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NUNES SOBRINHO, R. (2016). A transmigração da causalidade no
Fédon de Platão. Archai, n. 16, jan. -apr., p. 263 -303.
DOI: http://dx.doi.org/10.14195/1984 -249X_16_9
RESUMO: No diálogo que encena a última fala losóca de
Sócrates, Platão examina o tema da morte: Sócrates recor-
re ao acervo tradicional dos Mistérios para encontrar ima-
gens que possam justicar sua atitude insólita diante da morte.
A própria denição de morte pressupõe a realidade e a subsistên-
cia da alma. Sem denir a alma, Platão recongura os axiomas
tomados da heterogeneidade dos Mistérios. Essa reconguração
de antigas crenças resulta na transmigração causal que modela a
hipótese das Formas. A composição do mito nal surge após um
longo percurso dialético que restabelece a razoabilidade discur-
siva de imagens qualicadas como um “nobre risco”. A nalida-
Rubens Nunes Sobrinho - Universidade Federal de Uberlândia (Brasil)
rgns11@gmail.com
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nho, ‘A transmigração
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de desta análise é identicar o itinerário pelo qual o ‘nobre risco’
da palingenesia constrói o axioma e princípio causal das Formas
como explanação sobre a verdade e natureza de todos os seres.
Palavras -chave: Causalidade, Formas, Participação, Palinge-
nesia
ABSTRACT: In the dialogue that shows the last philosophical
speech of Socrates, Plato examines the theme of death: Socra-
tes explores the tradition of Mysteries to nd images that may
justify his unusual attitude towards death. e very denition
of death presupposes the existence and survival of the soul.
Without dening the soul, Plato recongures the axioms based
on the heterogeneity of the Mysteries. is reconguration of
ancient beliefs results in the causal transmigration that moulds
the hypothesis of Forms. e composition of the nal myth is
the results on a long dialectical pursue which re -establishes the
discursive reason of images qualied as a “noble risk” (‘καλ’,
Phd. 114d6). e aim of this analysis is thus to identify the itin-
erary by which the ‘noble risk’ of palingenesis constructs the
axiom and the causal principle of Forms as the explanation of
truth and the nature of all beings.
Keywords: Causality, Forms, Participation, Palingenesis
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. P I
O caráter único da última discussão losóca de
Sócrates molda o cenário dramático para a apresenta-
ção de uma causalidade unicadora: para justicar as
causas de sua felicidade1 – um afeto espantoso diante
da morte iminente (égōge thaumasía épathon parage-
nómenos Pl., Phd. 58e1) –, Sócrates deve dar razões
que são tributárias de uma antiga tradição cultual (pa-
laiòs logos, Pl. Phd. 70c4) e recongurá -las no âmbito
argumentativo da losoa.
Dixsaut identica as antigas sentenças (τι παλαι
λόγο, Phd. 70a4) indiferentemente com os Mistérios,
as iniciações órcas e o pitagorismo, mas também
o dionisismo e o cinismo (Dixsaut, 1991, p. 46 -65).
Boyancé (1993) identica a tradição com o orsmo
e o pitagorismo. Bernabé (2011, 62 -78) expõe um
conjunto de evidências textuais que fundamentam
sucientemente a inferência de que as menções pla-
tônicas à antiga tradição remonta, em última instân-
cia, a tradição órca, sem no entanto, excluir a gama
heterogênea abarcada pela rubrica e o pitagorismo.
O caráter vago e não explícito da expressão παλαι
λόγο realça o aspecto da autoridade e valor deriva-
dos da antiguidade das sentenças. Uma vez que o valor
é transmitido pela antiguidade da tradição, Sócrates
emprega o termo como meio de estabelecer uma tese
provisional lastrada no peso desta tradição2.
A nalidade desta reexão consiste em demarcar
o itinerário pelo qual a concepção da palingenesia se
congura como axioma e princípio que justica a cau-
salidade das Formas, a verdade e a realidade de todos
os seres.
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Para tanto, adotarei como pressuposto interpretati-
vo uma abordagem contextual que prioriza o ambien-
te e o movimento dramático do diálogo (a exemplo
de Cooper (1997), Nightingale (2004), Burger (1984),
Zuckert (2009) e Morgan (2004), dentre outros) de
modo a empreender uma leitura livre das amarras
conceituais implicadas pelo critério de divisões cro-
nológicas, tornadas canônicas pelo criticismo textual
hegemônico. Como arma Catherine Zuckert (2009,
p. 4, 6.):
Se quisermos descobrir como Platão viu o mundo ou o
que ele pensou, precisaremos encontrar um outro modo
de mostrar (...) o quanto os leitores são mais encorajados
a entender o estatuto e o caráter dos argumentos tomados
não simplesmente em si mesmos, ou em abstrato, mas da
maneira como são apresentados por este lósofo parti-
cular, com seu pano de fundo e abordagem distintivos,
para uma pessoa especíca, ou pessoas, no tempo e lugar
indicados, com um efeito discernível.
Em segundo lugar, adoto o pressuposto de Prade-
au e Dixsaut da distinção entre “realidade inteligível”
(autò kath’ autò; ousía) e “forma inteligível” (eîdos).
No plano da multiplicidade em constante mudança, a
inteligência pode apreender, mediante os raciocínios,
alguma estabilidade na determinação dos seres. A es-
tabilidade no plano sensível suscita a possibilidade do
conhecimento e indica o “estatuto de uma determina-
ção” que é inscrita pelas formas. Como arma PRA-
DEAU (2001, p. 20), a “forma é a determinação que
é dada a uma multiplicidade de coisas sensíveis pela
realidade inteligível, que é uma qualidade singular”.
Como inscrição de regularidade no plano sensível, a
determinação congura uma estrutura relativamente
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estável nos seres particulares. Embora comum a cada
ser da mesma espécie, nada é mais único do que a
“forma” estruturadora.
. A : , , (οσία,
εδο, ιδέα)
A distinção semântica entre eidos e idéa é clara-
mente explicitada por A. Bernabé (2013) a partir do
contexto dos pré -socráticos. Relacionada com o as-
pecto visual, a silhueta, eîdos abarca aquilo que Ber-
nabé aponta como “valor classicador” e, sobretudo, a
função de conguração da matéria. Além disso, a par-
tir de Empédocles3, eîdos designaria a forma natural
própria, a natureza própria de algo. A relação material
de “conguração” do visível confere à noção de eîdos o
valor arquetípico da Beleza, na sua função de modelar
de congurar uma impressão material. Por outro lado,
a idéa implica um vínculo com a apreensão racional de
realidades passíveis, somente, de serem “imaginadas
ou conceberem -se por meio da razão” (id. p. 102).
Embora Bernabé atribua uma função “classica-
dora” a ambas noções, o enfoque causal da losoa
não é destacado em sua análise lológica. Em vez da
assunção moderna da lógica de classes, parece eviden-
te que, no contexto dos pré -socráticos, já emerge uma
conexão entre a estruturação, ou determinação essen-
cial dos seres, material e visível, e a apreensão pela
inteligência de conexões somente pensáveis. A cone-
xão causal entre eîdos e idéa aponta para a molda de
antecedentes pré -socráticos da causalidade platônica,
os quais pressupõem a inferência de relações inteli-
gíveis a partir da natureza própria, ou determinação
estrutural dos seres4. Há, pois, uma passagem do visí-
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vel para o inteligível, calcada na distinção semântica
entre eîdos e idéa.
A investigação mais fecunda (e polêmica) acerca de
uma distinção semântica entre ousía, eîdos e idéa foi
empreendida por M. Dixsaut no contexto do Fédon.
Em sua análise da questão, A. Lea (in: Motte,
2003, p. 85 -105) endossa a opinião de Couloubaritsis
de que eîdos é uma causa e, como tal, designa a espe-
cicidade das coisas que a causa representa. A partici-
pação a um eîdos é a causa da aquisição da qualidade
designada por este gênero, qualidade que é expressa
por uma denominação apropriada. Não obstante con-
cordar com a tese geral da distinção semântica por ela
proposta, neste estudo redeno os traços distintivos
de cada uma das concepções em razão da primazia
linguística que a intérprete confere ao “pensamento”
– diânoia – (Dixsaut, 2000), em detrimento de moda-
lidades imagéticas do pensar, notadamente, a do mito
losóco.
Lea discorda da distinção semântica proposta por Di-
xsaut, talvez porque os “dados” por ele levantados derivem
de uma análise estatística que já emprega categorias lógicas
e linguísticas modernas, além de abolir a relevância da co-
erência intrínseca ao movimento dramático dos diálogos.
Por sua vez, Jeanmart (ibid. p. 80, 81), em sua análise se-
mântica do termo em Grg. 503e, atribui a eîdos o sentido
não técnico de “aspecto”. Em função dos resultados oriun-
dos de um enfoque contextual sinótico, não sigo o esque-
ma lógico -linguístico que constitui a pedra angular de toda
a arquitetura do trabalho de Motte.
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Seguindo estes pressupostos, passo a examinar o
precedente da imortalidade no contexto do Górgias
como um antecedente proléptico para o estabeleci-
mento da associação entre causalidade e imortalidade
conforme apresentada por Platão no Fédon.
. O G
O delineamento da determinação estrutural dos
seres já aparece no Górgias, diálogo em que os scholars
não atribuem uma acepção técnica ao termo eîdos.
Neste diálogo, após estabelecer a distinção entre o
bem e o agradável (500d), Sócrates discrimina a di-
ferença entre o conhecimento técnico dos meios, que
redundam na melhor qualidade para os seus objetos,
da mera habilidade, que visa o prazer como nalidade
em detrimento do conhecimento do melhor.
O homem de bem, cujo discurso visa o melhor, fala ao
acaso? Não fala com olhar xo em algo? Como cada um
dos outros demiurgos olham xamente tendo em vista as
suas atividades, não é por acaso que escolhem, mas pro-
curam o que precisam para aplicar à sua obra, e selecio-
nam am de que seu trabalho seja dotado de sua forma
própria. (Pl. Grg. 503d 5 -e6)5
Em todo trabalho demiúrgico cada parte é disposta
em função de uma ordem que impõe ajustamento e
harmonia à totalidade, até que esta seja uma compo-
sição ordenada e com kosmía (hápan systēsētai tetag-
ménon te kaì kekosmēménon prâgma, - Grg. 504a1) e
o trabalho seja dotado de sua forma (eîdos) própria.
Além disso, há uma homologia estrutural entre as
obras materiais e a alma que suscita a seguinte analo-
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gia: assim como a saúde é a excelência que resulta da
boa ordenação do corpo, assim também a excelência
da justiça e da temperança resultam da boa ordenação
da alma, chamada lei (taîs dé ge tês psychēs táxesi kaì
kosmēsesin nóminon te kaì nómos, Pl. Grg. 504d,
1 -3
).
Se o retórico é um técnico, deve olhar xamente para
o paradigma da técnica e do bem para instilar justiça
e temperança na alma do concidadão (Pl. Grg. 504d5-
-505e3).
Destarte, a qualidade própria de cada ser deriva da
presença da excelência da qual deriva:
A excelência própria de cada ser e que lhe torna aquilo
que é, seja um artefato, o corpo, a alma e de todos os seres
vivos, não se encontra presente nele ao acaso, mas resulta
de uma ordem, de uma retidão, de uma técnica, propor-
cionada a cada um deles6. (Pl. Grg. 506d, 5 -8).
A conexão entre a boa ordenação, o regramento, a
kosmía e a excelência própria de cada ser equivalem
não somente à determinação causal, da qual derivam
as qualidades dos seres, mas à homologia estrutural
entre a natureza própria dos artefatos materiais, dos
seres vivos e da alma. As mesmas determinações cau-
sais que estruturam o plano do devir, estruturam a
alma, mediante a presença de ordenação e kosmía.
Além disso, o bem constitui, simultaneamente, o m,
a partir do qual são discriminados os meios para a
melhor disposição, e o modelo normativo tanto para a
demiurgia técnica, como para a práxis ético -política.
No Górgias, a partir da autoridade advinda do in-
uxo da tradição órco -pitagórica7, Platão estabelece
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a extensão do domínio de validade da conexão entre
causa e efeito, modalidades de regramento e qualida-
des correspondentes, para o domínio de validade da
conexão entre modalidades de ordenação psíquica e
o caráter, entre gênero de vida e virtude, entre ação e
consequência.
A ordenação e o regramento modelam uma visão
unicada que vincula o céu, a terra, os deuses e os ho-
mens numa realidade complexa bem ajustada, forman-
do uma comunhão cingida pela amizade, ou amor da
ordem
(...) O homem que vivesse assim não poderia ser amado
nem por um homem nem por um deus. Ele seria impo-
tente para a comunhão e quando não há comunhão, não
pode haver amizade. Os sábios dizem, Cálicles, que o céu,
a terra, os deuses e os homens formam em conjunto uma
comunhão; que eles são ligados pela amizade, o amor da
ordenação, da temperança e senso de justiça. É por causa
disso, companheiro, que eles chamam o todo de ‘kósmos’
e não desordem nem desregramento. Mas tu, me pare-
ce, não prestas atenção a essas coisas, sendo sábio, e não
notas que a igualdade geométrica é todo poderosa entre
deuses e entre homens e tu consideras a ganância de ter
mais (pleonexía), pois negligencias a geometria. (Pl. Grg.
507e -508a)8.
Uma lei absoluta – a proporção geométrica – gover-
na todas os planos do kósmos e unica o plano ético-
-político com a phýsis. Essa ordenação matemática
confere as determinações em todos os seres e é todo-
-poderosa (mega dýnatai) tanto entre os deuses como
entre os homens.
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. O I
O pano de fundo do passo, como observa De Vo-
gel (1966), é, ao mesmo tempo, órco e pitagórico.
A extensão da noção de philía do plano das relações
práticas para o plano cósmico, e vice -versa, é uma he-
rança pitagórica (id. p. 151, ss.). A “amizade” expressa,
simultaneamente, a justiça natural, cívica e a solida-
riedade entre todos os planos do cosmo. Além disso,
a philía dene um “estado” psíquico de “harmonia in-
terna” que põe em consonância elementos dissonan-
tes. O conjunto cósmico, cingido pela comunhão e
amizade, abarca a justiça e auto regramento no plano
psíquico.
Está claro que que os homens sábios referidos (no Gór-
gias) são os Pitagóricos. Seu pensamento cósmico e uni-
versal é usado por Sócrates -Platão como a base da doutri-
na da existência social humana, assim como eles sempre
têm feito a si mesmos. A virtude humana deve ser uma
imitação da harmonia cósmica; o princípio da ordem im-
plica refreamento de desejos e, portanto, unidade, justiça,
paz interna e felicidade. (De VOGEL, 1966, p. 194)
A ordem nas relações e a proporção geométrica
equivalem à beleza e à verdade (Pl., Ti. 31c -d), pois
“a medida (métriótês) e a proporção (symmetría) en-
gendram em tudo beleza (kállos) e excelência (areté)
(Pl. Phil. 64c). A virtude e a beleza convergem com a
verdade e se unicam na identidade de relações, na
“comensurabilidade em um todo, segundo o princípio
geométrico da proporção” (PERILLIÉ, 2005, p. 10).
A liação pitagórica do contexto que correlaciona a
ganância hedonista (pleonexía)9 com a proporção ma-
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temática remete para o Fr. 3 de Arquitas de Tarento, o
qual, segundo Human (2005, p. 183, 191), constitui
evidência de que o tarentino certamente foi um dos
homens sábios referidos no Górgias:
Uma vez que o cálculo foi descoberto, cessou a discór-
dia e aumentou a concórdia. Pois as pessoas não querem
mais do que suas partilhas e a igualdade existe, uma vez
que isto veio a ser. Pois, por meio do cálculo, nós vemos
reconciliação em nossas transações com os outros. (Fr.
3, 6 -8)10.
Por outro lado, as colunas V e XXII do Papiro de
Derveni sugerem fortemente uma conexão com a tra-
dição órca naturalizada, representada pelo “exegeta”
do papiro:
Os terrores do Hades... quando consultam (ou consul-
tamos) um oráculo... consultam um oráculo... para eles
vamos (iremos) ao santuário oracular a perguntar, com
vistas ao que se profetizou, se é lícito crer nos terrores do
Hades. Por que não creem neles? Se não compreendem
os sonhos nem cada um dos demais acontecimentos, em
que modelos se baseariam para crer? Assim que, vencidos
pelo erro e também pelo prazer (kaì tês állēs hēdonês),
não aprendem nem creem, e é que a desconança e a ig-
norância são uma mesma coisa. Pois se não aprendem
nem conhecem, não há maneira de que creiam, inclusi-
ve quando veem os sonhos... a desconança ... aparece...
(BERNABÉ, T 116)11.
O excesso de prazeres leva ao erro e à descrença e
constituem um impedimento para o conhecimento da
verdade subjacente aos sinais divinos. O aprimoramen-
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to moral aparece como condição para o conhecimento.
Isso indica, Segundo Betegh (p. 90), que o melhora-
mento moral constitui um sucedâneo intelectualizado
para a puricação catártica obtida mediante a prática
dos ritos. O autor do papiro, em sua exegese intelec-
tualizada, já promove uma naturalização da tradição
órca mais antiga.
Nas discussões mais recentes acerca da relação en-
tre orsmo e pitagorismo, Bernabé (2004, p. 137 ss.)
e Casadesús (in: Bernabé, 2008, p. 1053) apontam a
vexata quaestio decorrente da tentativa de se identi-
car elementos comuns entre orsmo e o pitagoris-
mo: “a intenção de identicar o pitagorismo com o
orsmo, ou vice versa, responde à impossibilidade de
denir individualmente cada um dos conceitos que
compõem o termo ‘órco -pitagórico”. Por outro lado,
Bremmer (2002) e Betegh (in: Human, 2014, p. 149-
-166.) tendem a apontar mais as diferenças entre as
duas classes de fenômenos do que os pontos doutri-
nários comuns.
Mas, enquanto Bremmer defende que o “orsmo
foi o produto de uma inuência pitagórica nos mis-
térios báquicos no primeiro quartel do quinto século”
(id. p. 24), Betegh arma que tanto o orsmo como
o pitagorismo conferem “nova relevância religiosa a
conceitos integrados em uma losoa natural” (id.
p. 166). O aspecto principal nas rubricas heterogê-
neas e multifacetadas do “orsmo” e “pitagorismo”
constitui -se na reinterpretação de concepções míticas
e na promoção de uma naturalização desse amálgama
difuso12. Em seu comentário ao Fédon, Durand (2006)
ressalta que a ambiguidade com que Platão se refere
à tradição de mistérios lhe possibilita o uso sincréti-
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co de noções religiosas com o objetivo de demarcar
a especicidade de uma “atitude losóca”, que parte
de um acervo religioso, como paradigma ou metáfora,
para estabelecer a nalidade do exame racional
Pode -se inferir, a partir das supramencionadas co-
lunas do papiro, o evidente paralelismo com a cone-
xão entre prazeres desregrados dos irreetidos (tōn
anoétōn, Pl. Grg. 493c1), e a negligência (améleia, Pl.
Grg. 508a), a ignorância, a falta de formação (apai-
deusías, Pl. Grg. 527e), a falta de fé e o esquecimento
(apistían te kaì léthēn, Pl. Grg. 493c2) não pode ser
fortuito, sobretudo pelo fato de o Papiro de Derveni
não possuir correlação direta com o corpus platônico.
Ademais, na col. XXII do papiro, a alusão explícita à
pleonexía associa, mais uma vez, a ignorância (ama-
thía) com a inconstância dos desejos e a incapacidade
de nomear corretamente as coisas (BERNABÉ, 2004,
T. 133, p. 181; 2007, p. 244).
No Górgias, o gênero de vida losóco se distin-
gue pelo postulado desse princípio unicador segun-
do a regularidade matemática. Neste todo, a alma é
a instância que engendra a unicação causal entre a
multiplicidade do devir, a práxis ético -política e a na-
tureza psíquica. Cada ação prática (hékástou prágma-
tos) acarreta a natureza e afecção própria tanto para o
corpo como para a alma (Grg. 524d).
A alma, arma Dixsaut (2003, p. 169), é o elo interno
que impede que a psicologia a ética, a política ou a cos-
mologia platônicas de se constituírem como domínios
autônomos. A vida e o pensamento derivam dos movi-
mentos psíquicos e eles se transferem para a natureza
como coesão e como padrão de organização na cidade.
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As múltiplas referências órco -pitagóricas do Gór-
gias sugerem, implicitamente, a transmigração como
fundamento para a conexão causal ação/retribuição
– (Cornelli (2011); Bernabé (2013); e Marc Durand
(2006); contra Annas (1982) e Irwin (1979). Todos os
sofrimentos e dores inigidos aos injustos no Hades
atuam como remédios amargos e lhes são úteis como
meio para desembaraçar -se da injustiça e como para-
digma para os demais homens (524b -c): “Ora, todo
ser que se pune e ao qual se inige o castigo neces-
sário merece melhorar e tirar proveito de sua pena”
(Grg. 525b). A possibilidade de tornar -se melhor (bel-
tíous gígnōntai) justica a inferência da oportunidade
de uma nova vida.
Além disso, a determinação matemática que estru-
tura os seres é consonante com a determinação psí-
quica da philía cósmica e com a natureza dos dese-
jos psíquicos, que operam como causas da natureza
da própria alma. Por essa razão, a natureza própria
de todos os seres pressupõe a presença de uma forma
própria.
A tese da transmigração como condição para o me-
lhor, esboçada no Górgias, é reforçada por um passo
simétrico em Republica X (601d, 4 -6):
Ora, a excelência, a beleza e a retidão de cada artefato, de
cada ser vivo, de cada ação são ordenadas a algo diferente
somente para o uso de cada um, ou seja, àquilo por que
cada um existe, quer seja fabricado, quer exista natural-
mente.
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Neste contexto, as contradições entre as imagens
do aparecer denunciam uma vulnerabilidade na natu-
reza da alma que a torna suscetível às encantações da
magia. Somente a medida, o cálculo e a pesagem sal-
vaguardam a apreensão da natureza própria de cada
ser, ou seja, de sua forma determinante (R. X. 602d).
A reconguração platônica da doutrina da trans-
migração representa uma naturalização de fenômenos
ético -psíquicos que não poderiam ser explicados por
causas materiais ou evitar o agenciamento abusivo das
encantações mágicas. Esse processo de naturalização
é particularmente destacado por Gregory (1996)13:
O fato de Platão ter considerado que explanações mate-
riais eram inadequadas para explicar alguns fenômenos,
não signica que as explanações que ele emprega sejam
não naturais. As Formas podem ser de uma ordem dife-
rente das entidades dos objetos físicos, mas dicilmente
poderiam ser pensadas como não naturais, pois elas pos-
suem naturezas invariantes em seus modos especícos de
se relacionarem com entes físicos.
Nessa naturalização, Platão promove uma transpo-
sição das iniciações órcas mediante as imagens do
mito losóco. A autêntica decifração da hyponóia
consiste em apreender as relações de causa e con-
sequência que se ocultam sob os signos do mito de
julgamento. O lósofo é aquele que investiga o regra-
mento cósmico e a proporção geométrica e os aplica
como princípios de ação e de inteligibilidade da alma.
A alma justa é a alma bem ordenada em consonância
com a harmonia cósmica (Pl. Grg. 507a).
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Na planície invisível, em que as hierarquias da vida
são equalizadas no mesmo métron, as fórmulas de
reconhecimento, as palavras de passe e a memoriza-
ção de prescrições rituais órcas são transpostas pelo
“olhar da alma” que perscruta outra alma. Para Platão,
os discursos sagrados (hieroi lógoi) não mais expres-
sam a natureza própria do recipiendário e por isso,
o sentido enigmático do discurso polissêmico perde
a nalidade. Somente o olhar perscrutador, despido
de toda aparência articial, pode apreender a verdade
dos seres e determinar o destino correlativo à natureza
própria de cada alma. Os verdadeiros bákkhoi não são
os que se declaram puros, mas são aqueles que, puros,
resplandecem as ordenações da justiça, efetivadas em
vida, na silhueta de sua própria natureza psíquica.
. A F
A desconcertante atitude de satisfação (adeōs) e
nobreza (gennaîos) de Sócrates contrasta com a pie-
dade e tristeza (eleinòn, pénthos) suscitada pelo mis-
tério da entrada na morada de Hades. Os opostos se
interpõem: Fédon experimenta uma mistura (krásis)
entre prazer e dor, ao passo que Sócrates, o mais justo
dos homens, aquele que mais merece viver, deseja a
morte iminente, porque alimenta a bela esperança de
encontrar a realização dos seus esforços e o alvo de
seu amor: a puricação plena do pensamento.
A atopía da atitude procura justicação no acervo
tradicional das imagens míticas dos Mistérios. A pró-
pria denição de morte pressupõe a realidade, o des-
ligamento e a subsistência da alma – a instância que
reclama razões e cuja natureza exige camadas sempre
aprofundadas de signicação.
Rubens Nunes Sobri-
nho, ‘A transmigração
da causalidade no Fédon
de Platão’, p. 263-303
n. 16, jan.-apr. 2016
279
Sem denir a alma, Platão recongura os axiomas
de pístis tomados de uma tradição amalgâmica e he-
terogênea, particularmente do orsmo. As referências
às fórmulas secretas (apoórretoi) e uma antiga tradição
(palaiòs mèn oûn ésti tis lógos, Pl. Phd. 70c) sugerem
a postulação de crenças e hipóteses cuja autoridade
deriva de uma transmissão iniciática que remonta a
poemas atribuídos a Orfeu.
Não obstante, crer é diferente de conhecer e Platão
submete este acervo de crenças ao crivo da investiga-
ção argumentativa. Os argumentos desenvolvidos no
Fédon repassam as noções causais forjadas no campo
mítico dos cultos até operar a radical reconguração
que redunda na sosticada hipótese das Formas.
O emprego de uma gama de modalidades discursi-
vas multifacetadas, entrelaçando mythos e logos inex-
tricavelmente, concilia a ecácia mágica da encanta-
ção imagética com a razoabilidade do argumento que
se abre para níveis mais elevados de inteligibilidade.
Todos os argumentos acerca da imortalidade se abrem
para a possibilidade de revisão diante de novas inves-
tigações. Mas para lidar com o medo, um dos signos
que denunciam o amor ao uso do corpo como meio
de saciação, é preciso mais do que o estabelecimento
de hipóteses provisionais: é preciso assumir a coragem
do risco propiciada pela exortação e encantação mu-
sical (Nunes Sobrinho, 2007). As imagens e a encanta-
ção compõem um modo de comunicação polissêmi-
ca, com sentido subliminar (hypónoia), endereçada à
afetividade da alma.
Rubens Nunes Sobri-
nho, ‘A transmigração
da causalidade no Fédon
de Platão’, p. 263-303
280
n. 16, jan.-apr. 2016
. C - P
A fórmula órca que identica a vida corporal com
um posto de guarda (phrourá), do qual devemos cui-
dar e não nos evadir, é grandiosa, mas de difícil dis-
cernimento (diêidon) e algo irracional (Phd. 62b).
Segundo Bernabé (2011, p. 215), a palavra phrou-
rá, por ele traduzida como custódia, não pode ser
órca e denota uma invenção do próprio Platão,
por ser imprópria para o uso em hexâmetro, que é a
métrica dos poemas órcos. Sumarizando sua inter-
pretação, 1) a questão do corpo como prisão (sōma-
-sēma), explicitamente mencionada em Crátilo 400c,
remonta aos círculos órcos; 2) órcos e pitagóricos
já entendiam sēma no sentido de que a alma signi-
ca (sēmaínei); 3) Platão reinterpreta sōma no sentido
positivo de salvamento (sôizdō) e proteção da alma.
A etimologia do termo sugere a conotação de vigilân-
cia, de uma guarnição ou posto de guarda (Chantraine,
1968)14. A partir de Damáscio15, Dixsaut (1991) traduz
o termo como “residência guardada”, mas não exclui o
sentido de “jaula” ou “lugar de detenção” (Grg. 525a).
A ambivalência sugere que Platão pode ter usado o
termo intencionalmente visando transpor a tradição
órca para a sua própria cosmovisão.
O corpo passa a ser veículo necessário para que a
alma signique e expresse o pensamento. Ao expressar-
-se através do corpo, em palavras, gestos e toda forma
de expressão mimética, a alma comanda a natureza
corporal pelo pensamento. Como meio de expressão,
o corpo pode ser, simultaneamente, salvaguarda da
alma e da phrónesis, ou custódia, aprisionamento. So-
Rubens Nunes Sobri-
nho, ‘A transmigração
da causalidade no Fédon
de Platão’, p. 263-303
n. 16, jan.-apr. 2016
281
mente o modo de relação estabelecido entre a alma e o
uso que ela faz do corpo pode determinar se esta será
uma relação de preservação e salvamento ou a relação
de um encadeamento.
O que determina a natureza da alma e sua relação
corporal em sucessivas transmigrações são suas ocu-
pações habituais, o modo de viver e, em última instân-
cia, suas escolhas (Phd. 81e). Terrores, apetites selva-
gens (Phd. 81a), prazeres, dores e temores (Phd. 83b)
colam a alma no corpo (Phd. 83d) e conguram sua
realidade. Por outro lado, embora a vida corpórea seja
uma injunção necessária, a alma que estabelece uma
boa relação com o corpo, como meio de expressão e
signicação, obtém a salvaguarda de seu parentesco e
similaridade com o divino: o pensamento puricado.
(...) Aqueles amantes do aprender, no momento em que a
losoa toma posse de suas almas, esta alma que era en-
cadeada ao interior do corpo de um modo bom, fundida
a ele, se vê obrigada a examinar todos os seres através
dele como através das barras de uma prisão (hósper dià
heírgmoû dià toûtou skopeîsthai tà ónta), e não fazê -lo em
si e por si mesma, se enrolando na total ignorância. Ora, a
losoa discerne que o que há de mais terrível na prisão é
que ela é causada pelo apetite (toû heírgmoû tèn deinótēta
katidoûsa hóti di’ epithymías estín) de modo que é o en-
cadeado mesmo que coopera da maneira mais ecaz com
seu estado de encadeado16 (Pl. Phd. 82d -e).
Platão recongura a concepção órca do corpo pri-
são e a transpõe em prisão e encadeamento da alma aos
próprios apetites. A verdadeira prisão não se identica
tanto na necessidade de que a alma esteja em um corpo,
mas no modo como a alma estabelece a relação com o
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nho, ‘A transmigração
da causalidade no Fédon
de Platão’, p. 263-303
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corpo e na usurpação de seu uso com a nalidade de
saciar apetites que lhes são intrínsecos.
Injunção inexorável, a vida corporal enseja a opor-
tunidade de libertar a alma dos enganos (apátēs) me-
diante a emancipação do pensamento em relação às
impressões, até que ela atinja o estado correlativo à puri-
cação iniciática, a phrónesis (Nunes Sobrinho, 2011b).
A losoa acalma e pacica o mar agitado dos apetites
e transforma a alma em um mar calmo (galénē), fazen-
do com que ele seja aparentada e semelhante ao divino
(Phd. 84a -b).
A reexão losóca postula a morte como o estado
oposto ao da vida, cuja experiência é a da união psi-
cofísica. O oposto dessa união implícita é a separação
(chōrís) em realidades distintas, que passam a existir
apartadas em si mesmas (Phd. 64c).
O longo exercício de separação equivale à emanci-
pação do pensamento das injunções corporais. O pa-
roxismo desse penoso exercício é o isolamento possí-
vel da inteligência neste modo de relação que é a vida
corporal. Este relativo isolamento jamais se consuma
integralmente antes da morte e constitui um estado
da alma, a phrónesis, que é a resultante de uma vida
inteira devotada ao exercício losóco.
. A P F
O desejo pela verdade dos seres é o amor por uma
condição da alma, amor da phrónesis17. E aquele que
realmente é amante da phrónesis possui a esperança
de encontrá -la no Hades, o invisível cuja separação
assimila a pureza completa e a emancipação do pen-
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nho, ‘A transmigração
da causalidade no Fédon
de Platão’, p. 263-303
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samento18. O destino da alma invisível e puricada é
o nobre, verdadeiro e puro Hades invisível (Phd. 80d).
Essa nova concepção suplanta a experiência reli-
giosa órca e associa o Hades com o reino inteligível
do pensamento puro (Dorter, 1982). Por conseguinte,
a phrónesis é um páthēma, um estado psíquico que,
como ressalta Durand (2006, p. 43), não designa “uma
função ativa que permitiria apreender o Ser ou o Deus,
mas um estado de perfeição, uma atitude, uma dispo-
sição da alma atingível após um processo de purica-
ção losóca, a exemplo dos Mistérios”.
A concepção platônica de um estado psíquico mar-
cado pelo pensamento depurado é sucedânea ao esta-
do de pureza ritual decorrente da iniciação. Tal estado
de pureza constitui o m último do bíos órco, carac-
terizado por observâncias e interdições exigidas para
a pertença no grupo. A questão da pureza é claramen-
te esboçada na lâmina mortuária de Turios (Bernabé,
2001, p. 136):
Venho de entre os puros, pura, rainha dos seres subter-
râneos
Eucles, Euboleu e demais deuses imortais.
Pois também eu me aprecio por pertencer a vossa estirpe
bem -aventurada,
mas me submeteu o fado e o que fere dos astros com o
raio.
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nho, ‘A transmigração
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Saí voando do penoso ciclo de profundo pesar,
me lancei com ágeis pés para por a ansiada coroa
e me sumi sob o regaço de minha senhora, a rainha sub-
terrânea:
“Venturoso e afortunado, deus serás, de mortal que
eras”.
Cabrito, em leite caí.
A puricação expiatória órca, que envolvia precei-
tos e abstinências, foi transposta em penoso exercício
de isolamento do pensamento e de substituição dos
apetites tempestuosos pela calma do desejo amoroso
pela sabedoria. O exercício dialético é o correspon-
dente psíquico análogo ao dos ritos órcos encenados
e uma dramatização mental que interioriza o drama
exterior.
No primeiro argumento em prol da imortalidade
da alma, Platão parte da alusão aos mistérios órcos
para inferir uma generalização e estabelecer o prin-
cípio de que a geração de contrários provêm de seus
contrários. O argumento dos opostos institui o prin-
cípio da simetria em todos os processos da experiên-
cia e, uma vez que a alma faz parte da natureza, se-
ria razoável inferir que os processos psíquicos sejam
igualmente simétricos e reversíveis, notadamente, o
morrer e o viver. Desse modo, Platão estabelece a iso-
tropia e a simetria nos processos naturais e empreen-
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nho, ‘A transmigração
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de uma naturalização da antiga noção órca de alma:
uma composição heterogênea de elementos titânicos
e dionisíacos que deveria puricar -se através de cultos
rituais e esconjurações mágicas19.
A questão da distinção racional das virtudes se en-
trelaça na exigência epistêmica da emancipação do
pensamento e na inserção dos processos psíquicos no
âmbito das causas naturais. Sócrates reconhece os pre-
ceitos daqueles que ele denomina “os genuínos lóso-
fos” (toîs gnēsíōs philosóphois, Pl. Phd. 65b2) apenas
para operar a transposição losóca que distingue o
verdadeiro iniciado bacante como aquele que losofa
retamente e não com os portadores de tirso (Nunes
Sobrinho, 2011b).
Mas por que Platão adota provisoriamente axiomas
de um cadinho heterogêneo de cultos órcos somente
para superá -los e abandoná -los? Por que a oscilação
entre modalidades discursivas diversas, cujas resso-
nâncias, ora afetivas, ora argumentativas, não se im-
plicam mutuamente? Tais questões exigem sempre
uma decisão interpretativa que necessariamente ex-
clui um número ilimitado de vieses possíveis.
Não obstante, deve -se notar que toda iniciação
pressupõe uma longa cadeia de transmissão de sa-
beres, práticas e valores cuja autoridade deriva da
antiguidade. Nenhum recipiendário inicia -se a si
mesmo, mas é iniciado, reconhecido numa pertença,
desde que passe por provas rituais num contexto tra-
dicional (Eliade, 1959). As hipóteses que se reportam
aos mistérios são impregnadas de valor e autoridade.
O recurso à autoridade confere solidez a teses que de-
vem passar pelo escrutínio do exame racional, mas,
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nho, ‘A transmigração
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como arma Kathryn Morgan (2004, p. 181, 182), a
linguagem é apanágio da vida corporal e, por isso, é
sujeita às distorções introduzidas pela encarnação da
alma e pela própria instabilidade intrínseca ao plano
do devir que é o palco da linguagem20.
Sócrates arma que a linguagem tem uma natureza dual
e isto levanta o problema de como alguém deve distinguir
um discurso falso. A falsidade reside somente na maioria
dos homens e isso confere a esperança de que os lósofos
possam aproximar -se da verdade através dos discursos.
Palavras são imagens que se assemelham à realidade que
elas apresentam, mas há sempre uma deciência entre
imagem e realidade. (...) A melhor fala tem a maior seme-
lhança com a realidade, mas Sócrates qualica este pros-
pecto: isso só ocorre na medida do possível.
. Anámnesis, A O
No argumento da reminiscência, a questão da na-
tureza da alma e de sua imortalidade modela a cone-
xão entre o estado da alma e seu estatuto moral com
o conhecimento. Embora se inicie com os sentidos,
o conhecimento daquilo que existe em si mesmo, o
igual em si, é necessariamente anterior ao início tem-
poral da percepção. A argumentação acerca da ante-
rioridade da alma ao nascimento traz em sua esteira
o princípio subjacente de que a questão das virtudes
exige justicação no desenvolvimento de uma episte-
mologia. A imortalidade e o conhecimento alçam a
memória a um papel constitutivo na questão da pure-
za do caráter e da inteligência longamente preservado
pela tradição órco -pitagórica.
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nho, ‘A transmigração
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O inuxo tradicional que se desdobra em uma -
losoa da memória foge ao escopo deste estudo. Mas,
a título de exemplo, é pertinente lembrar os versos da
lâmina mortuária de Petelia:
Acharás à esquerda da mansão de Hades, uma fonte
e junto dela, um alvo cipreste erguido.
Desta fonte não deverias te aproximar nem um pouco!
Mas acharás do outro lado o lago de Mnemosíne,
água que ui fresca. E muito perto alguns guardiões.
Dize: “Da Terra sou lho, e do Céu estrelado,
mas minha estirpe é celeste. Sabei -o também vós.
De sede estou seco e me morro. Dá -me, pois, depressa
água da que ui fresca do lago de Mnemosíne”
E eles te darão de beber da sagrada fonte
e em seguida reinará com os demais heróis.
Rubens Nunes Sobri-
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de Platão’, p. 263-303
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Isto é obra de Mnemosíne (...)
Lâmina de ouro de Petelia, L3.
(BERNABÉ, 2001, p. 27).
No imaginário órco, qual é a necessidade do vín-
culo entre a memória e a condição futura? Por que
aqueles que se lembram se distinguem dos demais e
conseguem acesso à fonte eterna até ascenderem ao
destino da divindade? E por que aqueles que não se
lembram padecem na lama e são condenados a um
ciclo indenido de nascimentos e mortes?
As imagens da lâmina indicam que as almas che-
gam ao Hades com a lembrança de uma experiência
imediata em vida: o apetite da sede. A aição apetitiva
reclama saciação e alívio e, por isso, as almas não ini-
ciadas são incapazes de refrearem o impulso para o re-
frigério. Somente os iniciados, depois de uma vida de
ascese, podem resistir à sede ardente e beber da fonte
de Mnemosíne. Os apetites reclamam saciedade nas
águas do esquecimento e implicam a queda no ciclo
de transmigrações. A memória, por outro lado, repre-
senta, ao mesmo tempo, a libertação do corpo e dos
apetites e o acesso a uma condição bem -aventurada.
Desse modo, há vários níveis de memória: 1) a
lembrança imediata suscitada pela saciedade prévia
de um apetite; 2) a reminiscência de um saber ritual e
das fórmulas de reconhecimento; e 3) a memória con-
signada aos que têm acesso à fonte da memória eter-
na. A distinção entre as almas que chegam ao mundo
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nho, ‘A transmigração
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de Platão’, p. 263-303
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invisível é determinada pelas escolhas que compõem
o gênero de vida. Aquele que vive preso ao tempo do
corpo é incapaz de reconhecer a própria identidade
no tempo eterno sem o corpo.
No Fédon, o argumento da reminiscência expõe a
conexão entre as impressões e a subsequente conser-
vação pela memória. Num primeiro nível, a memória
é a faculdade de conservar uma afecção. Em seguida,
há a associação entre afecções e concepções e, por m,
a reminiscência de um conhecimento a partir de no-
ções prévias. Somente a recuperação de um conheci-
mento latente na alma é anámnesis.
A anámnesis losóca supera o conhecimento ri-
tual do iniciado, pois constitui o resultado de recu-
peração de um conhecimento já inscrito na alma. A
reminiscência unica aquilo que é disperso e perdido
na custódia do corpo. Quando a alma busca, por si
mesma, concentrar -se em si mesma e assemelhar -se
ao divino, unica o conhecimento disperso na multi-
plicidade do devir.
Platão promove uma inexão em relação à tra-
dição naturalizando a noção de transmigração e
convertendo -a em postulado que justica a unicação
de sua ética, epistemologia, causalidade e cosmologia.
Como arma Francesc Casadesús (In: Bernabé, 2011,
p. 295), o exercício losóco exige um método para
que a alma passe da condição de esquecimento e ig-
norância para o saber e a verdade:
Recorrer a este longo e árduo caminho, do esquecimen-
to ao conhecimento da verdade, é a tarefa que o lósofo
tem de realizar. Viagem que, por sua vez, deve ser leva-
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nho, ‘A transmigração
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da a cabo mediante um método que garante o êxito da
empresa. Nisto consiste o que poderíamos denominar “o
núcleo epistemológico do pensamento platônico: as al-
mas devem dirigir sua atenção para as Formas, ou Ideias
divinas (...)
A transposição da transmigração em causalidade
prossegue no argumento da anidade no qual, recon-
gurando os antecedentes órco -pitagóricos, Platão
separa dois planos de realidade distintos: o visível e o
invisível. O recurso dramático permite uma cadeia de
associações entre a natureza própria de cada plano e a
natureza da alma. A dissolução do corpo não impede
a apreensão de conexões causais ao mesmo tempo fí-
sicas e materiais. Ações repetidas em vida engendram
efeitos correspondentes no corpo cujos sinais são ma-
nifestos e duradouros. Abusos deixam marcas relati-
vamente estáveis no corpo, mesmo depois de consu-
mada a morte.
Por outro lado, o cultivo de afetos violentos, através
de uma relação corporal abusiva, deixa marcas está-
veis na alma. A analogia entre planos de realidade e a
separação pressuposta pela denição de morte é dire-
ta e recíproca: as escolhas e ações constituem as cau-
sas da natureza da alma através da instauração de um
modo de relação estabelecida previamente em vida. A
presença de ininteligência (anoía, Phd. 81a), medos
(phóbōn) e amores brutais (agríōn erótōn), bem como
todos os outros males e impurezas, produzem o efeito
de tornar a natureza da alma semelhante à dos seres
sujeitos à dissolução.
Em contrapartida, a comunhão e companhia cons-
tante com o invisível imutável e divino torna alma
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nho, ‘A transmigração
da causalidade no Fédon
de Platão’, p. 263-303
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semelhante à natureza divina, suscetível de habitar
junto aos deuses, segundo a fórmula dos que foram
iniciados (hósper dè légetai katà tôn memyēménōn,
Phd. 81a -5, 6.).
O plano da realidade visível e dos seres sujeitos à
decomposição é o efeito cuja causa origina -se em uma
realidade incomposta, idêntica a si mesma e invariável.
Esta realidade permite que se dê razões da existência
dos seres (autè hē ousía hēs lógon dídomen toû eînai,
Phd. 78d1) mediante a dialética. Esta “realidade em si
mesma” invariante tem uma forma única (monoeidès
ón autò kath’ autó) e inscreve, mediante participação,
determinação nos seres de modo a terem uma reali-
dade semelhante e direito a um nome especíco.
Platão emprega um vocabulário amplo para desig-
nar a ação estruturadora das formas: metekhein, me-
talambánein, métexis, kinonêin, koinonía, parousía,
parêinai, dentre outros termos. De modo geral há o
traço comum de inscrição, de presença, comparti-
lhamento, indicando a transferência de regramento
de uma realidade para outra. Mas, diferentemen-
te dos seres destituídos de vida, a alma elege livre-
mente o alvo de sua presença, de seus movimentos
e comunhão. O alimento e a ocupação ordinária de-
terminam a natureza psíquica. Essa nova concepção
promove uma síntese entre as causas físicas e causas
psíquicas e encontra justicação na imortalidade e
na transmigração.
Entretanto, além de ser imortal, é preciso a justi-
cação de que a alma seja, também, indestrutível, para
afastar o temor de que seja dispersa como fumaça.
A dissipação de cinzas provavelmente remete para o
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nho, ‘A transmigração
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mito órco do desmembramento de Dioniso Zagreu
e dos Titãs, fulminados com o raio de Zeus e trans-
formados em cinzas. A tradição órca indica a pos-
sibilidade de que seres divinos possam ser destruídos
como cinzas (Bernabé, 2001).
A reconguração platônica enseja a naturalização
da transmigração como suporte imagético para uma
teoria causal unicadora: 1. Há seres cujas proprieda-
des essenciais são completamente determinadas pelas
Formas que lhes conferem o nome; 2. Há seres que
possuem propriedades essenciais e que, simultanea-
mente, participam de Formas opostas, mas que não
são determinados essencialmente por estas proprie-
dades opostas correspondentes; 3. Há seres essencial
e completamente determinados por Formas, de ma-
neira indireta, ou seja, seres cuja essência é simulta-
neamente determinada pela Forma que lhes confere
o nome e por outra Forma que lhes impõe uma pro-
priedade essencial.
A alma é essencialmente, e indiretamente, determi-
nada pela forma da vida e é indissociável dela. Essen-
cialmente destinada a infundir a vida, a alma implica
a ideia, a inteligibilidade racional própria de “vida”.
Indissoluvelmente ligada à Forma da vida, eterna e
indestrutível, a alma se opõe indiretamente à Forma
contrária da vida, que é a Forma da morte. Não po-
dendo acolher a sua determinação essencial contrá-
ria, quando a Forma da morte conquista e se sobrepõe
ao composto psicofísico, a alma se retira e se deliga
do corpo, carregando a Forma da vida. Como as For-
mas são indestrutíveis, além de imortal e transmigrar
rumo à excelência divina, a alma é, também, indestru-
tível, já que é inseparável da Forma da vida.
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de Platão’, p. 263-303
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Desse modo, Platão modela a apoteose que recon-
gura o antigo relato da transmigração numa teoria
causal abrangente que, a despeito de sua formulação
racional, não prescinde da noção da transmigração
como postulado fundamental.
. C
No Fédon, reconhecido como o “mais religioso”
dos diálogos platônicos, Platão empreende uma ra-
dical reconguração da “doutrina” da transmigração
órco -pitagórica. Nessa remodelagem, há um com-
pleto despojamento das práticas rituais, das obser-
vâncias ascéticas exteriorizadas e das preocupações
de ordem soteriológica. A condição de pureza implica
a emancipação do pensamento e a conquista de um
estado psíquico particular através do exercício losó-
co: a phrónesis.
A natureza da alma deriva do objeto de sua ocu-
pação e frequentação; e seu destino é consequência
natural que emerge em harmonia com sua condição.
Tal natureza depende do modo como a alma se vale
do corpo para isolar -se em si mesma naquilo que lhe é
mais distintivo: o pensamento. Instância que deve ser
guardada, o corpo pode ocasionar a plena expressão
e signicação do pensamento. Custódia carcerária, o
corpo pode ensejar a dispersão da alma na multiplici-
dade dos apetites.
Nos argumentos em prol da imortalidade, a trans-
migração suscita o estabelecimento de princípios que
haveriam de ser perenes no pensamento ocidental: a
simetria, a estabilidade nos processos e a causalidade
universal. A simetria, a mais bela das relações (Tim.
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nho, ‘A transmigração
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31c), identica -se com a proporção geométrica e com
a verdade (Phil. 64e). A questão dos opostos engendra
a noção de que em todos os processos naturais existe
equivalência e reversibilidade (Lederman, 2004). Ade-
mais, a estrutura e determinação essencial dos ele-
mentos particulares implica a proporção geométrica
e harmonia, num equilíbrio de compensações que ga-
rantem invariância. Só existe anámnesis daquilo que
é invariante e, por conseguinte, o conhecimento é co-
nhecimento de invariâncias.
Paradoxalmente, no mais “místico” de seus diálo-
gos, em vez de forjar uma causalidade para a transmi-
gração, Platão se vale do postulado da transmigração
para forjar uma causalidade natural, ao mesmo tempo
racional e encantadora.
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nho, ‘A transmigração
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N
1 εδαίον γάρ οι νρ (Pl. Phd. 58e 3).
2 Como arma K. Morgan (2004, p. 163, 164), “a audiência
do mito reconhece que seu conteúdo ou ‘moral’ é verdadeiro.
Sócrates explicitamente introduz a verdade como um critério
para julgar o valor de qualquer tradição”. A autoridade “verda-
deira” da antiga tradição é posta em um contexto dialético.
3 τρί ιν υρία ρα π ακάρων λάλησθαι, φυοένου
παντοα δι χρόνου εδεα θνητν ργαλέα βιότοιο
εταλλάσσοντα κελεύθου. (...) eles erram três vezes dez mil
anos longe das moradas dos bem -aventurados, nascendo através
do tempo sob todas espécies das formas mortais, que penosos
caminhos de vida vão mudando entre si. Hipólito, Refutação,
VII, 29. Emp. 107.6 -7 W. = DK B 115. 6 -7. Trad. de J. Cavalcante
de Souza, ligeiramente modicada.
4 O recurso às imagens como meio de inteligibilidade é
apontado por Olimpiodoro (1998, 46.2, 46.3) como a “inferên-
cia do invisível a partir do visível, do incorpóreo a partir do cor-
póreo”. A alma é uma imagem da natureza e o discurso mítico,
uma imagem da alma. Por conseguinte, o mito losóco é uma
“imagem da imagem”.
5 Trad. Modicada a partir de M. Canto. Orig. γαθ νρ
κα π τ βέλτιστον λέγων, ν λέγ λλο τι οκ εκ ρε,
λλποβλέπων πρό τι; σπερ κα ο λλοι πάντε δηιουργο
βλέποντε πρ τ ατν ργον καστο οκ εκ κλεγόενο
προσφέρει πρ τ ργον τ ατν, λλ πω ν εδό τι ατ
σχ τοτο ργάζεται.
6 λλ ν δ γε ρετ κάστου, κα σκεύου κα
σώατο κα ψυχ α κα ζου παντό, ο τ εκ κάλλιστα
παραγίγνεται, λλ τάξει κα ρθότητι κα τέχν, τι κάστ
ποδέδοται ατν: ρα στιν τατα;
7 Para um maior detalhamento acerca da transmissão de um
pano de fundo órco mais antigo para o contexto do m do
século V e início do IV, no qual havia uma reelaboração desta
tradição mediante interpretações alegorizantes, ver Bernabé
(2011).
8 Tradução modicada a partir de M. Canto (1993).
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nho, ‘A transmigração
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9 Para uma discussão detalhada da pleonexía na Grécia an-
tiga, ver Human (2005, p. 205 -211); Ballot (2001).
10 στάσιν ν παυσεν ονόιαν δ αξησεν λογισό
ερετεί. πλεονεξία τε γρ οκ στι τούτου γενοένου κα ισότα
στιν· τούτ γρ περ τν συλλαγάτων διαλλασσόεθα.
11 Adoto a tradução de Bernabé (2004, p. 160; 2007,
p. 192).
12 Para uma discussão detalhada sobre o inuxo do orsmo
em Platão ver: Bernabé (2011).
13 Kindle version, Loc. 1014.
14 Segundo Chantraine (1968, p. 1229), φρουρό designa
“guarda, guardião”; φρούριον, “forte”, “guarnição”; e o verbo
φρουρέω, “montar guarda, guardar, defender”. Daí, φρουρά:
“guarda, vigilância, guarnição, facção”. Nesse sentido, ver: Hdt.
2.30; 6.26; 7.59.
15 Damáscio (I, 2 -3) arma que a φρουρά não é nem o Bem,
nem o prazer, como arma Numênio, nem o Demirgo, como
diz Patério, mas, como diz Xenócrates, é da ordem titânica e
culmina em Dioniso (Westerink, 1977). No viés neo -platônico
a “custódia” remonta às iniciações, τ τελεστικ.
16 Tradução modicada a partir de Dixsaut (1991).
17 ν σται ο πιθυοέν τε καί φαεν ραστα εναι,
φρονήσεω (Phd. 66e2);
18 φρονήσεω δ ρα τι τ ντι ρν, κα λαβν σφόδρα
τν ατν ταύτην λπίδα (Phd. 68a5); ηδαο λλοθι καθαρ
ντεύξεσθαι φρονήσει λλ κε (Phd. 68b3).
19 Sobre o mito órco do desmembramento de Dioniso, ver
West (1983), Bernabé (2001) e Graf (2007).
20 Para o vínculo entre nomes e imagens, ver (Pl. Crat.
432b -435c).
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Submetido em Junho e aprovado para publicação em Setembro,
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