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UM ESTUDO DAS ANALOGIAS SOBRE EQUILÍBRIO QUÍMICO
NOS LIVROS APROVADOS PELO PNLEM 2007
Wilmo Ernesto Francisco Junior*
1
Aline Araújo Dias Barros**
Viviane Martins Garcia***
Ana Carolina Garcia de Oliveira****
RESUMO: Este artigo descreve uma análise crítica das analogias apresenta-
das para o tópico de equilíbrio químico pelos livros de Química aprova-
dos pelo PNLEM 2007. Foram localizadas oito analogias, sendo uma
delas repetida. Cinco dessas analogias estão presentes num único livro,
enquanto outros três possuem uma analogia cada. Não foram identifica-
das analogias em dois dos seis livros. Quatro analogias podem favorecer a
compreensão de importantes aspectos microscópicos do equilíbrio quími-
co, não ignorando as limitações associadas, as quais também tentaram ser
aqui apresentadas. Todavia, as outras quatro analogias, por se configura-
rem demasiadamente simples e desconsiderarem aspectos microscópicos
essenciais, não facilitam a aprendizagem de aspectos envolvidos no equi-
líbrio químico, podendo dificultar ainda mais sua compreensão. Isso não
impede, entretanto, que analogias sejam utilizadas de formas ulteriores,
como na função avaliativa.
Palavras-chave: Analogias; Equilíbrio Químico; Livros Didáticos.
A STUDY OF THE ANALOGIES ABOUT CHEMICAL BALANCE
IN TEXTBOOKS APPROVED BY PNLEM 2007
ABSTRACT: This paper performs a critical analysis of the analogies pre-
sented to illustrate the chemical balance topic in high school chemistry
textbooks approved by PNLEM 2007. Eight analogies were detected, one
of which was repeated. Five analogies are present in a single textbook,
while three of the textbooks presented just one analogy. Two textbooks
contained no analogies. Four analogies can be handy to understand
important microscopic aspects about chemical balance, but evidence cer-
tain limitations, which this paper discusses. Nevertheless, the other four
analogies are very simple and do not consider essential microscopic
aspects. Therefore, these analogies can make chemical balance difficult to
be learned. However, simple analogies can be used in other ways, such as
means for evaluation.
Keywords: Analogies; Chemical Balance; Textbooks.
Rev. Ensaio | Belo Horizonte | v.13 | n.02 | p.85-100 | mai-ago | 2011
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*Doutor em Química (tese
em Educação Química) pelo
Instituto de Química da
Universidade Estadual
Paulista (UNESP). Professor
do Departamento de Química
da Universidade Federal de
Rondônia (UNIR).
Coordenador do
PIBID/CAPES/UNIR.
E-mail:
wilmojr@bol.com.br
**Licencianda em Química
pela Universidade Federal de
Rondônia (UNIR). Bolsista do
PIBID/CAPES.
E-mail:
aline.a.d.barros@hotmail.com
***Licencianda em Química
pela Universidade Federal de
Rondônia (UNIR). Bolsista do
PIBID/CAPES.
E-mail:
vivianexxi@gmail.com
****Doutoranda em
Educação pela Universidade
Estadual de Campinas
(UNICAMP). Professora do
Departamento de Química da
Universidade Federal de
Rondônia UNIR. Colaboradora
do PIBID/CAPES/UNIR.
E-mail:
acgdeoliveira@yahoo.com.br
1. INTRODUÇÃO
O ensino de Ciências e, especificamente o de Química no contexto
desse trabalho, torna-se diferenciado, haja vista a maior parte de seus conceitos
serem abstratos, necessitando, portanto, de uma modelização em nível mental
para que ocorra sua assimilação. Segundo Jonhstone (2000), essa modelização
mental, sobretudo acerca do nível microscópico, “[...] é a força de nossa discipli-
na como atividade intelectual, e a fraqueza de nos sa disciplina quando tentamos
ensiná-la, ou o mais importante, quando os estudantes tentam aprendê-la.”
(JONHSTONE, 2000, p. 11).
Um desses conceitos que exige forte nível de teorização e modelização
mental é o equilíbrio químico. Para Raviolo e Garritz (2008), os aspectos mais
abstratos do equilíbrio químico são sua natureza dinâmica, a diferenciação entre
situações de não equilíbrios e situações de equilíbrio, a manipulação mental do
princípio de Le Chatelier e algumas considerações sobre a energia do processo.
Por sua vez, Souza e Cardoso (2008) apontam que a aprendizagem do equilíbrio
químico requer conhecimento prévio de alguns conceitos, tais como: soluções,
ligações e reações químicas, cinética, termoquímica e estequiometria. Porém,
nem todo aluno dispõe desses conhecimentos, o que os leva, no momento da
aprendizagem de equilíbrio químico, a pensá-lo como algo estático, similarmen-
te ao equilíbrio do andar de bicicleta ou de uma balança (MACHADO;
ARAGÃO, 1996). Outra dificuldade é a “manipulação mental” do caráter dinâ-
mico em que partículas de reagentes e produtos coexistem em um sistema fecha-
do, sujeitos a colisões constantes (SOUZA; CARDOSO, 2008).
Machado e Aragão (1996) também acenam a dificuldade em entender
a diferença do que é igual para o que é constante no equilíbrio químico. Em
geral, os alunos tendem a pensar que as concentrações e quantidades de reagen-
tes são iguais ao invés de constantes. A visão de que reagentes e produtos encon-
tram-se separados ou compartimentados também é comum (RAVIOLO;
GARRITZ, 2008).
As dificuldades descritas acima tornam difícil a explicação e a com-
preensão do equilíbrio químico, o que conduz professores e autores de livros
didáticos a empregarem, com frequência, analogias para o estudo deste tópico.
Pesquisas como as de Raviolo e Garritz (2008) e de Francisco Junior (2009), as
quais investigaram a presença de analogias em livros didáticos de Química, reve-
lam a presença de analogias para o tal assunto.
O uso de analogias está enraizado no cotidiano e mesmo no próprio
ato de cognição humana. As analogias, em geral, configuram-se numa compara-
ção entre dois eventos: um que se pretende explicar e, portanto, desconhecido,
e o já conhecido e que servirá de referência. Pádua (2003) sublinha que nos pri-
meiros meses de vida já se pode verificar a capacidade dos bebês em concatenar
ritmos a estímulos visuais. Por outro lado, como apresenta Francisco Junior
(2009), o conceito de analogia é amplo e, às vezes, as definições não são con-
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fluentes. O que é classificado como analogia por um determinado autor pode
não ser por outro. Genericamente, a analogia pode ser compreendida como uma
comparação na qual se pode conhecer um fenômeno desconhecido mediante o
estabelecimento de correspondências com o fenômeno já conhecido. Ainda
assim, como reporta Francisco Junior (2009), desvela-se a necessidade de elucu-
brar a analogia como:
[...] um processo cognitivo pelo qual, a partir da identificação das semelhanças entre
dois conceitos, é possível fazer inferências sobre o conceito menos conhecido e pre-
dizer os aspectos não correspondentes entre ambos. [...]. Em outras palavras, a analo-
gia é uma forma de pensar, com a qual se pode conhecer um fenômeno desconheci-
do a partir do estabelecimento de correspondências com o fenômeno já conhecido.
[...]. Mas, ao mesmo tempo, [...] são parte integrantes da comunicação humana, isto é,
são dispositivos da linguagem. [...]. Portanto, pode-se ainda distinguir a analogia
enquanto um instrumento para [...] facilitar o entendimento de algo a alguém.
(FRANCISCO JUNIOR, 2009, p. 124)
Vale ainda enfatizar que, no presente trabalho, será denominado de con-
ceito alvo aquele que se quer aprender (ensinar), e de conceito análogo aquele que ser-
virá de subsídio no alcance ao primeiro.
Delimitado o conceito de analogia aqui assumido, é fundamental des-
tacar que também não há consenso sobre a real contribuição desse recurso em
termos de aprendizagem. O uso de analogias está relacionado às diversas com-
petências cognitivas tais como percepção, imaginação, criatividade, memória,
resolução de problemas além do desenvolvimento conceitual (FRANCISCO
JUNIOR, 2009; 2010). Entretanto, Duit (1991), por exemplo, considera a analo-
gia como uma faca de dois gumes. Elas funcionam bem quando as semelhanças
predominam, e tendem a falhar quando as diferenças começam a prevalecer.
Esta última situação torna-se preponderante quando do uso de analogias de
forma espontânea, o que em geral ocorre sem a delimitação das partes que estão
sendo comparadas, assim como das limitações dessas comparações. De tal
maneira, os alunos podem levar a analogia longe demais e fazer comparações
incorretas dos atributos (MONTEIRO; JUSTI, 2000). Por conseguinte, é mais
provável que o uso espontâneo das analogias, ao invés de ajudar, provoque o
entendimento equivocado do conceito alvo.
Assumindo que muitas das analogias empregadas espontaneamente
em sala de aula provêm de livros didáticos, além do próprio fato de alunos lerem
os livros, a análise dessas analogias em livros de Química adquire relevância sob
o ponto de vista de uma discussão crítica acerca de sua inserção no processo de
ensino-aprendizagem. Diante de todas as questões supracitadas, sobretudo as
dificuldades do conceito de equilíbrio químico e o uso recorrente de analogias
para este tópico em livros didáticos, neste artigo foi feita uma análise das analo-
gias sobre equilíbrio químico encontradas nos livros aprovados pelo PNLEM
2007 (Programa Nacional do Livro Para o Ensino Médio – 2007). O intuito não
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é sinalizar virtudes ou falhas nos livros analisados, mas sim promover discussões
epistemológicas críticas das analogias identificadas, almejando contribuir para o
seu uso ou não em sala de aula. Assim, intenta-se responder duas questões prin-
cipais: As analogias empregadas para o tópico de equilíbrio químico são poten-
cialmente promissoras para a aprendizagem? Quais os cuidados e as formas mais
adequadas para introduzi-las em sala de aula?
2. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
A despeito da grande diversidade de livros didáticos de Química para
o Ensino Médio, a escolha pelos livros aprovados pelo PNLEM foi infundida
pelas recentes políticas públicas de distribuição dessas obras para todo o territó-
rio nacional. Dado o amplo acesso de alunos e professores a esses materiais, bem
como seu suposto uso nas instituições escolares durante três anos, parece razoá-
vel analisar distintos motes das obras aprovadas. Os seis livros analisados rece-
beram códigos de identificação para facilitar a discussão (A, B, C, D, E e F).
Inicialmente, foi conduzida a leitura dos capítulos de equilíbrio quími-
co no intuito de identificar as analogias presentes. Na identificação das analogias
foi considerada a definição apresentada anteriormente (uma comparação na qual
se pode conhecer um fenômeno desconhecido mediante o estabelecimento de
correspondências com o fenômeno já conhecido), ou algum tipo de identifica-
ção da analogia, caracterizada por expressões do tipo: fazendo uma analogia, assim
como, se parece com, pode ser comparada, entre outras.
Após a identificação, as analogias foram classificadas em nove catego-
rias, de acordo com Francisco Junior (2009) que adaptou as categorias de Thiele
e Treagust (1994): (i) Quantidade das analogias; (ii) Conceito alvo (sub-tópico do
equilíbrio químico); (iii) Tipo de relação analógica entre análogo e alvo; (iv) O
nível de abstração dos conceitos análogo e alvo; (v) O nível de enriquecimento
da analogia; (vi) A posição da analogia em relação ao alvo; (vii) Formato da apre-
sentação; (viii) O nível de mapeamento feito pelo autor e (ix) Apresentação e dis-
cussão de limitações.
O primeiro e o segundo item se referem respectivamente à quantida-
de de analogias encontradas nos capítulos de equilíbrio químico e ao sub-tópico
ou conceito alvo. A terceira categoria verifica se análogo e alvo compartilham
aspectos estruturais, funcionais ou ambos. A relação estrutural está relacionada
à aparência física geral, enquanto a relação funcional remete ao comportamento
do sistema. O nível de abstração (item iv), por sua vez, indica se os conceitos
comparados no análogo e alvo são concretos e/ou abstratos. A categoria subse-
quente (item v) analisa o nível de enriquecimento. As analogias podem ser clas-
sificadas em simples, enriquecidas ou estendidas. As analogias simples ocorrem
quando um único atributo (aspecto) é compartilhado entre alvo ou análogo; nas
enriquecidas as analogias compartilham mais de um atributo e nas estendidas são
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usadas mais de uma analogia para explicar o alvo, ou a analogia é modificada para
contemplar outro atributo. Na sexta categoria as analogias foram classificadas
em verbais ou ilustrativas-verbais, sendo a primeira descrita unicamente por
texto e a segunda quando uma imagem representando o análogo é acompanha-
da de texto. A posição da analogia (antes, após, durante ou a margem do alvo)
também foi considerada (item vii). A oitava categoria discute o nível de mapea-
mento entre os conceitos alvo e análogo, bem como se o(s) autor(es) debate(m)
os atributos correspondentes entre os conceitos. A última categoria verifica se há
a apresentação de limitações para a analogia.
A partir das categorias expostas acima e apoiando-se no extenso refe-
rencial teórico sobre analogias no ensino de Ciências, destacando-se os trabalhos
de Curtis e Reigeluth (1984), Duit (1991), Thiele e Treagust (1994), Dagher
(1995), Monteiro e Justi (2000), Oliva et al (2001), Raviolo e Garritz (2008) e
Francisco Junior (2009; 2010), foram conduzidas reflexões epistemológicas acer-
ca das potencialidades, limitações e possibilidades de uso das analogias identifi-
cadas.
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
A leitura das obras indicou a presença de oito analogias nos capítulos
de equilíbrio químico. A Tabela 1 apresenta uma breve descrição dos conceitos
comparados (análogo e alvo). As analogias são identificadas pelo código corres-
pondente ao livro no qual foi localizada (A, B, C, D, E ou F) e por um índice
subscrito que indica a sequência de analogias em cada um dos livros.
Tabela 1 – Breve descrição dos conceitos análogo e alvo das analogias encontradas.
Pode-se observar que cinco dessas analogias estão presentes em um
único livro, enquanto outras três obras possuem uma analogia cada. Não foram
identificadas analogias para o tema equilíbrio químico em dois dos seis livros.
Apenas uma das analogias verificadas (pessoa andando numa esteira – velocida-
de das reações direta e inversa) repetiu-se (livro A e D).
Um dos principais aspectos a serem considerados na seleção de uma
analogia é a sua familiaridade para os alunos; em outras palavras, os alunos
necessitam compreender o análogo para compreender o conceito alvo. Por esta
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Analogia
A1, D2
B1
C1
D1
D3
D4
D5
Alvo
Pessoa andando numa esteira
Redução da pressão e da solubilidade do gás na garrafa de
refrigerante
“Guerra” das mamonas
Evaporação e condensação da água
Trecho percorrido de uma estrada
Boneco do tipo João-Teimoso
Vaso comunicante
Alvo
Velocidade das reações direta e inversa
Deslocamento do equilíbrio para esquerda e direita
Quantidade de produto e reagente, caráter dinâmico
e velocidade da reação
Igualdade da velocidade das reações
Grau de equilíbrio
Deslocamento do equilíbrio
Deslocamento do equilíbrio
razão, o conceito análogo deve, sempre, ser mais acessível do que o conceito
alvo, isto é, exige uma relação direta, mais compreensível e mais cotidiana com
os alunos. Nesse sentido, todas as analogias identificadas parecem contemplar tal
requisito, uma vez que trazem como análogos conceitos próximos à realidade da
maior parte dos estudantes. Ao mesmo tempo, o fato de 7 das 8 analogias
(Tabela 2) serem do tipo concreta-concreta as tornam potencialmente mais fami-
liar aos estudantes.
Isso não significa, por outro lado, que tais situações possam ser facil-
mente compreendidas pelos estudantes e que estes sejam capazes de transpor as
similaridades entre análogo e alvo. O simples conhecimento daquilo que está
sendo comparado não conduz imediatamente a formulação de um conceito.
Todo conceito ao ser formulado, tanto na história da Ciência como na estrutura
cognitiva do aluno, passa por uma série de modificações e aperfeiçoamentos.
Para tanto, outros aspectos carecem de análise.
Tabela 2 – Classificação das analogias segundo o tipo de relação analógica,
o nível de abstração e o nível de enriquecimento.
Um dos grandes problemas do emprego das analogias são compara-
ções que parecem óbvias para aqueles que a conhecem, mas não são para os alu-
nos (DUIT, 1991). Por exemplo, pode não ser óbvio para aluno e, até mesmo de
difícil compreensão, que a velocidade de uma pessoa caminhando na esteira é a
mesma com a qual a fita dessa esteira se move no sentido oposto.
Essa familiarização e transposição adequada passam também pelas
similaridades entre os sistemas que estão sendo comparados. Analogias que abar-
quem fundamentos estruturais e funcionais são potencialmente mais favoráveis.
Entretanto, analogias cujas estruturas difiram muito, podem trazer sérios prejuí-
zos. No caso da analogia de uma pessoa andando na esteira (analogias A1 e D2),
esse sistema compreende diferenças estruturais significativas em relação ao equi-
líbrio químico. O primeiro se refere a um sistema essencialmente físico e macros-
cópico, cujas características não contribuem para a modelização mental necessá-
ria ao entendimento do equilíbrio em nível microscópico, ignorando aspectos
como as constantes colisões entre partículas.
Ademais, ainda que a pessoa se movimente na esteira, sua posição em
relação a um observador parado, por exemplo, não se modifica, o que pode
reforçar a ideia prévia de que o sistema se encontra estático no equilíbrio quími-
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Analogia
A1
B1
C1
D1
D2
D3
D4
D5
Relação analógica
Funcional
Estrutural-Funcional
Funcional
Estrutural-Funcional
Funcional
Funcional
Funcional
Funcional
Nível de abstração
Concreta-abstrata
Concreta-abstrata
Concreta-abstrata
Abstrata-abstrata
Concreta-abstrata
Concreta-abstrata
Concreta-abstrata
Concreta-abstrata
Nível de enriquecimento
Simples
Enriquecida
Enriquecida
Enriquecida
Simples
Simples
Simples
Simples
co. A experiência primeira ou realismo ingênuo, por ocasionar uma satisfação
inicial muito forte, é um dos fatores que podem promover a formação de obstá-
culos epistemológicos (LOPES, 1992). Estes, por sua vez, constituem obstácu-
los pedagógicos e tolhem a aprendizagem na medida em que dificultam o pro-
cesso de abstração recorrente na formação dos conceitos científicos. Como afir-
ma Lopes (1992, p. 258): “o conhecimento científico é de segunda aproxima-
ção”, e prossegue a autora, “o conhecimento não está no objeto, mas se produz
por consecutivas retificações dos dados primeiros”. (LOPES, 1992, p. 258).
Outro aspecto negativo dessa analogia é o seu nível de enriquecimen-
to. O único atributo passível de comparação, o que a caracteriza como uma ana-
logia simples, é a igualdade das velocidades (pessoa-esteira) com a igualdade da
rapidez das reações (direta-inversa). Contudo, como a igualdade das concentra-
ções de reagentes e produtos é uma concepção espontânea muito inveterada
para o equilíbrio químico, a analogia da esteira reforça essa ideia, na medida em
que os estudantes tendem a transpor a igualdade das velocidades pessoa-esteira
ao conceito de igualdade entre a concentração de reagentes e produtos, não em
relação à rapidez da reação. Dado que os autores não explicitam nem discutem
as limitações dessa analogia (possivelmente nem os professores), a mesma tende
a favorecer uma distorção do conceito de equilíbrio químico, tolhendo seu real
significado. Analogias demasiadamente simples carreiam problemas justamente
por encerrarem muitas limitações, que geralmente são ignoradas, facilitando a
transposição de ideias inadequadas e o fortalecimento de conhecimentos pré-
vios. Thiele e Treagust (1994), analisando livros de Química australianos, corro-
boram essa posição.
Tais fatores não impedem, necessariamente, o uso desta analogia,
desde que todas essas limitações sejam consideradas, ou que os estudantes
tenham maturidade conceitual para reconhecê-las. Todavia, em nível médio, o
tempo demandado para a discussão de todas essas limitações, assim como o fato
dos estudantes estarem iniciando o estudo do equilíbrio químico tornam seu uso
desaconselhado enquanto instrumento de ensino. Por outro lado, uma alternati-
va que parece muito potencial é o emprego desta analogia (e de outras) enquan-
to instrumento de avaliação. Segundo Francisco Junior (2010, p. 122-123):
Após discutir um dado tema, o professor/autor pode apresentar uma analogia para
que os estudantes façam as correspondências entre análogo e alvo. Quanto mais atri-
butos similares e não similares os estudantes conseguirem identificar por si, maior foi
a compreensão sobre aquele determinado assunto. Essa é uma função das analogias
que não pode ser ignorada, mas que poucos autores de livros e poucos pesquisadores
consideram. [...]. Dessa forma, uma analogia pode encerrar tanto a função de facilita-
dora quanto de avaliadora da aprendizagem.
Outra analogia demasiadamente simples é a D4, que compara um
boneco João-Teimoso ao deslocamento do equilíbrio. A única correspondência
é o fato de ambos os sistemas tenderem ao estado de equilíbrio após sofrerem
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modificações. Não há relações com outros aspectos do equilíbrio químico. Além
disso, após a perturbação de um equilíbrio químico, o sistema final não necessa-
riamente é idêntico ao inicial. Um equilíbrio heterogêneo, por exemplo, não é
alterado com a adição de solvente ou do sólido. Mas, por outro lado, o sistema
final não é idêntico ao sistema inicial, haja vista as diferenças na quantidade de
matéria.
Previsões sobre o deslocamento do equilíbrio utilizando o princípio de
Le Chatelier falham para sistemas heterogêneos, conforme discutem Souza e
Cardoso (2008). Assumindo, portanto, que o próprio princípio de Le Chatelier
engendra obstáculos ao desenvolvimento do raciocínio abstrato, pois “afirma-
ções do tipo “o equilíbrio deslocará para a direita (ou esquerda)” são insuficien-
tes como argumento que vise explicar o fenômeno em questão” (SOUZA;
CARDOSO, 2008, p. 52, grifos dos autores), o uso de analogias para tal concei-
to dissemina tais problemas de maneira indiscriminada. Além disso, os sistemas
comparados nesta analogia encerram diferenças tão gritantes (não considera rea-
gentes e produtos e suas concentrações, essencialmente macroscópico, descon-
sidera colisões entre partículas, sistema não fechado) pelo fato de serem regidas
por fundamentos distintos, que mesmo seu uso enquanto instrumento de avalia-
ção torna-se desaconselhável.
Tabela 3 – Mapeamento das similaridades e limitações para a analogia D1.
A analogia D5 também compara sistemas regidos por diferentes fun-
damentos da natureza e pode reforçar a ideia de equilíbrio estático, apresentan-
do problemas epistemológicos similares aos das analogias A1 e D2. Nessa analo-
gia é estabelecida uma comparação entre o deslocamento/restabelecimento do
equilíbrio do nível de água em vasos comunicantes e o deslocamento do equilí-
brio químico. O texto possibilita a interpretação equivocada na medida em que
inicia a comparação da seguinte forma: “No estado inicial, a água está em equilí-
brio (parada) (...)”. (livro D, p. 201, grifos nossos).
Um exemplo de certa forma oposto aos debatidos anteriormente é o
da analogia D1. A Tabela 3 apresenta as similaridades e as limitações para este
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Itens mapeados
Similariades
Limitações
Análogo
Evaporação e condensação da água
1. Sistema fechado
2. Equilíbrio dinâmico e entre partículas
3. Velocidade do processo direto igual à velocidade
do processo inverso
4. Reversibilidade
5. Partículas no mesmo compartimento
6. Perturbação do equilíbrio por temperatura, pressão e
adição (remoção) de água nos diferentes estados
7. Colisão constante entre as partículas
1. Não há transformação de matéria
2. Há rompimento de interações intermoleculares
3. O equilíbrio sempre se dá entre diferentes estados físicos
4. O processo direto no sistema fechado é endotérmico
Alvo
Equilíbrio químico
1. Sistema fechado
2. Equilíbrio dinâmico e entre partículas
3. Velocidade do processo direto igual à velocidade
do processo inverso
4. Reversibilidade
5. Partículas no mesmo compartimento
6. Perturbação do equilíbrio por temperatura, pressão e
adição (remoção) de reagentes e produtos
7. Colisão constante entre as partículas
1. Há transformação de matéria
2. Há rompimento de ligações químicas
3. Na maioria das vezes o equilíbrio ocorre em um mesmo
estado físico
4. O processo direto pode ser tanto endo quanto exotérmico
exemplo. Neste caso, os conceitos comparados referem-se a sistemas de partícu-
las, fechado, dinâmico, cujas semelhanças envolvem tanto aspectos funcionais
quanto estruturais e a tornam uma analogia enriquecida. Esse mapeamento de
similaridades adquire fundamental relevância na utilização de analogias.
Exatamente por isso, estratégias de ensino pautadas no uso de analogias, como
as apresentadas nos trabalhos de Harrison e Treagust (1993), Dagher (1995),
Nagem et al (2001), Galagovsky e Aduris-Bravo (2001) entre outras, sempre
apresentam uma etapa na qual as similaridades são debatidas. Contudo, em ape-
nas uma das analogias analisadas (Tabela 4) é apresentada a descrição das simila-
ridades entre alvo e análogo.
Tabela 4 – Classificação das analogias segundo a posição, o formato de apresentação,
o mapeamento das similaridades e a apresentação das limitações.
Não obstante as semelhanças entre alvo e análogo nessa situação, o
que provavelmente contribui para a aprendizagem, o entendimento dos aspectos
microscópicos da evaporação e condensação da água carreia as mesmas dificul-
dades que a compreensão do equilíbrio químico. Vale então refletir, até que
ponto as dificuldades e o tempo gasto para se compreender o análogo são favo-
ráveis; ou, se por outro lado, a discussão do conceito em si não seria mais viável.
Uma possível saída com vistas a minimizar algumas dificuldades, é o uso de um
sistema fechado com iodo sólido, o qual estabelecerá um equilíbrio com o iodo
gasoso a partir de um processo de sublimação. Devido à coloração facilmente
visualizável, a interpretação dos aspectos microscópicos pode ser facilitada
mediante os aspectos fenomenológicos. No caso do iodo valem as mesmas simi-
laridades e limitações discutidas para a água.
Por sua vez, a analogia B1 também retrata um sistema de partículas,
porém, válido somente para a perturbação do equilíbrio pela pressão. Os fenô-
menos comparados são a redução da pressão sanguínea de um mergulhador
quanto este retorna à superfície, com a redução da pressão ao se abrir uma gar-
rafa de refrigerante. Há o destaque para a diminuição da solubilidade dos gases
dissolvidos em ambos os casos, o que provoca a formação de bolhas de gás no
refrigerante ao ser aberto, evocando a imaginação para a formação de bolhas na
corrente sanguínea. Entretanto, a analogia não é explorada no sentido de discu-
tir outras correspondências, sobretudo os aspectos microscópicos da diminuição
da solubilidade de gases em líquidos, nem as limitações (sistema aberto – siste-
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Analogia
A1
B1
C1
D1
D2
D3
D4
D5
Posição
À margem
À margem
À margem
À margem
À margem
Durante
À margem e durante
Antes
Formato de
apresentação
Ilustrativa-verbal
Verbal
Verbal
Verbal
Ilustrativa-verbal
Ilustrativa-verbal
Ilustrativa-verbal
Ilustrativa-verbal
Mapeamento das
similaridades
Não
Não
Sim
Não
Não
Não
Não
Não
Limitações
Não reconhece
Não reconhece
Não reconhece
Não reconhece
Não reconhece
Não reconhece
Não reconhece
Não reconhece
ma fechado, o que envolve a reversibilidade de um e outro caso; bolhas ficam no
sangue – bolhas escapam para a atmosfera; gases dissolvidos são diferentes).
Quanto mais atributos puderem ser estabelecidos entre a analogia e o
alvo, maior a similaridade e menor, portanto, a possibilidade de transposição de
ideias inválidas. Logo, seria recomendável que análogo e alvo pudessem compar-
tilhar tanto atributos funcionais quanto atributos estruturais, fato incomum nos
resultados apresentados, como visto anteriormente (Tabela 2). Entretanto, não
são todas as analogias que permitem isso e, analogias somente do tipo estrutural
ou somente do tipo funcional podem atingir os objetivos delineados, assim
como analogias do tipo estrutural-funcional podem não conduzir à aprendiza-
gem, por fatores outros, como debatido inclusive para a analogia de evaporação
e condensação da água.
Um exemplo de analogia funcional e potencialmente poderosa é a ana-
logia entre uma “guerra de mamonas” e o equilíbrio químico apresentada pelo
livro E. Nessa, dois garotos lançam mamonas para o quintal vizinho, onde o avô
de um deles as lança de volta. Após algum tempo, a quantidade de mamonas no
lado do avô se torna maior, e a velocidade em que elas são lançadas e devolvidas
se igualam, fazendo com que a quantidade não se altere mais.
Tal analogia é potencialmente poderosa, uma vez que permite explicar
vários fatores das reações químicas em equilíbrio (o caráter dinâmico, a igualda-
de das velocidades das reações direta e inversa, a diferença de concentração entre
reagentes e produtos, bem como o cálculo da constante de equilíbrio). Nesse
caso, especificamente, a analogia poderia ser explorada melhor, elevando seu
potencial em termos de aprendizagem. Embora os autores destaquem as simila-
ridades entre o caráter dinâmico, a igualdade das velocidades das reações direta
e inversa, bem como a diferença de concentração entre reagentes e produtos, tais
aspectos foram abordados de maneira superficial. As limitações da analogia tam-
bém foram ignoradas. Ainda que se reconheça o papel do professor na amplia-
ção das discussões, pelo fato dos livros didáticos não abarcarem todas as possi-
bilidades, caso o professor não tenha formação que possibilite o uso crítico das
analogias, esse recurso diminui sua potencialidade didática. Ao mesmo tempo,
não se pode isentar a responsabilidade daqueles que se propõem a elaborar mate-
riais didáticos por ocultarem questões tão importantes.
A analogia da “Guerra de mamonas” pode ser explorada de forma
lúdica, com os alunos reproduzindo a brincadeira utilizando outros materiais.
Soares et al (2003) discutem uma experiência em que tal analogia foi aplicada na
forma de jogo com estudantes de Ensino Médio, empregando-se bolinhas de
isopor e caixas de papel. A partir disso, foram construídos tabelas e gráficos aná-
logos aos obtidos em um experimento real. As constantes de equilíbrio assim
como outros dados numéricos também foram obtidos. Esta analogia pode ainda
ser estendida pelo professor, a partir da inclusão de outros aspectos, tais como a
energia de ativação (alvo) e a altura do muro (análogo). Quanto maior a altura do
muro, mais difícil é o arremesso das mamonas de um lado a outro e mais tempo
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o equilíbrio leva para ser atingido. Similarmente, quando maior a energia de ati-
vação de uma dada reação, mais tempo é necessário para que seja atingido o equi-
líbrio químico.
Não se pode ignorar, também, as dessemelhanças e limitações de tal
analogia. Dentre as limitações podem ser citadas: (i) o tempo da reação química
que é bem diferente do tempo para transferir as bolinhas de isopor de uma caixa
à outra (ou as mamonas de um lado do quintal ao outro); (ii) o fato da reação
inversa iniciar desde o início do processo, o que não é observado com a brinca-
deira das mamonas (o avô começa a devolver as mamonas após um tempo) nem
com as bolinhas de isopor que passam a ser trocadas entre um caixa e outra
depois de um certo tempo; (iii) a analogia é uma representação macroscópica e
concreta, diferentemente do caráter microscópico e abstrato das reações de equi-
líbrio e, talvez a mais grave delas e (iv) a ideia de que reagentes e produtos encon-
tram-se em compartimentos separados, o que leva a desconsideração das cons-
tantes colisões entre as partículas.
Se de um lado tais limitações não são poucas, de outro se pode afirmar
que caso o estudante seja levado a compreendê-las, o entendimento do equilíbrio
químico encontrar-se-á em um estágio de grande avanço. Aliás, no que concer-
ne às limitações das analogias, vale a ressalva de que em nenhum caso estas são
apresentadas (Tabela 4). Este é um fator preocupante, visto que na maioria dos
casos as limitações podem prejudicar substancialmente a aprendizagem. Mas,
por outro lado, a problematização das limitações apresentadas pelas analogias
também pode resultar em aprendizagem, à que medida que os estudantes pas-
sam a reconhecer e compreender os aspectos não correspondentes entre os con-
ceitos alvo e análogo
No que cinge à posição das analogias, a maior parte delas encontra-se
à margem (Tabela 4), sendo a analogia D3 a única que aparece durante o texto.
Monteiro e Justi (2000) concordam com Curtis e Reigeluth (1984) quanto ao fato
de que as analogias posicionadas antes ou durante a apresentação do alvo podem
ser mais eficazes. Nesses casos, as analogias permitem estabelecer comparações
mais diretas, pois, ao ser apresentado ao conceito alvo, o aluno pode, simultanea-
mente, estabelecer as relações necessárias (MONTEIRO; JUSTI, 2000).
Analogias antes e durante a apresentação do conceito alvo funcionam justamen-
te despertando a atenção do estudante, para que as correspondências sejam devi-
damente estabelecidas (CURTIS; REIGELUTH, 1984; MONTEIRO; JUSTI,
2000). Por outro lado, no caso de analogias como a D5, que podem fortalecer
concepções prévias equivocadas, sua apresentação antes do conceito alvo não é
recomendável.
Como bem alertado também por Monteiro e Justi (2000), a posição
das analogias depende dos objetivos de quem a propõe, assim como da nature-
za dos conceitos alvo e análogo. Dessa forma, uma analogia empregada após a
apresentação do conceito alvo pode ter função avaliadora, como já mencionado.
Analogias à margem funcionam como um complemento do texto principal, e
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também podem ser eficazes à medida que resgatam pontos importantes sobre o
conceito em estudo. Para isso, no entanto, é premente que sejam estabelecidas as
devidas correspondências entre alvo e análogo, fato que ocorre apenas em uma
das analogias encontradas. Há um certo consenso de que o emprego das analo-
gias enquanto recurso didático, tanto em textos quanto verbalmente, deva abar-
car uma etapa na qual há o estabelecimento dos pontos comuns e das limitações.
Nesse quesito, fica o alerta dessa não ocorrência nas analogias estudadas pelo
presente trabalho.
Outro fator a ser destacado são as ilustrações que acompanham as
analogias. As imagens desempenham papel importante no ensino de Ciências,
visto que a pró pria conceitualização depende muitas vezes da visualização
(SILVA et al, 2006). Ademais, além da fun ção explicativa, podem ser ressaltadas
as funções motivadora, informativa e até mesmo reforçadora de ideias que
podem ser desempenhadas pela utili zação de imagens em textos didáticos
(DIÉGUEZ, 1978).
As analogias ilustrativa-verbais atuam reforçando e facilitando a com-
preensão do conceito análogo, mais do que se fossem apenas verbal, pela possi-
bilidade de tornar o análogo familiar ao leitor mediante a visualização, sobretu-
do quando o análogo for de difícil abstração. Esse é o caso da analogia D1, cuja
imagem representando o sistema microscópico auxiliaria a compreensão do aná-
logo. Sendo assim, a inserção de imagens nesses casos é muito bem vinda,
porém, não foi aproveitada para esse exemplo.
A analogia D3 é a única que remonta explicitamente aos aspectos
matemáticos do equilíbrio químico. Esta se refere ao grau de equilíbrio (exten-
são) de uma reação até atingir o equilíbrio, comparado ao trecho percorrido em
uma estrada durante uma viagem. No caso da analogia D3, a imagem (Figura 1)
facilita a “visualização” dos trechos percorridos. A ilustração auxilia o entendi-
mento da extensão da reação, além do autor utilizá-la como suporte para discus-
são do conceito alvo. A despeito dessa analogia contribuir para o conceito de
extensão, a mesma também não compreende os aspectos microscópicos funda-
mentais do equilíbrio químico. De tal maneira, é necessário que se delimite espe-
cificamente para qual situação a mesma é válida.
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Figura 1 – Ilustração para a analogia D3.
Em contrapartida, imagens em situações nas quais a relação entre aná-
logo e alvo é demasiadamente simples podem reforçar aspectos não correspon-
dentes, resultando em problemas já mencionados, como a transposição de con-
ceitos inadequados e de concepções prévias ao alvo. Por exemplo, a fotografia
de uma pessoa caminhando na esteira (Figura 2A), se por um lado torna a estei-
ra mais familiar, por outro pode reforçar a concepção de um sistema estático, o
que é alentado pelo texto (podemos perceber que uma pessoa caminha, mas mesmo assim
não sai do lugar) de suporte. O mesmo vale para a analogia D5, cuja imagem dos
vasos comunicantes (Figura não mostrada) permite melhor compreensão do
análogo, mas o análogo não contribui à aprendizagem por reforçar concepções
prévias equivocadas. Já imagem do boneco João-Teimoso (Figura 2B), por sua
vez, em pouco ou nada contribui para a interpretação em nível microscópico
necessária à compreensão da alteração do equilíbrio químico.
Figura 2 – Ilustrações para as analogias A1 (A) e D4 (B).
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A foto usada na abertura deste capítulo
dá-nos uma ótima ideia de como um
equilíbrio químico se apresenta. Podemos
perceber que uma pessoa caminha,mas
mesmo assim não sai do lugar, isso porque
a esteira que ela utiliza ‘caminha’ no
sentido contrário ao seu corpo com veloci-
dade idêntica à sua. É exatamente essa a
ideia na qual o equilíbrio químico está
baseado. em 1863, os químicos
noruegueses Cato Maximilin Guldberg e
Peter Waage, estudando hidrólise da
sacarose (sacarose +água → glicose +
frutose), reconheceram que o equilíbrio
químico é uma codição dinâmica, sendo
caracterizado não pela interrupção da
reação,mas pelo fato de as velocidades
das reações direta e inversas se tornarem
iguais.
Quando um boneco tipo
joão-teimoso é empurrado,
ele acaba voltando à
posição de equilíbrio.
De acordo com Monteiro e Justi (2000), as ilustrações podem ser con-
sideradas desnecessárias quando: (i) os autores não as utilizam como suporte para
a discussão de ideias a elas relacionadas; (ii) elas não representam o conceito aná-
logo; e (iii) elas não acrescentam nenhuma informação nova ao texto. A partir do
exposto, as ilustrações das analogias D2 e D4 poderiam ser suprimidas sem perda
de compreensão pelo fato dos autores não as empregarem como suporte para a
discussão dos conceitos.
Além disso, as ilustrações das analogias A1, D2, D4 e D5, embora evo-
quem o conceito análogo, não representam o alvo satisfatoriamente, devido aos
problemas já mencionados. De tal maneira, a pertinência das ilustrações depen-
de de como as analogias são empregadas.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
É inegável o recorrente uso de analogias como instrumentos de ensi-
no, sejam por professores ou autores de livros didáticos. O tópico equilíbrio quí-
mico se destaca tanto pela quantidade, como pela variedade de analogias, con-
forme demonstra o trabalho de Raviolo e Garritz (2008). Mais do que condenar
ou justificar esse emprego, é fundamental reconhecer que as analogias carreiam
simplificações inerentes e, que isso exige uma discussão crítica dos aspectos epis-
temológicos envolvidos. Nesse sentido, este trabalho buscou apresentar uma
análise crítica que visa orientar, sobretudo, em quais situações e quais modos de
utilização podem ser proveitosos.
Das oito analogias identificadas, relembrando que uma delas se repe-
te, quatro delas podem favorecer a compreensão de importantes aspectos
microscópicos do equilíbrio químico (como o caráter dinâmico, a igualdade das
reações direta e inversa, a não alteração da concentração de produtos e reagen-
tes) não ignorando as limitações associadas, as quais tentaram ser aqui contem-
pladas. Todavia, a maioria delas falha em um dos aspectos centrais, apresenta-
do por Sousa e Cardoso (2008), que é a “manipulação mental” do caráter dinâ-
mico em que partículas de reagentes e produtos coexistem em um sistema
fechado, sujeitos a colisões constantes. Apenas a analogia D1 pode contribuir
nessa questão, não ignorando também suas dificuldades de compreensão e
suas limitações.
Todavia, as analogias A1, D2, D4 e D5 por se configurarem demasiada-
mente simples e desconsiderarem aspectos microscópicos essenciais, além de
não facilitarem a aprendizagem dos conceitos envolvidos no equilíbrio químico,
podem dificultar a sua compreensão, à medida que promovam a formação de
obstáculos epistemológicos. Isso não impede, por outro lado, que algumas des-
sas analogias sejam utilizadas de formas ulteriores, como por exemplo, na fun-
ção avaliativa. Nesse contexto, a problematização de analogias que apresentem
muitas limitações pode promover a aprendizagem à que medida que os estudan-
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tes passam a reconhecer e compreender os aspectos não correspondentes entre
os conceitos alvo e análogo.
No bojo das reflexões sobre o uso das analogias como instrumento
didático, assim como de outros, está o planejamento e o reconhecimento de suas
vantagens e desvantagens. Nesse sentido, o professor é um ator essencial e que
tem sua responsabilidade aumentada, pois, em grande parte das analogias pre-
sentes em livros didáticos estão ausentes discussões sobre os atributos corres-
pondentes e não correspondentes, bem como acerca das limitações das analo-
gias. É importante, por parte do professor, a ciência dessa responsabilidade devi-
do aos próprios aspectos limitadores do livro didático, além das diferenças cul-
turais resultantes de sua produção. Os livros didáticos não dão conta de tudo que
possa ser importante para a aprendizagem, e nem poderiam, por questões de
espaço ou mesmo concepções pedagógicas de ensino que o norteiam. Ainda que
o livro possa ser considerado bom, este nunca abarcará tudo aquilo que pode ser
importante.
Somado a isso ainda aparecem as enormes diferenças culturais brasi-
leiras que se tornam variantes. Por exemplo, a analogia da “guerra das mamonas”
pode causar estranheza para grupos de alunos que nunca ouviram o termo, ou
nunca viram uma mamona, assim como estudantes de uma comunidade ribeiri-
nha provavelmente nunca viram uma esteira para caminhada/corrida. Logo, a
negociação e discussão das analogias pode se configurar como um recurso adi-
cional para o professor fugir da rotina em sala de aula, permitindo novas possi-
bilidades e implicações para cada situação em específico. Devido às diversas rea-
lidades, essa estratégia poderia se constituir até mesmo em um momento de mul-
ticulturalismo ao abranger noções e terminologias distintas para dados exemplos
e analogias.
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