Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia
Biblioteca Digital de Teses e Dissertações
BDTD Teses e Dissertações Ciências Biológicas (Botânica) Doutorado - BOT
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Use este identificador para citar ou linkar para este item: https://bdtd.inpa.gov.br/handle/tede/3143
Tipo do documento: Tese
Título: Alterações no pulso de inundação: como reagem os igapós da Amazônia Central?
Autor: Resende, Angélica Faria de
Primeiro orientador: Schöngart, Jochen
Primeiro coorientador: Silva, Thiago S. F.
Segundo coorientador: Trumbore, Susan
Resumo: Os igapós de águas pretas são cobertos por florestas alagadas por águas ácidas e pobres em nutrientes, que ocorrem às margens de grandes rios como o Rio Negro, Rio Uatumã e outros da Bacia Amazônica, perfazendo mais de 140,000 km2. Naturalmente, esses ambientes possuem uma fase de águas altas (fase aquática) e uma fase de águas baixas (fase terrestre), caracterizando um pulso de inundação monomodal e previsível, o que permitiu a especialização e dependência da flora a condições semiaquáticas. Este trabalho buscou compreender como os igapós de duas sub-bacias na Amazônia Central se comportam em condições normais; sob influência de eventos hidro climáticos extremos que aumentaram drasticamente nas últimas três décadas (Rio Jaú, afluente do Rio Negro) e em condições severas de alteração no pulso de inundação (Rio Uatumã, afluente do Rio Amazonas) induzidas pela hidrelétrica de Balbina instalada nos anos 80. Para tal, a jusante do Rio Uatumã, no capítulo 1 mapeamos e classificamos os igapós para identificar áreas onde houve a mortalidade massiva de árvores e onde a mortalidade ainda está ocorrendo. O mapeamento foi feito com 56 imagens de radar de abertura sintética (ALOS/PALSAR) adquiridas em diferentes níveis de inundação entre 2006 e 2011. A classificação pelo algoritmo supervisionado (Random Forests) apresentou acurácia geral de 87,2%. Foi observada a mortalidade de 12% da floresta de igapó após os primeiros 43 km a jusante, ao longo de um trecho de 80 km. Com base nas imagens e dados hidrológicos, detectamos que 29% dos remanescentes de igapó vivos podem estar atualmente sofrendo mortalidade. Os resultados indicaram que principalmente as topografias baixas caracterizadas por macro-habitats dominadas pela espécie arbórea Eschweilera tenuifolia (O. Berg) Miers (Lecythidaceae) foram os mais impactados. Para estudar em mais detalhe a ecologia desta espécie arbórea os capítulos 2 e 3, comparam os macro-habitats nas duas áreas de estudo, visando compreender como e quando os distúrbios no pulso de inundação afetaram as populações desta espécie, altamente adaptada às condições de inundações prolongadas de até 10 meses por ano em média. Nos igapós do Rio Uatumã, coletamos discos de 30 árvores mortas e bastões de madeira (duas amostras por árvore retirados com trado dendrocronológico) de 62 indivíduos vivos. Em florestas de igapó adjacentes ao Rio Jaú, coletamos 21 discos de indivíduos mortos e bastões de madeira de 31 indivíduos vivos. O segundo capítulo aborda as relações entre crescimento arbóreo e fatores climáticos em ambientes naturais (Parque Nacional do Jaú - PNJ) e perturbados (Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Uatumã - RDSU). Para isso foram construídas cronologias de anéis de crescimento em cada sítio de estudo que apresentam estatísticas robustas para os períodos 1927-1999 (PNJ) e 1920-2006 (RDSU). As cronologias foram relacionadas com parâmetros regionais de hidrologia (nível mensal da água) e clima (precipitação mensal) e com anomalias de temperaturas superficiais do mar (TSM) do Pacífico Equatorial e Atlântico Tropical. Os resultados sugerem fortes mudanças nas respostas das árvores de Eschweilera tenuifolia à intensificação do ciclo hidrológico, caracterizado pelo aumento da frequência e magnitude de cheias severas no sistema natural (PNJ) e pelo aumento do nível mínimo da água durante o período da operação da barragem de Balbina (RDSU). No PNJ as árvores indicam um aumento nas respostas às anomalias de TSM dos dois oceanos (correlação positiva) em resposta da intensificação do ciclo hidrológico, causada pelo aquecimento do Atlântico Tropical e o simultâneo esfriamento do Pacífico Equatorial resultando na intensificação da circulação de Walker, forte convecção de nuvens e aumento de precipitação nas secções norte e central da Bacia Amazônica. Na RDSU, os impactos das mudanças do regime hidrológico induzidas pela barragem de Balbina resultaram em respostas do crescimento arbóreo opostas ao período pré-barragem. O terceiro capítulo aborda o crescimento arbóreo e a mortalidade da espécie nos dois sítios por meio de análises de séries temporais de incrementos diamétricos e datação com radiocarbono para detectar mudanças nos padrões de crescimento e mortalidade e suas causas. Os resultados mostram que o incremento diamétrico médio (IMD) e a idade média para árvores do PNJ foram 2,04 ± 0,39 mm e 201 ± 103 anos (DAP médio: 43,9 ± 21,7 cm) , respectivamente, enquanto para árvores da RDSU o IMD foi 2,28 ± 0,69 mm e a idade média 213 ± 103 anos (DAP médio: 45,9 ± 24,6 cm). A trajetória de crescimento acumulado entre os dois sítios de estudo foi similar, ao considerarmos um período de 500 anos de modelagem do crescimento. O IMD foi comparado entre os dois sítios de estudo e entre períodos antes e após (a partir de 1982) das mudanças do ciclo hidrológico induzidas por mudanças de clima (PNJ) e UHE (RDSU). O período anterior à construção da usina hidrelétrica (UHE) de Balbina indica que o crescimento das árvores não diferiu entre os dois sítios de estudo. Da mesma forma, o IMD das árvores no PNJ não apresentou diferença entre os períodos antes e depois de 1982. Em contraste, a manipulação do pulso de inundação ocasionada pela operação da UHE resultou na diferenciação do IMD entre as duas áreas e entre os períodos no Rio Uatumã. As árvores do Rio Uatumã morreram cerca de dez anos após o início da construção da barragem enquanto as árvores do Rio Jaú não apresentaram um padrão distinto de mortalidade ao longo da cronologia avaliada. As árvores vivas do Rio Uatumã apresentaram um aumento no incremento entre 1982 e 2000 e um abrupto e forte declínio de IMD após o ano 2000, que perdura até hoje, caracterizando um padrão de supressão de crescimento induzido pelas condições permanentes de inundação que possivelmente resultará em mortalidade. Com isso, concluímos que a alteração do pulso de inundação, causou e continua causando anomalias no crescimento e mortalidade de Eschweilera tenuifolia, mesmo em mais de 30 anos após a perturbação. A espécie é altamente sensível às mudanças na amplitude e duração da inundação que impactam os macro-habitats dominados por ela. A mortalidade massiva de árvores pode levar a perda destes macro-habitats, serviços ecossistêmicos e até a extinção regional da espécie. É necessário que as leis para a instalação e funcionamento de UHEs na Amazônia sejam criteriosamente revisadas com base em estudos feitos em áreas alagáveis a jusante das barragens.
https://bdtd.inpa.gov.br/handle/tede/3143