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DUAS CANÇÕES DE Comus1:
Excertos de A Masque Presented at Ludlow Castle, John MILTON
Tradução, notas e edição das partituras Fabiano SEIXAS FERNANDES
(1) SONG: Sweet Echo
Sweet Echo2, sweetest Nymph that liv’st unseen
Within thy airy shell
By slow Meander’s3 margent green,
And in the violet-embroider’d vale4
Where the love-lorn Nightingale5
Nightly to thee her sad Song mourneth well.
Canst thou not tell me of a gentle Pair
That likest thy Narcissus are?
O if thou have
Hid them in some flow’ry Cave,
Tell me but where,
Sweet Queen of Parley6, Daughter of the Sphere7,
So mayst thou be translated to the skies,
And give resounding grace to all Heav’n’s Harmonies.
(Ludlow Masque, vv.230-43; H p.95.)
VARIANTES EDITORIAIS: § SONG: C conta os versos diferentemente dos demais
editores; em sua contagem, a canção ocorre nos vv.229-42. | C, VFD: canção
não italicizada. § V.230: VFD: nymph, § V.231: F aponta em nota variante
cancelada por Milton: thy airy cell | S: cell § V.232: R: Maeander’s | S:
Mæander’s | VFD: green; § V.233: F aponta em nota variante no manuscrito de
Lawes: thy violet | F, S: violet-imbroider’d | C, VFD, R: violet-embroidered | L:
violet imbroider’d | VFD: vale, § V.234: R: lovelorn | C, S, VFD: nightingale §
V.235: C, R, S: song | R, VFD: well: | F, L, R, S, VFD: sem espaço entre os vv.235-
6. § V.236: C, L, S, VFD: pair § V.239: C, VFD: flowery cave, | F, L, S: flowry | R:
cave, § V.240: C, F, L, S: where § V.241: C, VFD, R: queen of parley, daughter of
the sphere | F, L, S: Parly | F aponta em nota variante no manuscrito de Lawes:
Queen of Pity | C: sphere. | F, L, S: Sphear,| VFD: sphere, | R: sphere; § V.242:
F, L, S: maist | R, VFD: may’st | F aponta em nota variante no manuscrito de
Lawes: be transplanted § V.243: C, VFD: heaven’s | F, L, S: Heav’ns | R: heav’n’s
| C, R, S, VFD: harmonies. | F aponta em nota variante no manuscrito de
Lawes: & hold a Counterpoint to all Heav’ns Harmonies. Esta variante aparece
riscada no Manuscrito Trinity e como opção no Manuscrito de Bridgewater.
CANÇÃO: Doce Eco
Doce Eco tão gentil, que tens por lar
o domo azul do ar,
a verde margem ao frígio rio
e o vale em véu de vïoláceo rol,
onde carpe Rouxinol
noites a fio de amor um lai sombrio.
Sabes dizer-me de meus dois irmãos
que tal qual teu Narciso são?
Ó, ou se os fez
salvos em algar floral,
diz-me onde os tens;
facunda ninfa, filha celestial,
assunta aos sãos corais dos céus serás,
e a Cósmica Harmonia grácil dobrarás.
(2) SONG: Sabrina Fair
Sabrina8 fair,
Listen where thou art sitting
Under the glassy, cool, translucent wave,
In twisted braids of Lilies knitting
The loose train of thy amber-dropping9 hair;
Listen for dear honor’s10 sake,
Goddess of the silver lake11,
Listen and save.
(Ludlow Masque, vv.859-66; H p.110.)
VARIANTES EDITORIAIS: § SONG: C conta os versos diferentemente dos demais
editores; em sua contagem, a canção ocorre nos vv.858-65. | C, VFD: canção
não italicizada. § V.859: C, F, L, S: fair § V.860: C e F apontam em nota variante
riscada no Manuscrito de Trinity: Listen virgin where thou sit’st art sitting. §
V.861: F, L, S: glassie § V.862: C, R, VFD: lilies § V.863: C, F, L, S, VFD: hair, § V.864:
C, VFD: honour’s | F, L, S: honours § V.866: C: sem espaço entre os vv.866-7. § C
e F apontam em nota que, após a canção, o Manuscrito de Trinity acrescenta a
direção de palco to be said, e o Manuscrito de Bridgewater a direção de palco
The verse to sing or not.
CANÇÃO: Sabrina, ouvi
Sabrina, ouvi;
desde tua aquosa casa,
i onde ondulam vítreos frios azuis,
e em tranças onde à coma enlaças
sutil lírio que olores flui pós ti;
célere ao honor faz jus:
Deia, desde o rio que aluis,
vinde e acudi.
(3) ÁRIAS DE HENRY LAWES,
COM TEXTO EM PORTUGUÊS E EM INGLÊS
1 Separada editada pelo tradutor. Publicação original no artigo “Duas canções de Comus:
tradução e comentário” (Aletria vol.25 n.02. Belo Horizonte, 2015. pp.77-105). Os
editores consultados foram referidos como segue: (C): John Carey (1968; 2.ed.1997;
2.ed.rev.2007). (F): Roy Flannagan (1998). (H): Merritt Yerkes Hughes (1957,
reimp.2003). Edição standard, a partir da qual são aqui feitas todas as citações. (L):
Thomas H. Luxon (1997-2015). Edição online. (R): Jason P. Rosenblatt (2011). (S): John
T. Shawcross (1.ed.1963; 2.ed.1971). (VFD): editor não explicitado; contém prefácios de
Mark van Doren e Hubert Foss e ilustrações de Edmund Dulac (1997). Contém o texto
da mascarada, seguido das cinco canções de Lawes. Edições consultadas das árias da
mascarada: (VFD). (B): seleção, edição e arranjo das canções de Henry Lawes por
Frederick Bridge (1908). Contém também o texto da mascarada, mas este não foi
consultado a partir desta edição.
2 Echo/Eco; Narcissus/Narciso: Ninfa das montanhas que morreu de amores por Narciso.
Ovídio, no terceiro livro das Metamorfoses (pp.86-7 na trad. de António Feliciano de
Castilho) reconta o mito de Eco e Narciso mais ou menos como segue: Eco distraía
Juno com sua eloquência, para que não flagrasse Júpiter a traindo com outras ninfas;
Juno, percebendo a estratégia, amaldiçoou-a, e a partir daquele momento esta passou
apenas a poder repetir o que ouvia, sem iniciar ou emitir fala própria. Eco vira Narciso
adolescente a caçar, e se apaixonara; certa feita, perdido dos caçadores seus
companheiros, chamou-os, e a ninfa lhe ecoou as palavras, na esperança de se lhe unir
em amor; quando finalmente se revelou ao altivo jovem, foi rejeitada; escondeu-se em
uma gruta e foi aos poucos definhando, até restar-lhe somente a voz repetidora.
3 Meander/frígio rio: Rio da Frígia. Segundo L, seria o rio junto ao qual Eco perseguia
Narciso; H segue raciocínio semelhante, ao associar o violet-embroider’d vale a Atenas (ver
abaixo). C, no entanto, aponta que nenhuma fonte grega associa a ninfa ao Meandro, e
cita Corns (1982), para quem meanders deveria ser entendido como o genitivo “dos
meandros” (i.e. das curvas de um rio), indicando que Eco estaria às margens das curvas
do rio Teme — próximo à cidade de Ludlow e tributário do Severn (ver, abaixo,
Sabrina).
4 violet-embroider’d vale/vale em véu de vïoláceo rol: H aponta que a locução violet-embroider’d
vale pode aludir à “Atenas coroada de violetas” de Píndaro, indicando assim o itinerário
de Eco seguindo os passos de Narciso, desde o Meandro, na Frígia, até Atenas.
5 love-lorn Nightingale/Rouxinol: Nesta canção, encontra-se o mais antigo registro de
lovelorn, que significa, segundo o OED, “infeliz como resultado de amor não
correspondido ou perdido; sofrendo por amor”. C, F e R, entretanto, glosam o adjetivo
como “perdido ou arruinado por amor”, vendo aqui alusão ao mito de Filomela.
Ovídio, no sexto livro das Metamorfoses (pp.125-47 na trad. de Bocage), reconta-o mais
ou menos como segue: Tereu, rei da Trácia, por haver auxiliado Pandião, rei de Atenas,
na expulsão de invasores, recebe deste a filha Progne em casamento. Saudosa de
Filomela, sua irmã, Progne pede a Tereu que vá buscá-la para uma visita. Pandião
concede a viagem da filha mais jovem; ao vê-la, Tereu sente fortíssimo desejo em
possuí-la. Leva-a, trancafia-a em um castelo e a estupra. Filomela ameaça tornar pública
sua desgraça, e Tereu lhe corta a língua. Filomela borda em um tecido seus infortúnios,
e os envia à irmã. Aproveitando-se do culto a Baco, Progne chega ao castelo isolado
onde se encontra a irmã e a liberta. Ambas planejam vingança, quando Ítis, pequeno
filho do casal real trácio, aproxima-se da mãe. Progne e Filomela o matam, mutilam e
cozinham. Oferece Progne o cozido a Tereu; informa-o ao final de que comera o
próprio filho, e Filomela, aparecendo ainda coberta de sangue, joga-lhe em rosto a
cabeça de Ítis. Tereu as persegue, e são os três transformados em pássaros: uma das
irmãs voa aos bosques (i.e. transformada em rouxinol), a outra sobe ao teto, com
plumas vermelhas, marcas do crime, ao peito (i.e. transformada em andorinha); Tereu
se transforma em poupa. Variantes à estória dizem respeito a quem compôs a tela, e
qual ave coube a cada personagem: a versão relevante para a canção seria a que dá
Filomela transformada em rouxinol. Caberia lembrar que Milton chamara Philomel ao
rouxinol em Il Penseroso (v.56; H p.73).
6 Sweet Queen of Parley/facunda ninfa: Embora parley sugira, na maioria de seus significados
registrados no OED, debate ou discussão, aqui parece apenas designar fala (speech, como
C e R explicam o termo); que uma ninfa que só pode repetir o que ouviu seja
considerada “Rainha da Fala” causaria espanto; Eco foi, entretanto, muito habilidosa
oradora — a ponto, inclusive, de fazer a ciumenta Hera se esquecer de buscar o esposo
em conluio extraconjugal (ver, acima, Echo/Eco).
7 Daughter of the Sphere/filha celestial; Heav’n’s Harmonies/Cósmica Harmonia: As esferas são
as nove esferas celestiais da geometria platônica, como aponta R. Pode-se, contudo, ver
aqui também alusão à Musica Universalis, a música das esferas celestiais — metáfora
aludida amiúde em Milton, que relaciona a estrutura inteligente do universo às relações
matemáticas presentes na arte da composição musical.
8 Sabrina: Entidade associada ao rio Severn (em latim, Sabrina), dedicada especialmente
à proteção das virgens. Milton retira sua versão de The Faerie Queene de Spenser
(02.10.150-71): Sabrina era filha ilegítima de Locrine, filho de Brutus e rei da Britânia,
com sua amante Estrild; a rainha Guendolen, filha de Corineus, declarou ao esposo
guerra pela traição, sendo vitoriosa e matando-o, à amante e à filha de ambos — esta
última afogada no rio Severn. Milton acrescenta que as náiades levaram-na a Nereu, que
a tornou “deusa do rio” (vv.824-59; H pp.109-10).
9 amber-dropping/olores: Ao adjetivo composto amber-dropping, os editores consultados
relacionam (1) o âmbar — “Resina fóssil, sólida, translúcida ou opaca, us. em
joalheria”—, (2) o âmbar-gris — “Substância sólida, de cor escura e intenso cheiro
almiscarado, segregado por certos moluscos e que se extrai do intestino do
cachalote”— ou (3) o liquidâmbar ou benjoim—“Resina amarelada e aromática extraída
do benjoeiro, cuja substância entra na composição de cosméticos e medicamentos;” —;
(todas as definições extraídas do Aulete digital, verbetes “âmbar” e “benjoim”). No
primeiro caso, trata-se da cor amarelada da água do rio (F); nos outros dois, do perfume
dos cabelos (C, F, R). A segunda explicação parece mais adequada ao espírito dos elogios
invocatórios, sendo também a preferida dos editores consultados.
10 honor/honor: F dá honor como sinônimo de chastity (“castidade”). A sinonímia também
se verifica em português (“Castidade [da mulher]; PUREZA; VIRTUDE”, verbete “honra”
no Aulete digital); mesmo que não fosse, seria fácil perceber a conexão, posto que a
virgindade é um dos temas da mascarada, e que Sabrina é invocada justamente por ser
uma divindade protetora das virgens (vv.854-7; H p.110).
11 silver lake/o rio que aluis: O rio Severn, onde habita Sabrina (ver acima). F cita o OED
para demonstrar que lake seria, aqui, sinônimo de água corrente, ou seja, de rio; oferece
ainda uma possível fonte para silver lake: “silver Severn”, epíteto que aparece no Poly-
Olbion (02.283), de Michael Drayton.