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MINORIAS SEXUAIS ENQUANTO “GRUPO SOCIAL” E O
RECONHECIMENTO DO STATUS DE REFUGIADO NO BRASIL
Thiago Dias Oliva*
São Paulo
2012
1
Sumário
Resumo ...................................................................................................................... 2
Introdução .................................................................................................................. 3
1. A pertença ao “grupo social” .............................................................................. 7
2. As minorias sexuais enquanto “grupo social” ................................................. 12
3. O reconhecimento do status de refugiado de indivíduos LGBTT no Brasil .. 19
Conclusão ................................................................................................................ 25
Referências Bibliográficas ..................................................................................... 27
2
Resumo
O instituto do refúgio, o qual passa por uma constante evolução desde a sua
idealização, tem sido reinterpretado, nas últimas décadas, com o objetivo de se
adequar às necessidades de um mundo mais complexo e desigual. Ainda que a
redação final do artigo 1º da Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951
não tenha sido alterada desde 1967, a evolução da interpretação do instituto do
refúgio permitiu a inclusão de grupos de indivíduos não imaginados pelos criadores
da Convenção. Em paralelo a esta contínua evolução, a proteção aos direitos das
minorias sexuais tem ganhado bastante destaque no meio jurídico e político da
atualidade, tanto no cenário internacional, quanto no Brasil. É neste contexto que se
insere o presente estudo, o qual trata do direito de refúgio das minorias sexuais e o
reconhecimento do status de refugiado no país.
Buscou-se, mediante a análise da legislação internacional e nacional relativa
ao tema dos refugiados – sobretudo da Convenção de 51 e da Lei 9.474, de 22 de
julho de 1997 – identificar as minorias sexuais enquanto “grupo social” e, a partir
disso, afirmar a possibilidade do reconhecimento do status de refugiado de gays,
lésbicas, bissexuais, transexuais e transgêneros. Ademais, o estudo apoiou-se em
doutrina – nacional e estrangeira – relativa ao tema e em decisões de tribunais
administrativos estrangeiros e do Comitê Nacional para os Refugiados – o CONARE.
Com base nessas informações – sobretudo as decisões do CONARE – constatou-se
os parâmetros para o reconhecimento do status de refugiado, no Brasil, de
indivíduos com fundado temor de perseguição em razão da sua orientação sexual ou
identidade de gênero.
3
Introdução
Em virtude do desenvolvimento tecnológico em matéria de transportes e
comunicação, as fronteiras entre Estados tornaram-se cada vez mais porosas, o que
resultou em um contato crescente entre diferentes culturas. Esse novo cenário
favorece o pleito de movimentos sociais no sentido de relativização de normas
culturais majoritárias e de reconhecimento de identidades étnicas, culturais, de
gênero e sexuais. É neste contexto de um mundo cada vez mais plural e imbuído
pelo ideal democrático que as minorias sexuais
1
buscam a afirmação de seus
direitos.
Em que pese esse pleito pelo reconhecimento, os indivíduos LGBTT
(Lésbicas, Gays, Transexuais e Transgêneros) continuam submetidos, em grande
parte do planeta, a uma atmosfera de hostilidade generalizada que resulta em
discriminação no âmbito da família, da escola, do trabalho e em meio a outras
esferas sociais. Não raro, são vítimas de violência física e psicológica empreendida
por agentes privados e não podem recorrer à proteção estatal, seja pela indiferença
do poder público, seja pela precariedade do aparato administrativo de proteção. Há,
no entanto, situações ainda mais graves, nas quais o Estado não apenas é inapto
para prover a proteção das minorias sexuais, mas estimula a sua marginalização ou
a torna política de Estado.
Em 2012, 78 países continuam a criminalizar o ato sexual consentido entre
adultos do mesmo sexo, sendo que em cinco deles – e em parte de outros dois –
* Thiago Dias Oliva é bacharel em Direito pela Universidade de São Paulo e ex-bolsista do Deutscher
Akademischer Austauschdienst (DAAD). Atualmente é mestrando da área de Direitos Humanos,
também junto à Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.
1
“Minorias sexuais” compreendem indivíduos que, em razão de sua orientação sexual, identidade de
gênero ou comportamento específico, contrariaram normas heterossexistas e são inferiorizados pelo
restante da sociedade em virtude disso. Cf. DONNELLY, Jack. Universal Human Rights – in theory
& practice, 2ªed., Nova Iorque: Cornell University, 2003, p. 229. No entanto, autores que apresentam
um entendimento universalizante acerca da orientação sexual sequer entendem por adequada, a
referência aos LGBTT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais e Transgêneros) enquanto minoria,
assumindo que há um potencial homoerótico intrínseco a todos os seres humanos. Para esses
autores, o objetivo dos movimentos LGBTT deveria ser o de abolir as normas heterossexistas e, com
isso, a relação de subordinação que há entre as sexualidades. O pleito de proteção com base em
uma identidade LGBTT apenas reforçaria a existência dessa relação de subordinação. Cf. HALLEY,
Janet E. Gay Rights and Identity Imitation: Issues in the Ethics of Representation, in KAIRYS,
David. The Politics of Law – a progressive critique, 3ª ed., Nova Iorque: Basic Books, 1998, pp. 121-
125.
4
aplica-se a pena de morte como forma de sanção
2
. Somando-se esse número – já
bastante significativo – ao dos países que não perseguem oficialmente as minorias
sexuais, sem, contudo, garantir a sua proteção, é possível estimar o grau de
violação dos direitos humanos dos indivíduos LGBTT em escala mundial. Em
situações extremas, a violência generalizada perpetrada contra as minorias sexuais
tem por objetivo a “limpeza social”, a qual, analogamente à limpeza étnica, constitui
a tentativa de eliminar sistematicamente um grupo determinado de pessoas de um
dado território.
Considerando esse contexto de animosidade face às minorias sexuais, um
grupo de especialistas em direitos humanos, orientação sexual
3
e identidade de
gênero
4
apresentou, em março de 2007, os Princípios de Yogyakarta. O objetivo da
iniciativa era justamente a afirmação dos direitos dessas minorias em âmbito
internacional, de modo a reverter a situação de exclusão social e violência a que
elas estão sujeitas.
O documento, adotado pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU, elenca
uma série de determinações a serem seguidas pela comunidade internacional, as
quais funcionam como orientações para que os Estados ajustem a sua legislação e
a aplicação da lei aos diplomas e costume internacionais em matéria de direitos
humanos. Em síntese, o documento ressalta a necessidade de se colocar termo à
contínua violação dos direitos das minorias sexuais, tendo em vista o princípio da
igualdade, consagrado em diversos diplomas internacionais como a Declaração
Universal dos Direitos Humanos de 1948 (Declaração de 48), o Pacto Internacional
sobre Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais.
2
ASSOCIAÇÃO INTERNACIONAL DE LÉSBICAS, GAYS, BISSEXUAIS, TRANS E INTERSEXOS.
Homofobia do Estado – Uma pesquisa mundial sobre legislações que criminalizam relações
sexuais consensuais entre adultos do mesmo sexo, s.l., 2012, disponível em:
<http://old.ilga.org/Statehomophobia/ILGA_Homofobia_do_Estado_2012.pdf>. Acesso em 11 jun
2012.
3
“[C]apacidade de cada pessoa de ter uma profunda atração emocional, afetiva ou sexual por
indivíduos de gênero diferente, do mesmo gênero ou de mais de um gênero, assim como ter relações
íntimas e sexuais com essas pessoas”. Cf. PRINCÍPIOS DE YOGYAKARTA. s.l., 2007, disponível
em:
<http://www.mpes.gov.br/anexos/centros_apoio/arquivos/15_2126144147962009_principios_de_yogy
akarta.pdf >. Acesso em 11 jun 2012.
4
“[P]rofundamente sentida experiência interna e individual do gênero de cada pessoa, que pode ou
não corresponder ao sexo atribuído no nascimento, incluindo o senso pessoal do corpo (que pode
envolver, por livre escolha, a modificação da aparência ou função corporal por meio médicos,
cirúrgicos ou outros) e outras expressões de gênero, inclusive vestimenta, modo de falar e
maneirismos”. Ibid.
5
Dentre os direitos mencionados pelo documento de Yogyakarta, figura o
“Direito de Buscar Asilo
5
” (23º Princípio), interpretado como a possibilidade de o
indivíduo LGBTT, vítima de perseguição odiosa, buscar acolhimento em outro país.
No âmbito do princípio em questão, constitui obrigação dos Estados: (a) assegurar o
reconhecimento do status de refugiado
6
do indivíduo que for integrante de alguma
minoria sexual, quando presente o fundado temor de perseguição; (b) garantir que
não haverá discriminação a solicitantes de refúgio pelas mesmas razões; e (c)
certificar o atendimento ao princípio do non-refoulement
7
para os solicitantes de
refúgio nos casos em que eles não tiverem o seu status de refugiado reconhecido.
Em suma, tem-se que os direitos humanos devem ser garantidos também às
minorias sexuais e que, dentre os direitos que compõem este plexo, encontra-se o
instituto do refúgio, essencial à proteção de indivíduos submetidos à situação de
extrema violência e vulnerabilidade.
É importante ressaltar que, muito embora a Convenção Relativa ao Estatuto
dos Refugiados de 1951 (Convenção de 51) não aponte, explicitamente, a
orientação sexual e a identidade de gênero como fundamentos possíveis do fundado
temor de perseguição, uma interpretação ampliativa do diploma internacional aponta
nesse sentido. Desde o advento do Protocolo sobre o Estatuto dos Refugiados de
1967 (Protocolo de 67) e a eliminação das limitações temporal e geográfica, a
5
Cabe ressaltar que a diferenciação entre refúgio e asilo político mostra-se presente, quase que
exclusivamente, na doutrina latino-americana, especialmente no Brasil. A tradição anglo-saxã e o
próprio ACNUR utiliza-se de ambos os termos para se referir ao mesmo instituto. Resumidamente,
pode-se dizer que tanto o refúgio, quanto o asilo político tratam do acolhimento do estrangeiro que
não pode retornar ao Estado de sua nacionalidade ou residência em decorrência de perseguição
odiosa. Para mais informações acerca das diferenças entre os dois institutos, cf. JUBILUT, Liliana L.
O Direito Internacional dos refugiados e sua aplicação no ordenamento jurídico brasileiro, São
Paulo: Método, 2007, pp. 36-39; Cf. CARVALHO RAMOS, André de. Asilo e Refúgio: semelhanças,
diferenças e perspectivas. In: CARVALHO RAMOS, André de; RODRIGUES, Gilberto; ALMEIDA,
Guilherme Assis de. 60 anos de ACNUR – Perspectivas de futuro. São Paulo: CLA Editora, 2011, pp.
15-44.
6
O termo “refugiado” é definido como qualquer pessoa que, “temendo ser perseguida por motivos de
raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas, encontra-se fora do país de sua
nacionalidade e que não pode ou, em virtude desse temor, não quer valer-se da proteção desse país”
(art. 1A, §2º da Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951).
7
O non-refoulement, consagrado pelo Artigo 33 da Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados
de 1951 (CONVENÇÃO DE 51), consiste na impossibilidade de o solicitante de refúgio ser enviado,
pelas autoridades do país em que pede refúgio, ao país de que fugiu ou a qualquer outro em que a
sua vida ou liberdade esteja ameaçada em razão de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou
opinião política. Cf. CARVALHO RAMOS, A. de. O Princípio do Non-Refoulement no direito dos
refugiados: do ingresso à extradição. Revista dos Tribunais, v. 892, p. 355, 2010.
6
Convenção de 51 passou a ser aplicada para casos diversos daqueles imaginados
quando de sua celebração
8
.
Um exemplo desses casos é a aplicação da Convenção ao fundado temor de
perseguição fundado em gênero, possibilidade essa reconhecida paralelamente à
concepção da Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Descriminação
contra a Mulher (1979)
9
. A Convenção de 51 não antevia, no momento em que foi
arquitetada, a necessidade de se proteger pessoas em razão de seu gênero.
Contudo, em meados da década de 1980, passou-se a entender que as mulheres,
quando perseguidas por contrariarem costumes religiosos ou sociais de seu país de
origem, também devem ser protegidas pelo instituto do refúgio, já que pertencem a
um “grupo social”
10
.
Assim, também com base no “pertencimento ao grupo social”, o Alto
Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR ou UNHCR, em inglês)
já afirmou a possibilidade de reconhecimento do status de refugiado a integrantes de
minorias sexuais
11
, ao que se seguiu a consolidação do direito ao acolhimento
dessas minorias na jurisprudência de um número crescente de países. Haja vista
esse cenário, questiona-se: qual o tratamento da matéria no Brasil? Qual é o
entendimento esposado pelo Comitê Nacional para os Refugiados (CONARE) no
momento de análise dos pedidos de refúgio apresentados por integrantes de
minoras sexuais?
No Brasil, os últimos desenvolvimentos
12
em matéria de reconhecimento das
minorias sexuais estimulam a procura do país, por parte de solicitantes de refúgio
8
O termo “refugiado”, definido pela Convenção de 51, havia sido cunhado para abranger as minorias
étnicas, religiosas e nacionais dos países europeus do pós-Segunda Guerra e os dissidentes políticos
no início da Guerra Fria. A ideia era solucionar o problema dos fluxos de refugiados gerados à época.
Cf. CARVALHO RAMOS, A. de. O Princípio do Non-Refoulement no direito dos refugiados: do
ingresso à extradição. Op cit., pp. 352-353; Cf. UNHCR. 50th anniversary of the Geneva
Convention – the wall behind which refugees can shelter. In Refugees 2, Nº 123, Genebra:
UNHCR, 2001, p. 2, disponível em: <http://www.unhcr.org/publ/PUBL/3b5e90ea0.pdf>. Acesso em 11
jun 2012.
9
UNHCR. 50th anniversary of the Geneva Convention – the wall behind which refugees can
shelter. Op cit., pp. 12-13.
10
Ibid.
11
UNHCR. Guidelines on International Protection: “Membership of a particular social groups”
within the context of Article 1A(2) of the 1951 Convention and/or its 1967 Protocol relating to
the Status of Refugees, Genebra, 2002, disponível em: <http://www.unhcr.org/cgi-
bin/texis/vtx/refworld/rwmain?page=search&docid=3d36f23f4>. Acesso em 12 jun 2012.
12
O Supremo Tribunal Federal reconheceu o caráter de união estável das uniões homoafetivas (ADI
4277 e ADPF 132) em maio de 2011 e o Superior Tribunal de Justiça, a possibilidade de celebração
de casamento entre indivíduos do mesmo sexo (REsp 1.183.378-RS) em outubro de 2011.
7
nessas bases
13
. Ainda que haja ampla discussão no espaço público acerca dos
direitos das minorias sexuais, pouco enfoque jurídico recai sobre o refúgio, instituto
que deve preceder as demais prerrogativas dessas minorias, dada a gravidade da
situação do indivíduo que o solicita. Por outro lado, a aplicação da Convenção de 51
está sujeita à interpretação dos países signatários, o que dificulta a uniformidade de
parâmetros decisórios para o reconhecimento do status de refugiado. Deste modo,
optou-se pela realização do presente estudo, o qual tem por objetivo, a análise do
reconhecimento do status de refugiado de indivíduos LGBTT no Brasil. Essa análise
revelará em que medida as minorias sexuais constituem um grupo social e quais os
parâmetros para o reconhecimento de seu direito ao acolhimento no país.
1. A pertença ao “grupo social”
A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, em seu artigo 2º,
afirma como ideal a ser perseguido pela comunidade internacional, o
reconhecimento e o exercício de direitos sem discriminação baseada em “origem [...]
social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição”, disposição replicada no
artigo 2º do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais
14
e
no art. 2º do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos
15
. Face à
13
Além dos progressos observados no cenário interno, o Brasil tem se posicionado em prol da
proteção das minorias sexuais no plano internacional, o que deve resultar na assunção de obrigações
internas de reconhecimento dos direitos dessas minorias, inclusive de refúgio. Em 2003, na 59ª
Sessão da Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas, o país lançou a proposta para uma
resolução em que se proíbe a discriminação com base na orientação sexual. De forma semelhante, a
resolução “Direitos Humanos, Orientação Sexual e Identidade de Gênero” aprovada na 38ª
Assembléia Geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), em junho de 2008, foi
apresentada pela delegação brasileira. Mais recentemente, em junho de 2011, uma proposta de
resolução, de coautoria brasileira, foi promulgada pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU,
proibindo a discriminação em razão da orientação sexual. Cf. CONSELHO DE DIREITOS HUMANOS
DA ONU. Resolution on human rights, sexual orientation and gender identity, s.l., 2011,
disponível em: <https://salsa.democracyinaction.org/o/1870/images/FINAL%20RESOLUTION%20-
%20PASSED.pdf>. Acesso em 12 jun 2012.
14
Art. 2º, §2º - “2. Os Estados Partes do presente pacto comprometem-se a garantir que os direitos
nele enunciados se exercerão sem discriminação alguma por motivo de raça, cor, sexo, língua,
religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, situação econômica,
nascimento ou qualquer outra situação”. O Pacto foi incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro
mediante o Decreto nº 591 - de 6 de julho de 1992.
15
Art. 2º, §1º - “1. Os Estados Partes do presente Pacto comprometem-se a respeitar e a garantir a
todos os indivíduos que se achem em seu território e que estejam sujeito a sua jurisdição os direitos
reconhecidos no presente Pacto, sem discriminação alguma por motivo de raça, cor, sexo, religião,
opinião política ou outra natureza, origem nacional ou social, situação econômica, nascimento ou
8
possibilidade de perseguição fundada em características não previstas pelos
idealizadores da Convenção de 51 – como o sexo, a língua ou a situação
econômica, elencados nos Pactos Internacionais –, ela foi estruturada de modo a
estender a sua proteção a pessoas que pertencessem a um grupo social indesejado
no Estado em que viviam. À época dos trabalhos preparatórios à Convenção, a
situação mais usual de perseguição a indivíduos nos presentes termos, ocorria em
países socialistas, os quais buscavam modificar suas estruturas sociais. Nesses
Estados, proprietários de terras, comerciantes e capitalistas em geral, eram vistos
como obstáculos a essa mudança estrutural
16
.
Deste modo, a inclusão da expressão “pertencimento a determinado grupo
social” na Convenção de 51 teve por objetivo a extensão do reconhecimento do
status de refugiado a pessoas que não se enquadram nas outras possíveis
motivações dos atos persecutórios. Justamente por tratar-se de um termo aberto em
comparação com os outros constantes da Convenção, ele pode abarcar outros
indivíduos que necessitem de proteção, não pensados na constância da celebração
do diploma internacional em análise. Foi criado, assim “um critério sem definição
precisa, que por sua essência pudesse ser flexibilizado quando houvesse
necessidade de proteger um indivíduo refugiado de fato”
17
. Com base nesse
argumento, houve quem defendesse a inclusão de toda e qualquer pessoa
perseguida no âmbito de proteção da Convenção de 51 por meio do “pertencimento
a determinado grupo social”, quando a perseguição carecesse de outro fundamento.
Mesmo que essa posição não seja a que prevalece
18
, quando a perseguição
de um grupo definido de pessoas não for motivada por credo, raça, nacionalidade ou
opinião política, deve-se proceder ao exame dessas pessoas enquanto grupo social.
O ACNUR, por exemplo, entende por grupo social, pessoas que têm a mesma
origem ou status social comum podendo, ademais, compartilhar determinado modo
qualquer outra condição”. O Pacto foi incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro mediante o
Decreto nº 592 - de 6 de julho de 1992.
16
GOODWIN-GILL, Guy S. The Refugee in International Law, 2ª ed., Oxford: Oxford University,
1996, 46-47.
17
JUBILUT, Liliana L. O Direito Internacional dos refugiados e sua aplicação no ordenamento
jurídico brasileiro. Op. cit., p. 132.
18
O próprio ACNUR já manifestou seu entendimento no sentido de que o termo “grupo social” não foi
cunhado para fundamentar o reconhecimento do status de refugiado de pessoas perseguidas por
quaisquer motivos diversos de religião, raça, nacionalidade ou opinião política. Cf. UNHCR.
Guidelines on International Protection: “Membership of a particular social groups” within the
context of Article 1A(2) of the 1951 Convention and/or its 1967 Protocol relating to the Status of
Refugees. Op. cit., p. 2.
9
de vida
19
. Goodwin elenca, além disso, outros parâmetros para constatar a
existência de um grupo social: aparência, interesses, aspirações e/ou valores
comuns
20
.
O grupo social diz respeito, assim, a pessoas que são vistas como inimigas
do Estado, ou mesmo de determinado setor da população, o que faz com que haja
uma constante desconfiança em relação a elas. A situação ou atividade econômica
comum dos indivíduos perseguidos, sua trajetória pessoal ou até mesmo a sua mera
existência, quando considerada um obstáculo às políticas do Estado ou à vida em
sociedade, configuram fato suficiente ao reconhecimento desses indivíduos
enquanto grupo social. Do ponto de vista jurídico, o referido reconhecimento
pressupõe a análise da conformação efetiva de um grupo social com base em um
dos seguintes critérios: a) a coesão do grupo, i.e., o sentimento do grupo enquanto
tal, sendo identificáveis características comuns aos seus integrantes; b) o contexto,
ou seja, a percepção que a sociedade tem acerca dos indivíduos, identificando-os
como um grupo social; ou c) a interpretação do agente perseguidor, a ser analisada
com base em sua postura face aos perseguidos
21
.
Um importante precedente do Tribunal Administrativo Estadunidense de
Recurso em matéria de Imigração, Matter of Acosta, trata da interpretação do termo
“grupo social”. Partindo do exame das outras quatro motivações para a perseguição
elencadas no art. 1A, §2º da Convenção de 51, o Tribunal conclui, por analogia, que
o conceito de “grupo social”, deve envolver uma característica comum e imutável de
seus membros, impassível de alteração por eles ainda que exista vontade nesse
sentido – são listados como exemplos, a cor da pele, o gênero e os laços de
parentesco
22
. Por outro lado, ainda que não se trate de característica imutável, ela
pode ser tão essencial à identidade pessoal dos integrantes do grupo que não se
pode exigir a sua alteração. O termo seria aplicável, assim, a indivíduos que, dentro
do mesmo grupo de pessoas: a) fossem dotadas de características comuns inatas e
inalteráveis; b) tivessem um status pretérito ou presente comum – exemplo de ex-
19
ACNUR. Manual de Procedimentos e Critérios para a Determinar a Condição de Refugiado,
s.l., Acnur Brasil, 2004, p. 29.
20
GOODWIN-GILL, Guy S. The Refugee in International Law.
Op cit., p. 47.
21
JUBILUT, Liliana L. O Direito Internacional dos refugiados e sua aplicação no ordenamento
jurídico brasileiro. Op cit., p. 132.
22
UNITED STATES BOARD OF IMMIGRATION APPEALS. Interim Decision: 2986, 1º de Março de
1985, p. 233, disponível em: <http://www.justice.gov/eoir/vll/intdec/vol19/2986.pdf>. Acesso em 15 jun
2012.
10
militares e proprietários de terras; ou c) optassem, em virtude de sua identidade
pessoal com o restante do grupo, fazer parte dele
23
. O Tribunal Administrativo de
Imigração e Refúgio do Canadá também se baseia nesses três critérios para definir
as características internas do grupo social, afirmando, ainda, um quarto critério: a
percepção externa de que determinados indivíduos compõem um grupo
24
. Com base
nesse entendimento, mesmo pessoas que integrem um “grupo putativo”, imaginado
por agentes de perseguição, podem ser consideradas pertencentes a um grupo
social.
Nem sempre o mero pertencimento a um grupo social reconhecido garante o
status de refugiado. No entanto, nos casos em que o risco de perseguição é
consideravelmente alto para um determinado grupo social, o pertencimento ao grupo
em questão basta para que se reconheça o temor de perseguição e,
consequentemente, o status de refúgio.
Como mencionado na introdução do presente estudo, o conceito “grupo
social” vem sendo utilizado, nas últimas décadas, para estender a proteção da
Convenção de 51 às mulheres. A sua configuração enquanto grupo social advém
das semelhanças de ordem física, biológica e social que caracterizam as mulheres e
as diferenciam do sexo masculino
25
. A teoria da mulher enquanto grupo social tem
por objetivo reduzir a utilização dessas diferenças para fins discriminatórios.
Ademais, busca-se evidenciar as dificuldades enfrentadas pelas mulheres na
comunidade internacional, visto que elas, em muitos países, constituem minoria, na
acepção jurídica do termo: ainda que representem a maioria numérica da população,
encontram-se em situação de inferioridade social em relação aos homens.
Essa problemática resultou na concepção de diplomas internacionais como a
Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a
23
HATHAWAY,
James C. The Rights of Refugees under International Law, 1ª ed., Cambridge:
James C. Hathaway, 2005, p. 161.
24
IMMIGRATION AND REFUGEE BOARD OF CANADA. Membership in a Particular Social Group
as a Basis for a Well-Founded Fear of Persecution - Framework of Analysis, Ottawa, 1991,
disponível em: <http://www.unhcr.org/refworld/country,,,LEGALPOLICY,CAN,,3ae6b32510,0.html>.
Acesso em 15 jun 2012.
25
É possível distinguir o sexo biológico, caracterizado pela carga genética e sua externalização física,
do sexo social, relativo ao papel que cabe a cada um dos gêneros na sociedade. Assim, deve-se
ressaltar que a diferenciação entre o masculino e o feminino não se restringe a fatores biológicos,
apoiando-se também em construções sociais. Cf. LOHRENSCHEIT, Claudia; THIEMANN, Anne.
Sexuelle Selbstbestimmungsrechte – Zur Entwicklung menschenrechtlicher Normen für
Lesben, Schwule, Transsexuelle und Intersexuelle. In: LOHRENSCHEIT, Claudia. Sexuelle
Selbstbestimmung als Menschenrecht, 1ªed., Baden-Baden: Nomos, 2009, p. 19.
11
Mulher, de 1979, a qual promove a igualdade de direitos econômicos, sociais,
culturais, civis e políticos entre homens e mulheres. Foi justamente com o objetivo
de oferecer proteção adicional à mulher que a Convenção de 51 tem sido
interpretada de modo a abranger a perseguição em razão de gênero, frequente em
Estados nos quais o ser humano do sexo feminino é visto como inferior
26
.
O núcleo familiar também já foi considerado como grupo social em
precedentes em matéria de refúgio. Nesse sentido, Hathaway
27
assinala, pautando-
se no artigo 23 §1º
28
do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, que a
família carece de proteção também da Convenção de 51. É recorrente, sobretudo na
América Latina e na África, a perseguição a descendentes, ou até mesmo a outros
parentes, de ativistas políticos, como aponta a decisão do Tribunal Administrativo
Canadense de Recurso em matéria de Imigração no caso Richard Cid Requena
Cruz
29
.
Cumpre mencionar, ademais, a conformação da classe social ou casta
enquanto grupo social
30
. Nesse sentido, entende-se que o status de refúgio
configura-se sempre que não for possível alterar o pertencimento à determinada
classe social ou que não for razoável exigir essa alteração, para que a perseguição
cesse. Assim, não há fundamento o pedido de refúgio por parte de indivíduo que não
quer abrir mão de seus privilégios econômicos. Por outro lado, quando o “privilégio”
corresponder apenas ao suprimento de necessidades básicas, não se pode exigir a
alteração do status social. De forma semelhante, quando o indivíduo for perseguido
em razão do pertencimento a classe social economicamente desfavorecida, o status
de refugiado está confirmado sempre que a pobreza for atribuível à manutenção do
poder político.
No tocante às perseguições baseadas em associações voluntárias, discute-se
em que circunstâncias poderiam ensejar a concessão de refúgio. Com base no
julgado estadunidense supracitado, Matter of Acosta, mesmo nos casos em que o
26
JUBILUT, Liliana L. O Direito Internacional dos refugiados e sua aplicação no ordenamento
jurídico brasileiro. Op cit., p. 133.
27
HATHAWAY, James C. The Rights of Refugees under International Law. Op. cit., p. 164.
28
“A família é o núcleo natural e fundamental da sociedade e terá o direito de ser protegida pela
sociedade e pelo Estado”.
29
“[T]he Board finds that a family does constitute a social group and the applicant’s claim, based on
his family affiliation, does bring him within the definition of Convention refugee as a member of a
particular social group”. Cf. IMMIGRATION AND REFUGEE BOARD OF CANADA.
Membership in a
Particular Social Group as a Basis for a Well-Founded Fear of Persecution - Framework of
Analysis, Op. cit.
30
Ibid.
12
indivíduo, por livre e espontânea vontade, vincula-se a determinado grupo, faz jus à
proteção nos termos da Convenção de 51 se a sua vinculação ao grupo é pautada
em característica fundamental para sua identidade pessoal
31
. Inversamente, não há
que se falar na concessão de refúgio quando essa vinculação disser respeito a
propósito não essencial, tratando-se de conveniência pessoal. A jurisprudência
canadense no âmbito da matéria cita como exemplo de filiação fundamental,
estudantes e pessoas vinculadas a sindicatos, visto que a educação e o trabalho
constituem direitos humanos básicos. A categoria profissional, da mesma forma,
pode ser interpretada como tal, já que a escolha da ocupação também pode ser
interpretada como um direito humano essencial
32
, sendo que a doutrina clássica já
afirmou o caráter de grupo social de servidores civis, comerciantes, profissionais
liberais, fazendeiros e operários
33
.
2. As minorias sexuais enquanto “grupo social”
Com a crescente visibilidade das minorias sexuais na comunidade
internacional e os contínuos esforços de ONGs e outros atores globais para a
afirmação dos direitos dessas minorias, iniciaram-se, em alguns países, discussões
acerca do reconhecimento da condição de refugiado de indivíduos perseguidos em
função de sua orientação sexual e/ou identidade de gênero. Esses avanços
contribuíram para a percepção de que os indivíduos LGBTT constituem um grupo
vulnerável, vítima de marginalização social na maior parte dos países. Deste modo,
31
Cumpre assinalar, no entanto, que o precedente estadunidense paradigmático para a análise do
termo “grupo social” resultou no indeferimento do pedido de refúgio baseado no pertencimento a uma
categoria profissional. O solicitante afirmava ser perseguido por guerrilhas em razão de pertencer a
uma cooperativa de táxis, a qual se recusou a participar das greves gerais da cidade de São Salvador
na década de 80. O tribunal considerou que, muito embora fosse lamentável o fato de o solicitante ter
de desistir do seu trabalho como taxista, “o conceito de refugiado internacionalmente aceito
simplesmente não garante ao indivíduo o direito ter um trabalho à sua escolha [...]. Assim, devido ao
fato do pertencimento ao grupo de taxistas tratar-se de algo que o solicitante tem o poder de
modificar [...] ele não demonstrou que a conduta temida constituía ‘perseguição em virtude do
pertencimento a um determinado grupo social’”. Tradução livre de “the internationally accepted
concept of a refugee simply does not guarantee an individual a right to work in the job of his choice
[…]. Therefore, because the respondent's membership in the group of taxi drivers was something he
had the power to change […] he has not shown that the conduct he feared was "persecution on
account of membership in a particular social group". UNITED STATES BOARD OF IMMIGRATION
APPEALS. Interim Decision: 2986. Op. cit., p. 234.
32
HATHAWAY, James C. The Rights of Refugees under International Law. Op. cit., pp. 168-169.
33
GRAHL-MADSEN, ATLE. The status of Refugees in International Law, Leiden: A.W. Sijthoff,
1966, pp. 219-220.
13
mostra-se indispensável a concepção de mecanismos de proteção a esse grupo de
indivíduos, os quais conformam uma minoria, na acepção jurídica do termo.
Contudo, ainda inexiste vontade política para instituir os referidos mecanismos, já
que em grande parte dos países, o Estado tolera a violação reiterada de direitos das
minorias sexuais, isso quando não assume, ele próprio, o papel de violador de
direitos dessas minorias.
Justamente em virtude dessas constantes violações de direitos fundamentais
que a doutrina e a jurisprudência, em diferentes países, passaram a defender o
reconhecimento do status de refugiado de indivíduos LGBTT perseguidos em seu
país de origem ou de residência. Isso porque o direito ao acolhimento permite ao
indivíduo perseguido, rejeitado pela sociedade da qual faz parte, iniciar uma nova
vida em um país em que as suas diferenças serão respeitadas.
No presente contexto, vislumbra-se a possibilidade de as minorias sexuais
conformarem um “grupo social”, nos termos previstos pela Convenção de 51, com
base nas diretivas interpretativas publicadas pelo ACNUR
34
. Dentre essas diretivas,
destaca-se a publicada em maio de 2002, a qual trata justamente do conceito de
“grupo social” a ser observado pelos Estados signatários da Convenção de 51
35
.
O documento faz alusão a duas linhas de raciocínio diferentes aplicadas nos
tribunais administrativos de países com maior tradição em matéria de refúgio,
sobretudo nos que integram o sistema do Common Law. Uma dessas linhas volta-se
para a análise, caso a caso, do potencial de perseguição individual baseada no
pertencimento a um grupo unitário cuja unidade baseia-se em “característica
imutável ou característica tão fundamental à dignidade humana que a pessoa não
pode ser compelida a abandoná-la”
36
. Impende mencionar, nesse sentido, que a
pertença temporária a determinado grupo social passa a integrar a história pessoal
do perseguido, constituindo, igualmente, característica inalterável.
34
O ACNUR é, atualmente, o órgão da ONU responsável pela proteção dos refugiados em âmbito
internacional, o que envolve, ademais, a formulação de diretivas interpretativas da Convenção de 51
a serem levadas em conta, por parte dos Estados, no momento de aplicação das disposições da
Convenção. Cf. ACNUR. Manual de Procedimentos e Critérios para Determinar a Condição de
Refugiado. Op. cit., pp. 12-13.
35
UNHCR. Guidelines on International Protection: “Membership of a particular social groups”
within the context of Article 1A(2) of the 1951 Convention and/or its 1967 Protocol relating to
the Status of Refugees, Op. cit.
36
Tradução livre de: “immutable characteristic or by a characteristic that is so fundamental to human
dignity that a person should not be compelled to forsake it”. Cf. Ibid, p. 3.
14
Outra linha de raciocínio consiste na abordagem da “percepção social”, a qual
avalia se um determinado grupo compartilha de característica comum que o torna
reconhecível enquanto grupo para a sociedade em geral
37
.
Tratando especificamente das minorias sexuais, a diretiva do ACNUR aponta
a existência de precedentes em diversos países – seguindo ambas as linhas de
raciocínio supramencionadas – reconhecendo o status de refugiado de
homossexuais com fundamento na pertença ao “grupo social”. Outra diretiva, a qual
estabelece parâmetros para a análise de casos de perseguição relacionada ao
gênero, assinala que não apenas o sexo de um indivíduo, mas também a
transgressão de regras morais relativas ao papel social do homem e da mulher pode
motivar esse tipo de perseguição
38
. Esse é o caso de homossexuais, bissexuais,
transexuais e transgêneros, além de quaisquer indivíduos que, como eles, não
tenham aderido aos papéis socioculturais atribuíveis aos gêneros masculino e
feminino
39
.
Entretanto, deve-se destacar que nem toda perseguição às minorias sexuais é
motivada, unicamente, pelo pertencimento ao grupo social: às vezes pode ser
motivada por outra característica do perseguido, como sua opinião política
40
, por
exemplo, nos casos em que ele defender publicamente os direitos das minorias de
que faz parte
41
. Em situações como essa, o órgão responsável pelo exame da
37
O ACNUR assinala, em síntese, que os Estados devem aplicar uma definição ampla, a qual
envolva as duas linhas raciocínio supramencionadas de forma simultânea: “a particular social group is
a group of persons who share a common characteristic other than their risk of being persecuted, or
who are perceived as a group by society. The characteristic will often be one which is innate,
unchangeable, or which is otherwise fundamental to identity, conscience or the exercise of one’s
human rights”. Ibid., pp. 3-4.
38
UNHCR. Guidelines on International Protection: Gender-Related Persecution within the
context of Article 1A(2) of the 1951 Convention and/or its 1967 Protocol relating to the Status of
Refugees, Genebra, 2002, p. 4-5, disponível em: <http://www.unhcr.org/3d58ddef4.html>. Acesso em
16 jun 2012.
39
LOHRENSCHEIT, Claudia; THIEMANN, Anne. Sexuelle Selbstbestimmungsrechte – Zur
Entwicklung menschenrechtlicher Normen für Lesben, Schwule, Transsexuelle und
Intersexuelle. Op. cit., p. 19
40
Nesse sentido, pode-se mencionar precedente do Tribunal Administrativo de Imigração e Refúgio
do Canadá em que um indivíduo transgênero do Irã teve o seu status de refugiado reconhecido com
base em sua opinião política, já que a sua expressão sexual é considerada como uma oposição ao
regime: “[t]he panel accepted that the Iranian regime would construe his behaviour and sexual
expression as being a defiant demonstration of political opposition to the regime and that he would
face persecution.” Cf. IMMIGRATION AND REFUGEE BOARD OF CANADA. Case No. V93-01711,
decisão de 4 de julho 1994, disponível em: <http://www.irb-cisr.gc.ca:8080/ReFlex/Issue.aspx?id=35>.
Acesso em 16 jun 2012.
41
UNHCR. Guidance Note on Refugee Claims Relation to Sexual Orientation and Gender
Identity, Genebra, 2008, p. 6, disponível em: <http://www.unhcr.org/refworld/pdfid/48abd5660.pdf>.
Acesso em 16 jun 2012.’
15
solicitação de refúgio deverá analisar as duas possibilidades, devendo optar pelo
provimento do pedido sempre que for presente, no caso, ao menos uma das
motivações previstas pela Convenção de 51.
Nos EUA, a primeira decisão que reconheceu o status de refugiado de um
homossexual foi publicada no início dos anos de 1990
42
. O caso Toboso-Alfonso
envolvia um homem cubano que afirmava sofrer restrições à sua liberdade em
virtude de sua orientação sexual. Ele relatou que o governo cubano, na década de
70, mantinha, a nível municipal, um registro de homossexuais, o qual era
constantemente atualizado por meio da vigília que os órgãos policiais empreendiam
sobre gays e lésbicas. No caso do solicitante de refúgio, a invasão de privacidade
não era o único problema: a polícia costumava detê-lo arbitrariamente por dias, sem
a formalização de qualquer acusação contra ele. Ele informou, ademais, que foi
mandado a um campo de trabalho forçado por dois meses como punição por ser
homossexual. Posteriormente, foi constrangido a entrar em uma embarcação
destinada aos EUA para não ser preso por 4 anos.
Na análise do pedido de refúgio de Toboso, o juiz da imigração considerou
que a perseguição de que era vítima o solicitante de refúgio era, de fato, motivada
pela sua filiação a um grupo social, nomeadamente o grupo dos homossexuais.
Também nesse sentido, o tribunal de imigração afirmou, em sede de apelação e ao
contrário do que defendeu o Serviço Nacional de Imigração e Naturalização, que o
testemunho de Toboso e as evidências apresentadas comprovam a motivação da
perseguição: o status de homossexual, a percepção social de que pertencia a esse
grupo de indivíduos, e não a sua atividade sexual. No precedente, a
homossexualidade é considerada como imutável, não havendo, portanto, a
possibilidade de alteração do registro junto ao governo cubano com base apenas na
vontade do solicitante
43
.
O pioneirismo do caso Toboso-Alfonso relaciona-se à constatação de que a
perseguição pautada na orientação sexual também pode ser fundamento para o
reconhecimento da condição de refugiado. Esse posicionamento repetiu-se algumas
vezes em julgamentos posteriores e culminou com a declaração, no âmbito do
42
UNITED STATES BOARD OF IMMIGRATION APPEALS. Matter of Toboso-Alfonso, 12 de Março
de 1990, disponível em: <http://www.unhcr.org/refworld/docid/3ae6b6b84.html>. Acesso em 16 jun
2012.
43
Ibid.
16
julgamento Karouni v. Gonzalez, de que “todos os homossexuais estrangeiros são
membros de um “determinado grupo social””
44
. A identidade de gênero, da mesma
forma, já ensejou o reconhecimento do status de refugiado com fundamento no
“grupo social”: no caso Hernandez-Montiel v. INS, o Tribunal Estadunidense de
Apelação da 9ª Região decidiu que o solicitante – um homem com identidade
feminina que sofreu perseguição no México em razão dessa identidade – estava
qualificado como refugiado. A decisão afirmou que a sua identidade feminina é, da
mesma forma que a homossexualidade, inalterável, não se podendo exigir sua
alteração
45
.
Impende advertir, no entanto, que mesmo nos casos em que o indivíduo não
for homossexual e, por qualquer outra razão, mantiver relação sexual com pessoa
do mesmo sexo, sofrendo perseguição face ao ato sexual, a pertença ao “grupo
social” pode ser confirmada. No precedente Amanfi v. Ashcroft, o Tribunal
Estadunidense de Apelação da 3ª Região entendeu que o solicitante, um homem de
Gana que manteve relação sexual com outro indivíduo do sexo masculino para evitar
o seu sacrifício em um ritual, estava vinculado ao “grupo social” dos homossexuais,
pois as autoridades policiais – os autores da perseguição – o viam desta forma
46
.
Mesmo face às decisões supramencionadas, o reconhecimento da condição
de refugiado de indivíduos perseguidos em virtude da sua orientação sexual ou
identidade de gênero não é matéria pacífica nos tribunais de apelação
estadunidenses, pois as decisões podem variar significativamente dependendo do
tribunal que julgar o pedido. O tribunal da 9ª Região, por exemplo, já se mostrou
favorável aos pedidos formulados com base na orientação sexual ou identidade de
gênero em diversos momentos, enquanto que o tribunal da 8ª Região já negou
várias solicitações nessas bases. No caso Salkeld v. Gonzalez
47
, por exemplo, o
refúgio foi negado porque o solicitante não sofreu, pessoalmente, ataque à sua
integridade física – ainda que esse argumento seja questionável, já que o
reconhecimento do status de refugiado não pressupõe perseguição prévia, podendo
44
UNITED STATES COURT OF APPEALS. Karouni v. Gonzalez, p. 2854, disponível em:
<http://www.ca9.uscourts.gov/datastore/opinions/2005/03/07/0272651.pdf>. Acesso em 16 jun 2012.
45
UNITED STATES COURT OF APPEALS. Hernandez-Montiel v. INS, p. 10469, disponível em:
<http://www.unhcr.org/refworld/docid/3ba9c1119.html>. Acesso em 16 jun 2012.
46
UNITED STATES COURT OF APPEALS. Amanfi v. Ashcroft, p. 17, disponível em:
<http://www.unhcr.org/refworld/docid/47fdfb2c1a.html>. Acesso em 16 jun 2012.
47
UNITED STATES BOARD OF APPEALS. Salkeld v. Gonzalez, p. 7, disponível em:
<http://www.unhcr.org/refworld/publisher,USA_CA_8,,PER,4821bb9f2,0.html>. Acesso em 16 jun
2012.
17
basear-se tão somente em um fundado temor de perseguição. Ademais, no
entendimento do tribunal, não existem leis que condenam a homossexualidade no
Peru e o solicitante poderia ter migrado para uma região do país mais segura para
minorias sexuais. No caso Kimumwe v. Gonzalez, a decisão também não acatou a
solicitação de refúgio, sendo que o Tribunal da 8ª Região considerou ausente a
perseguição prévia, mesmo depois da prisão de Kimumwe por dois meses
48
em
decorrência de ele ter realizado ato sexual com outro homem. No entender do
tribunal, o solicitante foi preso devido ao ato em si, e não à sua identidade enquanto
homossexual
49
, argumento esse também incompatível com a Convenção de 51:
nesse caso, é impossível dissociar o ato sexual do pertencimento ao grupo social,
pois ainda que a punição tenha se voltado para o ato, e não para a identidade, o que
se sanciona é a própria identidade de forma indireta.
No continente europeu, o reconhecimento da condição de refugiado dos
indivíduos perseguidos com base em sua orientação sexual ou identidade de gênero
é mais numeroso, havendo diretiva, no âmbito do direito comunitário europeu, que
menciona explicitamente essa possibilidade. A chamada “Diretiva de Qualificação”
50
estabelece, de forma semelhante às diretivas do ACNUR, a existência de um grupo
social quando os membros desse grupo compartilham características inatas que não
podem ser alteradas ou cuja alteração não pode ser exigida. Além disso, o grupo
deve ter uma identidade particular, percebida como diferente pela sociedade. Desta
forma, nas palavras do artigo 10, (d) da Diretiva,
“
dependendo das circunstâncias no país de origem, um determinado
grupo social pode envolver um grupo baseado em uma característica
comum de orientação sexual. A orientação sexual não pode ser
interpretada de modo a incluir atos considerados como crime de
acordo com a lei interna dos Estados-membros: questões
relacionadas ao gênero, inclusive à identidade de gênero, devem ser
consideradas
”
51
.
48
UNITED STATES BOARD OF APPEALS. Kimumwe v. Gonzalez, p. 2, disponível em:
<http://www.unhcr.org/refworld/country,,USA_CA_8,,ZWE,,4821b1d02,0.html>. Acesso em 16 jun
2012.
49
Cabe ressaltar que, muito embora o Tribunal da 8ª Região não tenha reconhecido o status de
refugiado nos casos aqui destacados, em nenhum momento negou o caráter de “grupo social” das
minorias sexuais, de modo que, ao menos em tese, um integrante dessas minorias pode ter o seu
status de refugiado reconhecido quando restar devidamente comprovado o fundado temor de
perseguição.
50
CONSELHO DA UNIÃO EUROPEIA. Diretiva 2004/83/EC, promulgada em 29 abr. 2004.
51
Tradução livre de: “depending on the circumstances in the country of origin, a particular social group
might include a group based on a common characteristic of sexual orientation. Sexual orientation
cannot be understood to include acts considered to be criminal in accordance with national law of the
18
A Diretiva de Qualificação, como todas as outras diretivas publicadas pela
União Europeia, deve ser incorporada ao direito interno dos Estados-membros, o
que já foi realizado explicitamente por muitos países europeus. Todavia, ainda que a
incorporação da referida diretiva tenha resultado, em alguns desses países, no
efetivo reconhecimento do status de refugiado, em outros isso ainda não
aconteceu
52
. Em Estados como Bélgica, Dinamarca, Espanha, Finlândia, Grécia,
Irlanda, Holanda, Hungria, Luxemburgo, Portugal, Suécia e Reino Unido, leis
anteriores à Diretiva de Qualificação e/ou a vinculação à Convenção de 51 já
garantiam ao menos um visto de permanência a integrantes de minorias sexuais
cuja vida e/ou liberdade fossem ameaçadas em seu país de origem ou de residência
habitual
53
.
Dentre os países que já reconheceram o status de refugiado de indivíduos
LGBTT, destaca-se a Suécia, país cuja lei explicitamente estabelece o direito de
refúgio das minorias sexuais
54
. Lá, a Swedish Federation for Lesbian, Gay, Bisexual
and Transgender Rights, uma organização sueca que atua na luta pelos direitos das
minorias sexuais no país, tem provido treinamento especial aos profissionais que
atuam junto ao órgão administrativo responsável pelo controle migratório. Além
disso, a organização em questão coloca à disposição de solicitantes de refúgio,
informações legais acerca do trâmite da solicitação de acolhimento, o que torna mais
Member States: Gender related aspects, including gender identity, shall be given due consideration”.
Cf. CONSELHO DA UNIÃO EUROPEIA. Diretiva 2004/83/EC, promulgada em 29 abr. 2004,
modificada pela resolução de 27 out. 2011, do Parlamento Europeu, a qual incluiu expressamente a
possibilidade de reconhecimento da condição de refugiado de indivíduos perseguidos em virtude de
sua identidade de gênero.
52
As razões para a falta de precedentes em alguns desses países se dá, em geral, face ao pequeno
ou nulo número de pessoas que os procuram para solicitar asilo com base no pertencimento ao grupo
social das minorias sexuais. São, também, comuns os casos em que o pertencimento ao grupo social
é reconhecido, mas o temor de perseguição não ficou, no entender dos julgadores, devidamente
provado. Cf. ILGA EUROPE. Status of Asylum Law in EU Members, s.l., 2010, 16 p. Disponível em:
<http://www.ilga-europe.org/home/issues/asylum_in_europe/country_by_country>. Acesso em 20 jun
2012.
53
Dentre todos os países mencionados, já existiam precedentes de reconhecimento do status de
refugiado com fundamento no pertencimento ao grupo social das minorias sexuais, em 2009, na
Alemanha, Áustria, Bélgica, Dinamarca, Espanha, França, Grécia, Holanda, Hungria, Itália,
Luxemburgo, Polônia, Portugal, República Tcheca, Reino Unido e Suécia. v. EUROPEAN UNION
AGENCY FOR FUNDAMENTAL RIGHTS. Homophobia and Discrimination on Grounds of Sexual
Orientation and Gender Identity in the EU Member States: Part II – The Social Situation, Viena,
2009. p. 96. Além dos países europeus e dos EUA, existem precedentes no Canadá, na Austrália, na
Tailândia e na Nova Zelândia. Cf. IMMIGRATION EQUALITY. LGBT/HIV Asylum Manual, s.l., 2006,
p. 12.
54
SUÉCIA. Aliens Act (SFS 2005:716), Capítulo 4, Seção 1, s.l., 2005.
19
simples a preparação dos pedidos a serem formulados por esses indivíduos junto às
autoridades competentes para o reconhecimento da condição de refugiado
55
.
Ainda que todos os países europeus tenham incorporado a Diretiva de
Qualificação, os parâmetros para o reconhecimento do status de refugiado nos
Estados da União Europeia não são uniformes, em razão da legislação interna dos
países e, principalmente, da jurisprudência de seus tribunais administrativos. Assim,
muito embora exista um consenso – imposto pela Diretiva de Qualificação – no
sentido de que indivíduos perseguidos em virtude da sua orientação sexual ou
identidade de gênero sejam refugiados sempre que cumpridos as condições da
Convenção de 51, na prática, as solicitações de pessoas em situações parecidas
têm desfechos diferentes, dependendo do país em que eles forem apresentados e
decididos.
3. O reconhecimento do status de refugiado de indivíduos LGBTT no Brasil
Em que pese a amplitude das discussões observadas em outros países
ocidentais, no Brasil ainda há poucos estudos acerca do conceito de “grupo social”
56
e a sua relação com as minorias sexuais. No entanto, deve-se destacar o fato de já
existir doutrina nesse sentido no país. Jubilut, por exemplo, assinala a atualidade do
estudo do tema, em grande parte devido ao tabu em torno da homo e
transexualidade na comunidade internacional apesar dos recentes avanços no
reconhecimento de diretos dessas minorias. Segundo a autora, o espaço para a
realização de pleitos favoráveis à comunidade LGBTT foi conquistado por meio de
ONGs e, atualmente, engloba o direito de refúgio, justamente porque as minorias
sexuais permanecem vítimas de perseguição. O direito ao acolhimento, baseado no
pertencimento ao grupo social, seria, assim, uma forma de “assegurar os seus
direitos mínimos”
57
.
55
ILGA EUROPE. Status of Asylum Law in EU Members. Op. cit., p. 14.
56
Cumpre mencionar que o pertencimento ao “grupo social”, além de constar da definição de
refugiado prevista pela Convenção de 51 (art. 1A, §2º), promulgada em território nacional por meio do
Decreto Nº 50.215, de 28 de janeiro de 1961, encontra-se previsto na Lei 9.474 (art. 1º, I), de 22 de
julho de 1997, a qual define mecanismos para a implementação dos dispositivos da Convenção de 51
no país.
57
JUBILUT, Liliana L. O Direito Internacional dos refugiados e sua aplicação no ordenamento
jurídico brasileiro. Op cit., pp. 133-134.
20
Carvalho Ramos, também nesse sentido, vislumbra a possibilidade de
reconhecimento do status de refugiado de homossexuais, quando perseguidos em
virtude de sua orientação sexual. No entender do autor, inclusive nos casos em que
a perseguição for praticada por agentes privados e o poder público omitir-se em
punir os agressores, além de proteger as minorias sexuais, deve ser reconhecido o
direito ao acolhimento
58
.
O Comitê Nacional para os Refugiados (CONARE)
59
– órgão administrativo
destinado à análise das solicitações de refúgio – assinalou, em publicação recente,
seu posicionamento favorável ao reconhecimento do direito de refúgio das minorias
sexuais. No texto, Leão ressalta que o Comitê está atento às tendências
internacionais em matéria de proteção de grupos sociais, em especial aos “grupos
de risco” ou “vulneráveis”. No âmbito desses grupos encontram-se, em rol não
taxativo, mulheres, crianças, formadores de opinião pública, líderes comunitários e
homossexuais
60
. Falando especificamente da proteção da mulher, o autor destaca a
diferença entre “sexo” e “gênero”, dizendo o primeiro, respeito à distinção biológica
entre o homem e a mulher, enquanto que o segundo relaciona-se à distinção
homem-mulher no meio social. Assim, a perseguição em virtude de gênero decorre –
conforme assinala Leão – de “ideias e percepções socialmente construída em torno
a homens e a mulheres”
61
, fundamentação essa que deve ser empregada na
justificação do direito ao acolhimento das minorias sexuais: o indivíduo é concebido
enquanto tal justamente por contrariar as normais culturais que prescrevem um
determinado papel social ao homem e à mulher, regulando, inclusive, seu objeto de
desejo sexual.
Apresentando um precedente na matéria, o autor assinala decisão do
CONARE de 2002, a qual reconheceu o status de refugiados de dois homens
58
CARVALHO RAMOS, A. de. O Princípio do Non-Refoulement no direito dos refugiados: do
ingresso à extradição. Op cit., p. 361.
59
O CONARE é vinculado ao Ministério da Justiça, tendo sido criado pela Lei 9.474 (art. 11).
Atualmente, é o órgão responsável pela proteção e apoio aos refugiados – inclusive jurídico –, além
do processamento das solicitações de refúgio e da decisão, em primeira instância, pelo
reconhecimento do status de refugiado. Cf. Ibid., p. 354. O Comitê atua em parceria com o ACNUR e
diversas ONGs responsáveis pela assistência humanitária e a integração dos refugiados em território
nacional. São elas a Associação Antônio Vieira, a Cáritas Brasileira, a Cáritas Arquidiocesana do Rio
de Janeiro, a Cáritas Arquidiocesana de São Paulo, o Centro de Direitos Humanos e Memória
Popular e o Instituto Migrações e Direitos Humanos. ACNUR. O ACNUR no Brasil, s.l., disponível
em: <http://www.acnur.org/t3/portugues/informacao-geral/o-acnur-no-brasil/>. Acesso em 22 jun 2012.
60
LEÃO, Renato Zerbini Ribeiro. O reconhecimento dos refugiados pelo Brasil – Decisões
comentadas do CONARE, s.l.: Conare e Acnur Brasil, 2007, p. 34.
61
Ibid.
21
colombianos que mantinham um relacionamento e sofriam perseguição em virtude
disso. No caso em tela, ambos viviam em região da Colômbia controlada por grupos
armados, grupos esses responsáveis pela “limpeza social” conflagrada ali com o
objetivo de eliminar pessoas tidas por nocivas à sociedade. O elemento objetivo do
fundado temor de perseguição foi comprovado com base na ocorrência de
assassinatos homofóbicos na região controlada pelos paramilitares
62
.
Além de constituir precedente de vital importância para afirmar a
caracterização das minorias sexuais enquanto grupo social, o caso narrado por Leão
permite concluir que, naquela decisão, o CONARE não exigiu a perseguição de
Estado face aos indivíduos LGBTT como condição para o reconhecimento da
condição de refugiado. Essa constatação tem duas implicações para a definição de
parâmetros úteis ao exame da solicitação de refúgio apresentada por integrantes de
minorias sexuais.
Em primeiro lugar, pode-se inferir que a criminalização da relação sexual
consentida entre adultos do mesmo sexo não foi considerada indispensável para a
configuração do fundado temor de perseguição. Isso porque o país de origem dos
refugiados – a Colômbia – não só é um país que não criminaliza essas relações,
como também veda expressamente a discriminação com base na orientação
sexual
63
. Essa constatação é importante, pois mostra o posicionamento do CONARE
no sentido de que pedidos de refúgio não devem ser sumariamente rejeitados
quando o país de origem dispuser de legislação em matéria de proteção às minorias
sexuais, caso da Colômbia.
Também no âmbito dessa decisão do Comitê, encontra-se o reconhecimento
de que o Estado não constitui o único agente responsável pela perseguição: muito
embora ela seja frequente e, normalmente, mais violenta e generalizada nos países
que criminalizam o ato sexual homossexual, particulares – guerrilhas, grupos
paramilitares e gangues – também podem empreender perseguição. Esse
entendimento é compatível com o raciocínio de Carvalho Ramos, segundo o qual há
perseguição sempre que a violação de direitos humanos tida por ato persecutório for
62
Ibid., p. 38.
63
ASSOCIAÇÃO INTERNACIONAL DE LÉSBICAS, GAYS, BISSEXUAIS, TRANS E INTERSEXOS.
Direitos de Lésbicas e Gays na América Latina e Caribe, s.l., 2012, disponível em:
<http://old.ilga.org/Statehomophobia/ILGA_LAC_mapa_PT_2012_A4.pdf>. Acesso em 19 jun 2012.
22
praticada por agentes privados e o Estado não punir os agressores e/ou proteger as
vítimas – seja por falta de vontade política ou por incapacidade do aparato estatal
64
.
É importante destacar que o CONARE já reconheceu, em outros casos, a
condição de refugiado de indivíduos LGBTT. Ao que tudo indica, o número de
solicitações nessas bases vem aumentando nos últimos tempos, paralelamente à
afirmação dos direitos das minorias sexuais no país. As histórias se repetem:
pessoas que moram em regiões controladas por grupos armados – na Colômbia e
em regiões fronteiriças de países adjacentes –, além de solicitantes de refúgio
originários de países africanos e do oriente médio, onde são vítimas de violência por
parte de autoridades policiais, familiares, vizinhos e grupos religiosos
65
.
Já houve outros indivíduos que deixaram regiões controladas por grupos
armados e, à semelhança do precedente supracitado, tiveram seu direito ao
acolhimento reconhecido pelo CONARE. Há, por outro lado, casos de pessoas que
afirmaram serem vítimas de perseguição familiar na região, já que membros da
família não aceitavam a sua orientação sexual. Nessas situações, o Comitê já
decidiu que o ato persecutório deve estar suficientemente caracterizado e
comprovado porquanto o abandono não constitui, por si só, forma de perseguição
66
.
Outro fundamento comum apresentado nas solicitações é a dificuldade de se
obter emprego em razão da discriminação relacionada à orientação sexual e à
identidade de gênero
67
. No entanto, esse fundamento nunca apareceu isoladamente
nos pedidos apresentados junto ao CONARE. A jurisprudência mais tradicional em
outros países entende que o pedido de refúgio baseado na denegação de direitos
econômicos e sociais não consiste em perseguição, mas sim em migração com
fundamento econômico, a qual não se encontra no escopo de proteção da
Convenção de 51. No entanto, esse posicionamento não deve ser adotado
64
Há de se mencionar, nesse ponto, que muito embora o precedente mencionado corrobore esse
entendimento, já houve decisões do CONARE em sentido contrário. Em 2000, por exemplo, o
CONARE rejeitou sistematicamente solicitações de refúgio de um grupo de ciganos romenos com
base no argumento de que a Romênia era uma democracia, além de parte da Convenção Europeia
de Direitos Humanos e que, portanto, teria condições de proteger essas pessoas. No entanto, havia
numerosas evidências em sentido contrário. Cf. CARVALHO RAMOS, A. de. O Princípio do Non-
Refoulement no direito dos refugiados: do ingresso à extradição. Op cit., pp. 361-362.
65
As presentes informações foram obtidas no dia 13 de junho de 2012 em entrevista com Vivian
Holzhacker, advogada que atua junto à Cáritas Arquidiocesana de São Paulo prestando assistência
jurídica aos solicitantes de refúgio. Dado o caráter sigiloso das informações pessoais prestadas pelos
solicitantes de refúgio (arts. 20 e 25 da Lei 9.474/1997), apresentou-se somente dados gerais acerca
dos pedidos de acolhimento, bem como dos parâmetros decisórios do CONARE.
66
Ibid.
67
Ibid.
23
sumariamente pelo CONARE quando uma solicitação nessas bases for
apresentada. Esse entendimento tradicional, vigente à época da formulação da
Convenção de 51 e do Protocolo de 67, deve ser relativizado atualmente. As
denegações de direitos sociais e econômicos, quando dotadas de cunho claramente
discriminatório e gerarem prejuízo acentuado ao indivíduo perseguido, impondo
restrições significativas à sua capacidade de conduzir uma vida digna, devem ser
consideradas como atos persecutórios. Em síntese, quando houver total
impossibilidade de acesso à educação, ao sistema de saúde, ao trabalho ou a outro
de especial relevância ao perseguido, em razão tão somente de discriminação,
haverá perseguição
68
.
No entanto, a discriminação não é, por si só, suficiente para que se configure
o temor de perseguição
69
. Na prática, o CONARE examina de forma objetiva a
situação do país de origem do solicitante para constatar a existência de riscos á sua
integridade física, vida e/ou liberdade
70
. Nessa análise, o Comitê atenta aos
antecedentes de violência física contra pessoas que pertençam ao grupo integrado
pelo solicitante, no caso, o grupo social das minorias sexuais. Esses antecedentes
são mencionados na maior parte das solicitações de refúgio apresentadas por
nacionais de países da África Subsaariana e do Oriente Médio, frequentes no Brasil.
Nesses países, há maior dificuldade para obter proteção, tendo em vista a
criminalização das relações homossexuais
71
ou – nos países em que não existe
legislação nesse sentido – a patente incapacidade do Estado para oferecer amparo.
Sem a devida proteção, os indivíduos LGBTT estão sujeitos a incursões em
sua intimidade promovidas por vizinhos, familiares e grupos religiosos, além de
68
IMMIGRATION EQUALITY. LGBT/HIV Asylum Manual, s.l., 2006, p. 21, disponível em:
<http://www.immigrantjustice.org/sites/immigrantjustice.org/files/NAPSM%20Manual%20-
%20June%202006.pdf>. Acesso em 20 jun 2012.
69
LEÃO, Renato Zerbini Ribeiro. O reconhecimento dos refugiados pelo Brasil – Decisões
comentadas do CONARE. Op. cit., p. 28. Contudo, impende advertir que “un patrón persistente de
discriminación continua y generalizada normalmente constituirá, de forma acumulada, persecución, y
justificará la protección”. Cf. ACNUR. Interpretación del artículo 1 de la Convención de 1951 sobre
el Estatuto de los Refugiados, s.l., 2001, pp. 7-8, disponível em:
<http://www.acnur.org/biblioteca/pdf/2553.pdf?view=1>. Acesso em 25 jun 2012.
70
O risco de vida não é requisito objetivo indispensável ao “fundado temor”, sendo suficiente a
observância de reiteradas detenções arbitrárias ou assédio que tornem insustentável a vida do
solicitante de refúgio. Cf. Ibid., p. 37.
71
ASSOCIAÇÃO INTERNACIONAL DE LÉSBICAS, GAYS, BISSEXUAIS, TRANS E INTERSEXOS.
Lesbian and gay rigths in Africa, s.l., 2012, disponível em:
<http://old.ilga.org/Statehomophobia/ILGA_Africa_map_2012_A4.pdf>. Acesso em 20 jun 2012.
24
autoridades policiais, em alguns casos
72
. Há um constante monitoramento de suas
vidas privadas até que sejam deflagradas provas da sua orientação sexual,
momento a partir do qual são agredidos verbal e fisicamente. Em diversos casos
apresentados junto ao CONARE, o solicitante mantinha relacionamento que, quando
descoberto, suscitou agressões com consequências fatais para seu companheiro, o
que motivou a busca por acolhimento em outro país
73
.
Em situações semelhantes a essa, o CONARE já reconheceu a existência do
elemento objetivo do temor de perseguição, como é possível concluir da análise de
precedente envolvendo nacional do Irã. E. K. vivia em Teerã quando participou de
manifestações políticas, em 2009 – ano de eleição presidencial. Depois da
participação nos protestos, passou a ser perseguido pela polícia iraniana, tendo sua
casa invadida e seu computador, apreendido. Por meio dele, as autoridades policiais
descobriram sua orientação sexual e, posteriormente, retornaram à sua casa com a
intenção de prendê-lo e puni-lo
74
, ocasião em que agrediram fisicamente seu pai.
Tomando ciência do ocorrido, E. K. deixou o país, chegando a São Paulo, onde
apresentou solicitação de refúgio e teve o seu pedido atendido. Ainda que a
participação em manifestações políticas tivesse suscitado a perseguição
inicialmente
75
, a base para o reconhecimento de seu pedido foi o fundado temor de
perseguição baseado na pertença ao grupo social dos homossexuais
76
.
72
Importa ressaltar que, muito embora a invasão de privacidade seja uma constante no histórico
pessoal dos solicitantes de refúgio, o CONARE não esposou o entendimento, em suas decisões, de
que a orientação sexual deve estar restrita ao âmbito privado como base para negar pedidos de
acolhimento. Assim, não há o argumento de que o refúgio deve ser rejeitado porque o solicitante não
está sujeito a grandes riscos de perseguição caso mantenha sua orientação sexual restrita ao espaço
privado. Esse posicionamento é o mais adequado, tendo em vista que a sexualidade e a percepção
de gênero têm papel de vital importância para a identidade pessoal. Isso porque a sexualidade
transcende o foro interno das pessoas, a esfera privada da vida, manifestando-se também no foro
externo, na forma por meio da qual elas se relacionam entre si e com a coletividade. Cf. Nota 65.
73
Cf. Nota 65.
74
O Irã comina pena de morte para o ato sexual entre homens, sendo o juiz da Sharia responsável
por decidir como a sentença será cumprida. O apedrejamento e o enforcamento são as formas mais
comuns de efetivá-la. Cf. ASSOCIAÇÃO INTERNACIONAL DE LÉSBICAS, GAYS, BISSEXUAIS,
TRANS E INTERSEXOS. Homofobia do Estado – Uma pesquisa mundial sobre legislações que
criminalizam relações sexuais consensuais entre adultos do mesmo sexo. Op. cit., pp. 56-57.
75
A opinião política constitui, em muitos casos envolvendo minorias sexuais, fundamento possível
para a solicitação de refúgio, especialmente quando o solicitante houver defendido, em espaço
público, os direitos LGBTT. Cf. UNHCR. Guidance Note on Refugee Claims Relation to Sexual
Orientation and Gender Identity. Op. cit., p. 6.
76
Atualmente, E. K. vive no Canadá com seu companheiro, também iraniano. Cf. MACLEANS.CA. An
Iranian man, at risk of being killed in his homeland for being gay, is trying to seek refuge in
Canada, s.l., 2010, disponível em: <http://www2.macleans.ca/2010/08/16/living-in-exile/>. Acesso em
20 jun 2012.
25
Uma dificuldade usual no processamento dos pedidos de refúgio é o exame
de credibilidade do depoimento dos solicitantes, essencial para a verificação do
elemento subjetivo do temor de perseguição. Nos casos envolvendo orientação
sexual ou identidade de gênero, as complicações são ainda maiores, pois os
depoimentos devem abordar o tabu da sexualidade e a transgressão de padrões
socioculturais. Nem sempre os solicitantes de refúgio sentem-se confortáveis para
tratar abertamente do assunto, o que dá ensejo a uma aparente ausência de
credibilidade. Em que pese essa situação particular, o CONARE já rejeitou
solicitações de refúgio quando as informações prestadas pelo solicitante variaram ao
longo do processo de análise do pedido
77
.
Foi justamente esse o contexto de alguns precedentes nos quais a solicitação
foi negada porque o solicitante havia afirmado ser homossexual em suas
declarações iniciais para, posteriormente, não confirmar essa informação junto ao
oficial de elegibilidade do CONARE
78
. Ainda que seja essencial exigir coerência nos
depoimentos para frustrar pedidos descabidos ou mesmo de má-fé, é importante
levar em conta as especificidades dos pleitos baseados em orientação sexual e
identidade de gênero no momento decisório. Ademais, o parâmetro para constatar o
pertencimento ao grupo social não está condicionado à confirmação, por parte do
solicitante, de sua homossexualidade. Isso porque a percepção do agente
perseguidor nesse sentido é suficiente para confirmar a filiação ao grupo social dos
homossexuais
79
.
Conclusão
O Brasil, seguindo as diretivas do ACNUR, bem como a tendência observada
na prática do refúgio em outros países ocidentais, entende que as minorias sexuais
77
Leão assinala precedente em que a solicitação foi negada por manifesta ausência de credibilidade,
contribuindo para isso, o fato de o solicitante ter prestado declarações de conteúdo diverso ao longo
do processamento de seu pedido de refúgio. No entanto, segundo o autor, o CONARE investiga a
veracidade das informações – antes de tomar qualquer decisão – nos casos em que a credibilidade
do depoimento é questionada. Cf. LEÃO, Renato Zerbini Ribeiro. O reconhecimento dos refugiados
pelo Brasil – Decisões comentadas do CONARE. Op. cit., pp. 28-29.
78
Cf. Nota 65.
79
Ibid., pp. 37-38. Jubilut, por exemplo, considera o critério do agente perseguidor, o mais adequado
para o reconhecimento do status de refugiado. Cf. JUBILUT, Liliana L. O Direito Internacional dos
refugiados e sua aplicação no ordenamento jurídico brasileiro. Op. cit., p. 132.
26
devem ser interpretadas como um grupo social, para fins de aplicação da
Convenção de 51 e da Lei 9.474/1997. A doutrina nacional, com base na ideia de
que o conceito de “grupo social” permite maior flexibilidade interpretativa em relação
aos outros fundamentos para o refúgio, defende uma concepção ampla, a qual
permita a inclusão de grupos vulneráveis não imaginados à época de redação da
Convenção de 51.
Também o CONARE, órgão administrativo responsável pelas decisões em
matéria de refúgio no Brasil, já se posicionou nesse sentido. O Comitê aplicou, em
suas decisões, os dois critérios recomendados pelo ACNUR para a identificação do
grupo social: inicialmente, verificou a existência de um grupo coeso e vulnerável,
cujos integrantes compartilham de característica imutável ou essencial à sua
identidade. Subsidiariamente, aplicou o critério da percepção social, com a finalidade
de proteger os indivíduos tidos como integrantes de grupo coeso sob a ótica do
agente perseguidor. Nesse contexto, o CONARE já reconheceu, em diversos
momentos, as minorias sexuais enquanto grupo social, destacando, inclusive, a sua
vulnerabilidade.
Na análise das solicitações de refúgio baseadas na filiação ao grupo das
minorias sexuais, o CONARE utilizou-se dos mesmos parâmetros de elegibilidade
empregados para nortear todas as demais decisões do órgão. No entanto, existem
algumas especificidades no momento de exame da conduta persecutória e dos
elementos objetivo e subjetivo do fundado temor de perseguição.
Nesse sentido, destaca-se que o Comitê não restringiu, em suas decisões, a
autoria do(s) ato(s) persecutório(s) ao Estado, admitindo a possibilidade de agentes
privados empreenderem perseguição face a integrantes de minorias sexuais. No
entanto, para que essa perseguição seja interpretada como tal à luz da Convenção
de 51 e da Lei 9.474/1997 – ensejando o direito ao acolhimento – o Estado deve
apresentar posição omissa em relação à conduta dos agentes privados, deixando de
puni-los ou de proteger as vítimas.
Ademais, o CONARE já esboçou entendimento, em suas decisões, no sentido
de que o mero abandono não deve ser interpretado como conduta persecutória.
Assim, a não aceitação da orientação sexual do solicitante pelos membros de sua
família não implica perseguição, a não ser que envolva violência física e/ou ameaça
contínuas. Ainda não há precedentes nos quais o Comitê tenha se deparado com
27
pedido fundado apenas na dificuldade de se obter emprego em razão da
discriminação por orientação sexual ou identidade de gênero. Caso solicitações
nessas bases apareçam, o Comitê deverá reconhecer a conduta persecutória
sempre que o acesso à educação, ao sistema de saúde, ao trabalho ou a outro
direito de especial relevância ao perseguido seja totalmente negado com base
unicamente em argumento discriminatório.
Na análise do elemento objetivo do fundado temor de perseguição, o
CONARE já considerou a criminalização da relação sexual entre adultos do mesmo
sexo para fins de quantificar o risco potencial à vida ou à liberdade do solicitante de
refúgio. Essa criminalização não foi, contudo, indispensável para a configuração do
fundado temor, tendo em vista a possibilidade de perseguição por agentes privados.
Além disso, o CONARE já considerou como evidências do fundado temor de
perseguição, antecedentes de violência física contra indivíduos LGBTT, ressaltando
que a discriminação não constitui, por si só, indício nesse sentido, a não ser seja
contínua e generalizada.
No exame do elemento subjetivo do fundado temor de perseguição, o
CONARE enfrenta o problema da análise de credibilidade do depoimento prestado
pelo solicitante de refúgio. No âmbito dos pedidos formulados por integrantes de
minorias sexuais, é recorrente a aparente ausência de credibilidade das informações
prestadas devido ao tabu em torno de questões de gênero e sexualidade. Face a
esse problema, cabe ao profissional de elegibilidade do CONARE, adotar
abordagem mais sensível no momento de colheita do depoimento, e ao Comitê,
considerar essa dificuldade adicional quando do ato decisório.
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