio ou coerção dos responsáveis por seu fun-
cionamento, como nos casos envolvendo Julian Assange. Obviamente as acusações de violência sexual
nada têm a ver com as atividades de Assange no wikileaks, mas este processo legal recebe interesse (e
algumas vezes influência) dos mesmos atores críticos à sua participação na divulgação dos documentos
confidenciais.
UMA ABORDAGEM TERRITORIAL PARA O ESPAÇO INFORMACIONAL
Há uma clara associação teórica e prática entre controle, vigilância e território. Pode-se dizer que a vig-
ilância (se simplesmente entendida como o ato de vigiar) atua aterritorial e territorialmente, enquanto
o controle lícito e oficial (entendido como atuação direta sobre o que se pretende controlar no sentido
de determinar os limites de suas ações) depende de um vínculo territorial, pelos próprios limites de
atuação dos regimes legais. No caso wikileaks, por exemplo, os diversos governos constrangidos pela
liberação recente dos “cables” diplomáticos, não tem dificuldade em vigiar e observar os movimentos
da organização ou de Julian Assange, mas encontram enormes dificuldades (ou quase impossibilidade)
em reter, limitar e controlar suas ações. A “solução” atual limita-se à tentativa de processo e prisão de
Assange na Suécia por duas acusações de violência sexual – ou seja, lança-se mão de um dispositivo
legal territorial, que nada tem a ver com a atuação direta do wikileaks.
Felizmente para Assange ou para o wikileaks, apenas duas maneiras de bloquear suas ações: uma ilícita,
por meio de sua eliminação ou coerção (assassinato ou chantagem no caso pessoal, ou corte de infraestru-
tura física no caso da organização , impossível pelos atuais níveis de capilaridade reticular da Internet);
e outra lícita, pela vinculação criminal de qualquer de suas ações ao território concreto de algum Estado
disposto a agir neste sentido , ou à repreensão às redes de suporte ao funcionamento do site (como os
pedidos realizados ao Paypal, Visa, Mastercard, Amazon e ao banco suíço do wikileaks para encerramento
de suas transações com a organização). Dada a visibilidade internacional do caso, a primeira opção não
parece politicamente viável à qualquer governante . A segunda opção tem sido a principal estratégia dos
opositores à prática do vazamento de informações confidenciais praticado pelo wikileaks.
Para se explicar melhor o caso, inclusive para o fortalecimento do argumento de vinculação entre as
perseguições à Assange (e ao wikileaks) com o território e seus sistemas legais, é importante destacar
a particularidade de se registrar os processos legais na Suécia. Assange é acusado de manter relações
sexuais com duas mulheres sem o uso de preservativo, o que, em certas circunstâncias da legislação
sueca, pode ser considerado estupro. Ora, é muito provável que os governos ou pessoas interessadas no
encarceramento de Assange tenham vasculhado sua vida em todos os lugares (territórios) pelos quais
passou na tentativa de encontrar irregularidades. A lei do território sueco os deu essa oportunidade. E
mais, um pedido de prisão foi emitido à Interpol (polícia internacional que garante o poder do Estado
além de suas fronteiras) pelo governo sueco. Após sua prisão em Londres (Assange se entregou volun-
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tariamente), os juízes britânicos julgam o pedido de extradição de Assange à Suécia (e muitos advogam
que isso facilitaria sua extradição aos EUA para ser julgado por espionagem). Essa história não poderia
ter vínculos (dependências) territoriais mais claros.
A história de como o website pode ser mantido online apesar de todos os ataques (hackers e oficiais à
rede de infraestrutura) ilustra como a questão das tentativas atuais de controle do vazamento está vincu-
lada ao território no que diz respeito à materialidade de seu funcionamento. Após ter sua rede financeira
bloqueada (pelo rompimento com Visa, Mastercard e Paypal) e sua rede de suporte técnico desintegrada
(pelos bloqueios dos serviços de hospedagem e divulgação Amazon, everyDNS e Tableau Software), o
wikileaks manteve-se em operação ao criar lastros territoriais de hospedagem do conteúdo técnico de seu
material em diversos servidores e “espelhos” espalhados em vários países do mundo. Sabe-se, hoje, que
é praticamente impossível tirar o website do ar, pois sua base material e física está dissipada ao redor do
planeta (sem contar os backups e chaves para possíveis cópias dos arquivos da organização que Assange
assegura ter entregado a mais de 100 colaboradores anônimos). Como aponta Selaimen (2011, p.5):
O esforço para calar o wikileaks foi um tiro que saiu pela culatra. Em poucos
dias, o conteúdo do wikileaks se espalhou pela web, espelhados em mais de mil
de sites publicados por simpatizantes do wikileaks e defensores da liberdade de
expressão na Internet - tornando assim o wikileaks imune a uma única autori-
dade legal. Para tirar estes sites espelho do ar, seria necessário um concertamen-
to de autoridades de centenas de países, muitos deles nos quais o ordenamento
jurídico exigiria o devido processo judicial para o bloqueio de acesso a um site.
Há também tentativas de se coibir o próprio vazamento de informações antes mesmo dos documentos
alcançarem as páginas do wikileaks, por meio da repreensão aos funcionários e servidores que mantêm
contato com material confidencial de Estado. Entretanto, o fato da Internet constituir-se um território
imaterial e livre, onde o anonimato ainda é possível, dificulta até mesmo esse tipo de controle “preven-
tivo”. É precisamente este aspecto (do anonimato, da liberdade) que tem sido alvo de grupos ligados
a grandes corporações ou órgãos governamentais (com vínculos militares ou comerciais) em inúmeras
tentativas legais de regulação da Internet em nome da segurança e de direitos autorais. O combate à
pedofilia, ao terrorismo e à pirataria são argumentos comuns desses grupos para fortalecer estratégias
de controle do território informacional em detrimento de liberdades individuais e direitos civis.
A Internet é mundial, mas para chegar a ela cada um de nós precisa passar por
estruturas físicas locais e por portas de entrada à Internet – como os provedores
de acesso e serviços – que respondem a leis locais. Com a intensificação dos dis-
cursos que defendem o controle e o vigilantismo na Internet – muitos deles justi-
ficados pela luta contra o crime e a proteção de crianças e jovens, mas a grande
maioria interessada no bloqueio a trocas de arquivos e downloads de conteúdos,
(que ofendem os interesses das grandes corporações de mídia e da indústria da
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música) –, cresce o número de países que têm aprovado leis que possibilitam a
filtragem dos conteúdos que passam pelos provedores de acesso e de serviços a
Internet. (Selaimen, 2011, p.6)
Antony (2010) defende que o Estado não pode intervir diretamente na rede, e apenas no acesso físico à
rede (o que pode ser questionado como privação à liberdade ou à liberdade de expressão), ou ainda, “Si
l’Internet est un territoire, il est un territoire étranger, un territoire où les États ne peuvent exercer leur
pouvoir, un territoire où les moyens de coercition légitimes sont impuissants”. De toda maneira, mesmo
a restrição de acesso físico à rede estará condicionada a imposições legais, que por sua vez têm efeito
sobre territórios específicos. A dependência do controle a este vínculo é clara e inquestionável, mesmo
com a intercomunicação “sem barreiras” das redes técnicas globais.
De fato, as fronteiras não são barreiras à unificação telecomunicacional do mundo,
mas isto não significa a federação política do mundo, nem mesmo a coabitação
solidária das diferentes partes de um território nacional. (Cataia, 2007, p.6)
Dessa forma, a questão territorial (concreta, material) coloca-se como central na discussão da atuação
do wikileaks ou das tentativas de controle das atividades que tem a Internet como principal campo de
atuação. É importante deixar claro que essa discussão se aplica a inúmeros outros casos de embate
entre a liberdade e o controle na esfera de atuação da Internet. Usa-se aqui o forte e visível exemplo
do wikileaks, quando se poderia usar os casos das revoltas populares deflagradas no norte da África e
alguns países do Oriente Médio a partir de meados de 2010. As relações entre a Internet, o controle
e o território nesses casos, se dão em circunstâncias diferentes mas com muitas afinidades ao caso
wikileaks, principalmente pelas tentativas de controle a partir da (re)afirmação do domínio territorial.
WIKILEAKS, MATERIALIDADE E ESPAÇO
Diversos grupos, em geral defensores do direito à privacidade ou à proteção de dados pessoais e
contrários à sociedade da vigilância e do controle, apóiam indistintamente as ações promovidas pelo
wikileaks (independente de suas opiniões sobre o comportamento de Assange como “gerente” da or-
ganização). A disputa (entre governos/corporações e cibernautas) tem sido chamada de ciberguerra
por vários críticos. Segundo Castells (2010), uma guerra perdida para as estruturas governamentais e
empresariais, pois “mientras haya personas dispuestas a hacer leaks y un internet poblado por wikis
surgirán nuevas generaciones de wikileaks”.
O principal argumento na defesa do fenômeno wikileaks é pautado pela possibilidade de reversão do
foco da vigilância, ou seja, se na maioria das vezes governos e corporações se apropriam, utilizam e co-
mercializam os dados pessoais (a imaterialidade identitária) de cidadãos comuns (muitas vezes sem seu
consentimento ou conhecimento), por que coibir a mesma prática que converte os vigilantes originais
TERRITÓRIO E MATERIALIDADE: WIKILEAKS E O CONTROLE DO ESPAÇO INFORMACIONAL
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em vigiados, e revertendo a lógica do espaço da vigilância e da segurança? Em sua coluna “safer cities?”
ao website euobserver.com, Gemma Clavell (2010) ilustra esses argumentos:
Wikileaks is doing ‘exactly’ what most corporations and governments do with our
personal data on a regular basis: use it as they wish, even sell it, without our
consent, while providing us with very few and very weak tools to protect what we
care about or be able to monitor how our information is used and circulated.
Foucault reforça todas essas associações ao defender que o “espaço próprio da segurança remete ao
temporal e ao aleatório, um temporal e um aleatório que vai ser necessário inscrever num espaço dado”
(Foucault, 2008, p.27). Mais ainda, o autor chega a afirmar que o território é o elemento fundamental
de um determinado espaço dominado (um país, um principado, uma região, etc.) e da soberania jurídica
do soberano, seu suporte legal, e assim, coloca o território como próprio fundamento da soberania. A
soberania se materializa no território, se faz sobre o espaço dos fixos e dos fluxos. Analogamente, se
retornarmos à noção de Antony (2010) de que o território informacional Estatal é invadido ou anexado
no caso do fenômeno wikileaks, a noção de soberania se coloca como central, ao menos do ponto de
vista dos governos envolvidos.
A falácia no discurso do fim das fronteiras, dos territórios e da geografia vem de uma análise desatenta
dessa incompatibilidade entre o território material e o território informacional . Ou, como defende Cataia
(2007, p.10) ao comparar os componentes fixos e fluxos do espaço, “o discurso sobre o fim das fron-
teiras baseia-se na suposta indissociabilidade entre circulação (transporte de matéria) e comunicação
(transporte de informações)”. Este autor ainda aponta o vínculo entre território e controle como artifício
de exercício do poder a partir de subdivisões políticas e territoriais:
No famoso axioma ‘dividir para reinar’ encontra-se essa preocupação com as
partições do poder, não só com referência às suas estruturas sociais, mas também
com referência às suas estruturas territoriais. O exercício do poder implica sem-
pre na manipulação da oposição entre continuidade e descontinuidade”. (Cataia,
2007, p.4)
Mesmo com uma visão distinta da colocada neste artigo sobre território e territorialidade informacio-
nal, Lemos (2008, p.13) aponta que “todo território é um lugar social de controle de fronteiras [...]. Os
territórios informacionais são lugares onde se exercem controles do fluxo de informação na ciberurbe
marcada [...] pela imbricação dos espaços eletrônico e físico”. Para Lemos, território informacional se
distingue do ciberespaço ou da Internet. Em sua visão, o território informacional seria um “ponto de
contato” entre o ciberespaço e a realidade concreta onde as conexões das pessoas à Internet se dão
fisicamente ou, como aponta o autor, territórios informacionais são “áreas de controle do fluxo informa-
cional digital em uma zona de intersecção entre o ciberespaço e o espaço urbano” (ibidem, p.12).
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Aqui, como já mencionado, o ciberespaço (ou a própria Internet) é considerado espaço – conjunto in-
dissociável de sistemas e objetos e sistemas de ações – onde é possível a criação de territorialidades
(como construção de territórios) e lugaridades (como construção de lugares) específicas. Ao discutir
essa categoria imaterial e digital do espaço, Ferrara (2007, p.28) explica as novas contradições da ter-
ritorialização:
Sem limites e sem territórios, esse novo espaço se apresenta como um desafio
e nos estimula a repensar seu próprio conceito que, embora básico para o de-
senho da cultura, era, no entanto, considerado natural e intuitivamente atuante.
A nova comunicação digital e o ciber-espaço surgem como um desafio porque
assinalam a perda dos paradigmas de estabilidade que caracterizavam o espaço
físico, geográfico ou territorial.
Tendo o território como arena para o exercício do poder ou como continente de organizações socio-
políticas específicas, é possível ainda vislumbrar diferentes escalas de realização da territorialidade, bem
como uma sobreposição de diferentes conformações do território (como mencionado no início do artigo
sobre o território dos Estados e o da Internet). Para Haesbaert (2004), a territorialidade pode se dar em
três escalas distintas: uma primeira, jurídico-política, em que há uma ligação direta entre a delimitação
de uma porção do espaço e o exercício do poder; uma segunda, cultural, definida por contornos simbóli-
cos e relacionados à identidade social de uma dada porção do espaço (e que pode ser confundida com
o conceito de lugar, descrito anteriormente); e ainda uma terceira, econômico-financeira, evidenciada
pela desmaterialização dos fluxos e da organização econômica do espaço.
A qualidade multiescalar atribuída por Haesbaert ao território possibilita a consideração, segundo o
próprio autor, de uma sobreposição ou coexistência de territorialidades distintas sobre uma mesma par-
cela do espaço geográfico. Essa possibilidade explicaria a paradoxal relação de harmonia e divergência
entre a territorialidade material dos Estados-nação e o território imaterial e informacional do ciberespaço
e da internet. A espacialidade contemporânea, com suas materialidades e imaterialidades exacerbadas,
expõe esse paradoxo. Em outras palavras, o controle dessa espacialidade está pautado pela impossi-
bilidade de adaptação das regras e interpretações de uma territorialidade concreta e integralizada por
regimes próprios de construção de identidades, condutas, soberania e poder, à um espaço que demanda
outra epistemologia, que não tem limites, e “é rizomático, labiríntico e estriado” (Deleuze; Guattari,
1997) (Ferrara, 2007, p.24).
PARADOXO DE LIBERDADE E CONTROLE?
Para voltar a Foucault e sua série de aulas sobre segurança, território e população, seria possível con-
trapor as tentativas de controle das ações do wikileaks e Julian Assange por parte de governos sobera-
nos ao papel do soberano enquanto garantidor de circulações? Afinal, segundo Foucault (2008, p.39):
TERRITÓRIO E MATERIALIDADE: WIKILEAKS E O CONTROLE DO ESPAÇO INFORMACIONAL
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O soberano do território tinha se tornado [no século XVIII] arquiteto do espaço
disciplinar, mas também, e quase ao mesmo tempo, regulador de um meio no
qual não se trata tanto de estabelecer os limites, as fronteiras, no qual não se
trata tanto de determinar localizações, mas, sobretudo, essencialmente de pos-
sibilitar, garantir, assegurar circulações: circulação de pessoas, circulação de mer-
cadorias, circulação de ar, etc.
Ora, mas se ao soberano, detentor do poder, interessa a garantia de circulações, qual outro meio pos-
sibilita mais circulação de maneira indistinta que a própria Internet? Afinal, as grandes economias do
mundo não são as mesmas que se beneficiam da eficiência, rapidez, flexibilidade, e globalidade deste
espaço informacional chamado ciberespaço? O caso dos vazamentos de documentos confidenciais não
seriam apenas efeitos colaterais de um meio de onde se extraem tantos benefícios à circulação do capi-
tal e à manutenção do poder em níveis regionais e globais?
talvez esteja uma das maiores contradições no caso da forte regulação das atividades na Internet. Isto
é, por um lado há o desejo por um mercado desregulamentado, irrestrito a fronteiras físicas, e que pode
se expandir livremente a partir do uso de TICs e, portanto, se beneficiar da amplitude e flexibilidade do
ciberespaço. Por outro lado, a desvinculação de muitas das atividades nesse espaço desmaterializado do
território concreto e seus regimes legais, dificulta a imposição do controle à ações consideradas indese-
jadas por certos governos e corporações. Parece plausível afirmar, como aponta Duarte, que:
Esse processo [desterritorialização] é um dos responsáveis pelas crises e re-
definições das matrizes espaciais, podendo afetar diretamente os objetos e as
ações do espaço, bem como a hierarquia de valores que determinam a identidade
de um lugar ou o regime de influências de um território. (Duarte, 2002, p.93)
Desterritorialização é entendida aqui, como coloca o próprio autor, como o processo de reorganização
de fixos e fluxos em um determinado recorte espacial, a partir de grandes modificações advindas da
introdução de novas técnicas, idéias ou objetos. Não se trata, portanto, de pensar simplesmente a des-
materialização de territórios, como o termo pode sugerir, mas de considerar a reordenação material e
imaterial de certas porções do espaço em decorrência de modificações estruturais na forma de organiza-
ção da sociedade. Assim, desterritorialização não seria o mesmo que a desmaterialização do território
mas sua completa reorganização, sempre considerando processos contínuos de desterritorialização e
reterritorialização.
Assim, de fato, o caso de vazamento de documentos confidenciais representa um efeito colateral de uma
Internet aberta e livre, ao mesmo tempo em que essa liberdade representa, simultaneamente, a condição
para a expansão de uma economia globalizada e a dificuldade do exercício do poder coercitivo a atividades
desvinculadas materialmente de espaços delimitados territorialmente. O próprio Foucault aponta para
essa contradição (ou condição) ao afirmar que não se trata mais de estabelecer ou demarcar o território,
RODRIGO FIRMINO
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Mas deixar as circulações se fazerem, controlar as circulações, separar as boas
das ruins, fazer com que as coisas se mexam, se desloquem sem cessar, que as
coisas vão perpetuamente de um ponto a outro, mas de uma maneira tal que os
perigos inerentes a essa circulação sejam anulados. (Foucault, 2008, p.85)
Para Silveira (2010) essa contradição se explica pela passagem da sociedade disciplinar (Foucaultiana),
onde o domínio se exerce diretamente sobre o corpo, à sociedade do controle (Deleuziana), onde o
domínio se exerce sobre o corpo “livre”, “controlado”. O fato do acesso à rede ser vinculado a protocolos
e registros de conexão física e informacional, torna a Internet, segundo Silveira, em um “espaço de con-
trole” e, portanto, com territórios bem definidos (mesmo que imaterialmente). Silveira (2010, p.2) ilustra
o paradoxo da liberdade e do controle no ciberespaço ao afirmar que “a arquitetura da Internet que as-
segura a liberdade de comunicação é também um arranjo cibernético, ou seja, uma arquitetura de con-
trole”. É preciso insistir, no entanto, que o vínculo de territórios concretos à soberania e a regimes jurídi-
cos de influência delimitada geograficamente, delineia as incoerências entre os modos atuais de gestão
do território e as diversas tentativas de bloqueio da multiplicação de fenômenos como o wikileaks.
A superação dessas incoerências e a consequente regulação das atividades na Internet onde o IP
(Internet Protocol) mostra-se como aspecto mais frágil, pois é o ponto de contato entre o território
concreto e o território informacional, entre o corpo e a informação, entre o indivíduo e sua possível
identificação – representam o constante estado de ameaça ou de ataque a que se submetem as ações
no ciberespaço (Silveira, 2010).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Resumindo e organizando todas as questões tratadas até aqui sobre a constituição do controle a partir
de seu vinculo geográfico, está claro que a construção do território se dá por relações muito específicas
de dominação e poder. Em sua essência, o território é a delimitação geográfica de determinadas esferas
de poder ou relações de dominação, suportadas por regimes jurídicos específicos (dando-lhes sobera-
nia). A partir do momento em que ocorre a “quebra” de qualquer um desses vínculos, estabelece-se
uma barreira no controle de indivíduos ou grupos por parte dos dominadores ou soberanos. Estado e
território estão ligados umbilicalmente. Duarte (2002, p.79) defende que “a forma mais institucionaliza-
da de território está na idéia do Estado. Nas cidades-estado já havia claramente a necessária submissão
de todos os seus habitantes às leis que dirigiam a vida de determinada porção espacial”.
Assim, internamente ao território concreto, indivíduos e grupos subjulgam-se às regras e filtros cul-
turais estabelecidos pelo acordo de poder em exercício naquela parte do planeta (contígua ou não). A
indefinição acerca dos limites territoriais no espaço informacional imaterial certamente modificam essa
estrutura (assim como, similarmente, se modificam as condições de gestão de territórios concretos cujas
fronteiras de ação são duvidosas ou superpostas).
TERRITÓRIO E MATERIALIDADE: WIKILEAKS E O CONTROLE DO ESPAÇO INFORMACIONAL
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Não há, até o momento, soberania no espaço informacional, na Internet, no ciberespaço. Não há tam-
pouco, um conjunto de regras ou leis gerais, e supranacionais, que ditem as ações nos territórios defini-
dos deste espaço imaterial (com exceção das regras técnicas de funcionamento da estrutura material e
imaterial das redes tecnológicas e informacionais). Não há, ademais, a delimitação de fronteiras supor-
tadas por tais conjuntos de regras ou regimes jurídicos especificamente desenvolvidos para este fim e
de aplicação global. Assim, não existe soberania nos territórios informacionais, pelo menos do ponto de
vista da ação dos Estados-nação atuais. Não se pode dizer que este ou aquele Estado é soberano sobre
alguma parcela “espacial” do ciberespaço. O fenômeno wikileaks atua na indefinição desta soberania,
na falta de lastro territorial concreto do espaço informacional. Dessa forma, finalmente, sem fronteiras,
soberania ou territórios de atuação legal, o controle dessas atividades no espaço informacional limita-se
àquelas formas ilícitas ou legais descritas no início do texto.
A partir do fenômeno wikileaks e outros similares (como as revoltas populares do norte da África e Ori-
ente Médio) onde se subvertem certas lógicas territoriais consolidadas historicamente (mesmo levando-
se em consideração que nada se consolida permanentemente e que tudo está entregue às alterações
socioculturais históricas da humanidade), seria possível repetir o questionamento colocado por Duarte
(2002) ao propor a crise das matrizes espaciais? Seriam estes fenômenos evidencias incontestáveis
da incapacidade dos sistemas de gestão territorial existentes em compreender e lidar com as novas
espacialidades contemporâneas ampliadas e, conseqüentemente, em admitir a possibilidade de novas
territorialidades?
RODRIGO FIRMINO
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TERRITÓRIO E MATERIALIDADE: WIKILEAKS E O CONTROLE DO ESPAÇO INFORMACIONAL
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TUAN, Yi-Fu. Topofilia: um estudo da percepção, atitudes e valores do meio-ambiente. São Paulo: Difel,
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NOTAS
1Gostaria de agradecer ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e à
Fundação Araucária por apoiarem a pesquisa da qual este texto representa uma pequena parte.
2Sabe-se que, atualmente, os limites supranacionais de atuação legal ainda são questionáveis e incertos,
em muitos casos dependentes de interesses particulares de países signatários ou não dos diversos acor-
dos internacionais. Como exemplo, pode-se citar o caso do Tribunal Penal Internacional (estabelecido em
Haia), que tem sua legitimidade abertamente questionada pelo EUA (país signatário mas que não ratifica
o acordo para existência do tribunal), que conseqüentemente não respeita as decisões dessa instância.
Há diversos outros casos notórios de discordância à atuação de organismos supranacionais como o des-
respeito por parte de vários países (inclusive o próprio EUA) à inúmeras resoluções da ONU.
3Como os inúmeros ataques hackers DDoS (Distributed Denial of Service), que tem como objetivo fazer
com que websites fiquem inacessíveis através de um número imenso de visitas simultâneas, forçando o
servidor a provocar a “queda” do serviço.
4Vários governantes se manifestaram em apoio à Julian Assange na época de sua prisão em Londres,
defendendo sua posição como “mensageiro” e questionando sua perseguição “legal” por diversos países.
O próprio presidente do Brasil à época, emitiu declarações de apoio à Assange e ao wikileaks (Iglesias,
S. “Lula pede manifestação contra prisão do criador do WikiLeaks”, Folha Online, 2010, <http://bit.ly/
assangelula>. Acesso em 10/12/2010).
6De fato, a possibilidade de assassinato de Estado chegou a ser levantada pelo ex-secretário assistente
do tesouro na gestão Reagan, Paul Craig Roberts (e outros parlamentares republicanos), no caso da
impossibilidade legal de extraditá-lo ao EUA.
7Ver Graham, 1998 e Haesbaert, 2004 para análises bem fundamentadas sobre esse tipo de discurso e
reflexões sobre os próprios conceitos de fronteira, território e geografia.
Artigo recebido em: 02 de junho de 2011.
Aprovado em: 15 de junho de 2011.
ISSN: 18099386
RODRIGO FIRMINO
... We expanded the discussion in this article. On the process of territorialization, see alsoFirmino (2011). ...
... Collaborative digital maps and (new) social representations of territory: a possible relationship (FIRMINO, 2011). Já em termos de formação de uma unidade cultural, costuma-se fazer dos mapas um símbolo nacional, parte de um projeto de identidade nacional, em que esta modalidade de representação de um país é tão importante quanto à bandeira e o hino, quando se postula uma unidade territorial e cultural de um Estado-nação. ...
Article
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p>A projeção cartográfica do território por dispositivos presentes na internet está inserida em um contexto de transformação nas formas de representação gráfica do espaço. Dispositivos como o google maps representam a base capaz de desenvolver e sustentar um mapeamento colaborativo, o que, por sua vez, potencializa novas práticas associativas e novas representações sociais do espaço geográfico. Ao possibilitar a inserção de registros personalizados de roteiros, temas variados e lugares de preferências, bem como a postagem de textos, vídeos, fotografias e áudios, o modelo de mapa colaborativo potencializa a renovação da imagem-ideia dos territórios. Nesta perspectiva é que discutimos a interseção entre mapeamento colaborativo na internet e representações sociais do território. </p
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Resumo As formas e artefatos comunicacionais têm transformado os espaços sociais desde as primeiras cidades até as metrópoles contemporâneas. As mídias locativas, agregando conteúdo informacional a um local Mídia Locativa Podemos definir mídia locativa (locative media) como um conjunto de tecnologias e processos info-comunicacionais cujo conteúdo informacional vincula-se a um lugar específico. Locativo é uma categoria gramatical que exprime lugar, como "em", "ao lado de", indicando a localização final ou o momento de uma ação. As mídias locativas são dispositivos informacionais digitais cujo conteúdo da informação está diretamente ligado a uma localidade. Trata-se de processos de emissão e recepção de informação a partir de um determinado local. Isso implica uma relação entre lugares e dispositivos móveis digitais até então inédita. Esse conjunto de processos e tecnologias caracteriza-se por emissão de informação digital a partir de lugares/objetos. Esta informação é processada por artefatos sem fio como GPS, telefones celulares, palms e laptops em redes Wi-Fi ou Wi-Max, Bluetooth, ou etiquetas de identificação por rádio freqüência, RFID 4 . As mídias locativas são utilizadas para agregar conteúdo digital a uma localidade, servindo para funções de 1 Esse artigo é parte do projeto de pesquisa "Tecnologias sem fio de comunicação e informação. Cidades e novos territórios informacionais", com apoio do CNPq.-Fi é um protocolo para conexão a internet por meio de ondas de rádio, 802.11b (11Mbits/s) e 802.11g (54Mbits/s) (http://ww.wi-fi.org). SMS (Short Message Service) é um sistema de envio de mensagens curtas de texto por celular. 4 No Brasil, carros serão identificados por etiquetas RFID. O mesmo sistema já existe em pedágios. Há serviços de wi-fi e bluetooth em vários shoppings, aeroportos, cafés, etc. no Brasil.
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Augmented reality and augmented spaces have recently been linked to the widespread use of sophisticated technologies. This can also be described as the intensification of our communication skills which have been related to apparent unlimited possibilities of experimenting with and perceiving space with our bodies and minds, when connected with technological tools. However, by contrast with expanded experiences of the past at a personal level (such as in religion, magic, metaphysics or the arts), contemporary technological augmentation is becoming embedded into our daily lives to such an extent that we are starting to take this mixture of digital technologies and the built environment for granted.In this essay, we argue that, because of this influence on our interactional capabilities, Information and Communication Technologies (ICTs) might act as catalysing forces transforming various experimental and spatial dimensions of cities and urban places. In order to capture, interpret and understand these transformations in urban spaces, places and territories, we tentatively articulate the experimental and epistemological works of two contemporary Brazilian thinkers about urban studies. Lucrécia Ferrara and Nelson Brissac Peixoto inspire our arguments with their critical views about how urban space can be understood through its various interpretations, and how perceptions of it can be stimulated through artistic provocations of disquieting feelings of strangeness.
Article
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O texto interroga a ideologia do ¿fim das fronteiras políticas¿, surgida no início da década de 1980, procurando distinguir a fronteira como zona e a fronteira como linha, classicamente formuladas pela geografia. Com base nesta indicação, trata das formas gerais da divisão dos territórios políticos surgidos com o Estado territorial: a reflexão é orientada a partir de uma das concreções do espaço geográfico, a categoria território. A análise acontece pela discussão sobre a inserção do território brasileiro no mundo da globalização, sendo registrado que a unificação técnica do mundo não implica em sua união política. Empiricamente o texto constata que quanto maior é a unificação técnica do mundo, maior é sua compartimentação com a relevância das fronteiras internacionais.
Chapter
This article critically explores how the relations between information technologies and space and place are being conceptualized in a broad swathe of recent writings and discourses on the geographies of 'cyberspace' and information technologies. After analysing the powerful role of spatial and territorial metaphors in anchoring current discourses about information tech- nologies and society, the article goes on to identify three broad, dominating perspectives. These I label the perspective of 'substitution and transcendence' (dominated by technological Utopian- ists), the 'co-evolution' perspective (drawing from political economy and cultural studies) and the 'recombination' perspective (derived from recent work in actor-network theory). The discussion turns to each in turn, extracting the geographical dimensions and implications of each. The article concludes by considering the implications of the discussion for spatial treatments of society- technology relations and for broader debates about the nature of space and place.
WikiLeaks: welcome to the sousveillance society Safer cities?, euobserver. com, dez Disponível em: <http://bit.ly/Clavell>
  • Gemma Galdon
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  • Fábio Duarte
DUARTE, Fábio. Crise das matrizes espaciais. São Paulo: Perspectiva, 2002.
Por que o wikileaks polariza a política de Internet norte-americana
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MUELLER, Milton. Por que o wikileaks polariza a política de Internet norte-americana. poliTICs, n.8, p.10-14, 2011.
Algumas lições importantes que o caso Wikileaks ensina
  • Graciela Selaimen
SELAIMEN, Graciela. Algumas lições importantes que o caso Wikileaks ensina. poliTICs, n.8, p.2-9, 2011. TERRITÓRIO E MATERIALIDADE: WIKILEAKS E O CONTROLE DO ESPAÇO INFORMACIONAL
La ciberguerra de wikileaks. La Vanguardia, 11 dez
  • Manuel Castells
CASTELLS, Manuel. La ciberguerra de wikileaks. La Vanguardia, 11 dez. 2010. Observatorio Global, Artículos. Disponível em: <http://bit.ly/Castells>. Acesso em: 12/01/2011.