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A poesia de Ruy Duarte de Carvalho para além
de fronteiras
The poetry of Ruy Duarte de Carvalho beyond
borders
Cláudia FaBiana de oliveira CardoSo
1*
Resumo: Neste trabalho, propomos uma leitura da obra Lavra, de Ruy Duarte de
Carvalho, discundo como o escritor faz da poesia lugar de passagem para o reencontro
do sujeito com a palavra primordial. Consideramos o autor um poeta viajante, que
revisitou o sul angolano e tradições orais da região, promovendo, em seus poemas,
travessias e atravessamentos espaciais, culturais e linguíscos.
Palavras-chave: Poesia angolana, Ruy Duarte de Carvalho, travessias.
Abstract: In this paper, we propose a reading of the book Lavra, of Ruy Duarte de
Carvalho, discussing how the writer making poetry a path for the union of the subject
and the primordial word. We consider the author a traveling poet, who revisited the
Angolan south and oral tradions of the region, promong in their poems, journeys and
spaal, cultural and linguisc crossings.
Keywords: Angolan poetry, Ruy Duarte de Carvalho, crossings.
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UNIABEU - Centro Universitário
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...porque toda literatura tenha talvez que abrir-se
sempre ao que há para além, à aventura e ao mundo
e porque escrever é sempre parr...
Ruy Duarte de Carvalho
iagem e literatura são experiências quase inseparáveis. O lugar do escritor
é em todos os lugares. Para além de fronteiras sicas ou estécas, ele está em
eterna busca, aberto a ilimitadas experimentações. Mas se esta é condição de
muitos autores, para Ruy Duarte de Carvalho a convivência entre o escritor e
o antropólogo fortaleceu o potencial criavo de sua obra, com um sujeito em
constante deslocamento. Neste sempre parr, o viajante construiu um percurso
singular, com seus temas e obsessões mais caros: o sul angolano, a tradição oral,
os povos pastores e o deserto.
Tomamos a poéca de Ruy Duarte de Carvalho justamente a parr das múl-
plas vozes encenadas por um sujeito que, muitas vezes, se confunde com o
autor. Carvalho foi um “nómada no deserto” (AGUALUSA, 1996: 48) e através
de suas deambulações etnográcas problemazou o fazer literário e reencenou
uma geograa situada ao sul, promovendo uma reexão sobre o lugar de Angola
no mundo contemporâneo. Na poesia, conta sua própria experiência e observa
as experiências alheias para contá-las à sua maneira. Sua proposta seria a de que
“literatura e viagem se conjugassem em aventura experimentada tanto em ex-
tensão como em profundidade para ser então vivida como exaltação e narrada
depois como a estória verdadeira de uma tal vontade” (CARVALHO, 2008: 122).
A reunião de sua viagem poéca está na obra Lavra (2005). Em primeiro lugar,
o ato de lavrar, culvar a terra, é simbolicamente sagrado, pois estabelece uma
ligação transcendente do homem com a terra e o céu. Preparar o solo, plantar
e colher compõem um ciclo de ferlidade, de gestação do alimento do corpo
e, por consequência, do espírito. O ato de escrever, por sua vez, pode ser com-
parado à lavra, na medida em que, ao selecionar as palavras que irão compor
o poema, preparando assim o solo da folha em branco, os poetas ensejam co-
lher imagens plurissignicavas, capazes de recongurar a realidade. A poesia
é, sobretudo, tempo, que se renova a cada ciclo e faz germinar novas ideias e
percepções, como em qualquer lavoura.
Desse modo, Lavra reforça a leitura da “militância pela terra” ou da “educação
pela terra” feita por crícos como Cláudia Márcia Rocha (2000) e Rita Chaves
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(2007), mas também conrma o trabalho de depuração estéca realizado pelo
autor. Os dez livros, nove deles publicados separadamente, são organizados não
apenas cronologicamente, mas revistos em seus aspectos, principalmente, se-
mâncos, e formam um conjunto de experiências de geograas e de idades.
Em Das decisões da idade, por exemplo, além de modicar o tulo original –
A decisão da idade (1976) –, relavizando tempo e espaço, o poeta reorganiza
textos e poemas, como fez com os materiais de expressão oral que manuseou.
Na introdução ao livro, arma: “À vaga geograa das ausências imponho uma
paisagem / reassumida, renovada de ardor e nidez amável” (2005: 57). Na se-
quência, nos apresenta poemas que problemazam o tempo e o espaço, com
destaque para as paisagens do sul angolano, versadas desde o seu primeiro livro.
A úlma estrofe do poema “Estas baías” aponta as direções:
O que há aqui
é ter-se a justa percepção do espaço
e as importantes coisas que o sustêm:
o exacto norte que o temor encerra;
a vova escravidão que o mar inspira;
o leste e o som remoto de uma exnta glória;
o sul magnéco
e a festa que anuncia. (CARVALHO, 2005: 59)
O sul, portanto, é o lugar do magnesmo, das experiências totalizantes e sim-
bólicas que se quer reassumir e renovar. Esta “votação ao sul”, para usarmos um
verso de Chão de oferta (CARVALHO, 2005: 51), dimensiona toda sua produção
arsca e intelectual. O escritor ofertou a africanos e a não-africanos um chão
rico em saberes “outros”, veredas, via de regra, desconhecidas ou ignoradas
pelo cenário global ocidentalizado, a m de propor também a desconstrução do
alicerce de muitos papéis neocoloniais.
Novos olhares são de fato reivindicados. Na obra do autor, estão evidentes
marcas das travessias por uma diversidade de paisagens culturais, com a propos-
ta de nova leitura de todo um imaginário sobre o connente africano. Em “Ve-
nho de um sul”, poema dos mais emblemácos em sua obra inaugural, anuncia
o lugar de onde vem, cujo “tempo circular” reatualiza, por meio da palavra, a
própria construção do homem e do mundo, em confronto com o tempo regula-
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dor de hegemonias de “um norte” a Ocidente.
Eu vim ao leste
dimensionar a noite
em gestos largos
que inventei no sul
pastoreando mulolas e anharas
claras
como coxas recordadas em maio.
Venho de um sul
medido claramente
em transparência de água fresca da manhã.
De um tempo circular
liberto de estações.
De uma nação de corpos transumantes
confundidos
na cor da crosta acúlea
de um negro chão elaborado em brasa. (CARVALHO, 2005: 35)
O ritmo do poema, gerado a parr de recursos como o uso de aliterações e
assonâncias, entre elas “leste / largos; mulolas e anharas / claras; transuman-
tes / confundidos; cor da crosta acúlea”, e da entonação, com a alternância de
sílabas graves e agudas, como no verso “em transparência de água fresca da
manhã” (CARVALHO, 2005: 35), revela o caráter temporal e cíclico do texto. A
poesia é, ela própria, “de um tempo circular / liberto de estações” (Idem, p. 35),
quer dizer, o tempo de um eterno retorno do ritmo, com o sujeito abrindo-se a
experiências de sendo.
A voz lírica sugere a expansão do tempo e do espaço, encontrando-se a leste
para “dimensionar a noite / em gestos largos” (CARVALHO, 2005: 35). Viajar a
impulsiona a olhar para dentro a parr da experiência dinâmica do ir e vir, como
fez Duarte em vida, em consonância com os “corpos transumantes” da nação
angolana, em especial, os do sul, lugar de invenção de sua arte e de reinvenção
de paradigmas. Em certa medida, a localização apresentada no poema sacraliza
o “negro chão” dos africanos, pois este é impregnado de ser, refúgio de forças
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capazes de diferenciá-lo e de conferir-lhe signicado e valor. “Elaborado em bra-
sa”, o chão resiste ao tempo e aponta a construção de um novo começo, inclu-
sive para Angola, prestes a conquistar sua independência, quando da escrita do
texto.
A parr de então, Ruy Duarte se lança com força sobre o potencial do discurso
poéco. Trabalhando simultaneamente diferentes linguagens, como a épica, a
teatral, a cinematográca, a plásca, a fotográca, a narrava, a referencial, a
descriva, a ensaísca e outras, leva-nos a reer sobre o mosaico que se vai
construindo em torno de sua moderna poesia. A começar pelo papel do sujeito
lírico, que se constrói dentro e fora do poema, já que, muitas vezes, encontra-
mos aí importantes traços biobibliográcos do escritor. O poema “Tempo em
ausência”, dividido em dois momentos, um em prosa e outro em verso, que abre
o livro A decisão da idade, de 1976, nos oferece um exemplo da busca do sujei-
to pela palavra e da palavra pela imagem. Vejamos uma passagem do primeiro
momento:
Vou caminhar em frente até que anja o mar. Não este mar que vejo à retaguarda,
donde nos vem a brisa laminar das tardes de setembro, mentor do céu de bruma
que nos maninha o chão.
Eu vou seguir em frente e ultrapassar o paredão das serras, a corna das águas
que na distância acende a redobrada angúsa de uma possível esperança. (Grávida
brecha no vapor salgado, que permisse o derramar das águas na raiz dos pastos,
na porcelana vítrea das lagoas, na sede solta dos areais das dambas!...)
Vou caminhar em frente e procurar o espelho de outras águas, como se fosse a
úlma estação e eu nunca mais morresse ao pôr do Sol no ventre insaciável das
viagens.
Eu tenho à minha frente os connentes todos, a dimensão soberba de oceanos
dados às mãos do meu vigor e audácia, a vasdão do céu e os magnos horizontes
da loucura, a clareira das praças e o sexo aberto das muldões estrangeiras, os
reinos do passado e o esmulante sobressalto da penetração possível das idades.
Dentro de mim, uma saudade eterna de sorrisos, uma urgência vital de retratar
imagens, de desnar-me às chamas da minha combustão. (CARVALHO, 2005: 55.)
Aqui, a poesia é expressa em prosa, ou seja, é empregada a linha connua
da página. Ao todo, o momento inicial do poema é dividido em dez parágrafos,
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havendo um espaço a mais entre o terceiro e o quarto, o quinto e o sexto, e o
oitavo e o nono. Levando em conta esta organização, poderíamos dizer que a
separação dos parágrafos indica uma sequência de quatro “estrofes”. Nas duas
primeiras, transcritas acima, observamos a composição da frase em segmentos
que lembram a cadência do verso e são impregnados de lirismo. Cada parágrafo
parece explodir em um jato, com um ritmo que vai reunindo harmonicamente
os membros do período sintáco.
A linguagem polissêmica do poéco é latente, capaz de exprimir a plurali-
dade de sensações, um somatório do confronto entre elementos concretos e
inquietações subjevas. A musicalidade, especialmente no uso de aliterações e
assonâncias, e a metaforização intuiva aproximam o poema de traços simbo-
listas, como em “(Grávida brecha no vapor salgado, que permisse o derramar
das águas na raiz dos pastos, na porcelana vítrea das lagoas, na sede solta dos
areais das dambas!...)” ou em “o esmulante sobressalto da penetração possível
das idades”. As frases musicais acabam por ter primazia sobre o sendo, uma vez
que o que está em jogo é a fruição poéca, podendo o leitor car mais com a
sensação do que exatamente com o conteúdo.
Além do uso de imagens plurissignicavas, o detalhamento descrivo e a
plascidade, como se o poeta desenhasse duas visões – a do lugar que se pre-
tende ir, representado a parr do mar e de toda a natureza circundante, e a do
imaginário, gurada por “uma urgência vital de retratar imagens, de desnar-me
às chamas da minha combustão” (CARVALHO, 2005: 55) –, ao contrário do que
possa parecer, revelam uma noção pouco precisa do espaço e do tempo, outra
caracterísca singular do gênero lírico. Mesmo que as deambulações etnográ-
cas do autor nos dê pistas sobre o espaço, este ainda se mostra nebuloso para
o leitor. De que mares está falando o sujeito? O leitor atento e abastecido de
referentes pode idencar ao menos dois: o oceano Atlânco “à retaguarda”,
pois seria “mentor do céu de bruma que nos maninha o chão” (Idem, p. 55),
ou seja, atrás da história dos angolanos estão os portugueses e a colonização
instuída no país, que “maninhou” o chão, quer dizer, deixou “sem cultura” a
terra; e o mesmo Atlânco a sul, para além do “paredão das serras” (Idem, p. 55)
e margeando o deserto do Namibe. Contudo, o espaço ainda é volúvel, por ser
também o lugar do “eu”. Segundo Massaud Moisés, no gênero prosa poéca, “a
geograa do “eu” não conhece fronteiras” (2012: 574). Não é à toa que o tempo
dramazado está “em ausência”, com o sujeito em suspensão, preparando-se
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internamente para mais uma viagem.
Todos esses elementos conguram não só o poema, mas a tentava de ex-
ploração do potencial da poesia por Carvalho. No uso da linguagem em prosa, a
estudiosa francesa Susanne Bernard, aqui citada a parr de Moisés, recorda que
“na base de toda tentava de poema em prosa, há uma vontade de encontrar
uma forma nova, individual, ao mesmo tempo anárquica em relação às formas
estabelecidas e arscas em sua organização” (apud: MOISÉS, 2012: 580). É exa-
tamente esta a proposta de Carvalho: anarquizar a forma e o conteúdo do po-
ema para expandir os sendos da poesia em outras vozes. Para a pesquisadora
Rita Chaves,
Livre, seu verso trabalha na concepção de uma convenção poéca que nasce
precisamente da comunhão da poesia com a terra e com a consagração de um
universo que ele escolheu como o espaço privilegiado para demarcar a sua viagem.
Poeta transumante, Ruy Duarte pastoreia as palavras e, com elas, propõe novos
sendos que o leitor pode (e deve) acordar. (CHAVES, 2005: 125)
O autorretrato tracejado em 1982 e incluído em Lavra paralela, de 1987, é
mais uma ilustração do “poeta transumante”, pastor de palavras, com cara de
boi e corpo de humano, assemelhando-se, inclusive, ao Minotauro no meio do
deserto-labirinto. Se o poema em prosa, a poesia concreta ou a épica estão
presentes nos dois primeiros livros do autor, nos seguintes, eles se somam à
inovação estéca buscada na incorporação de desenhos próprios e de outros ar-
stas, além da constante rearrumação dos versos na página, da seleção disnta
do léxico, de narravas poécas e de toda uma gama de gêneros reassumidos
liricamente.
Em Exercícios de crueldade, de 1978, a memória da guerra é tema em evi-
dência nos poemas, carregados de um lirismo associado ao senmento de dor
causado pela crueldade como ato e como dureza de um desno. Em entrevista
a Michel Laban, Carvalho declarou ser este “um livro que não poderia ter sido
escrito fora de Angola. E, no entanto, muito pouco, nele, se refere objevamente
a Angola” (LABAN, 1991: 704), sendo essa a sua maneira de “estar na poesia”
(Idem, p. 704). A matéria de fato tende ao global, como se arma toda grande
poesia. As guerras referidas neste seu exercício poéco são muitas, incluindo
as lutas internas do sujeito, na sua “vocação de ausência”, cujo silêncio é uma
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respiração no tempo à espera da voz. No poema “Dedicatória”, encontramos um
belo exemplo dessa experiência de sendo:
Era janeiro e a chuva não caía. Mas era um mês bado por torrentes e se eu zesse
um esforço para fechar os olhos reconhecia logo os horizontes que o corpo uma vez
mais queria rever para consultar-se, humilde. Depois parr talvez, se perdurasse a
vocação da ausência.
A chuva não caía e eu aspirava aos cheiros de uma terra negra que a idade
enriquecera e que só eu sabia. Era uma terra exacta para entender agora, cavada
fundo na aridez dos livros, isto é, das viagens, isto é, das leituras, isto é, das
decisões da idade.
Muita gente morrera, no entanto, rodeada pela maior das discrições. Era uma coisa
que eu previra algures e pela qual chorara, muito novo ainda, a despedir-me já e
no entanto belo, extuante de vigor e de intenções de entrega. Era o futuro aberto
à presciência incauta. Era um choro prematuro e fecundante.
Havia um texto para encerrar um livro e havia um livro para encerrar um tempo. E
eu precisava de um lugar de noite, de um tempo simultâneo sobreposto ao meu,
de uma matriz de areia aonde o verbo se ajustasse ao vento para esculpir no anco
das falésias um texto de silêncios que excedesse os livros. Um texto assim, se o
conseguisse agora, seria para entregá-lo a quem me escuta e a quem repito, para
ocultar o medo:
É um lugar nas dobras do deserto,
um rumor de aluviões inesperados,
um abrigo sonegado à ventania:
é um lugar no Giraul de Cima. (CARVALHO, 2005: 127)
O poema apresenta quatro movimentos, em mais uma mistura da prosa e do
verso: no primeiro, composto por dois parágrafos, sobressaem elementos da
paisagem eleita na trajetória do escritor, a “terra negra” a que se propôs “en-
tender” através da “aridez dos livros, isto é, das viagens, isto é, das leituras, isto
é, das decisões da idade” (CARVALHO, 2005: 127). A ressonância da expressão
explicava “isto é” dá o grau de equivalência entre as escritas, as viagens, as
leituras da voz, da letra e do mundo, e do tempo; no segundo, a morte e a dor
tomam a cena na visão parcular de uma guerra “rodeada pela maior das dis-
crições”, em críca direta a atos de crueldade estrategicamente ignorados pela
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comunidade internacional, tantas vezes ainda repedos quando os interesses
econômicos se sobrepõem aos direitos humanos; no terceiro, o caráter metalin-
guísco do texto nos dá pistas sobre a obra de um poeta em eterna busca pela
palavra capaz de inquietar os alicerces do mundo. Por isso, precisa retornar ao
seu lugar, indicado em verso, já no quarto movimento, “um lugar nas dobras do
deserto”.
Assim, a “Dedicatória” é para oferecer ao outro esse livro que é a palavra do
poeta, a palavra original, desviada pelos “exercícios de crueldade” pracados
pelo homem de uma modernidade autodestruva, no seu impulso em “explorar
pessoas, tratando-as simplesmente como meios ou (em termos mais econômi-
cos do que morais) mercadorias” (BERMAN, 1986: 97).
A quarta publicação de Carvalho é datada de 1979 e a Huíla é, como declarou
o poeta, “mãe desse poema [Encontrarás sinais pelo caminho... sinais miste-
riosos, já se vê...] e de todos os que aparecem nos Sinais” (LABAN, 1991: 706).
No seu processo de criação, arma ter guardado durante anos a frase inicial do
poema e de onde resgata o tulo do livro, para trabalhá-la em uma explosão
de imagens quando se deu conta de ter amadurecido “a ciência que guardava”
(Idem, p. 706) do lugar. Incluindo desenhos, um poema que mistura linguagem
cinematográca, ora em prosa ora em verso trabalhado visualmente na pági-
na, além de uma sequência de poemas chamados “Estórias”, movados por um
fragmento de conto nyaneka rerado de “Cinquenta contos bantos do sudoeste
de Angola”, de Carlos Estermann, o livro revela o caminho que Duarte passará a
percorrer com maior fôlego nos anos seguintes, em busca dos sinais misteriosos
da terra e da reencenação literária desses sinais a parr de linguagens que se
entrecruzam e se pluralizam a cada novo olhar para o sul.
Na Lavra de Ruy Duarte encontramos uma poéca permeada também pela
lavra alheia, textos orais de diferentes autorias populares. A escrita do poeta
nasce de uma reescrita, de uma releitura da língua materna, em que se cruzam
aspectos da tradição oral do sul angolano. Pensa a língua portuguesa neste es-
paço africano, apreendendo-a de uma perspecva outra, em um entrelugar que
desliza entre a fala e a escrita. E ao arcular literariamente a modalidade domi-
nante de oralidade, cuida da memória dos muitos grupos identários angolanos.
Em Ondula, savana branca, obra publicada em 1982 e que na poesia reunida
intula-se também “Da lavra alheia I”, Carvalho faz um de seus mais procuos
trabalhos com expressões orais africanas. Em nota introdutória, o autor escla-
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rece que o livro é fruto do tratamento dado a diversas fontes orais e que foi
organizado em três partes, segundo objevos determinados de adaptação dos
textos para a poesia. No primeiro capítulo, intulado “Versões”, adaptou poe-
mas versados em língua francesa e em língua inglesa, publicados em diferentes
obras. No segundo capítulo, chamado “Derivações”, interveio em materiais a
m de congurá-los como poesia. Por m, em “Reconversões”, transformou
em linguagem poéca o texto iniciáco dos pastores peul (fulas), no intuito de
também viabilizar o contato de leitores de poesia com recolhas etnográcas. Ao
nal, indica as fontes e / ou as referências ulizadas em cada uma das compo-
sições e escreve notas explicavas que considera relevantes para uma leitura
contextualizada dos poemas.
Uma pergunta de imediato nos insga, quando pensamos na relação poesia
e sagrado: por que Carvalho fez poesia com as fontes orais exploradas? Por que
escolheu inicialmente o gênero poema?
As movações do poeta podem ter sido inúmeras e de ordens diversas. A
Michel Laban declarou que a produção de poesia “não pode ser senão o resul-
tado da emergência e do curso da própria poesia” (LABAN, 1991: 700) e que “há
temas e matérias que não podem ser tratados em poesia, enquanto há outros
que não podem senão em poesia” (Idem, ibid.). Acentua que o mesmo corpus de
referências pode ser manejado de várias maneiras, porém, a questão seria saber
que materiais e que modalidades estaria apto a aproveitar e a pracar. Ora, por
mais que Ruy Duarte tenha substuído fortemente a poesia pela prosa no seu
percurso literário, os “signos em rotação”, para usar a expressão de Octavio Paz,
da sua poesia parecem ganhar a dimensão da “palavra anterior”, que, na conu-
ência dos tempos, aproxima os homens dos homens, rando do esquecimento
o sendo sagrado da própria existência.
Ao traduzir os materiais recolhidos em poemas, o autor aproxima a palavra
de câncos, provérbios, mitos, rituais, ensinamentos e outros elementos per-
tencentes ao lugar sagrado que a poesia ocupa na escrita literária. A relação do
leitor com tais materiais em uma escrita com função predominantemente refe-
rencial ou didáca, por exemplo, não seria da mesma ordem.
Entre os textos recuperados poecamente, estão respostas do oráculo de Ifa,
porta-voz de divindades cultuadas entre os yorubas, profecias em kwanyama,
o ensinamento oral do Koré, pracado pelos bambaras, o texto iniciáco dos
pastores peul, entre outros. O universo do sagrado é patente no livro e a poesia
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é todo um rito de sonoridades comungadas na escrita, como podemos constatar
no poema “profecia de Muselenga”:
Uedyulu!
Eu já não vejo o gado do rei
eu já não vejo o gado dos grandes!
Apenas de Naminda, e de si só
eu vejo o gado
em Osihedi.
Nas terras de Hayndongo
não vejo senão
as casas dos brancos
de um branco tão branco como o da farinha.
Acaba-se o mundo, acaba de todo!
O rei parrá para o ombala da rã
debaixo do chão
e eu próprio me vou
abrigar no túmulo:
ultrajei o rei. (CARVALHO, 2005: 174-175)
O ritmo do poema, gerado a parr do uso de repeções, de uma cadência mé-
trica, da recorrência a guras fonécas e de uma seleção vocabular minuciosa,
dá o tom da previsão proféca relacionada às riquezas provenientes do gado e
às relações entre rei e súdito.
Já em Lavra paralela, de 1987, como o próprio tulo sugere, são inúmeros os
paralelos costurados nos textos, em especial entre a antropologia e a literatura,
as fontes etnográcas e a produção poéca. O sujeito permanece à espreita,
invesndo-se de e na paisagem, com o intuito de dizer a seu modo o vivido e o
visto em intercâmbios com o outro.
Como se fosse preciso persisr no apuro
para merecer a mão que se pressente.
Bastava acenar garanria a fala
essa afeição segura de intenções cruzadas:
o contorno das trocas. (CARVALHO, 2005: 267)
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Com Observação direta, a lavra alheia pesquisada pelo poeta antropólogo ga-
nha nova ressonância, ampliando, através da letra, outras vozes pertencentes
ao mundo da sabedoria angolana. Aqui, Ruy Duarte trabalha estecamente com
extrações nyaneka, kwanyama, kuvale, além de recolhas pessoais. São provér-
bios, canções pastoris, memórias, hinos, salmos e preces clânicas resultantes
de um contexto temáco ligado a tradições orais africanas e de um exercício de
tramas dos recursos da linguagem. Vejamos um poema de “extracção kuvale:
das leituras da carne”:
1.
....................o traço.........................assim.....................luvinda
...............................é o caminho da chuva................................
nenhum traço...........esses da inveja..............anal...............os
óleos...............................disse: essa parte no rio...................à
nossa volta, os rios........................apareceu aí............e agora
ele disse: os rios..................o leite e os rios.............................
(CARVALHO, 2005: 342)
Os ponlhamentos marcam o tempo da fala, entrecortada, por vezes enigmá-
ca, mas também o tempo / traço da chuva a abastecer rios e terras e todo o
movimento transumante dos pastores kuvale. Esses mesmos pontos prolonga-
dos podem ser encontrados em vários momentos nas obras de Carvalho, apa-
recendo, por exemplo, insistentemente, no úlmo livro do escritor, A terceira
metade, publicado em 2009, romance tomado por leituras intertextuais do seu
próprio percurso literário e acadêmico, em vigoroso diálogo com a poesia.
Antes de Lavra paralela (1987) e Observação direta (2000), vieram
Hábito da terra (1988) e Ordem de esquecimento (1997). Este retoma um dos
temas caros à poesia, o do desconcerto do mundo, para lembrarmos também o
clássico camoniano. Os poemas, ao contrário do que possam sugerir, ram do
esquecimento tormentos, desassossegos e alguma história / estória angolana,
como a memória da guerra ou a dicil circunstância da migração de povos. O po-
ema de abertura, que dá tulo ao livro, é composto por trinta e oito momentos
/ poemas, com extensão e linguagens diversas, como podemos agrar em 5, 7 e
9:
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5
de alguma forma no anco a facada... (CARVALHO, 2005: 287)
7
DIÁLOGO
: ... seria a face da esnge... de perl?
: ... não, frontal. (CARVALHO, 2005: 288)
9
A IMPREVISTA GRAÇA DE UM SOLUÇO INFANTE
ou
CHEQUE EM BRANCO SEM VALIA
ou
VISÃO EXCESSIVA E PARVA
ou
MATEUS 7:6
Alguma dor cortante, violina, um gume, acorda uma saudade do que nunca foi,
inventa um tempo afável, o da distância aberta no olhar da tarde que se debruça
sobre o meu deleite, sobre a surpresa de a achar suspensa no limiar daquilo que
previa, e assim já a sabia, sem saber de .
(...) (CARVALHO, 2005: 288)
A contenção e a sonoridade de um único verso em 5, a pontuação e o jogo
semânco do diálogo sintéco em 7, mais a pluralidade da epígrafe-tulo em 9,
somados à prosa poéca, dão a dimensão da poesia como a terceira margem da
linguagem e, consequentemente, do humano. A dor “violina” a que se refere o
sujeito, que “acorda uma saudade do que nunca foi”, pode ser lida como ima-
gem da própria poesia, que “revela este mundo; cria outro” (PAZ, 1982: 15).
Revelar e criar mundos é próprio da literatura, assim como o é o “hábito da
terra”. Segundo Claudia Marcia Rocha, em Hábito da terra “a escrita-terra burila
o gesto e a forma” (2000: 326). Na obra, Ruy Duarte explora elementos da tradi-
ção oral, como provérbios e citações, relacionando o ango e o novo de maneira
a entrelaçar estecamente tempos e espaços. “Não há lugar achado / sem lugar
perdido. / Casam-se além, as falas de um lugar, / no encontro da memória / com
a matriz.” (CARVALHO, 2005: 231), diz o sujeito em um dos poemas. Ou seja,
trata-se de uma questão, de novo, de apreensão de sendos. Para Carvalho, a
proposta é de:
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(...) encontrar, na elaboração dos textos e para quem labora no registo das
expressões escritas, uma forma que se atrevesse a visar correspondências com
outros exercícios da retenção da palavra, por outros meios mnemônicos, como os
récits ritmados que recorrem às técnicas da repeção e dos paralelismos comuns às
expressões orais estabelecidas e sedimentadas, embora sempre abertas à invenção
que os narradores lhes imprimem, porque a sua maneira pessoal de contar ou
as audiências que os ouvem a isso os conduzem............ ou da necessidade de
encontrar as palavras certas para apreender, para ter alguma noção daquilo que o
espectáculo da via oferecia para ver.......... (CARVALHO, 2008: 17)
Por isso, o poeta reescreve e rediz de maneiras diferentes sua “arte poéca”
ou sua “aprendizagem do dizer fesvo” (CARVALHO, 2005: 229-233). Os quatro
poemas do primeiro momento da obra se autorreferenciam, dialogam sobre o
processo de representação da arte, em espelhamentos e refrações de experiên-
cias líricas, como vemos nos fragmentos a seguir:
1.
Atento, desde sempre, às falas do lugar, nada sei dos sinais se os não conrmo
no encontro da memória com a matriz, quando a carência impõe esforços de
equilíbrio não entre o corpo e as formas que o sustêm mas entre as margens de
uma paragem breve. Registo acasos que desmentem datas e só as não confundem
porque é mesmo assim: regularmente e a conrmar a história. Que se constrói, a
vida, um texto? (...)
Um texto é como um esforço de exisr. A intenção de lado, uma moral herdada. Do
outro lado o curso das palavras, a esteira do seu eco, os sons e os gestos seguidos
uns aos outros, um som que pede um som e essa resposta é já um bolbo de emoção
autônoma, para orir madura, à revelia da intenção primeira. (CARVALHO, 2005:
229. grifos nossos)
2.
Que se constrói? Um texto ou um percurso? A intenção de um lado, resposta vaga,
moral herdada. Do outro lado o curso da palavra, da resposta, o som e o gesto
seguidos um ao outro, um som que aponta a um gesto que exige um som liberto,
e o acto assim é já um bolbo de intenção segura, à revelia da emoção primeira.
(CARVALHO, 2005: 230. grifos nossos)
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4.
A intenção de um lado
uma proposta vaga
uma moral herdada.
Do outro lado
o curso das palavras
os sons
e os gestos
seguidos uns dos outros
um som
que obriga a um gesto
e gera um som liberto
que o conrma.
Um bolbo de emoção
autônomo de força para orir
à revelia da intenção primeira. (CARVALHO, 2005: 232. grifos nossos)
O poeta brinca com as formas, com as palavras e com as semâncas nos tex-
tos, como convém à criação poéca, para mostrar, entre outras coisas, que a
poiésis, assim como a pensou Aristóteles, é encenação e o poeta é um drama-
turgo que compõe dinamicamente quantas peças quiser e como seu potencial
invenvo permir.
Por m, o Livro X – Diário, de Lavra, traz uma sequência de “poemas em
viagem”. O sujeito dos poemas é um viajante, que procura incessantemente
reconstuir, com o olhar, a paisagem, na busca pela palavra que dê conta de
nomeá-la. Seu percurso é geográco, indo de “1. moçâmedes”, “2. yona”, “3.
maihawa”, “4. tyakutu”, “5. vivi (I)”, “6. malola”, “7. vivi (II)”, “8. lute”, “9. kai-
rofa”, até chegar ao “10. deserto”, mas é, sobretudo, um percurso discursivo,
inscrito neste Diário e inserido no labirinto da sua obra como um todo. As es-
tratégias do roteiro de viagem e do diário aparecem na maioria de seus livros
em prosa também, entre eles o fundamental Vou lá visitar pastores (1999) e o
romance Os papéis do inglês (2000).
Em “3. maihawa”, em um dos onze momentos aqui registrados poecamen-
te, Carvalho inclui um poema concreto, ou poema visual, em mais uma ruptura
com a unidade formal do verso, dispondo espacialmente os vocábulos a m de
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ajustá-los ao desenho que complementa o sendo da formação do arco-íris, um
fenômeno ópco que surge em razão das cores irradiadas pela luz solar:
//
havia um magníco arco-íris a nordeste/
(é chuva que bate na serra/
mas por enquanto/ ☼
_______________não passa de lá)/
/
/
/______/\______________ (CARVALHO, 2005: 381)
Há, portanto, nos poemas de Diário, mais uma vez, uma diluição das frontei-
ras entre os gêneros, com a poesia misturando-se à prosa, dando lugar, inclusi-
ve, a apontamentos para um suposto romance. Em vários momentos, o sujeito
quebra um verso, uma estrofe ou um parágrafo para “anotar no diário” trechos
indicados, por ele, como sendo “para o romance” (2005: 378; 379; 386; 395).
Tais apontamentos são mais algumas das marcas intertextuais que os textos de
Carvalho apresentam entre si. Toda a obra do escritor é recortada por referên-
cias a outras de suas falas, por caminhos discursivos que se refazem no tempo e
no espaço da página e do deserto atravessado constantemente.
Dessa forma, podemos dizer que a poéca de Ruy Duarte de Carvalho apre-
senta-se como um discurso em ascensão, em que o poeta viajante gradava-
mente incorpora e ressignica elementos simbólicos do universo angolano,
encenando manifestações do sagrado presentes no codiano, experiências do
próprio sujeito e da linguagem, com o objevo de constuir uma memória co-
leva do grupo.
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