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Reclamar é argumentar ou injuriar? Transgressões linguístico-discursivas na carta de reclamação.

Authors:
Dados internacionais de catalogação na publicação.
Catalogação na fonte. Bibliotecária Graziella Silva Moura.
C722 Colóquio ALED Brasil: Discurso e práticas sociais (3.:2010:
Recife, PE)
Anais do III Colóquio da Associação Latinoamericana de Estudos do Discurso – ALED:
Discurso e práticas sociais, Recife, PE, 13 a 15 de outubro de 2010: Anais eletrônicos
.- Recife, PE: UFPE, 2010.
3264 p. : il.
ISBN 978-85-98968-22-3
Inclui bibliografia e índice
1. Análise do discurso. 2. Práticas sociais. 3. Educação 4. Mídia – Representação social. I.
Título. II. Saito, Kazue (org.). III. Hoffnagel, Judith (org.). IV. Alencar, Rosane (org.). V.
Falcone, Karina (org.)
CDU 81’42
Recife. Março, 2011© Reservados todos os direitos desta obra.
Reprodução proibida, mesmo parcialmente, sem autorização expressa das organizadoras.
III COLÓQUIO DA ALED BRASIL
Discurso e práticas sociais. Um tributo a Luiz Antonio Marcuschi.
ENTIDADE ORGANIZADORA
Associação Latinoamericana de Estudos do Discurso do Brasil - Aled Brasil
ENTIDADES PROMOTORAS
Núcleo de Estudos da Língua Falada e Escrita - NELFE
Programa de Pós-graduação em Letras – Universidade Federal de Pernambuco
COORDENAÇÃO
Kazue Saito M. de Barros (Nelfe/PPGL)
VICECOORDENAÇÃO
Judith Honagel (Nelfe/PPGL)
SECRETARIA
Rosane Alencar (Nelfe/Departamento de Ciências Sociais)
COMISSÃO DE INFRAESTRUTURA
Beth Marcuschi (PPGL)
COMISSÃO DE COMERCIALIZAÇÃO
Marigia Aguiar (Nelfe/Unicap)
COMISSÃO DE DIVULGAÇÃO
Karina Falcone (Nelfe/PPGL)
COMISSÃO CIENTÍFICA
Beth Marcuschi (PPGL); Doris Arruda (Nelfe/PPGL); Judith Honagel (Nelfe/PPGL); Karina Falcone
(Nelfe/PPGL); Kazue Saito M. de Barros (Nelfe/PPGL); Marigia Aguiar (Nelfe/Unicap); Rosane Alencar
(Nelfe/Departamento de Ciências Sociais)
PROJETO GRÁFICO DO EVENTO
(Pipa Comunicação - www.pipacomunicacao.net)
REVISÃO
As organizadoras
COMITÊ CIENTÍFICO
Angela Paiva Dionisio (UFPE, Dep. Letras)
Benedito Gomes Bezerra (UPE / Garanhuns)
Cristina Teixeira Vieira de Melo (UFPE, Dep. Comunicação)
Denize Elena Garcia da Silva (UnB)
Diana Luz Pessoa de Barros (USP e U.P. Mackenzie)
Doris Arruda Carneiro da Cunha (UFPE, Dep. Letras)
Elizabeth Marcuschi (UFPE, Dep. Letras)
Judith Honagel (UFPE, Dep. Letras)
Karina Falcone (UFPE, Dep. Letras)
Kazue Saito M. de Barros (UFPE, Dep. Letras)
Luciano Meira (UFPE, Dep. Psicologia Cognitiva)
Marianne Carvalho Bezerra Cavalcante (UFPB)
Marigia Aguiar (UNICAP)
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Maria Eulalia Sobral Toscano (UFPA)
Marli Leite Quadros (USP)
Marlos de Barros Pessoa (UFPE, Dep. Letras)
Mercedes Fátima de Canha Crescitelli (PUC-SP)
Monica Magalhães Cavalcante (UFC)
Remo Mutzenberg (UFPE, Dep. Ciências Sociais)
Rosane Alencar (UFPE, Dep. Ciências Sociais)
Rosangela Tenório (UFPE, Dep. Educação)
Silke Weber (UFPE, Dep. Ciências Sociais)
Sueli Cristina Marquesi (PUC-SP e UNICSUL)
Wander Emediato (UFMG)
Zilda Gaspar Oliveira de Aquino (USP)
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RECLAMAR É ARGUMENTAR OU INJURIAR?
TRANSGRESSÕES LINGUÍSTICO-DISCURSIVAS NA
CARTA DE RECLAMAÇÃO
Isabel Roboredo Seara
(Universidade Aberta e Centro de Linguística Universidade Nova de Lisboa)
1. O género epistolar: a carta como veículo privilegiado de comunicação
Os tipos, gêneros e formas textuais não são, portanto,
fenômenos inerentes à língua, são conseqüências do uso
interativo da língua,ou melhor dito, são práticas sociais.
Marcuschi (2000:96)
Ab initio, partiremos de uma definição genérica de texto epistolar, proposta por
R. Duchêne, que, em 1973, o define como “a expressão directa e complexa de um
sujeito que, colocado numa situação concreta e determinada, necessita e se socorre
da escrita para comunicar com o outro”
1
.
A situação de enunciação é dada através da escrita e traduz-se por um esforço
de anular a distância entre os interlocutores sendo, como tradicionalmente é
referido, uma conversação in absentia.
Sabemos que subjaz ao texto epistolar, à carta, uma ausência.
O texto epistolar inscreve-se naturalmente numa situação de comunicação
diferida que se caracteriza por uma décalage espácio-temporal, em que os
correspondentes não estão evidentemente em situação de co-presença.
Importa neste colóquio homenagear Marcuschi e convocar aqui a sua reflexão
sobre o texto epistolar: Afirma: “Por isso, classificamos a carta como um texto que
envolve um contexto comunicativo, sendo um fenômeno empírico global e um fato
social consolidado nas práticas discursivas diárias” (Marcuschi, 2000:64).
2. Estrutura prototípica da carta de reclamação
Neste trabalho, deter-nos-emos na carta de reclamação. O acto de reclamar
reveste duas facetas: a de um direito e a de um dever. Reclama-se porque um
direito nos foi retirado, mas reclama-se também porque a disciplina, a dignidade,
a justiça e a moral da vida em sociedade a isso nos impelem.
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Comunicações Individuais
Como afirma Leila Nascimento da Silva “realmente para se reclamar de algo,
é preciso ter posições distintas a respeito de um determinado tema e lançar o
de elementos argumentativos para convencer o outro de que a reclamação faz
sentido” 2
.
A reclamação é, assim, uma forma de preservação dos direitos individuais e,
ao mesmo tempo, um acto de consciência colectiva. Por outro lado, o acto de
reclamar pressupõe, no fundo, um juízo de valores. Finalmente, toda a
reclamação exprime a expressão geral de um estado de insatisfação.
Após a leitura de centenas de cartas de reclamação, julgamos necessário
circunscrever um protótipo textual da carta de reclamação, que é igualmente
sustentado nos estudos teóricos sobre o tema e que tivemos oportunidade de
pesquisar, dos quais nos permitimos destacar os de Cêlia Maria Macêdo de
Macêdo, Sônia Bittencourt Silveira, Leila Nascimento da Silva, Victoria Wilson, no
Brasil, Branca-Rosoff, Sévérine Hutin e Timothy Mason, em França, Pinto e
Rosalice, em Portugal e, ainda, na literatura anglosaxónica, Anna Torsborg Assim,
considerámos, numa primeira abordagem, que uma carta de reclamação
apresentará, as seguintes sequências:
1. saudação inicial, em geral, de natureza formal;
2. exposição do assunto ou breve história da questão (estratégias narrativas
para relatar o acontecimento ou descritivas para informar os danos
causados);
3. apresentação da fundamentação dos direitos do reclamante (texto
argumentativo) /indicação dos argumentos que justificam o acto em si;
4. convocação de vozes (outras) reforçando a pertinência do acto de
reclamação; justificação do descontentamento e da insatisfação;
5. realce das consequências nefastas do problema/evocação dos
danos(exposição catártica
3
?!);
6. Ameaças, protestos, discurso emotivo - não cumprimento da Máxima da
Delicadeza de Leech/Incumprimento das Máximas Conversacionais de Grice;
7. indicação de soluções alternativas/aconselhamento de providências no
futuro;
8. conclusão, com eventual pedido de reparação dos danos ou de
compensação;
9. fórmula de despedida;
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Comunicações Individuais
10. * documentação com capacidade ou valor de prova (possível existência
e, em caso afirmativo, anexa).
3. O acto de reclamação como acto ameaçador, transgressor da teoria da
delicadeza
O acto de reclamação pode ser definido como um acto de fala expressivo.
Segundo Torsborg (1994) através deste acto o reclamante expressa sua
desaprovação em relação ao estado de coisas descrito na proposição e pelo qual
o reclamado é directa ou indirectamente responsável. Traduz, pois, um estado de
insatisfação em que se interpela o outro através de estruturas argumentativas no
sentido de reivindicar o(s) direito(s) perdido(s) e exigir a compensação pelo(s)
dano(s).
Naturalmente que se trata de uma acto ameaçador da face, visto que o
reclamante questiona, critica, põe em causa ou, inclusivamente, nega, a
competência do reclamado.
Se tivermos em linha de conta, a classificação de Leech (1983: 105), o acto
de reclamação é um acto de fala que viola as regras da delicadeza ou cortesia. O
reclamante pode todavia recorrer a algumas estratégias para atenuar esta faceta
ameaçadora, expressando-o através de rmulas indirectas ou, pelo contrário,
pode escolher a intensificação do desagrado, realçando a crítica, a reprovação, a
ofensa, ou o dano.
4. Apresentação do modelo de análise AICE
Uma vez definido o objecto da nossa análise, o género epistolar – neste
caso, centrar-nos-emos apenas nesse sub-género das cartas de reclamação
imperioso se tornou delimitar um enquadramento teórico que possibilitasse uma
análise linguístico-discursiva destas missivas.
A nossa análise será tributária da linguística, principalmente da Pragmática e
da Análise do Discurso, dada a constatação que o domínio epistolar é
praticamente inexplorado sob esta perspectiva, e não sendo nosso propósito
circunscrevermo-nos a um único modelo, propomo-nos articular instrumentos
teórico-operatórios aplicáveis aos diferentes níveis de análise.
Concebemos um modelo que denominámos AICE - Modelo de Análise
Interaccional da Comunicação Epistolar.
Este modelo pretende aplicar à análise do discurso epistolar diferentes
pontos de vista teóricos, resultantes de diferentes níveis de análise textual,
retomando categorias propostas, predominantemente, pela análise
conversacional, pela sociolinguística, pela análise do discurso, pela retórica, pela
teoria da literatura, etc.
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Comunicações Individuais
A comunicação epistolar é um modo de comunicação assíncrono, específico,
cuja análise deve estar estreitamente relacionada com a análise da situação: a
problemática contextual, o quadro espácio-temporal e a situação dos
interlocutores ou participantes que releva da categoria social e dos papéis
relacionais. Como mostra Cosnier para a conversação, estes dados permitem aos
participantes fazer “hypothèses anticipatrices sur la suite possible de
l’interaction” (1987: 308).
Num nível mais interno, analisar-se-ão os mecanismos da dinâmica textual: o
quadro normativo, que definiremos como o conjunto das prescrições e
proscrições convencionais, que compreende as exigências e as normas sociais,
sejam as regras de negociação sejam as de delicadeza; a co-enunciação epistolar
e o objectivo da interacção, no sentido de Brown&Fraser (1979: 33- 62) que,
apesar de preexistir à interacção, é construído permanentemente no desenrolar
da correspondência.
O último nível de análise será aquele que tradicionalmente se opera nos
estudos epistolares, confinando-se, por vezes, à análise da superfície discursiva.
Considerando insuficiente o modelo de análise das unidades sequenciais de Jean-
Michel Adam e o modelo de turnos de escrita, apresentado por Kerbrat-
Orecchioni
4
, propomos que esta análise da superfície discursiva contemple duas
vertentes:
um vel pragmático-enunciativo, em que analisar-se-ão as marcas
idiossincráticas da interacção epistolar, as formas de abertura, de fecho, de
tratamento, de delicadeza e o dispositivo deíctico;
um nível pragmático-argumentativo, em que se mostrará a importância do
acto de reclamação como acto ameaçador, transgressor da teoria da
delicadeza no corpus epistolar em análise e avaliar-se-á a importância de
algumas estratégias discursivas ao serviço de reclamação: reivindicativas;
ofensivas e conflituosas
Concebemos este modelo que se observa no Quadro I – articulando, de
forma concêntrica, três níveis de análise que, como as setas tentam elucidar, se
influenciam mutuamente.
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Comunicações Individuais
Quadro 1
No nível exterior, o AICE propõe a análise de quatro coordenadas fundamentais para
a descodificação da interacção epistolar: a situação dos interlocutores, no sentido
restritivo, também equacionada por Jürgen Siess (1998: 113), o quadro espácio-
temporal em que se desenrola a interacção é que é determinante; a problemática
contextual e o pacto epistolar.
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Comunicações Individuais
O quadro espácio-temporal foi profusamente estudado por Altman (1983) que
considera que a troca epistolar pressupõe sempre um tempo intervalar que não
pode ser elidido:
“The meaning of any epistolary statement is determined by many
moments: the actual time that an act described is performed, the
moment when it is written down, the respective times that the letter is
mailed, received, read and reread 5
.
Altman destaca na produção epistolar: o momento do evento narrado, o
momento da escrita da carta, o momento da leitura e atribui especial valor aos
intervalos entre estes momentos. Chama de “tempo narrativo” ao espaço decorrente
entre o momento do evento e o momento da escrita e “tempo de diálogo” ao
intervalo entre o momento da escrita e o momento da leitura.
Dissertando sobre a relatividade temporal da carta, alerta para a
impossibilidade do presente na troca epistolar. Embora concorde que é a partir do
presente da narração que o emissor se posiciona face ao passado e na perspectiva do
futuro, a narração raramente é simultânea com o evento narrado (a não ser no caso
do evento ser a própria escrita). Por outro lado, “o presente não pode permanecer
válido, essencialmente ao nível dos sentimentos e emoções no que se relaciona com
a efectivação do “diálogo” epistolar que a carta pressupõe”
6
.
Por outro lado, a situação dos interlocutores ou participantes remete para a
importância da categorização social (classe, idade, sexo) e dos papéis ou relações
(pai/filho, professor/aluno, etc.). No que respeita à importância da abordagem dos
correspondentes, Jürgen Siess exemplifica, de forma esclarecedora, a importância de
coordenadas, tais como idade, sexo, nível sociocultural, relação de proximidade ou
distância, na leitura e interpretação de cartas de amor, invocando algumas
construções profundamente culturais: admite-se, por exemplo, que a diferença de
idades entre um homem mais maduro e uma mulher mais jovem, autorizando a
relação amorosa, embora o inverso seja socialmente menos plausível. O peso do
estatuto social e a influência deste parâmetro na interacção depende, em grande
medida, do peso que lhe é outorgado pela sociedade, em determinado momento
histórico.
A situação dos interlocutores, que integrámos neste nível exterior de análise, é
reconhecidamente, muito importante no quadro comunicativo, o que corrobora as
posições assumidas por Goffman (1987), Salins (1988) e Kerbrat-Orecchioni (1990)
7
.
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Comunicações Individuais
As características biológicas e físicas (idade, sexo, raça, etc.), sociais (profissão,
estatuto), psicológicas (constantes e efémeras) dos correspondentes e, sobretudo, as
relações mútuas grau de conhecimento, natureza do elo relacional (familiar,
profissional, hierarquicamente marcado) e do elo afectivo (partilha ou não de
sentimentos) determinam o desenrolar da interacção.
A distância social é uma variável de tipo binário que autoriza, contudo, estados
intermediários, entre o desconhecimento dos interlocutores que certamente implica
um maior grau de formalidade e o conhecimento mútuo que favorece relações de
familiaridade. Thomas (1995)
8 afirma que o conceito de distância social é o oposto de
solidariedade, proposto por Brown & Gilman (1960)
9
:
“It is best seen as a composite of psychological real factors (status, age,
sex, degree of intimacy, etc.) which together determine the overall
degree of respectfulness within a given speech situation” (Thomas
1995: 128).
Por seu turno, a relação de poder social é uma relação vertical, refere-se ao
estatuto relativo que existe entre os interlocutores e que pode ditar estratégias de
mais ou menos autoridade entre os correspondentes, em determinadas
circunstâncias enunciativas. Brown & Gilman definiram esta variável do seguinte
modo:
“One person may be said to have power over another in the degree
that he is able to control the behaviour of the other. Power is a relation
ship between al least tow persons, and it is nonreciprocal in the sense
that both cannot have power in the same area of behaviour” (1960:
255).
Uma carta espera uma resposta, assim reza o contrato comunicativo que liga
emissor e receptor de uma mensagem epistolar, que estipula que haja um direito e
um dever de resposta
10
.
A noção de pacto epistolar, que introduzimos no modelo AICE, é inspirada da
noção de pacto autobiográfico”, apresentada por Philippe Lejeune
11
, que explica
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Comunicações Individuais
que este termo o seduziu, pois evoca imagens mitológicas, do tipo “pacto com o
diabo” em que se molha a pena no seu próprio sangue para vender a alma. Lejeune
explica que preferiu o termo “pacto” em detrimento da palavra “contrato”
12
, pois,
para além de este remeter para o cartório do notário, não descortina problemas no
emprego analógico de ambos, pois é intrínseco a ambos que “on prend des
engagements, qu’on se réfère à des systèmes de conventions”
13
. Aqui retomamos a
expressão “pacto epistolar” na acepção que lhe foi conferida anteriores trabalhos
sobre o epistolar
14
, perfilhando a definição de Janet Altman:
“To a great extent, this is the epistolary pact – the call for reponse from
a specific reader within the correspondent’s world. Most of the other
aspects of epistolary discourse that I focus on in this study can be seen
to derive from the most basic parameter” (1982: 89).
A centralidade do conceito de pacto epistolar mostra a importância de que se
reveste este pedido de reciprocidade
15
, que obriga, por um lado, à obrigação de
regularidade e, por outro, à recusa do silêncio ou do atraso - indiciadores ou
portadores virtuais de todas as calamidades -, incentivando, assim, o ritmo da
interacção e a fidelidade à relação epistolar.
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Comunicações Individuais
Bernard Bray não o nomeia desta forma, mas explicita este acordo tácito que a
interacção epistolar desencadeia ao afirmar:
“Les exigences d’un sentiment réciproque, l’échange d’une certaine
sorte d’informations sollicitées de part et d’autre avec précision,
l’établissement d’une cadence à peu près régulière dans l’envoi des
missives, ne peuvent être que l’objet d’un accord dans lequel la voix
d’aucune des deux parties ne saurait être négligé”
16
.
A inclusão do pacto epistolar, proposta no AICE, reforça, assim, a ideia,
defendida de que a correspondência é, antes de mais, uma interacção, que deve ser
analisada como uma realidade pragmática e não como um texto literário ou uma
escrita autobiográfica, porque se trata de uma escrita para ecom ooutro.
O modelo pressupõe igualmente a análise do objectivo da interacção, que é
sinónimo de “acção projectada” (Skanck & Abelson 1977)
17
.
Adoptamos, neste parâmetro, a definição de Kerbrat-Orecchioni:
“Les buts (…) “ils sont en même temps construits dans l’interaction, et
négociés en permanence entre les participants, qui peuvent avoir des
objectifs divergents, et effectuer en cours de route des reconversions
plus ou moins radicales”. (1990:80).
Na interacção epistolar autêntica, o objectivo é sempre fazer (re)agir o
destinatário a quem o texto é endereçado. O objectivo geral será, pois, o de
influenciar atitudes e comportamentos do outro, o que contribui para reiterar a
característica intrínseca e prototipicamente pragmática da carta.
Ainda no nível exterior do AICE, a problemática contextual é um dos itens em
análise e que é imprescindível na investigação linguística que perfilha uma
perspectiva pragmática ou discursivo-textual. É precisamente este aspecto que, com
mais clareza, define este tipo de estudos e, simultaneamente, os distingue dos que se
realizam de um ponto de vista estritamente gramatical, pois, neste âmbito, os dados
contextuais são integrados na descrição linguística.
À noção de contexto subjaz uma raiz antropológica. Malinowski, na década
de 30 do século passado, entendia a linguagem como uma actividade humana
privilegiada, que assegura a transmissão cultural, que permite o controlo intelectual,
emotivo e pragmático do destino das pessoas, assim como a criação artística e lúdica
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Comunicações Individuais
dos grupos de pessoas e, a propósito do estudo dessa “actividade privilegiada”, o
autor afirmava:
“Si la primera y más fundamental función del habla es pragmática
dirigir, controlar y hacer de correlato de las actividades humanas -,
entonces, es evidente que ningún estúdio del habla que no se situe en
el interior del “contexto de situation” es legítimo (Malinowski 1936:
63)
18
.
As correntes dominantes no pensamento linguístico no século XX – desde o
estruturalismo mais formal ao generativismo excluíram deliberadamente os
factores contextuais da sua análise, assumindo que para o estudo dos núcleos
gramaticais, esses factores distorciam, na medida em que produziam infinitos
matizes nas formas e no sentido linguístico. Cumpre, contudo, assinalar a posição de
Coseriu que destacou a importância do contexto na interpretação dos enunciados ao
afirmar:
“Los entornos intervienen necessariamente en todo hablar, pues no
hay discurso que no ocurra en una circunstancia, que no tenga un
“fondo” (…) los entornos orientan todo discurso y le dan sentido, y
hasta pueden determinar el nível de verdad de los enunciados.
(Coseriu 1955-1956: 308-309)
19
.
O contexto constitui-se, pois, como um conceito crucial e definitório no âmbito
da pragmática e da análise do discurso, na medida em que a sua consideração na
descrição e análise das práticas linguísticas define a linha divisória entre os estudos
discursivos e os puramente gramaticais.
Dada a complexidade do conceito, Levinson coloca a seguinte questão:
“What then might one mean by context? First, one needs to distinguish
between actual situations of utterance in all their multiplicity of
features, and the selection of just those features that are culturally and
linguistically relevant to the production and interpretation of
utterances (…)”
20
.
Interessa dar conta de coordenadas que vão desde o conhecimento dos papéis
sociais, da situação espácio-temporal, do nível de formalidade exigido pelo suporte
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Comunicações Individuais
escrito (neste caso), até ao registo de língua adequado, e que devem ser tidas em
consideração para interpretação de qualquer peça epistolar. Deve ser tido, ainda, em
atenção o carácter dinâmico das coordenadas contextuais que decorre da
construção criação, manutenção, alteração e interpretação dos “indícios
contextualizadores”, no sentido que lhe é atribuído por Gumperz:
“That is, constellations of surface features of message form are the
means by which speakers signal and listeners interpret what the
activity is, how semantic content is to be understood and how each
sentence relates to what precedes or follows. These features are
referred to as contextualization cues21
.
Adoptámos, no nosso modelo, a designação de “problemática contextual”,
ampliando a noção de contexto, pois, para além do conjunto de dados que,
possuindo “carácter dinâmico e evolutivo”
22
, é contínua e progressivamente
construído no decurso da interacção, a troca epistolar narra sucessões de
acontecimentos, redefinindo-se os objectivos pré-existentes, o estatuto dos
participantes, o grau de relacionamento, muitas vezes única e simplesmente através
dos eventos discursivos
23
.
A correcta identificação da problemática contextual subjacente à interacção é
necessária para a análise da superfície discursiva, constituindo uma espécie de filtro
que permite, nesta relação dual, perceber atitudes subjacentes às interacções
reactivas, de resposta. Uma análise pertinente das informações contextuais permite a
leitura de dados dificilmente reconstituíveis sem esse enquadramento e, porventura,
ininteligíveis, sem essa explicação.
A análise do núcleo central, cerne do modelo AICE, restringe-se ao estudo da
superfície discursiva e, como dissemos no início da explicitação deste modelo,
grande parte da investigação que é realizada em textos epistolares, é cerceada por
esta habitual decomposição da superfície textual, em sequências ou em “turnos de
escrita”
24
.
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Comunicações Individuais
Poder-se-á questionar a utilização da expressão “turnos de escrita”, decalcada
da sua homóloga “turnos de fala”
25
. De Rycher faz a sistematização dos resultados da
comparação do turn system” na escrita e no oral e conclui que o intervalo temporal
entre os turnos (“gap”) no epistolar “é infinitamente mais longo do que no oral”
26 e a
sua regulação é flexível e incerta. Contudo, os turnos de escrita são mais facilmente
identificáveis, pois constituem unidades monologais. Para Kerbrat-Orecchioni, numa
correspondência, pares adjacentes (cartas de iniciativa e cartas reactivas) e cada
carta constitui um turno de escrita.
O quadro do modelo AICE revela que a análise da superfície discursiva
pressupõe dois níveis de análise. Num primeiro nível, que designámos por nível
pragmático-enunciativo, estudar-se-ão as marcas de interacção, o dispositivo
deíctico e as rotinas verbais, de abertura, pré-fecho e fecho de missiva e, ainda, as
formas de tratamento e de delicadeza. As marcas da interacção são itens importantes
a partir dos quais se estruturam outros níveis de formação de sentido. Incluem-se
neste vel as referências periféricas de enquadramento, reforçando a ideia da
relação epistolar como relação diferida. O contexto espacial da situação de
enunciação encima a superfície discursiva, indicando-se o nome do espaço onde se
localiza o destinador. Por seu turno, as coordenadas temporais que habitualmente se
pospõem à localização espacial contribuem para a ancoragem deíctica completa da
enunciação.
No texto epistolar, a presença do dispositivo deíctico, ou seja, dos elementos
linguísticos que fazem a conexão da língua com a própria situação de enunciação, é
vital, na medida em que a situação de comunicação diferida e o afastamento
espácio-temporal dos correspondentes carece de ancoragem, de explicitação,
reivindicando-se, assim, a sua presença contínua e permanente
27
.
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Comunicações Individuais
Por outro lado, o AICE propõe a análise das formas de tratamento e de
delicadeza: importa realçar o valor relacional destas formas e das múltiplas
realizações que o epistológrafo tem à sua disposição para designar (mimando ou
desprezando) o seu correspondente.
Este jogo de designações que os correspondentes se atribuem, as formas de
ethos
28
, as formas de delicadeza e a sua importância na construção ou restauração
da relação interpessoal, contribuem para a preservação do carácter formal ou
informal das interacções.
O último sub-nível de análise da superfície discursiva propõe a selecção dos
actos de fala
29 mais relevantes nos textos epistolares em análise. O carácter
premeditado da escrita e o facto de a comunicação se desenrolar em situação de
disjunção espácio-temporal conduzem à utilização de actos de agradecimento, de
pedido de desculpas, de justificação e outros que são realizados indirectamente, com
recurso a atenuadores
30
.
5. Aplicação do Modelo AICE: estratégias discursivas ao serviço de reclamação:
reivindicativas; ofensivas e conflituosas
O corpus que analisámos reúne um conjunto aleatório de cartas de reclamação
em meio universitário, recolhido durante dois meses (Setembro a Dezembro de
2009), numa universidade pública de ensino a distância em Portugal. Estas são, pois,
as indicações do quadro espácio-temporal destes textos.
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Comunicações Individuais
Relativamente a problemática contextual, trata-se de cartas de reclamação
dirigidas por estudantes universitários a um gabinete da universidade, manifestando
a sua indignação e revolta por não cumprimento de alguns serviços. Ainda neste
primeiro nível de análise, proposto no nosso modelo AICE, podemos dizer que a
situação dos interlocutores é específica e determinante, na medida em que se
caracteriza por uma elevada assimetria, dado que existe notoriamente uma diferença
de papéis sociais, pois a entidade universitária detém estatutariamente um poder
que define e determina a comunicação epistolar. Importa também registar que estas
cartas são formas de comunicação pontuais, ocasionais que surgem num contexto
de disfuncionamento da instituição. Nessa estrutura dual de enunciação, existe para
além da instância de reclamação, aqui exclusivamente desempenhada por
estudantes, uma instância de recepção, na medida em que estas cartas são
produzidas na esfera privada e explicitamente endereçadas e, por seu turno, a
recepção e leitura processa-se numa esfera pública, numa situação de trabalho, num
gabinete técnico cuja função, entre outras de secretariado que lhe estão adstritas, é a
de tomar conhecimento e assegurar o tratamento dos pedidos dos estudantes.
Quando nos detemos num nível mais interno do modelo AICE proposto,
passamos à análise dos mecanismos da dinâmica textual. Relativamente ao quadro
normativo, importa dizer que existe um conjunto de prescrições e proscrições sociais
que condicionam esta comunicação epistolar. Assim, dado tratar-se de uma situação
de comunicação entre uma pessoa individual e um serviço de uma instituição
universitária pública, cujo interlocutor é desconhecido, devem respeitar-se as formas
de tratamento e de delicadeza, próprias da comunicação formal que são usuais
quando nos endereçamos a serviços institucionais. Ora, como podemos concluir da
análise do corpus as fórmulas de abertura e de fecho respeitam a distância e o
inerente convencionalismo da escrita endereçada a uma instituição. Assim, vejamos
os exemplos:
Fórmulas de abertura
FA 1 Prezados senhores
FA 2 Ex.ma Senhora D. S. B.
FA 3 Ex.ma Senhora Doutora
FA 4 Ex.mos Senhores
No entanto, nas aberturas de algumas cartas de reclamação dirigidas por
estudantes à instituição, podemos encontrar saudações de abertura mais coloquiais
que julgamos poder justificar pelo desconhecimento exacto do interlocutor. Assim, o
estudante, ao dirigir-se a um serviço da universidade, como desconhece quem irá ler
a sua carta, limita-se a saudar de forma genérica, não atendendo, portanto, às regras
protocolares epistolares:
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Comunicações Individuais
FA5 Boa tarde!
FA6 Boa noite, Drª…
FA7 Bom dia!
Inversamente, em todas as cartas de reclamação analisadas, as formas de fecho
denunciam o cumprimento mais rigoroso das formas formais exigidas na escrita
destes textos. Assim, os estudantes finalizam as suas cartas, ou apresentando
formalmente os cumprimentos, ou fazendo recurso da forma antecipada de
agradecimento, como podemos ver nos seguintes exemplos:
FF1 Antecipadamente grato pela atenção dispensada
FF2 Apelamos à compreensão de V. Exª
FF3 Cordialmente
FF4 Melhores cumprimentos
FF5 Cumprimentos
Contudo, na redacção das missivas, os reclamantes transgridem
recorrentemente regras da delicadeza e essas transgressões podem ser expressas
das seguintes formas:
5.1Estratégias conflituosas
5.1.1 Discordância, revolta e tom exaltado:
A discordância é expressa pela negação que surge, de forma reiterada:
EC1: NÃO CONCORDO ! NÃO ACEITO! (grafado em maiúsculas)
EC2 Acabo de ler a sua reposta que me deixou completamente indignado!
EC3 (…) se revela de uma colossal irresponsabilidade!
EC4 Face à falta (deixa-me que diga) de profissionalismo e consideração pelos
alunos(…)
EC5 Tem V. Exª o descaramento, a ousadia, a irresponsabilidade(nem sei como
adjectivar mais) de responder daquela maneira?
Outras das estratégias recorrentes é a ameaça que encerra marcas de
dominação, ensaiando assim uma posição de superioridade que não está reservada
ao reclamante e que este expressa de forma efémera e pontual:
EC6 Caso tal não ocorra, reservo-me desde já o direito de agir por forma a fazer
valer aqueles que julgo serem os meus direitos.
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Comunicações Individuais
Neste exemplo, é interessante realçar que o estudante, conhecedor sua
situação de inferioridade na estrutura hierarquizada que é a instituição universitária,
ameaça o interlocutor, invocando a intervenção da figura do reitor, que ocupa
naturalmente a posição cimeira do poder:
EC 7 Com quem pensa o senhor que está a lidar? Terei de importunar o Sr. Reitor
relativamente à sua postura?
5.2 Estruturas reivindicativas e ofensivas
A reclamação pode ainda ser expressa através de expressões reivindicativas,
formuladas através de perguntas retóricas ou interpelações irónicas.
Atentemos nos exemplos:
EC8 Os senhores afinal têm competência para quê? Para recitar legislação?
EC9 Em que regulamento se baseia o senhor para me querer impor um
determinado número de disciplinas?
EC10 O facto de ninguém querer assumir a responsabilidade nem tão pouco dar
uma resposta concreta, é da responsabilidade de quem?
EC11 Por que é que esta situação perdurou dois meses num “pingue-pongue” de
irresponsabilidade?
EC12 Será que vão dar ouvidos para a minha reclamação?
A agressividade patente em alguns exemplos decorre não só da formulação
interrogativa, que exprime a total descrença e confiança na resolução do conflito,
como também das escolhas lexicais injuriosas e depreciativas:
EC13 Vai responder às perguntas que lhe expus, ou vai demorar um mês a
responder ou vai dizer que não é da sua competência?
EC14 Definitivamente preferia não ter que voltar a comunicar com o senhor, até
porque lido mal com a incompetência e a desorganização
EC15 Devo dizer que estas limitações e condicionalismos começam
verdadeiramente a meter NOJO! Mas acho que sei como posso resolver o assunto.
EC16 É incompetente o administrador e o gajo que fez este site absurdo (JPB 21.
XII.2009)
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Comunicações Individuais
Considerações finais
As cartas de reclamação, tal como frisámos ao exibir a estrutura prototípica,
assentam fundamentalmente no acto de reclamação que deveria ser naturalmente
construído a partir de fortes bases argumentativas, em que o reclamante sustentasse,
refutasse e negociasse os fundamentos da sua reclamação.
Todavia, quando o locutor se sente insatisfeito com o serviços ou produtos,
desrespeitado nos seus direitos, se sente injustiçado ou discriminado, em vez de
expor à instância responsável, com precisão e rigor os argumentos, com vista à
resolução do problema, em vez de apresentar racionalmente as suas razões, deixa-se
dominar pelos sentimentos e infringe o eixo da distância e do poder (Cf. Marques
2008: 282), escolhendo estratégias que violam a teoria da delicadeza e que
desenham um clima de conflito.
Assim, o reclamante recorre a duas estratégias: ou usa apreciações valorativas
de si próprio, exalta o seu ponto de vista, defende a sua absoluta razão no conflito,
acusando e imputando ao interlocutor a responsabilidade total dos factos; ou utiliza
a pergunta retórica e a ironia para fazer essas apreciações depreciativas, críticas e
ameaçadoras.
Ora, como acabámos de exemplificar as escolhas lexicais depreciativas, as
transgressões às regras da delicadeza, as escolhas das formas de tratamento menos
formais subvertem a captatio benevolentiae que deveria presidir à persuasão e à
reivindicação.
A expressão da argumentação, presentes nas cartas em análise, deveria, pois,
ter em consideração dois eixos configuradores: se, por um lado, o eixo da relação
conflito/consenso (Cf. Marques 2008: 282) deveria ser equilibrado, por outro o eixo
distância/poder não deveria ser infringido, sob pena de postergar a razão que
preside ao acto de reclamação.
Subscrevemos pois a afirmação de Branca-Rosoff, quando relembra que carta
de reclamação deve sempre encerrar um carácter performativo. “Ecrire soulage,
poster la lettre engage un processus, une réponse est attendue. C’est un acte de
communication qui agit et appelle l’action » (Branca-Rosoff S., 1997, p. 83)
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