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A palavra nómada. Contributos para o estudo do género epistolar

Authors:
1
A PALAVRA NÓMADA.
CONTRIBUTOS PARA O ESTUDO DO GÉNERO EPISTOLAR
1
Isabel Roboredo Seara
Universidade Aberta
ABSTRACT:
“A palavra nómada. Contributos para o estudo do género epistolar” is a study that aims at discussing
the epistolary genre, a field of research which has been overlooked by linguistic analysis in Portugal.
The analysis of epistolary texts is rather complex, not least because of the confluence of different
disciplines in the very nature of the text.
The versatility of the “modus epistolaris” - this nomadic expression of thinking, rebellious and resisting
classification - invites a multiply focused approach. In my analysis, literary history, epistolary literature,
rhetoric, and different approaches of linguistic analyses were used. The model of analysis IAED (Interactive
Analysis of Epistolary Discourse), which was conceived in the course of my doctoral research, stresses this
perspective, and intends to integrate and strengthen this kind of approach.
This work shows the relevance of epistolary texts of celebrated Portuguese writers, and undertakes,
prospectively, the publication of their often forgotten and neglected epistles.
The goal of this research is to investigate the metamorphosis of verbal routines in epistolary texts,
indicating either the abandonment of the classical and rigid structure of the epistle, or the immutability of some
routines and the resulting volatility of others.
Rooted in the proof and defence of the hypothesis of a “renaissance” and “reconnaissance” of the
epistolary genre, this research aims at contributing to the construction of a theory of the “modus epistolaris”.
KEYWORDS: Texto epistolar; Análise do discurso; Pragmática; Retórica.
1. A palavra nómada: definição do género epistolar e identificação dos traços distintivos
O género epistolar tem o estigma do gesto nómada, peregrino, vagabundo e ficou reduzido, ao longo das
últimas décadas, ao seu estatuto subalterno. Os textos epistolares, esses textos intimamente amarrados às
pessoas e à sua história, coleccionados fervorosamente, editados, queimados, violados têm sido considerados
pertença de um género menor e secundário. São apenas amplamente glorificados quando explicitam dados
biográficos misteriosos ou quando, de forma subsidiária, esclarecem ou desvendam factos históricos ou sociais.
As investigações sobre o epistolar, apesar dos progressos notáveis no plano da poética e da crítica literária
2
,
não conheceram ainda uma análise pragmática que propusesse uma teoria sólida e coerente para o estudo deste
imenso manancial sociológico (e, particularmente, sociolinguístico) onde se inscreve.
Em 1982, Janet Altman, na sua obra Epistolary, Approaches to a Form
3
propõe a descrição de um novo
conceito, o de epistolaridade (“epistolarity”). Ainda que esta obra teorize sobre o que vulgarmente se designa
“romance epistolar” (define-se a natureza de textos ficcionais, o que não se integra no âmbito do nosso trabalho),
a origem da criação de novos significados através desta tipologia textual aplica-se indistintamente a todo o texto
epistolar.
Ora, na origem destes textos, há uma ausência
4
.
O texto epistolar serve como intermediário, como mediação e surgem pela primeira vez associadas as
expressões metafóricas para esta qualificação (a ponte, como metáfora da intimidade e o fosso, prelúdio e
metáfora da separação e da indiferença).
En tant que moyen de communication entre le destinateur et le destinataire, la lettre enjambe le gouffre
entre l’absence et la présence; les deux personnes qui se “rencontrent” grâce aux lettres ne sont ni
1 Este texto
,
que apresentámos no II Fórum de Partilha Linguística reproduz parte da investigação que realizámos no âmbito do doutoramento. Para uma abordagem mais completa do tema, in cluindo a referência a fontes
bibliográficas que, por uma questão de espaço, aqui tivemos de omitir, pode ler-se em Isabel Roboredo Seara 2006. Da epístola à mensagem electrónica. Metamorfoses das rotinas verbais, Lisboa: Universidade Aberta.
2 Cf. H. R. Jauss, Pour une esthétique de la récéption, Paris, Gallimard, 1978.
3 Janet Altman, Epistolary, Approaches to a Form, Columbus, Ohio State University Press, 1982.
4 Ibid, pp. 127-128, 135, 140 e 150.
2
totalement séparées ni totalement unies. La lettre se situe à mi-chemin entre la possibilité d’une
communication totale et le risque de l’absence totale de communication
5
.
Para que funcione eficazmente, este tipo de interacção deve encerrar confidencialidade, um misto de
confiança e confidência, talvez confissão, dado tratar-se de uma actividade privada.
Somos todos epistológrafos e importa pensar que o género epistolar é, como aliás o demonstram os teóricos
R. Duchêne (1990), B. Bray (1992), J. Altman (1982), V. Kaufmann (1990), D, Rougeot (1978), G. Haroche-
Bouzinac (1995), uma das práticas discursivas mais generalizadas. Sucintamente, e porventura de uma forma
minimalista, partiremos, então, da seguinte definição de texto epistolar:
É a expressão escrita de um “eu” não metafórico (quem assina corresponde ao sujeito enunciador)
que se dirige a um destinatário também não metafórico, tendo esta dupla restrição a finalidade de
eliminar desta nossa análise a ficção epistolar. Forma de comunicação e de troca, o texto epistolar
une, num projecto comum, duas instâncias (destinador e destinatário) postulando-se o conceito de
reciprocidade. Nascido de uma ausência conotada negativamente, o texto epistolar tem amiúde uma
função metonímica e testemunha, de forma eloquente, a coalescência de diversas temporalidades
6
.
Apresentamos, agora, os traços distintivos que consideramos pertinentes para a definição e consagração do
género:
na origem, há uma ausência;
trata-se de um meio de comunicação escrita;
traduz uma actividade singular /individual/privada;
pressupõe um dispositivo externo relativo à especificidade da situação de comunicação que implica e
impõe o seu uso;
a comunicação epistolar desenrola-se em situação não partilhada que motiva o emissor à
especificação, através de determinados elementos peritextuais (envelope, datação, localização,
assinatura) e textuais, da sua identidade, a da(s) do(s) seu(s) destinatário(s) e do quadro espácio-
temporal em que se inscreve a sua actividade;
o destinatário é identificável no texto (mesmo que o verdadeiro interlocutor não seja, em última
instância, aquele que a situação enunciativa representa);
é uma experiência recíproca, dominada pelo desejo de troca;
pressupõe uma noção importante - a de pacto epistolar, ou seja, existe a expectativa de uma resposta;
é um lugar de polivalência e de ambiguidades temporais, decorrente de uma interacção descontínua;
constrói-se com base numa sucessão de hiatos (temporais, espaciais, etc.);
constitui, no plano social, uma recriação pessoal de um espaço codificado de comunicação social. É
uma escrita codificada, normalizada que releva contudo da expressão espontânea. Escrever um texto
epistolar não é a simples transcrição de fórmulas canónicas registadas em qualquer manual
ou”secretário”. Bernard Beugnot (1990) designa-a como uma escrita “à la manière de soi»
7
;
representa, no plano ontológico, um intermediário insubstituível entre presença e ausência. Tem por
finalidade dizer da nossa existência, da nossa saúde, das nossas notícias e sobretudo da suposta ou
pretensa exigência da reciprocidade;
situa-se entre o permitido e o interdito. É portador de confidências, de segredos, de
comprometimentos, daí que por vezes o emissor jogue, habilmente, com a necessidade do anonimato;
revela, a nível antropológico, uma estreita articulação entre o individual e o social. Como discurso
ritualizado, como porta-voz de estratégias sociais, afectivas, culturais, o discurso epistolar é revelador
de uma relação intrínseca entre duas entidades: a pessoa e a sociedade. Basta pensarmos nas cartas do
século XIX, para facilmente descortinarmos as atitudes comportamentais que revelam as normas
sociais: os rituais de noivado e de casamento, de educação, de condolências, etc.;
a distância que separa emissor e receptor, este virtualmente presente em todo o texto, torna-se uma
modalidade de organização textual e inscreve-se nela com a especificidade que decorre da sua função
comunicativa;
a assumpção de um eixo comunicativo produz um efeito de distância mostrando o referido aspecto
diferido da comunicação epistolar. Um dos seus elementos identificadores é o facto de as localizações
5 Ibid, p. 43, na tradução de Benoît Melançon, Diderot Épistolier, Contribution à une poétique de la lettre familière au XVIII siècle, Québec, Fides, 1906, p.33.
6 Esta definição é inspirada na de Benoît Melançon, sendo a tradução e a adaptação nossas. B. Melançon, Diderot Épistolier, Contribution à une poétique de la lettre familiale au XVIIIe siècle, Bibliothèque Nationale du
Québec, Éditions Fides, 1996, p. 47.
7 Essa mesma designação consta do título do seu artigo “De l’invention épistolaire: à la manière de soi”, L’Épistolarité à travers les siècles, Geste de communication et/où d’écriture - Colloque Centre Culturel de Cerisy la
Salle, Mireille Bossis e Charles A. Potter (org.), Stuttgart, Franz Steiner Verlag, 1990, pp. 27-38.
3
espácio-temporais assumirem, como ponto de referência, o lugar e o tempo da situação de
enunciação.
Tal como afirma Landowski (1988:19), a carta define-se, não pelo seu conteúdo (qualquer que ele seja),
mas, sobretudo, por um determinado dispositivo externo, relativo à situação de comunicação que implica o seu
uso e em que se enraíza:
Point n’est besoin d’insister sur le fait que la lettre, indépendamment des contenus qu’elle a pour objet
de transmettre sur la dimension cognitive, est d’abord, en elle-même, un objet-message, au sens littéral du
terme, destiné à passer de main en main, et qui met par conséquent en jeu les spécificités inhérentes à toute
circulation de valeurs sur la dimension pragmatique.
No discurso epistolar tradicional existe, ab initio, uma disjunção pragmática que constitui a base da
definição do conceito. Esta disjunção entre a distância, num plano espacial, que se mede, que se aspectualiza e
que corresponde ao afastamento físico, real e efectivo entre os correspondentes e a distância num eixo temporal,
retomando aqui a definição canónica de comunicação diferida (Violi, 1988) e (Roulet, 1995).
O discurso epistolar exibe constantemente a sua própria situação de enunciação através de referências
explícitas às categorias de pessoa, tempo e lugar (Violi.1988: 28).
Em detrimento de uma inegável diversidade, o discurso epistolar apresenta um número de constantes
composicionais que integram a sua macro-estrutura. (Bastará lembrar as cinco partes que constituíam a tradição
medieval da carta: salutatio, captatio, benevolentiae, narratio e petitio).
2. Modelos de análise: modelo AICE
Uma vez definido o objecto da nossa investigação o texto epistolar imperioso se tornou delimitar um
enquadramento teórico que possibilitasse a sua análise.
A nossa análise será tributária da linguística, principalmente da Pragmática e da Análise do Discurso, dada
a constatação da natureza discursivo-pragmática destes textos. O modelo AICE, Análise Interaccional da
Comunicação Epistolar será explicitado a seguir.
Relativamente aos modelos linguísticos de análise do texto epistolar, destaca-se o modelo da Adam (1998)
que, numa perspectiva igualmente pragmática e textual, propõe a análise do texto, partindo da existência de uma
macro-unidade: o texto dialogal. Este contributo de Adam é muito importante, pois retoma os implícitos da
tradição retórica clássica e medieval em cinco partes, limitando-se, contudo, à análise da superfície discursiva.
SFA ST SFF
Sequências fáticas
de abertura Sequências transaccionais Sequências fáticas
de fecho
1 2 3 4 5
Indicações
espácio-temporais
Exórdio
Corpo da carta
Perorasão
Despedidas
Pré-fecho
Formas de
tratamento Fecho e assinatura
Esquema 1: Adam (1998: 41)
Por seu turno, o modelo que concebemos pretende integrar e aplicar à análise do discurso epistolar
diferentes pontos de vista teóricos resultantes de diferentes níveis de análise textual, retomando categorias
propostas pela análise conversacional, pela psicologia social, pela sociolinguística, pela análise do discurso, pela
retórica e pela teoria da literatura.
4
Concebemos este modelo – que se observa no Quadro I – articulando, de forma concêntrica, três níveis de
análise que, como as setas tentam elucidar, se influenciam mutuamente. Assim, porque a comunicação epistolar
é um modo de comunicação assíncrono, num primeiro nível, deve pré-existir um enquadramento da situação:
analisar-se-ão o quadro espácio-temporal, a problemática contextual, e a situação dos correspondentes, situação
que releva da categoria social (classe, sexo, idade) e dos papéis relacionais (amigo, familiar, professor).
Num nível mais interno, analisar-se-ão os mecanismos da dinâmica textual: o quadro normativo que
definiremos, como Cosnier (1987), como o conjunto das prescrições e proscrições convencionais, que
compreende as exigências e as normas sociais, sejam as regras de negociação, sejam as de delicadeza; a co-
enunciação epistolar e o objectivo da interacção, no sentido de Brown&Fraser (1979) que, apesar de preexistir à
interacção, é construído, progressiva e permanentemente, no desenrolar da correspondência.
O último nível de análise será aquele que tradicionalmente se opera nos estudos epistolares, confinando-se
à análise da superfície discursiva. Como considerámos insuficientes o modelo de análise das unidades
sequenciais de Adam (1998) e o modelo de turnos de escrita, apresentado por Kerbrat-Orecchioni (1998),
propomos que esta análise da superfície discursiva contemple dois níveis:
um nível pragmático-discursivo, em que se analisam as marcas idiossincráticas da interacção
epistolar, as formas de abertura, de fecho, de tratamento, de delicadeza e o dispositivo deíctico;
um nível pragmático-argumentativo, em que se destacam os actos de fala mais significativos no
corpus epistolar em análise e se identificam os topoi presentes, ao longo dos séculos, neste tipo de
correspondência.
Quadro1
5
3. Rotinas verbais e a sua dimensão configuracional
Quando nos propomos analisar as rotinas verbais configuradoras do género epistolar, subscrevemos a
posição de F. Coulmas (1981) que refere, a esse propósito, que os actos de fala são elementos de estruturas
maiores e que a própria organização sequencial é rotinizada:
“Typically, speech acts are not only internally structured, they are also elements of larger structures. Their
sequential character is part of what normal speakers know about language. To some extent, the sequential
organization of conversation is routinized”
8
.
Adoptamos, então, a definição de Coulmas que, após considerar que as interacções do quotidiano envolvem
rituais, convenções e rotinas, explicita e define rotinas verbais como: “(…) tacit agreements, which the members
of community presume to be shared by every reasonable co-member. In embodying societal knowledge they are
essential in the handling of day-to-day situation. Routines are kinds of interactions where no “negociation” is
necessary between individuals. In the enactment of verbal routines the creativity of language is social canalised
according to successful solutions of recurring verbal tasks, fixed by functional appropriateness and tradition”.
(Coulmas, 1981: 3-4)
As rotinas são enunciados que satisfazem esta dupla condição:
têm uma formulação fortemente estereotipada
têm uma função sobretudo relacional, decorrendo do seu carácter repetitivo o esvaziamento do
conteúdo.
3.1. Rotinas de abertura
A abertura das cartas familiares patenteia uma extrema heterogeneidade que vai desde a saudação trivial
mais comum, que se traduz numa expressão apelativa conjuntiva, sendo o incipit preenchido pelas formas
canónicas de abertura “meu caro amigo”, “prezado amigo”, “querido N”, até ao registo, em situações de intensa
proximidade temporal, da ausência de expressão apelativa. Na estrutura de abertura aparece raramente a
saudação complementar e que reproduz o questionamento sobre o estado geral do destinatário e cuja formulação
canónica é do tipo “como tem passado?”, e constatada a sua fraca ocorrência não a incluímos na estrutura
modelo apresentada.
A estrutura prototípica de abertura de missiva obedece genericamente ao esquema:
E
STRUTURA PROTOTÍPICA DE ROTINAS DE ABERTURA DE MISSIVA
1.[Acto de localização espácio-temporal] +
2.[Expressão apelativa conjuntiva] +
3.[Comentário sobre o quadro espácio-temporal] +
4.[Acto de acusação de recepção] +
5. [Acto de pedido de desculpa] +
6. [Acto de justificação]
7A. [Acto de agradecimento] ou 7B. [Acto de reprovação]
3.1.1. Acto de localização espácio-temporal
A localização espácio-temporal surge, na correspondência familiar, quase sempre anteposta:
(1) 9, Holles St.
Cavendish Square
London, 22 de Outubro, 1855
9
(2) Praia das Maçãs, Fontanelas, 11 de Agosto de 1975
10
8 F. Coulmas, “Introduction”, F.Coumas (ed.), Conversational Routine, Explorations in Standardized Communication situations and prepatterned speech, Paris, New York, The Hague, Mouton Publishers, 1981,
Vol. 2, p.2.
9
Carta 32, Eça de Queiroz, Emília de Castro, Correspondência Epistolar, Cartas inéditas de Emília de Castro, organização, introdução e notas de A. Campos Matos, Lisboa, Lello Editores, 1996, 2ª. Ed., p. 94.
10 Carta de Vergílio Ferreira a Jorge de Sena, Cartas de Autores Portugueses, p. 74.
6
Ou posposta:
(3) Quando mais não possa ser, saiba V.M. que de muito fiel sentimento lhe faço presente. Sobretudo
guarde e livre Deus a V.M. como desejo.
Torre, em 1 de Janeiro, 1650
11
(4) Paris, 23 de Janeiro de 1703
12
Ou também pode ser dada de forma específica/criativa:
(5) Évora, dia da degolação do bautista (ou seja, 29 de Agosto)
13
(6) Sábado de aleluia
14
(7) Praecor diei jam sonat
Neuilly, 3º. Sexta-feira do Advento, em preparo do Santo Natal, 25 de Novembro
15
(8) Meu caro Prado
A sua tão excelente carta foi recebida no devoto Dia de S. João, neste fresco refúgio de arvoredos e
fontes, onde estou repousando dos sombrios esplendores da Amazónia, e da fadiga das águas
atlânticas. Não esquecerei as queijadas da Sapa.
16
3.1.2. Expressão apelativa conjuntiva
Após o acto de localização, segue-se o que designámos por expressão apelativa conjuntiva. Escolhemos
esta designação, porque julgamos que é reveladora do incipit das cartas, que as designações “saudação de
abertura” e “termo de endereçar” se adequam preferencialmente às estruturas da oralidade.
Estrutura prototípica da expressão apelativa conjuntiva
[Det. Possessivo] + [adj] + [categ. genérica de vínculo de amizade ou parentesco] + [nome]
Maioritariamente as expressões apelativas obedecem a uma estrutura prototípica, sendo mais recorrente o
uso de [meu querido+nome] ou [meu caro+nome] ou tão simplesmente [ø+nome] ou [diminutivo]. Passaremos,
então, em revista, algumas variantes à forma prototípica, presentes nas cartas familiares que analisámos,
mostrando a sua obediência ou transgressão à estrutura apresentada.
Estas formas de nomeação ou invocação iniciais podem surgir em lugar de destaque, à esquerda ou à
direita, posicionando-se relativamente ao corpo do texto de forma isolada ou separada, podendo igualmente ser
integradas no corpo do texto epistolar, nas primeiras linhas, funcionando como vocativo.
Segundo Celso Cunha e Lindley Cintra (1987), “variados são os matizes afectivos expressos pelos
possessivos”
17
, o que facilmente podemos constatar nestes primeiros exemplos, em que os possessivos m um
valor de confirmação da relação entre os mitentes. Reforçam, através da ênfase ou da explicitação, essa relação,
que se pode traduzir, quer através do emprego do superlativo, quer através do uso simples do diminutivo.
Podem ser distintos estes valores afectivos da expressão apelativa conjuntiva, registando-se inclusivamente
a possibilidade de uma simples expressão poder encerrar simultaneamente vários valores.
Os valores afectivos da expressão apelativa conjuntiva de abertura de missiva podem ser:
a) de intimidade, de amizade, de confirmação da relação afectiva pré-existente
11 Carta 298, D. Francisco Manuel de Melo, Cartas Familiares, prefácio e notas de Maria da Conceição Morais Sarmento, Lisboa, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1981, p. 305.
12 Carta de José da Cunha Brochado, Cartas,
Lisboa,
Livraria Sá da Costa, 1944, carta 92, p. 151.
13 Carta 3, Frei António das Chagas, Cartas Espirituais, Selecção, prefácio e notas de M. Rodrigues Lapa, Lisboa, Livraria Sá da Costa Editora, 1939, pp. 4-5.
14 Carta de Almeida Garrett a sua filha, Almeida Garrett, Portugal na Balança da Europa, Cartas Íntimas, Lisboa, Círculo de Leitores, p. 287.
15 Carta de Eça de Queiroz a Oliveira Martins, Cartas e Outros Escritos, Lisboa, Edições Livros do Brasil, 2001, p. 277.
16 Carta de Eça de Queiroz a Eduardo Prado, escrita de Paris em 1888, Cartas e Outros Escritos, Lisboa, Edições Livros do Brasil, 2001, p. 307.
17 Celso Cunha e Luís F. Lindley Cintra, Nova Gramática do Português
C
ontemporâneo, Lisboa, Edições João Sá da Costa, 1987, 4ª. Edição, pp. 324-326.
7
(9) Meu prezado camarada
18
(10) Meu querido pai e meu Senhor do meu coração
19
(11) Flórido meu
20
(12) Meu bom amigo
21
(13) Caríssimo e laurentíssimo Eduardo
22
(14) Ex.
mo
Sr. e Meu Prezado Colega
23
(15) Anitas
24
(16) Minha adorada noiva
25
b) de deferência, de respeito, de cortesia
(17) Vossa Mercê
26
(18) Ill.
mo
e Senhor meu primo e amº
27
c) de ironia, de malícia, de sarcasmo
(19) Ill.
mo
e Ex.
mo
Sr. Burro e Amigo
28
d) de invocação, com valores de ênfase ou criatividade
(20) Ó Osório!
29
(21) Irmão em Além!
30
(22) Filósofo e Irmão em Deus!
31
Estas expressões apelativas conjuntivas deixam transparecer o grau de proximidade afectiva entre os
correspondentes. Ora, como o epistolar permite, só por si, a construção de relações, estas formas podem
rapidamente passar de formas distantes e mais reverentes para formas mais íntimas.
3.1.3. Comentário do quadro espácio-temporal
No texto epistolar tradicional, a data e a indicação do lugar são procedimentos destinados a criar o efeito ou
a ilusão da realidade.
Para os descodificadores de documentos epistolares, apraz registar na abertura destes escritos, muitas vezes
intimamente privados, o detalhe que muitos epistológrafos dedicam ao incipit inicial. Essa prática que ditou
mesmo a impressão de papel de carta com o nome e o remetente estampados, surge aos olhos dos destinatários (e
de nós, posteriores leitores) como um valioso acréscimo de informação, permitindo descodificar indicações e
esclarecimentos sobre os movimentos, os lugares de déplacement do epistológrafo.
Essa particularização incide não somente na especificação do dia da semana, sempre que a regularidade da
comunicação o justifica, como também é visível na estrita e rigorosa menção ao local da escrita, seja ele privado
(alguma divisão do espaço doméstico), seja ele público, tal como nos finais do século passado era hábito
escrever-se de um café literário ou ainda, anunciando-se o local em que o escrevente se encontra hospedado ou
mesmo o apartado para o qual deseja que o destinatário remeta a resposta.
Nas rotinas de abertura de missivas familiares surgem frequentemente comentários ao quadro espácio-
temporal, realizados através de asserções descritivas, que informam o correspondente sobre essas coordenadas,
servindo também para justificar factos narrados.
Neste exemplo, a referência à localização espácio-temporal dá conta simultaneamente do lugar tranquilo
onde se encontra e da data, através da invocação do Santo patrono:
18 F. Pessoa a Jaime Cortesão, 22 de Janeiro de 1913, Fernando Pessoa, Correspondência 1905-1922, Edição de Manuela Parreira da Silva, Lisboa, Assírio & Alvim, 1999, p. 71.
19 Marquesa de Alorna, Inéditos, Cartas e Outros Escritos, selecção, prefácio e notas do prof. Hernâni Cidade, Lisboa, Livraria Sá da Costa Editora, 1941, p. 45.
20 Antero de Quental, Carta de Antero de Quental a Flórido Teles de Meneses, Cartas I, 1852-188, Universidade dos Açores, Editorial Comunicação, 1989, p. 15.
21 Carta de Júlio Dinis a José Pedro da Costa Basto, 19.03.1871, Cartas e Esboços Literários de Júlio Dinis, p. 85.
22 Carta de Jorge de Sena a Eduardo Lourenço, apud José Francisco Costa, A correspondência de Jorge de Sena, um outro espaço da sua escrita, Lisboa, Edições Salamandra 2003, p.81.
23 Carta de Eça a António Enes, Eça Cartas e Outros Escritos, p. 165.
24 Júlio Dinis, Cartas e esboços literários, Porto, Livraria Civilização Editora, 1979, p.30.
25 Carta de Eça de Queiroz a Emília de Castro, Eça de Queiroz Emília de Castro, Correspondência Epistolar, carta 24, página 78.
26 Carta de D. Francisco Manuel de Melo a um parente e amigo, Cartas Familiares, p. 274.
27 Carta de Camilo Pessanha a João Baptista de Castro, 19 de Novembro de 1893, Cartas de Camilo Pessanha, p. 36.
28 Carta de Eça de Queiroz a Ramalho Ortigão, 7 de Nov.1876, Cartas e Outros Escritos, p. 23.
29 Carta de Camilo Pessanha a Alberto Osório de Castro, s/d, Cartas de Camilo Pessanha, p. 21.
30 Carta de F. Pessoa a Armando Côrtes Rodrigues, 28-6-1914, Correspondência 1905-1922, p. 118.
31 Carta de Eça a Oliveira Martins, Cartas e Outros Escritos, p. 277.
8
(23) Meu caro Prado
A sua tão excelente carta foi recebida no devoto Dia de S. João, neste fresco refúgio de arvoredos
e fontes, onde estou repousando dos sombrios esplendores da Amazónia, e da fadiga das águas
atlânticas. Não esquecerei as queijadas da Sapa.
32
3.1.4. Acto de acusação de recepção
A acusação de recepção de carta é dada através de expressões que exprimem quase sempre o prazer da
recepção. Estas exclamações que mostram o efeito de sedução operado pela recepção da missiva são dadas por
expressões afectivas e qualificativas e evidenciam que as trocas epistolares necessitam ser reactivadas através de
apreciações favoráveis.
Este acto que consiste em acusar a recepção de carta surge geralmente acompanhado do acto seguinte, de
agradecimento.
(24) Ũa vossa me deram, a qual pelo descostume, me pôs em tamanho espanto como contentamento,
em saber novas de quem tanto as desejava; mas nem com esta vos forrareis do esquecimento que
de mim tivestes em me não escreverdes antes de vos irdes.
33
(25) Recebi a sua carta que do coração agradeço e que é verdadeiramente de bom amigo.
34
3.1.5. Acto de pedido de desculpa
A selecção da fórmula de desculpa utilizada depende da gravidade do dano provocado e da demora do
atraso na resposta que, se forem de pequena monta, apelam a formas mais convencionais, recorrendo-se, todavia,
a expressões de justificação mais elaboradas e, inclusivamente, a anúncios de arrependimento, quando a falta se
considera mais gravosa.
O pedido de desculpa, tal como o acto de agradecimento, pode processar-se quer através de realizações
directas, quer através das formulações indirectas.
No caso das realizações directas, aparece comummente o pedido através de uma expressão performativa:
“peço-vos desculpa”; “peço-lhe que aceite as minhas sinceras desculpas”, “apresento as minhas desculpas” ou,
as variantes elípticas: “desculpe”, “as minhas desculpas”, ou, ainda, enunciados no imperativo, com formas mais
ou menos delicadas, através de modais: “Desculpe-me!” e “Queira desculpar-me!”
(26) Porto, 24 de Dezembro de 1885
Meu caro Jaime
Perdoe à minha incurável preguiça epistolar o não lhe ter ainda escrito. Escuso dizer-lhe que foi com
alvoroço de alegria que vi ultimamente letras suas. Oxalá que a Celeste vá melhor, ou antes, esteja de
todo restabelecida.
35
(27) Meu querido Camarada
Não sei bem qual o género ou tipo de cimento armado em que deve ser construída a desculpa que tenho
a apresentar-lhe. Esta carta responde à sua de 8 de Dezembro. Ora não há cimento armado que
arcaboice já qualquer desculpa. Respondo, e parece impossível…
36
3.1.6. Acto de justificação
As limitações materiais (a tinta, o papel, a pena), as limitações circunstanciais (referências à saúde, ao
estado do tempo atmosférico, aos atrasos da posta e/ou serviços, à falta de tempo) induzem à repetição de
estratégias justificativas. Estas configuram o pacto epistolar que exige reciprocidade e cumprimento das regras
socialmente estabelecidas e que necessita de justificação, quando infringido ou quebrado. As justificações de
atraso na resposta são frequentes: a desculpa mais frequente fundamenta-se na falta de tempo, que por ser mais
fácil de admitir pela sua verosimilhança, é menos vexante do que o esquecimento, a preguiça ou a indiferença.
32 Carta de Eça de Queiroz a Eduardo Prado, escrita de Paris em 1888, Cartas e Outros Escritos, p. 307.
33 Carta de Luís de Camões, Obras Completas, com prefácio e notas do Professor Hernâni Cidade, Vol III, Autos e Cartas, Lisboa, Livraria Sá da Costa, 1946, p. 249 e seguintes
34 Carta de Eça de Queiroz a Mariano Pina, 15 de Agosto de 1888, Cartas e Outros Escritos, p. 137.
35 Carta de Antero de Quental a Jaime Batalha Reis, 10 de Janeiro de 1930.
36 Carta de Fernando Pessoa a João Gaspar Simões.
9
As estratégias justificativas estruturam-se em volta de três tópicos: a saúde, ou melhor a sua ausência; a
referência ao tempo atmosférico e os atrasos nos serviços postais. (veremos adiante, quando referirmos os topoi
epistolares)
3.1.7. Acto de agradecimento
O acto de agradecimento pode processar-se através de realizações directas: através de fórmulas
performativas.
(28) Mil vezes grato pela sua boa carta – e pelo cuidado com os meus negócios.
37
A expressão de agradecimento inicial pode surgir, também, de forma indirecta, através de expressões
assertivas:
focalizadas no receptor do presente verbal, através da expressão de um sentimento de
gratitude, de alegria ou de prazer:
(29) Obrigado pelo conforto que ela (a carta) me trouxe.
38
focalizadas no autor do “presente verbal”, através de uma expressão elogiosa laudatória:
(30) Como hoje é domingo, tarde recebi a tua bondosa carta e não posso dizer-te, como
desejo, a expansão que ela me produziu. És uma alma extraordinária; eu sou indigno de
ti, acredita-o.
39
focalizadas no próprio “presente verbal”, ou seja, no próprio objecto epistolar:
(31) “Infinitamente obrigado pelas cartas e mais e pequenas lembranças de V. Ex.ª, - máxima
e quase única consolação que desde que larguei Lisboa tem sido dado receber ás velhas
ulcerações incuráveis da minha alma. Peça a V. Ex.ª que não suspenda por uma vez essa
esmola”
40
.
3.2. Rotinas de pré-fecho
Adoptamos a perspective de Kerbrat-Orecchioni (1998) sobre interacção epistolar e de Traverso (1996)
sobre a conversação familiar e designámos igualmente de rotinas de pré-fecho as que precedem obviamente o
fecho da missiva, fazendo-se esse procedimento de suspensão através de um marcador (“Bem, vou terminar…”
ou através de uma justificação súbita, não abordada anteriormente. O anúncio de fecho de missiva vem
frequentemente acompanhado de um acto de justificação, como se fosse necessário explicar a “culpa” do
interlocutor de pôr fim à interacção. Todas as circunstâncias que constituem a transição entre o corpo da carta e
as rotinas de fecho parecem querer atenuar o efeito disfórico da separação e esses detalhes verídicos tentam
mascarar o artifício de um fim inelutável
41
.
E
STRUTURA PROTITÍPICA DAS ROTINAS DE PRÉ
-
FECHO DE MISSIVA
1. Anúncio performativo (tenho de acabar, agora vou terminar…)
Este enunciado performativo como vou terminar; muitas vezes acompanhado de um modalizador
deôntico Tenho de terminar….
37 Carta de Eça de Queiroz a Ramalho Ortigão, Londres, 19 de Julho de 1885, Cartas e Outros Escritos, p. 95.
38 Carta de Eduardo Lourenço a Jorge de Sena, Coimbra, 29 de Fevereiro de 1952, p. 29.
39 Carta de Cesário Verde a Silva Pinto, s/d, p. 196.
40 Carta de Camilo Pessanha a D. Ana de Castro Osório, Macau, datada de 9. bro, 5, 916, p. 78.
41 Cf. Dauphin et alii afirmam: « Toutes les circonstances qui forment transition entre le corps de la lettre et la formule finale semblent vouloir atténuer l’effet de la séparation. Parmi les raisons plausibles – le temps qui passe,
la fatigue, le devoir, le départ du courrier -, qui sont données comme une fatalité, comme si la volonté n’intervenait pas, l’épistolier choisit néanmoins celle qui paraît la plus recevable pour l’interlocuteur, celle qui parle de
lui, de son cadre de vie, de ses activités, le détail véridique qui masque l’artifice de toute fin inéluctable.” Ces bonnes lettres – Une correspondance familiale au XIXe siècle, Paris, Bibliothèque Albin Michel, 1995, p. 112.
10
2. Acto de justificação
a) invocação clássica : necessidade súbita de fazer algo imprevisto e urgente
b) justificação material: falha de papel ou de tinta
c) justificação temporal: saída do correio para que chegue atempadamente ao destino, horário a
cumprir
d) saturação ou esvaziamento temático : “nada mais tendo para contar”…
3. Acto de promessa
A invocação clássica advém da necessidade de fazer algo imprevisto. As alegadas justificações, que se
prendem com mudanças súbitas de estado, são muito frequentes nas rotinas de pré-fecho. Nos primeiros dois
exemplos, há um aviso sonoro que despoleta essa tomada de decisão, ou porque constitui um sinal de chamada a
uma obrigação ou porque provoca um incómodo incompatível com a concentração do acto de escrita.
(32) “É à pressa que lhe escrevo hoje, pois ouço já tocar o sino para a missa e não quero faltar a este
dever de católico, que quase todos os domingos observo”
42
.
(33) Está-me bulindo os nervos uma campainha de não sei que cavalgadura que prenderam junto da
minha porta; a minha impaciência nem me deixa escrever com o vagar que desejava. Outra vez
serei mais extenso se tu responderes a esta pequena carta com outra o maior que possas fazê-la
43
.
3.3. Rotinas de fecho
As fórmulas finais fazem parte dos actos mais convencionais e mais ritualizados de qualquer actividade
social. Goffman mostrou-nos que não podiam ser tratadas como “um resíduo vazio e trivial” (Goffman 1973:
75): “L’au-revoir clot la rencontre sans ambigüité, en résume les conséquences pour la relation et étaye celle-ci
en prévision de la perte de contact à venir” (ibidem: 87). As rotinas de fecho constituem o acme da expressão
afectiva e, para além das suas formas estereotipadas, devem ser entendidas como um momento crucial e
decisivo, incluindo a expressão do agradecimento e o desejo de um reencontro.
E
STRUTURA PROTOTÍPICA DAS ROTINAS DE FECHO DE MISSIVA
1. Acto confirmativo do elo relacional entre os correspondentes (Conf.)
2. Acto de saudação disjuntiva de despedida (Disj.): os abraços, os beijinhos e outras saudações
familiares verbalizam uma saudação não verbal que é efectivamente de impossível realização,
negando o título de Austin “Quando dizer, não é fazer!”
3. Actos euforizantes (Euf.)
a) expressões de agradecimento
b) votos prospectivos
c) extensão (transmissão de cumprimentos)
4. Acto de reiteração (Reit.) por exemplo, reiterar o desejo que a carta chegue rapidamente ao
destino, reiterar as melhoras já formuladas no corpo da carta.
5. Acto de solicitação (Solic): estímulo ao correspondente que pode ser formulado através de
a) um pedido
b) um enunciado imperativo
c) uma questão
d) uma formulação de esperança
42 Carta de Júlio Dinis, Ovar, 9 de Agosto de 1863, Cartas e esboços literários, p. 62.
43 Carta de Júlio Dinis, Ovar, 16 de Maio de 1863, Cartas e esboços literários, p. 31.
11
6. Invocação divina (I.D)
7. Acto de subscrição (Subs)
8. Post Scriptum (P.S.)
(34) Recebe, pois, meu caro, um abraço muito apertado e acredita que será para mim um dia de grande
regozijo aquelle em que voltar a estar a teu lado.
44
(35) Adeus, querido e bom amigo! Dê as melhores saudades à Srª. D. Emília – e chuva de beijos às suas
pequenas. Grande abraço ao bravo Jeco e Você lembre-se do seu bom e dedicado amigo
45
.
4. Topoi epistolares
Topos (no plural topoi) é um termo grego, cujo correspondente latino é locus communis, que traduzimos
por lugar-comum. O sentido e a extensão desta noção de topos variaram ao longo dos séculos. É um termo caro à
retórica. Em contraste com o cliché e segundo Amossy e Herschberg (1997), o topos é uma noção antiga que,
na sua origem, não encerra um carácter pejorativo. Os lugares-comuns ou topoi remontam à dialéctica e à
retórica aristotélicas. São elementos fixos que se tornam progressivamente estereótipos de organização da
reflexão. Os topoi que configuram o género epistolar familiar e que contribuem para a construção do dialogismo
epistolográfico que analisamos são os seguintes:
4.1. Speculum Animi
Esta metáfora da carta como espelho da alma radica já em S. Paulo, na Segunda Carta aos Coríntios.
Esta metáfora do espelho estava imbuída, na época medieval, de uma conotação moralista, ligada à imagem
do speculum perfectionis, ou seja, do espelho como reflexo perfeito e irrepreensível.
As palavras de Frei António Chagas endereçadas a sua mãe são também eloquentes para explicitar esta
imagem do speculum animi:
(36) Recebi três cartas de V.P. e ũa delas me pareceu melhor que tôdas, porque serve de espelho, em
que me vejo; queira Nosso Senhor que por estes gritos mudos, com que fala o papel e a tinta, ouça
eu Sua infinita misericórdia, e que traga nos ouvidos da alma estas trombetas, que me põem diante
o meu dia do juízo; porém rogue V.P. a sua Divina Majestade que, assim como fêz a V. P.
despertador para as minhas advertências, faça de suas orações medicinas para a cura de minha
alma e da minha negligência, e lhe dê eficacia para aproveitar-me delas.
15 de Outubro de 1677
De V. P. filho e súbdito útil
Frei António Chagas
46
4.2. Currente Calamo
Esta imagem associa a prática epistolar a um gesto de improvisação. Aqui reside uma das razões que
provoca a tensão e a controvérsia relativamente à inserção do epistolar no domínio literário. O literário, a obra
em si mesma, requer uma ausência que parece em tudo similar à ausência que é a premissa da correspondência.
Paradoxalmente, o epistolar é a afirmação da presença e de uma presença que se revela no gesto de comunicação
transparente, sincero, ao correr da pena.
(37) Meu querido pai e meu Senhor do meu coração
(…) Li esta carta. A maior parte está miserável e quási indigna de ir; porém V. Ex.ª assim
mesmo a quere e enfadar-se-ía mais que eu a copiasse.
Meu Pai do meu coração, dê-me V. Ex.ª a sua bênção e que Deus guarde V. Ex.ª. como desejo
e preciso.
São 17 de Setembro
De V. Ex.ª
44 Carta de Eça a Luis de Magalhães, Paris, 18 de Setembro de 1891, Cartas e Outros Escritos, p. 247.
45 Carta de Eça de Queiroz a Ramalho Ortigão, 20.07.1873, Cartas e Outros Escritos, p. 61.
46 Frei António das Chagas Carta 31, pp. 79-81, in, Cartas Espirituais, Selecção, Prefácio e Notas pelo Prof. M. Rodrigues Lapa, Lisboa, Livraria Sá da Costa Editora, 1939
12
Filha a mais obediente
Leonor
47
4.3. Conversação in absentia
Este topos da conversação é indubitavelmente uma das metáforas reiteradas e profícuas da escrita epistolar.
Já a obra de Cícero anunciava esta imagem quando definia a carta como “uma conversa entre amigos ausentes”
e, muito posteriormente, André Gide, numa carta datada de 1891, designa o epistolar como “un illusoire
dialogue”. Este topos resistente filia-se na retórica que se alimentou sempre da arte da conversação.
(38) Bristol, Agosto de 1887
Meu querido Joaquim Pedro:
Tenho tido várias vezes o desejo de te escrever – para cavaquear; mas não me tem sobrado o
tempo, nem essa disposição epistolar que tanta glória rendeu a Cícero e a Sévigné. E hoje,
limito-me a quatro linhas, com aquela concisão que deve ter uma pergunta nítida reclamando
uma resposta nítida.
[…] Eça de Queiroz
48
4.4. Carta -objecto
A materialidade da carta, silenciada na maior parte dos estudos do epistolar, parece-nos dever ser
igualmente considerada. Antes de ser uma mensagem, a carta é um objecto que reconhecemos, que palpamos,
que criamos e que só posteriormente endereçamos.
A carta enquanto objecto, e objecto de afeição, impele à sua conservação e como bem precioso e por vezes
secreto (se falarmos do epistolar amoroso) a sua tangibilidade raia o fetiche. A sensualidade física da carta
permite gestos que vão desde a leitura repetida à contemplação, do recato à exposição, do amachucar e rasgar ao
acto mais extremo e desesperado de queimar.
(39) Se as cartas não fossem cartas, muitas vezes escreveria a V. M., como desejo, mas porque o
são, o não ouso de fazer, pois as não leva o vento, como palavras e plumas, antes se guardam
tão bem, que a todo o tempo se pode pedir razão de como se escreveram e porque as
escreveram.
Évora, 20 de Novembro de 1535
49
.
4.5. Autoreferencialidade
Ao discurso epistolar estão subjacentes as coordenadas espácio-temporais dos correspondentes. As
referências espaciais e cénicas têm um papel fundamental na compreensão dos textos epistolares. Qualquer que
seja o conteúdo informativo da carta, o signatário cumpre um conjunto de procedimentos fixados pelas regras de
apresentação: é imperioso que se situe no tempo e no espaço, inscrevendo a data e o local. A indicação do lugar
de onde escreve, dos acontecimentos que envolvem o acto permitirão ao interlocutor imaginar a cena,
descodificar os indícios apresentados no enunciado, pois estes são decerto indícios-estímulo que despertam
memórias e quadros de referências. Recuperando a metáfora dramatúrgica da vida social como palco permanente
proposta por Goffman (1973) e corroborada por Dauphin et al (1995) quando afirmam : “on peut considérer que
le geste épistolaire opère une mise en scène de la même façon que l’écriture dramaturgique dispose autour de,
ou dans le texte proprement dit, un ensemble de mentions sur le décor, les accessoires, les postures et les
mouvements des acteurs, autant de marques nécessaires à la compréhension de la pièce pour celui qui la
lit”(1995 : 115).
(40) A irregularidade da minha vida epistolar provém de que eu penso sempre as minhas cartas antes
de as escrever. E como as penso inteiras, acabadas, desde a data até ao seu e.c., fico com a ilusão
física de que as escrevi, as sobrescritei, as estampilhei. Daí certo espanto quando os amigos se
queixam do meu silêncio, da minha negligência – porque eu, pelo pensamento (e só o pensamento
é uma realidade), sou, na minha correspondência, tão activo como Cícero, quase como a Sévigné.
47 Marquesa de Alorna, Inéditos, Cartas e Outros Escritos, Selecção, Prefácio e Notas do Prof. Hernâni Cidade, Lisboa, Livraria Sá da Costa Editora, 1941, p. 9.
48 Carta de Eça de Queiroz a Oliveira Martins, Eça de Queiroz, Cartas e Outros Escritos, Lisboa, Edições Livros do Brasil, 2001, p. 121.
49 Garcia de Resende, “O Instituto”, vol. XV, 1872, p. 191, sobre o cód. C III/2-26 da Biblioteca de Évora, in Andrée Rocha, A Epistolografia Portuguesa, Lisboa, Imprensa Nacional Casa da Moeda, pp. 71 a 76.
13
Hoje, porém, à cautela, escrevo antes de pensar, porque também sinto saudades suas e o desejo de
conversar.
50
4.6. Ecos: Modalidade Recapitulativa
A referência a uma carta ou a um acontecimento antecedente ou concomitante é uma das principais
modalidades do epistolar. A retoma e a reformulação diafónicas (Cf. Roulet 1985:71) de missivas recebidas
através da apropriação do discurso do outro que pode fazer-se através da citação propriamente dita ou da
integração comentada e da reformulação.
(41) Não creio ter-lhe dado motivo para suppôr em mim quebra da nossa boa, singela e velha amizade;
digo isto, porque sinto nas palavras da sua carta o que quer que seja que denuncia suspeitas a tal
respeito
51
.
4.7. Estratégias justificativas
As limitações materiais (a tinta, o papel, a pena), as limitações circunstanciais (referências à saúde, ao
estado do tempo atmosférico, aos atrasos da posta e/ou serviços, à falta de tempo) induzem à repetição de
estratégias justificativas. Estas configuram o pacto epistolar que exige reciprocidade e cumprimento das regras
socialmente estabelecidas e que necessita de justificação quando infringido ou quebrado. As justificações de
atraso na resposta são frequentes: a desculpa mais frequente fundamenta-se na falta de tempo, que por ser mais
fácil de admitir pela sua verosimilhança, é menos vexante do que o esquecimento, a preguiça ou a indiferença.
4.7.1. Referências à saúde
(42) Eu por aqui vou com o caruncho dos 66 que ora me sobe aos brônquios, ora me desce à bexiga,
quando não faz como Santo António, estando ao mesmo tempo em ambos os lugares.
Escrevo esta, vencendo a minha crescente repugnância à literatura epistolar, por causa de um
pequeno negócio.
52
4.7.2. Referências ao estado atmosférico
(43) Como a continuação das chuvas tem feito impraticáveis os caminhos, o chegam as postas nos
dias regulados, e daqui nasceu, sem dúvida, não havermos recebido cartas dessa Côrte no último
ordinário.
53
4.7.3. Atrasos da posta ou serviços
A correspondência é, pela sua natureza, dependente do sistema que permite a interacção. É graças à
regularidade e à eficiência do sistema da posta ou do correio que se podem desenrolar os rituais epistolares. A
referência às fragilidades, dificuldades e falhas do sistema (aos níveis do envio, da segurança, da
confidencialidade, do extravio) são abundantemente referidas na enunciação epistolar.
(44) Minha querida amiga
O correio, como me dizia na sua carta, com efeito, nunca chega! Estou receando que, em vez de
seguir a direito como o afiança o Estado e o Guia dos Caminhos de Ferro, ele flana pelas
estradas, pára à sombra das árvores a fumar o seu cachimbo de vadiagm, e durma a sesta sur
l’herbe tendre -, enquanto as pobres almas que ele devia fazer comunicar e que pagaram
honradamente a sua estampilha para comunicarem, se desespèrent et languissent.
54
4.8. Pacto epistolar
50 Carta de Eça de Queirós a Domício da Gama, 26 de Setembro de 1899, Cartas de Autores Portugueses, Lisboa, Edição dos Correios e Telecounicações de Portugal, 1987, p. 15.
51 Alexandre Herculano, Cartas, Tomo II, Lisboa, Livraria Bertrand, s/d, p. 90.
52 Alexandre Herculano, Archivo Histórico Português, Vol. VIII, p. 151, apud Andrée Rocha, A Epistolografia em Portugal, Lisboa, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, p. 251.
53 José da Cunha Brochado, Cartas, carta 48, p. 79.
54 Eça de Queiroz, carta escrita de Londres a 7 de Outubro de 1885 a Maria Emília, Eça de Queiroz Emília de Castro, Correspondência Epistolar, Cartas Inéditas de Emília de Castro, Lisboa, Lello Editores, 1996, p. 66.
14
Raros são os estudos no âmbito da linguística textual que conferem uma importância significativa à noção
de pacto
55
. Esta noção, inspirada da noção de “pacto autobiográfico” que emerge das análises de Philippe
Lejeune (1976), foi claramente retomada por Janet Altman (1982), por Vincent Kaufmann (1999) e por Jean-
Louis Cornille (1983). Como observa Altman, o parâmetro básico é a noção de pacto epistolar:
“What distinguishes epistolary narrative from these diary novels, however, is the desire for exchange. In
epistolary writing the reader is called upon to respond as a writer and to contribute as such to narrative. I
insist upon the fact that the reader is “called upon” to respond” (1982: 89).
A esta procura da reciprocidade, a autora acrescenta a definição de pacto: “To a great extent, this is the
epistolary pact – the call for response from a specific reader within the correspondent’s word”(ibidem: 89)
O não cumprimento do pacto da regularidade pode acarretar consequências negativas, porquanto o silêncio
é virtualmente portador de uma ideia de negatividade e mesmo de intranquilidade.
Esse pacto cria uma disciplina, uma forma de obediência que os próprios correspondentes anunciam:
(45) Estou-lhe em dívida bastante tempo. Se o fosse confiar na bondade do credor seria com
verdadeiras apreensões que hoje lhe iria falar, mas conheço-o há tanto tempo que me não falece o
ânimo ainda. As suas cartas são-me em extreme agradáveis; fala-se muito nelas em coisas do
coração e eu, por enquanto, fraqueza própria da idade, ainda não pude habituar-me a fazer menos
caso deste simpatico órgão, tão desprezado hoje em dia”
56
.
É, como demonstrámos, inevitável reconhecer a importância configuradora e a ampla difusão destes topoi
nas correspondências familiares que espelham o carácter repetitivo das temáticas que se mantêm invariáveis ao
longo dos séculos.
5. Conclusão
A forma epistolar é uma forma insubstituível da arte da sociabilidade
57
.
Escrever uma carta é situar-se num nível superior: intelectual (porque exige reflexão), afectivo (porque
partilha a intimidade) e moral (porque obriga a implicação). O poder heurístico da forma epistolar reside nesta
tríplice explicação. A contrario, não escrever, qualquer que seja a causa, prática (porque o tempo escasseia),
intelectual (porque o talento é avaro), afectivo (porque o coração o impede) ou moral (porque carece de
coragem), é recusar envolver-se na intimidade e na implicação E a carta é mais do que um “chiffon de papier
58
,
é manifestamente um “fragment heureux
59
.
Tentámos mostrar que o texto epistolar não deve ser enjeitado ou olvidado, pois continua a integrar, de
forma notavelmente surpreendente, o nosso quotidiano. Estudámos as rotinas. Recenseámos os topoi, como
elementos de regularidade, de normatividade, de repetitividade que configuram o género epistolar. Cremos,
modestamente, que o véu que solevámos permitirá, no futuro, aprofundar devidamente, o modus epistolaris,
sendo, esta, apenas, a nossa possível e modesta contribuição.
55 Paradoxalmente, no âmbito dos estudos literários, multiplicam-se as abordagens desta noção de pacto.
56 Carta de Júlio Dinis, Ovar, 17 de Junho de 1863, Cartas e Esboços Literários, Porto, Livraria Civilização Editora, 1979, p. 56.
57 Cf. Isabel Roboredo Seara, “Texto epistolar: epifania do eu ou culto do social?”, Colóquio Formas e espaços de sociabilidade. Contributos para uma história da cultura em Portugal, Lisboa, Universidade Aberta/ Instituto
Camões, 24 de Maio de 2006 (no prelo).
58 Brigitte Diaz, La Lettre ou la pensée nomade, Paris, Presses Universitaires de France, 2002, p. 7.
59 A expressão “fragment heureux” de Chr istian Meurillon (1984: 18). E assim explicitada : “Ela/ele é feliz porque resistiu não só à labiríntica e perigosa viagem, como à deterioração natural do seu suporte (outro factor de
fragilidade). Resistiu também ao seu próprio destino. É, assim, salva, que a carta se apresenta à nossa “felicidade” de leitores póstumos” (Parreira da Silva 1998: 12).
15
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Seara, Isabel Roboredo 2004. L’Utopie dans la correspondance de Mário de Sá-Carneiro. In Revue de l’AIRE-
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Seara, Isabel Roboredo (no prelo) Texto epistolar: epifania do eu ou culto do social? In Formas e espaços de
sociabilidade. Contributos para uma história da cultura em Portugal. Lisboa: Universidade Aberta/ Instituto
Camões.
Silva, Maria Manuela Parreira da 2003. Realidade e ficção. Para uma biografia epistolar de Fernando Pessoa.
Lisboa: Assírio e Alvim.
Traverso, Véronique 1996. La Conversation Familière - Analyse des pratiques des interactions. Lyon: Presses
Universitaires de Lyon.
Violi, Patrizia 1988. Présence et absence. Stratégies d’énonciation dans la lettre. Aljirdas J. Greimas & Jean-
Blaize Grize et al. (dir) La Lettre, approches sémiotiques Actes du VI
e
Colloque Interdisciplinaire. Fribourg:
Éditions Universitaires, pp. 27-36.
Article
O presente trabalho tem como objetivo discutir o papel sociocultural da mulher setecentista portuguesa valorizado, no âmbito do Reformismo Ilustrado, por Luís António Verney. Através da análise textual das epístolas que compõem o Verdadeiro Método de Estudar (1746), demonstraremos que, para o autor, a educação das mulheres é fundamental, uma vez que elas, enquanto mães de família, são as mestras dos próprios filhos nos primeiros anos de vida. PALAVRAS-CHAVE: Luís António Verney. Mulher. Verdadeiro Método de Estudar.
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Este artigo tem como objetivo apresentar um estudo sobre a natureza da comunicação epistolar entre Epifânio Dória e José Calasans, dois representativos intelectuais sergipanos que mantiveram correspondência por dezesseis anos. Os corpora epistolares em análise são edições semidiplomáticas, isto é, conservadoras do estado de língua em que os textos foram escritos, de missivas manuscritas e datiloscritas de Epifânio Dória (1884-1976) e José Calasans (1915-2001), que se encontram nos espólios desses intelectuais salvaguardados no Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe (IHGSE). A análise empreendida considera o exame das condições de produção e circulação dos textos epistolares e o seu papel na história e na sociedade. A eleição da carta como objeto de pesquisa, visando à reflexão sobre sua contextualidade, permitiu que a análise textual se conjugasse com uma perspectiva pragmática, pela própria natureza dessa situação comunicativa. Assim é que, no contexto da superfície textual, em nível pragmático-discursivo, foram sistematizadas e analisadas as rotinas verbais de abertura, pré-fecho e fecho das cartas, de acordo com o modelo de Análise Interacional da Comunicação Epistolar (AICE), proposto pela professora e pesquisadora Isabel Roboredo Seara.
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Num tempo em que o mundo cada vez mais se confronta com a Diversidade e a Pluralidade que marcam as relações (inter)pessoais e (inter) nacionais, equacionar o ensino e a aprendizagem do Português, nas suas diferentes variedades e na variedade de relações e estatutos que assume nos curricula, afigura-se profundamente pertinente. Um pouco por todo o mundo, vêm ocorrendo diversas iniciativas científicas que perspetivam o Pluri/Multilinguismo na sua relação com a aprendizagem de línguas, sejam maternas sejam estrangeitras, em diferentes níveis de ensino e em contextos formais e não formais. Atentas ao desenvolvimento dos trabalhos neste domínio científico, a Escola Superior de Educação de Santarém propôs-se levar a cabo o III Encontro Internacional do Português, associando-se ao III Simpósio Internacional de Ensino da Língua Portuguesa, da Universidade Federal da Uberlândia. Estes eventos pretendem constituir-se como um espaço de partilha e reflexão entre investigadores, formadores, professores e outros indivíduos que desenvolvam trabalho em torno dos tópicos que constituem os eixos temáticos
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Tendo em conta que o manual escolar tem um papel fundamental no percurso escolar dos alunos e nas opções diárias do professor, consideramos essencial que esse instrumento se paute por exigentes medidas de qualidade, designadamente em relação à imagem, destacando o seu valor pedagógico e adjuvante do processo de compreensão da leitura. A “obrigatoriedade” de utilização do manual escolar durante a prática letiva e as dificuldades de compreensão textual potenciadas por uma incorreta seleção de imagens, conduziram-nos à delineação de um objetivo essencial para este trabalho: i) analisar a (des)articulação entre a imagem e o texto. Os resultados apontam para o facto de o texto escrito transmitir frequentemente uma mensagem não sustentada ou contrariada pela imagem (“divórcio semiótico”), criando contextos fragilizados de compreensão textual.
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Between 1881 and 1888 Portugal promoted the construction of a railway in Goa in partnership with a British company. The team that led the undertaking was entirely British. Walter Merivale was one of the members of the team. He was a young engineer who debuted in railway building projects and who described his experience in dozes of letters that he regularly sent to his family in England. In this paper we will examine these documents, using the methodology of letter analysis and content analysis. We aim to contribute to the history of the Goa railway, to the discussion about the formation of the persona of the engineer, and to the use of private letters in historical research
Article
Thesis (Ph. D.)--Yale University, 1973. Includes bibliographical references (leaves [246]-256). Photocopy.
Francisco Manuel de Melo a um parente e amigo, Cartas Familiares
  • D Carta De
Carta de D. Francisco Manuel de Melo a um parente e amigo, Cartas Familiares, p. 274.
To a great extent, this is the epistolary pact – the call for response from a specific reader within the correspondent's word " (ibidem: 89) O não cumprimento do pacto da regularidade pode acarretar consequências negativas
  • A Esta Procura Da Reciprocidade
A esta procura da reciprocidade, a autora acrescenta a definição de pacto: " To a great extent, this is the epistolary pact – the call for response from a specific reader within the correspondent's word " (ibidem: 89) O não cumprimento do pacto da regularidade pode acarretar consequências negativas, porquanto o silêncio é virtualmente portador de uma ideia de negatividade e mesmo de intranquilidade.
Texto epistolar: epifania do eu ou culto do social? " , Colóquio Formas e espaços de sociabilidade
  • Isabel Roboredo Seara
Isabel Roboredo Seara, " Texto epistolar: epifania do eu ou culto do social? ", Colóquio Formas e espaços de sociabilidade. Contributos para uma história da cultura em Portugal, Lisboa, Universidade Aberta/ Instituto Camões, 24 de Maio de 2006 (no prelo).
Les genres du discours épistolaire. De la rhétorique à l'analyse pragmatique des pratiques discursives
  • Jean-Michel Adam
Adam, Jean-Michel 1998. Les genres du discours épistolaire. De la rhétorique à l'analyse pragmatique des pratiques discursives. In La lettre entre réel et fiction, Jürgen Siess (dir.). Paris: Sedes, pp. 37-53.
Colloque Iinternational sur les Correspondances
  • Bernard Beugnot
Beugnot, Bernard 1987. L'invention épistolaire à la manière de soi. In L'épistolarité à travers les siècles, Geste de Communication et/ou d'écriture, Bossis, Mireille e Charles A. Porter, Colloque Iinternational sur les Correspondances. Cerisy La Salle, Stuttgart: Franz Steiner Verlag, pp. 27-38.