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O impacto sociogeográfico da corrida do ouro de Roraima (1987-1989) sobre os Yanomami do Alto Rio Mucajaí: o caso da região de Homoxi

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O impacto sociogeográfico da corrida do ouro de Roraima (1987-89)
sobre os Yanomami do alto rio Mucajaí: o caso da região de Homoxi
Bruce Albert (IRD-Instituto Socioambiental) e François-Michel Le Tourneau (CNRS-
IRD/CDS-UnB)
Sociedade indígena de caçadores, coletores e agricultores de coivara, os
Yanomami ocupam um território de cerca de 192 mil quilômetros quadrados no norte da
Amazônia, entre o Brasil e a Venezuela, de um lado e outro da Serra Parima. Sua
população total está estimada em aproximadamente 28 mil pessoas,
1
das quais 13.600,
repartidas em cerca de 250 grupos locais, vivendo no Brasil, na região do alto rio Branco
(oeste de Roraima) e na margem esquerda do rio Negro (norte do Amazonas). Ao termo
de uma longa e caótica sucessão de projetos oficiais (1977-1991), o território dos
Yanomami do Brasil foi definitivamente homologado em maio de 1992 como “Terra
Indígena Yanomami” (TIY), reservando aos seus habitantes o “usufruto exclusivo” de
seu território e dos recursos naturais nele contidos.
2
Os 96.650 quilômetros quadrados
(figura 1) dessa área abrigam uma grande diversidade de meios naturais (floresta tropical
“virgem”, florestas tropicais de altitude entre 500 e 1.200 metros, savanas tropicais de
altitude acima de 1.200 metros) e são consideradas pela comunidade científica como
uma região prioritária em matéria de proteção da biodiversidade amazônica (ver
Capobianco, 2001, pp. 398-399).
De 1910 a 1960, os Yanomami do Brasil tiveram tão somente contatos
esporádicos e limitados com coletores de produtos florestais (balata, piaçaba), alguns
viajantes estrangeiros,
3
militares da Comissão das Fronteiras (CBDL), agentes do
Serviço de Proteção aos Índios (SPI) e, em seguida, missionários, católicos e
evangélicos.
4
Eles enfrentarão pela primeira vez, entre 1973 e 1976, uma forma de
contato mais intenso, durante a construção de um trecho da rodovia Perimetral Norte, no
sudeste de seu território.
5
Finalmente, depois de uma década de trégua relativa, entre
1986 e 1990, o projeto Calha Norte e, sobretudo, a corrida do ouro de Roraima
intensificam de forma brutal o avanço da sociedade regional sobre o território yanomami
(Albert 1987, 1990b, 1992a), chegando a dois resultados opostos.
De um lado, a invasão maciça das terras indígenas pelos garimpeiros ameaçou
provocar o desaparecimento da etnia, assolada por constantes e maciças epidemias de
1
O Censo do Distrito Sanitário Yanomami da Fundação Nacional de Saúde (Funasa RR, julho de 2003) conta 14.044 pessoas das
quais cerca de quatrocentos índios Ye’kuana distribuídos em três aldeias situadas ao longo dos rios Auaris e Uraricoera.
2
Conforme o artigo 231, § 1°e § 2° da Constituição de 1988.
3
Como, por exemplo, T. Koch-Grünberg, H. Rice, G. Salathé, D. Holdridge, ou, mas tarde, A. Gheerbrandt.
4
Sobre a história do contato dos Yanomami no Brasil, ver Albert e Kopenawa 2003, pp. 163-183.
5
A Perimetral Norte devia ser uma réplica da Transamazônica na margem esquerda do Amazonas. Embora as obras tenham sido
iniciadas e alguns trechos abertos, o projeto será abandonado em 1976 em razão de seu custo e de sua ausência de justificação
econômica.
2
malária e de gripe consecutivas ao contato além de não contar com qualquer assistência
médica eficiente. Por outro lado, a pressão internacional exercida sobre o Brasil por
causa desse “genocídio dos Yanomami” permitiu desbloquear o processo de
reconhecimento oficial do território indígena, cujas primeiras reivindicações tinham
emergido desde o final dos anos 1960 (ver Taylor e Ramos, 1979, pp. 113-115). No
início dos anos 1990, a criação efetiva da TIY devolveu a esperança de ver os
Yanomami resistirem em melhores condições às novas situações de contato (Albert
1992b).
Nas regiões onde o impacto das atividades garimpeiras foi mais intenso,
especialmente no coração das terras altas da Serra Parima, as comunidades yanomami
começaram a sofrer, a partir do final dos anos 1980, mudanças sociais e econômicas
drásticas.
6
Duramente afetadas no plano demográfico e ambiental, essas comunidades
empreenderam então uma série de rearranjos do seu modelo tradicional de ocupação do
espaço e de uso dos recursos, modulados, primeiro, em razão da presença dos
garimpeiros e, em seguida, da estrutura de assistência implementada durante o processo
de sua expulsão.
7
Assim, propõe-se neste artigo a análise de um exemplo característico
dessa geometria variável das estratégias espaciais yanomami em decorrência da invasão
garimpeira, com base em estudo detalhado da região do alto rio Mucajaí chamada
Homoxi (figura 1), ocupada por três grupos locais: Tirei, Xere u e Yaritha, perfazendo,
na época da pesquisa de campo (abril 2002), algo em torno de 360 pessoas.
Para esse fim, descreveremos, num primeiro momento, o contexto econômico e
geopolítico regional, em particular a corrida do ouro havida em Roraima no final dos
anos 1980. De fato, as repercussões locais dessa conjuntura, pouco documentadas na
literatura científica, afetaram profundamente os Yanomami e seu território. Elas
constituíram as causas diretas de várias das adaptações territoriais e sociais importantes
desenvolvidas pelos grupos de Homoxi. Mudando de escala, estudaremos depois a
história recente das três comunidades dessa região e o processo de transformação de seu
“sistema territorial”, primeiro diante da intrusão dos garimpeiros em suas terras e depois,
seguindo a sua expulsão, diante da instalação local de uma estrutura permanente de
assistência (Funai, Funasa).
8
Figura 1: mapa de localização
6
A crise ocasionada pela invasão dos garimpeiros em 1987-1990 foi igualmente objeto de uma complexa elaboração cultural,
analisada em Albert 1993.
7
Instalação, a partir de 1990, de postos da Fundação Nacional do Índio (Funai, Ministério da Justiça) e da Fundação Nacional de
Saúde (Funasa, Ministério da Saúde), bem como de várias ONGs (como Médicos do Mundo e Urihi Saúde Yanomami).
8
Então FNS (Fundação Nacional de Saúde).
3
O Oeste de Roraima: zona de exploração mineral ou área protegida?
Desde a sua revelação no início dos anos 1970, o potencial mineral considerável
do oeste de Roraima (Serra Parima) suscitou a mobilização de um jogo complexo de
interesses, incluindo grandes empresas do setor, pequenos empresários de garimpo e
políticos locais. Paralelamente, um melhor conhecimento antropológico dos Yanomami,
bem como a formação de uma rede de ONGs indigenistas em defesa de seus direitos
territoriais tornaram evidente o fato que a região, longe de constituir um vazio
demográfico, era o território tradicional de um dos últimos grandes povos indígenas
isolados da Amazônia e, por isso, extremamente vulnerável, em particular no plano
epidemiológico. Alternando sucessos e recuos, setores antiindígenas e rede pró-
Yanomami travariam uma luta de cerca de duas décadas. Durante esse período, a
situação de contato dos Yanomami se intensificará e sua população será gravemente
afetada por uma sucessão de epidemias (sarampo, gripes, malária). Finalmente, enquanto
o contexto cultural e político internacional evoluía em favor do direito das minorias e da
preservação do meio ambiente, as terras yanomami seriam delimitadas e homologadas
no início dos anos 1990.
DO PROJETO RADAM À CORRIDA DO OURO DE RORAIMA (1975-1987)
Revelação do potencial mineral das terras yanomami e primeiras incursões: o estanho
de Sucurucus
4
A Serra Parima apresenta-se como um maciço cristalino (parte do escudo das
Guianas) de altitude média, dissecado por numerosos vales percorridos por rios de cursos
freqüentemente torrenciais: toda chuva, captada pelas encostas do relevo e concentradas
em bacias de pequeno porte, provoca seu imediato transbordamento, dando origem a
uma erosão bastante significativa uma vez que o nível pluviométrico é de cerca de 2.500
mm por ano na região. Dois dos principais afluentes da margem direita do Rio Branco
têm aqui suas fontes: o rio Uraricoera (e seu principal formador, o Parima) e o rio
Mucajaí. Encontram-se igualmente nesse conjunto alguns planaltos de altitude média
(1.0001.200 m.), cobertos por savanas pouco densas que contrastam com a floresta
tropical que cobre as vertentes dos vales.
As riquezas minerais da região foram identificadas em meados dos anos 1970, no
quadro de uma grande operação de cartografia dos recursos amazônicos, o Projeto
Radam (ver MacMillan, 1995, pp. 24-26; Le Tourneau, 1999). Utilizando um radar de
abertura sintética (SAR) a fim de produzir uma cobertura topográfica completa da
Amazônia, esse projeto tinha essencialmente como objetivo fornecer aos militares, que
governavam o país nessa época, uma avaliação precisa dos recursos, em particular
minerais, existentes na região.
9
No caso de Serra Parima, prováveis jazidas de vários
minérios (tais como ouro, cassiterita
10
e urânio) foram identificadas, assim como a
possível presença desses metais, arrancados pela erosão, nos depósitos aluviais dos seus
rios.
Publicados numa época durante a qual os governos militares pretendiam
incentivar o desenvolvimento do país através da exportação dos seus recursos naturais,
os resultados do projeto Radam relativos ao estado de Roraima não deixaram de reforçar
o caráter geoestratégico atribuído à área da fronteira norte-amazônica. A possibilidade de
uma exploração industrial dessas jazidas sob a tutela do governo federal foi então
imediatamente considerada para fins de exportação. Entretanto, em março de 1975, ou
seja, apenas um mês após o anúncio dos resultados do projeto Radam, um primeiro
contingente de prospectores clandestinos de cassiterita invadiu o sul do planalto de
Surucucus, no coração do território yanomami. Em janeiro de 1976, eram cerca de
quinhentos, sob o controle de uma pequena empresa local (Além Equador), extraindo
várias toneladas de minério por mês, encaminhadas à Boa Vista por avião monomotor a
partir de uma pista local (CCPY, 1989, pp. 7-9; Taylor e Ramos, 1979, pp. 53-58).
9
Criado em outubro de 1970, no quadro do Programa de Integração Nacional (PIN) do governo Médici, o Projeto Radam (Radar da
Amazônia) tinha por alvo produzir um levantamento cartográfico, geológico, pedológico e fito-ecológico da Amazônia, e,
igualmente, de uma parte ocidental do Nordeste. Ele estendeu-se, em 1975, ao resto do país, se tornando RADAMBRASIL.
10
Óxido de estanho natural.
5
Alertado reiteradamente por funcionários locais da Funai, o governo federal
finalmente tomou providencias em fevereiro de 1976, proibindo o acesso da área aos
garimpeiros.
11
Paralelamente, e enquanto se multiplicavam os pedidos de prospecção,
12
duas grandes mineradoras foram sucessivamente autorizadas a operar na região de
Sucurucus: entre novembro de 1975 e fevereiro de 1976 a Icomi (Indústria e Comércio
de Minérios)
13
iniciou a avaliação de uma jazida de manganês (Taylor e Ramos, 1979,
pp. 62-63), e em abril de 1978, a Docegeo (Rio Doce Geologia, filial da Vale do Rio
Doce CVRD),
14
abriu um escritório em Boa Vista e começou, em março de 1979, a
prospectar o potencial estanífero da área.
Nenhuma dessas duas tentativas resultará numa exploração efetiva, em razão,
primeiramente, de consideráveis dificuldades logísticas. As jazidas minerais
prospectadas estão localizadas a mais de 200 quilômetros de Boa Vista (capital de
Roraima), numa região de floresta tropical densa e acidentada na qual inexiste qualquer
possibilidade de transporte terrestre. Além disso, Boa Vista situa-se a milhares de
quilômetros de um acesso a mercados potenciais, numa região desprovida de rede
rodoviária confiável. Finalmente, pelo menos no caso da cassiterita, uma outra jazida
importante estava a ponto de ser aberta à exploração na região de Manaus.
15
Portanto, no
contexto da época, a exploração das cerca de 15 mil toneladas potenciais da jazida de
Surucucus (MacMillan, 1995, p. 27) não oferecia suficientes perspectivas de
rentabilidade,
16
o que conduziu a Docegeo a recomendar ao DNPM (Departamento
Nacional de Produção Mineral) que a região fosse classificada como reserva mineral
nacional”.
As dificuldades de relacionamento com um grupo indígena isolado e numeroso
(com 74 grupos locais situados num raio de 65 quilômetros da zona das jazidas de
Surucucus) e a forte probabilidade de ver toda a região classificada como terra indígena
constituíram outros fatores de desestímulo para as mineradoras industriais. A Docegeo
tinha consultado um antropólogo da Universidade de Brasília, recentemente encarregado
de um programa de proteção aos Yanomami pela Funai, e, assim, formou-se uma idéia
bastante precisa sobre as complicações a se enfrentar para implantar uma mina industrial
na região.
11
Portaria n. 422 de 2/09/1976 do Ministério do Interior promulgado em razão de graves conflitos entre os garimpeiros e os
Yanomami (Ramos e Taylor, 1979, pp. 61-62).
12
Quase 60% da superfície dessa região é objeto de pedidos e de concessões de prospecção mineral registradas no DNPM por
empresas públicas e privadas, nacionais ou internacionais (Ricardo, 1999, pp. 50, 84).
13
Uma joint venture da Bethlehem Steel e da Caemi (Companhia Auxiliar de Empresas de Mineração), que explora desde 1950 a
jazida de manganês de Serra do Navio (Amapá).
14
A CVRD era então uma empresa pública. Sobre a prospecção da Docegeo e suas conseqüências ver CCPY, 1989. pp. 10-15.
15
Trata-se da jazida de Pitinga, cuja exploração desencadeará um conflito com os Waimiri-atroari (ver Baines, 1990).
16
Por outro lado, o preço do minério de estanho estava em forte declino desde 1979 (MacMillan, 1995, p. 28, figura 2.2).
6
Todavia, políticos e empresários locais não desistiram, manobrando para que a
CVRD seja obrigada a ceder seus direitos sobre a região para uma empresa controlada
pelo governo de Roraima, a Codesaima (Companhia de Desenvolvimento de Roraima)
(ver CCPY, 1989, pp. 10-11). Em 1983, esta companhia local obterá finalmente do
DNPM uma concessão de prospecção e de exploração do minério de estanho de
Surucucus, renovável por um ano (novembro de 1983dezembro de 1984). Entretanto,
essa concessão dependia, para ser efetivada, de um voto favorável do Congresso
Nacional, sendo que a área pleiteada encontrava-se englobada num vasto perímetro ao
qual a Funai acabara de proibir o acesso (1982), a título prévio de seu reconhecimento
enquanto terra indígena. Nessa perspectiva, a fim de convencer os congressistas, o
projeto da Codesaima pretendia levar em conta os interesses dos índios, propondo a
utilização de mão-de-obra yanomami e o pagamento de royalties de 5% destinados a
Funai. Apresentado em 1983 e em 1984 por um deputado de Roraima, o projeto de lei
destinado a autorizar as atividades da Codesaima na área yanomami será finalmente
rejeitado em outubro de 1985 em razão de uma forte mobilização das ONGs indigenistas
a frente das quais a Comissão Pró-Yanomami (CCPY)
17
, e da ação de
parlamentares favoráveis à causa indígena.
Depois desse fracasso legislativo, uma tentativa de ocupação da área à força será
tentada por um aventureiro local, José Altino Machado, empresário de garimpo,
proprietário de uma companhia de táxi aéreo e orador carismático. Vindo do garimpo da
Serra Pelada (Pará), José Altino criou em 2 de fevereiro de 1985 a “Associação dos
Faiscadores e Garimpeiros do Território Federal de Roraima”, com o objetivo de exercer
pressões políticas para obter o acesso ao coração da área indígena, proibido pela Funai.
Em 14 de fevereiro, ele organizará, com cinco aviões monomotores e cerca de sessenta
homens armados, uma invasão paramilitar da região de Surucucus, contando com
cumplicidades políticas locais. Entretanto, essa invasão também fracassará graças a um
rápida ação conjugada do Ministério da Justiça e da Polícia Federal, novamente em
reação a uma campanha de protesto da CCPY (CCPY, 1989, pp. 17-22).
Apesar de indiciado judicialmente, José Altino Machado desencadeará então uma
enérgica contra-ofensiva na mídia. Apresentando-se como porta-voz de uma minoridade
oprimida e esquecida os garimpeiros da Amazônia , ele tentará justificar sua ação
através da denuncia tanto das associações indigenistas quanto das grandes companhias
de minérios, ambas acusadas de espoliar as riquezas minerais do Brasil em benefício dos
paises estrangeiros. Suscitando um interesse crescente pelo potencial mineral das terras
17
Fundada em 1978 por um pequeno grupo de antropólogos e de indigenistas trabalhando com os Yanomami no Brasil desde o início
dos anos 1970.
7
yanomami, ele se esforçará, durante o fim dos anos 1980, em mobilizar as massas
garimpeiras da Amazônia a fim de usá-las como um grupo de pressão capaz de
enfraquecer a posição do governo federal em favor dos índios, colocando-o diante do
fato consumado da ocupação das terras indígenas. Encorajando uma invasão maciça do
território yanomami, José Altino finalmente conseguirá, dessa vez impunemente, ter
acesso à jazida de cassiterita da região de Surucucus que cobiçava, e irá explorá-la até
1990.
Os primórdios da corrida do ouro
Enquanto ocorria esse confronto entre lobby garimpeiro e rede pró-indígena em
volta da jazida de cassiterita de Surucucus, duas outras regiões do território yanomami
foram invadidas pelos primeiros prospectores clandestinos de ouro, atraídos pela
perspectiva de lucros rápidos e substanciais: o preço internacional do ouro chegou, em
1979, a US$ 850 a onça (31,1g), enquanto oscilava, de 1943 a 1973, por volta de US$ 42
(Gray 1986, pp. 42-45; Lourenço, 1990, pp. 148-154). O modelo desse tipo de invasão é
clássico na Amazônia brasileira. Os garimpeiros, por causa de sua clandestinidade, da
baixa tecnologia de seus métodos e dos poucos investimentos necessários a sua
atividade, têm, assim, grande vantagem de velocidade e mobilidade perante as
mineradoras industriais ou os projetos oficiais, submetidos a regras legais estritas e
processos burocráticos demorados. De fato, só uma ação em grande escala da Polícia
Federal, amparada por uma firme decisão governamental, pode deter sua propagação
numa região que tenha sido alvo de sua cobiça.
A crônica da invasão de terras yanomami pelos garimpeiros começa em 1980 com
a descoberta de depósitos aluviais particularmente produtivos num sítio aurífero
explorado de maneira artesanal e esporádica desde os anos 1960 no baixo rio Uraricaá: o
garimpo de Santa Rosa.
18
Essa redescoberta fez rapidamente afluir cerca de 5 mil
garimpeiros ao nordeste do território yanomami, com o apoio da Codesaima que, desde
essa época, tem demonstrado mas claramente que seu objetivo era mais de “oficializar”
garimpos locais do que incentivar o desenvolvimento de uma real economia minerária
em Roraima. No início de 1983, uma intervenção da Funai para controlar essa invasão
conseguiria uma curta trégua na região. Porém, apenas seis meses depois dessa ação, o
garimpo de Santa Rosa seria novamente invadido por 3.800 garimpeiros. Nos três anos
seguintes, seu avanço se estenderia por toda a bacia do alto rio Uraricaá.
19
18
Afluente da margem esquerda do rio Uraricoera, um dos principais formadores do Rio Branco.
19
Sobre a penetração dos garimpeiros nessa região ver CCPY, 1989, pp. 24-35 e Ramos et al., 1984.
8
Em 1980, outro sítio de exploração de ouro aluvial abre-se no sudeste do território
yanomami, entre o alto rio Apiaú e o alto rio Catrimani: o garimpo Apiaú velho
(CCPY 1989, pp. 37-44). Em 1983 este garimpo contava trezentos homens.
Entretanto, no ano seguinte, contingentes de garimpeiros oriundos de vários estados
amazônicos (Rondônia e Pará, especificamente) começaram a chegar na região. Em
janeiro de 1985, na falta de nova ação da Funai, um grupo de cerca de cinqüenta
guerreiros yanomami de regiões vizinhas tentará expulsar os garimpeiros por conta
própria, sem sucesso. Em fevereiro, outro grupo yanomami, desta vez acompanhado por
policiais militares e federais, conseguirá expulsar uma centena de garimpeiros, mas a
maioria continuará no local. A Funai estabelece então um posto de vigilância na beira do
rio Apiaú; posto dotado de um destacamento de cinco agentes da polícia militar de
Roraima. A invasão, contudo, prossegue: um número cada vez maior de pequenos
grupos de garimpeiros infiltra-se ao longo dos rios Mucajaí e Apiaú, simplesmente
contornando o posto da Funai. Em julho de 1985, um novo sítio aurífero entra em
operação no rio Novo, afluente do Apiaú, onde os garimpeiros são, desta vez, avaliados
em mais de seiscentos. Parlamentares, comerciantes e empreendedores de transportes
aéreos locais associam-se então de forma ativa na campanha do sindicato de garimpeiros
de José Altino em favor da legalização da garimpagem em território yanomami. No final
de 1985, o número dos garimpeiros do Apiaú tinha dobrado. A Funai e a Polícia Militar,
submergidas, tinham abandonado seu posto de vigilância no Apiaú. Em 1986, a
descoberta de um novo e importante sítio aurífero nas fontes do Apiaú (“Cambalacho”)
dará ainda mais impulso a invasão garimpeira da região (MacMillan, 1995, p. 30).
No âmbito nacional, os rumores sobre a riqueza aurífera do território yanomami e
o fluxo de garimpeiros atraídos por eles não paravam de aumentar. Tal situação vinha
sendo favorecida tanto por uma conjuntura econômica propícia
20
quanto pela
cumplicidade do governo federal, novamente sob forte influência dos militares, que
tinham acabado de lançar o Projeto Calha Norte” (PCN), sua prioridade para a região.
21
20
Em 1980 a garimpagem tornou-se a atividade econômica dominante na Amazônia brasileira, ocupando meio-milhão de pessoas e
produzindo, em 1987, algo em torno de 120 toneladas de ouro, colocando o Brasil no terceiro lugar da produção aurífera mundial
atrás da África do Sul e da ex-União Soviética. Essa corrida do ouro, da qual Roraima constitui tão somente uma das cenas, tornou-se
o boom extrativista mais importante na região desde a época da borracha (Cleary, 1990, pp. 3-5; Abers e Lourenço, 1992, p. 9). Além
da espetacular alta do valor do ouro já mencionada, as dificuldades econômicas causadas pelo Plano Cruzado a partir de 1986
(congelamento dos salários e controle dos preços) canalizaram mão-de-obra e capitais para o setor informal da mineração. O declínio
da produtividade dos garimpos amazônicos mais antigos e o fato de a estação seca de Roraima (situada no hemisfério norte) coincidir
com a estação das chuvas (desfavorável às atividades de garimpagem) dos outros estados da Amazônia favoreceram também o boom
do ouro em território yanomami. Sobres todos esses fatores ver MacMillan, 1995, pp. 30-31.
21
Num contexto de enfraquecimento do poder militar (retorno à democracia em 1984) e de relaxamento das tensões com a
Argentina, cuja fronteira constituía a principal preocupação estratégica até então, o Exército procura uma dinâmica para reerguer-se
no âmbito político nacional: será o PCN, centralizado em torno do reforço da fronteira norte-amazônica. Se este reforço é
principalmente militar, com a criação de infra-estruturas (pistas de pouso e postos militares) e o deslocamento de tropas na faixa
fronteiriça de 150 quilômetros, trata-se também de um projeto de desenvolvimento econômico e demográfico na continuidade do
modelo geoestratégico dos governos militares dos anos 1960-1970. Sobre o PCN ver Albert, 1987, 1990b, e 1992b; Santilli, 1987;
Miyamoto, 1989; Pacheco de Oliveira, 1990; Allen, 1992 e Birraux-Ziegler, 1995.
9
Confrontados ao processo de ocupação ao mesmo tempo acelerada e espontânea do oeste
de Roraima, os autores do PCN, programa de ocupação militar, econômica e
demográfica da fronteira norte-amazônica, abandonaram seu projeto inicial de incentivo
à exploração mineral industrial da área yanomami. Passaram, assim, a favorecer a
presença maciça de garimpeiros (brasileiros) na região, em detrimento dos direitos
territoriais dos Yanomami, considerados aparentemente como inúteis e perigosos
apátridas (Albert, 1990a, 1990b, 1992a). A partir de tal contexto, todas as condições para
o desencadeamento de uma corrida do ouro de grande porte encontravam-se reunidas.
A CORRIDA DO OURO (1987-1990)
Faroeste amazônico
Em julho de 1987, os garimpeiros do curso superior do rio Apiaú chegaram até
um afluente do alto rio Mucajaí, o Couto de Magalhães, e descobriram um novo sítio
aurífero extremamente promissor (“Novo Cruzado”), onde assassinaram quatro deres
yanomami que tentavam obstruir seu avanço. A repercussão da dia sobre esses
homicídios desencadeou uma operação militar que expulsaria, num jogo de cena,
algumas centenas de garimpeiros mas, também e sobretudo, todos os testemunhos
incômodos da região ONGs e missões —, sob o pretexto de “retirar todos os
elementos estranhos que perturbavam a vida dos índios”. Além do pouco zelo
demonstrado pelo governo para impedir o retorno dos garimpeiros ao território
yanomami, esse acontecimento confirmou a intenção de favorecer tal invasão a fim de
criar um fato consumado que induziria a uma revisão do perímetro da terra indígena, de
pleno acordo com os objetivos do PCN (Ramos, 1998, pp. 227-242). Como se pode
imaginar, os garimpeiros leram a decisão das autoridades como um sinal de sua
cumplicidade e não demoraram a ultrapassar o frágil dispositivo implementado pelo
governo federal. Um fluxo cada vez mais considerável de invasores se espalharia então
pela bacia do alto Mucajaí: eram mais de 5 mil em dezembro de 1987 ao redor da pista
de Paapiú (rio Couto de Magalhães), antiga pista missionária (1978) ampliada em 1986
no quadro do PCN e situada a uma hora e vinte minutos de vôo de monomotor a partir de
Boa Vista, a capital local. Desta vez, a corrida do ouro tinha realmente começado em
Roraima.
Como é de praxe no universo do garimpo, o rumor sobre o ouro de Roraima se
espalhou no país a grande velocidade e fluxos de garimpeiros cada vez mais numerosos
se precipitaram em direção a Boa Vista, que conhece então um forte e brutal crescimento
10
demográfico (Abers e Lourenço Pereira, 1992). Na época, até mesmo a população local é
tomada pela febre do ouro. Encontram-se, entre os garimpeiros, fora um contingente de
profissionais, uma grande maioria de pequenos agricultores, bem como de bombeiros,
policiais, funcionários, conselheiros municipais, prefeitos, advogados e médicos que
abandonam seus empregos locais, de forma temporária ou permanente, em busca de
sítios auríferos nas terras dos Yanomami. Cerca de 130 quilos de ouro são
comercializados por mês em Boa Vista. Em dezembro de 1987, o presidente da Funai e o
governador de Roraima proclamam a legalização de “reservas de garimpagem”
incrustada no território yanomami (CCPY 1989, pp. 46-58). Em janeiro de 1988, a
população garimpeira da área é estimada em 10 mil. A pista de Paapiú tornou-se o
epicentro do garimpo na região. Estima-se em 130 o número de vôos que decolavam por
dia nessa época em Boa Vista para abastecê-la (CCPY, 1989, p. 59).
A apropriação à força dessa pista por um cabo da polícia militar encarregado de
sua vigilância (fim de 1987), associado a um grupo de garimpeiros armados, permitiu o
desenvolvimento em grande escala da garimpagem nas regiões circunvizinhas.
22
A zona
aurífera da área yanomami situa-se ao longo dos rios que descem da Serra Parima e, em
particular, ao longo das margens do alto Mucajaí e de seus afluentes, do alto Parima e do
alto Catrimani. São lugares muito isolados: para alcançá-los desde Boa Vista, é preciso
atravessar, em média, mais de 150 quilômetros de floresta tropical densa e acidentada.
Se o abastecimento terrestre se torna praticamente impossível, ele não é muito mais fácil
por meio de táxi aéreo, pois o custo dos vôos desde Boa Vista é muito alto. Consolidada
e ampliada pela FAB, e, portanto, capaz de receber aviões pesados, como DC-3, a pista
de Paapiú (800 metros), tornou-se rapidamente uma base insubstituível para a expansão
regional do garimpo. As empresas de táxi aéreo lá estabeleceram bases permanentes para
helicópteros e depósitos de equipamentos pesados (moto-bombas, tambores de
combustível, mangueiras). Graças ao apoio dessa base, os garimpeiros podiam se
espalhar na região sem dificuldades, abrindo novos sítios de exploração aurífera e novas
pistas próximas dos mais importantes. Nesta época, o ouro aluvial era o metal mais
procurado, porém se desenvolvia também uma exploração artesanal importante dos
afloramentos de cassiterita no alto Parima (região de Xitei, ao sul de Surucucus).
23
Em 1989, de 30 a 40 mil pessoas trabalham nos garimpos do território yanomami
(MacMillan, 1995, p. 31) e, segundo um estudo do governo de Roraima, 66 mil pessoas
22
Ver, sobre esse episódio, MacMillan 1995 : 36-37.
23
Explorada, como o vimos, por José Altino Machado, Presidente do sindicato dos garimpeiros de Roraima. Os custos de transporte
da cassiterita e o mero reduzido de compradores fazem da sua exploração uma atividade reservada aos patrões de garimpo e de
empresa de táxi aéreo. Todavia, a pressão da associação dos países produtores de estanho sobre o Brasil para limitar sua produção,
dentro do contexto de um mercado internacional deprimido, fez com que uma grande companhia nacional como a Paranapanema
tenha igualmente começado a exigir do Governo o fechamento dos garimpos do território yanomami (MacMillan 1995 : 45-48).
11
viviam direta ou indiretamente dessa atividade no estado (CCPY, 1989, p. 69). O curso
superior do rio Mucajaí constituía o centro dessa corrida do ouro: a maioria das 73 pistas
de pouso clandestinas abertas para o apoio dos garimpos nas terras yanomami
encontrava-se nessa região (ver figura 2 e MacMillan, 1995, pp. 38-39). Entre 1988 e
1990 a produção de ouro de Roraima era estimada em 49 toneladas (MacMillan, 1995, p.
34).
Figura 2: a invasão das terras yanomami pelos garimpeiros (1987-1990)
Os Yanomami cercados
De 1987 ao início de 1990, os Yanomami de Roraima viviam literalmente
cercados em suas casas coletivas, por uma população de garimpeiros cerca de seis vezes
maior. Essa invasão maciça teve impactos epidemiológicos e ecológicos consideráveis,
mais graves que os dos projetos rodoviários e agrícolas que tinham afetado o grupo na
década de 1970. As epidemias de malária e de infecções respiratórias, somadas as
vítimas de conflitos armados esporádicos com os garimpeiros, causaram o
desaparecimento de cerca de 13% da população yanomami do Brasil durante esse
período.
24
Por outro lado, o transtorno do leito dos rios e a poluição de suas águas
provocaram danos importantes e duradouros ao meio-ambiente florestal e fluvial, base
do sistema produtivo yanomami.
24
Projeção, a partir dos dados de APC (1990, p. 32). Um relatório do Ministério da Saúde (1990, Projeto Saúde Yanomami) avaliava
oficialmente essas mortes em “mais de mil”. Sobre essa situação sanitária catastrófica ver igualmente CCPY (1989, pp. 60-71; Albert
1990 e Pithan et al., 1991).
12
Nesse contexto, e de acordo com o cenário esboçado desde o início do processo,
tanto os parlamentares locais quanto os políticos nacionais esforçaram-se em promover
uma alteração dos limites das terras yanomami a fim de ratificar a sua invasão maciça
pelos garimpeiros. Em 1989, o governo federal promulgará, assim, uma série de decretos
reduzindo a Terra Indígena Yanomami
25
a dezenove micro-reservas, cuja superfície
cumulada representava menos de dois terços do total, e cujos recortes liberavam os
principais sítios auríferos da região, incluindo-os em “Florestas Nacionais” intersticiais,
unidades de conservação cujo regulamento estava, justamente, em via de modificação a
fim de permitir a exploração mineral (Albert 1992, Albert e Le Tourneau, 2004). Além
disso, três “reservas garimpeiras” seriam criadas na área (1990), legalizando assim
diretamente a presença e a atividade dos garimpeiros nas zonas mas invadidas.
Finalmente, no plano local, Romero Jucá, então presidente da Funai responsável pelo
desmembramento das terras yanomami e atual senador da República, seria nomeado
governador de Roraima, o qual se empenhará em legalizar e enquadrar as atividades de
garimpagem na região, por intermédio da Codesaima, no modelo do garimpo do rio
Uraricaá (Santa Rosa).
Entretanto, de maneira surpreendente para os políticos e donos de garimpos locais
cegos diante das mutações globalizadas do final dos anos 1980 a divulgação na mídia
mundial da tragédia sanitária e ecológica da área yanomami, sustentada pela campanha
de uma ampla rede de ONGs brasileiras e internacionais e endossada pela oposição
nacional, mas também por organizações multilaterais e certos governos do G7, reverterá
finalmente a relação de força local muito desfavorável aos índios. Diante da denúncia
unânime, na impressa internacional, do “genocídio dos Yanomami”, num contexto de
crescentes preocupações ecológicas globais, em tempo de ECO-92 no Rio de Janeiro,
manifestações públicas, pressões políticas e campanhas de opinião criaram,
progressivamente, um clima extremamente negativo para o governo da época (Sarney).
Delimitação e homologação da Terra Indígena Yanomami (TIY): final de
partida?
O presidente Fernando Collor, mal tomara posse em janeiro de 1990, vê-se
compelido a mudar essa imagem degradada do país no exterior e a reconquistar a
confiança dos organismos de crédito internacionais, os quais, cada vez mais,
condicionam seus empréstimos à observação de normas de proteção dos povos indígenas
e do meio ambiente. Lança, assim, no começo do seu mandato, com grande alarde de
25
Interditada em 1982 pela FUNAI.
13
imprensa, uma campanha de “salvamento” dos Yanomami, a operação “Selva Livre”.
Campanhas de expulsão de garimpeiros pela Polícia Federal são organizadas, um plano
emergencial de assistência médica é criado para os Yanomami, as “reservas garimpeiras”
são canceladas e, finalmente, em maio de 1990, treze pistas de garimpo (de 73
oficialmente registradas) são dinamitadas diante das câmeras da TV Globo e dos
fotógrafos da grande imprensa.
Tal voluntarismo publicitário encontrou rapidamente seus limites, tanto em razão
da falta de organização das administrações envolvidas quanto do caráter pontual de suas
iniciativas. Alguns meses depois das incursões da Polícia Federal, várias pistas de
garimpo já haviam sido concertadas e reativadas, enquanto as que ficaram intactas
continuavam operando.
26
Na realidade, apenas os garimpeiros ocasionais foram
alcançados pelas operações de expulsão, enquanto os profissionais, não somente
permaneceram in loco, mas também tiraram, num primeiro tempo, um certo proveito da
desorganização do sistema de tributo a que eram submetidos aos donos de pistas e de
garimpos.
27
No final de 1990, a Polícia Federal lança uma nova operação, dessa vez mais
organizada e acompanhada de uma destruição sistemática dos acampamentos e do
material dos garimpeiros. Esse novo episódio marca o início de um período no qual a
abertura e a exploração de novos garimpos ficam cada vez mais onerosas e arriscadas na
medida em que o ciclo de reinvestimento rápido dos lucros em novos equipamentos e
prospecções fora desestruturado (MacMillan, 1995, p. 52). Por outro lado, os postos de
assistência implantados pela Funai e a FNS permitem uma certa vigilância do Estado
sobre a área e, embora as operações de expulsão e destruição de material dos garimpeiros
tenham sido esporádicas, pairava uma certa ameaça que desencorajou a atividade e,
portanto, os investimentos que, por outro lado, sofreram pela progressiva queda do preço
do ouro nos anos 1990.
Apesar de uma forte recaída em 1993,
28
a corrida do ouro em território yanomami
ver-se-á assim, pouco a pouco, contida por essa série de operações da Funai e da Polícia
Federal. Além disso, ocorre uma reviravolta decisiva no estatuto da área yanomami no
âmbito legislativo. Ao assinar, em maio de 1992, o decreto de homologação da Terra
Indígena Yanomami, o presidente Collor põe um fim ao debate aberto desde 1968 entre,
de um lado, missionários, antropólogos e indigenistas e, de outro, militares, políticos e
26
Desde o final de 1990 cinco mil garimpeiros estavam de volta ao território yanomami, sem contar os 8 mil que continuavam
operando nas “reservas garimpeiras” criadas pelo governo anterior (Albert 1990b, 1992). As operações de retirada dos garimpeiros só
seriam retomadas alguns meses depois, mas continuariam, de forma esporádica, durante toda a década.
27
Ver, sobre esse ponto, MacMillan (1995, pp. 51-52) e Geffray (1995, pp. 68-70).
28
Entre 1992 e 1993, o número de garimpeiros no território yanomami passará novamente de 2 mil para 11 mil (MacMillan 1995, p.
52).
14
empresários locais a respeito do perímetro da área a ser reconhecida de posse indígena.
Reconhecendo a relevância dos pareceres antropológicos produzidos desde 1979 sobre o
território indígena e sua conformidade aos princípios da Constituição, o decreto
considera como Terra Indígena Yanomami uma vasta porção do oeste de Roraima (e da
margem esquerda do Rio Negro até o rio Cauaburis), revertendo o desmembramento em
dezenove “ilhas” promulgado no Governo Sarney em 1989.
Esse decreto forneceu um alicerce sólido, tanto para os direitos indígenas quanto
para a ação do poder executivo. Assim, uma vez reconhecido o território yanomami
como “Terra Indígena” (desde 1982 era, pela Funai, uma “área proibida para
identificação” ), a legislação – que proíbe a prospecção dos recursos do solo e da floresta
aos não-indígenas devia ser aplicada. Portanto, a ocupação dos garimpeiros não se
situava mais num limbo jurídico, mas sim nitidamente em infração com as disposições
da Constituição e da legislação nacional. O Estado brasileiro outorgou-se os meios legais
de nortear sua intervenção local e, assim, achou, nessa determinação política, os meios
de por fim a um debate fundiário espinhoso, aberto desde a década de 1960.
Entretanto, esse novo contexto não impediria que, durante toda a década de 1990,
pequenos grupos de garimpeiros tentassem voltar aos sítios auríferos da Terra Indígena
Yanomami para retomar suas atividades, especialmente quando o preço do ouro dava
sinais de alta nos mercados internacionais. Tais invasões, apesar de limitadas, são
contínuas desde 1992. Elas trazem sempre as mesmas conseqüências: violência como o
bárbaro massacre de dezesseis Yanomami em 1993 em Haximu (Albert, 1994) e
contaminação (de 1991 a 1998 morreram 1.211 Yanomami, a maioria de malária e de
infecções respiratórias).
29
Cinco focos principais de garimpagem ainda estavam em
atividade no território yanomami em agosto de 2002, para um total estimado de duzentos
garimpeiros. Um novo sobrevôo da região pela funai confirmou essa presença ainda em
março de 2003.
30
Assistência sanitária e educação intercultural: uma nova relação com os brancos
A despeito dessa presença garimpeira residual, uma nova época abriu-se na
década de 1990 para os Yanomami do Brasil, durante a qual vários fatores convergentes
favoreceram um sobressalto demográfico e político. O governo federal confiou em fim
de 1999 a assistência sanitária yanomami a várias ONGs no quadro de um Distrito
Sanitário Especial Indígena (DSEI), sob controle da Funasa e com um importante
financiamento público. Essa iniciativa revelou-se muito positiva: os índices de
29
Relatório do setor de epidemiologia da Funasa Roraima, junho de 1998.
30
Relatórios Funai (Administração local de Boa Vista Roraima), agosto de 2002 e março de 2003.
15
contaminação pela malária passaram, entre os Yanomami de Roraima, de 616,77 em
1998, a 11,74 (por mil habitantes) em 2002. O coeficiente de mortalidade despencou de
22,9 em 1998 para 3 em 2002 (por mil habitantes), enquanto a taxa de crescimento
demográfico anual desde 2000 foi de 4,5%.
31
Por outro lado, ONGs e organizações missionárias implantaram na região, a partir
de meados dos anos 1990, diversos programas de educação bilíngüe e de formação
intercultural. Esses programas, bem como a participação ativa dos índios nos Conselhos
do Distrito Sanitário (locais e distrital), favoreceram, em uma década, o aparecimento de
uma geração de jovens professores e representantes yanomami cuja mobilização veio
reforçar a ação de certos líderes históricos, como Davi Kopenawa, xamã dos Watoriki
thëripë (“os moradores da montanha do vento”). A ampliação dessa dinâmica favoreceu
a emergência de uma consciência étnica coletiva baseada na defesa dos direitos
territoriais, civis e culturais do grupo, tais como reconhecidos pela Constituição do país;
consciência que sustenta hoje uma crescente organização política dos Yanomami na cena
regional.
32
Esse dinamismo demográfico e etnopolítico não deve, contudo, fazer esquecer
que, para muitas comunidades yanomami, os transtornos sociais e os danos ecológicos
ocasionados pela presença dos garimpeiros continuam se fazendo fortemente sentir,
cerca de quinze anos após o início de sua expulsão oficial. É o caso dos grupos locais da
região de Homoxi (Tirei, Xere u e Yaritha), dos quais iremos agora examinar a situação,
depois de seu primeiro encontro com os garimpeiros, em 1988, até abril de 2002, data de
nossa primeira pesquisa de campo na região.
Da pista Jeremias ao Posto Homoxi: a corrida do ouro no alto rio Mucajaí e suas
conseqüências para as comunidades yanomami.
O curso superior do rio Mucajaí, território tradicional de vários grupos yanomami,
foi um dos lugares mais atingidos pela atividade garimpeira no final dos anos 1980 no
oeste de Roraima. Numa faixa de cerca de 20 quilômetros ao longo deste rio foram
atraídos milhares de garimpeiros e abertos, em poucos anos, vários conjuntos de
garimpos, cada um provido de uma pista de pouso clandestina (figura 3). Em Homoxi, a
invasão garimpeira começou em 1988 com a abertura de uma pista de pouso clandestina
de 700 metros, batizada de “Pista Jeremias”. Seus arredores serão o palco de uma intensa
31
Relatório de abril de 2003 da ONG Urihi Saúde Yanomami, responsável pela assistência sanitária à maioria dos Yanomami de
final de 1999 até metade de 2004, período após o qual a Funasa retomou a gestão direta dos serviços de saúde destinados aos índios
da região.
32
Essa dinâmica desembocará na criação de uma associação yanomami, em novembro de 2004, com sede em Boa Vista (Hutukara
Associação Yanomami).
16
exploração por parte dos garimpeiros, até as primeiras operações de expulsão da Polícia
Federal, a partir de janeiro de 1990. Durante esse período, as comunidades yanomami da
região ficaram submetidas a contato intenso com uma considerável população
garimpeira, cuja presença acarretou graves conseqüências sanitárias e sociais que
explicam, em parte, a atual localização dessas comunidades.
Ao contrário das outras pistas abertas na região, “Jeremias” não será abandonada
em 1990, depois do ápice da febre do ouro. Em razão do seu comprimento, de sua
solidez e de sua localização, que a tornam mais segura, ela será utilizada para estabelecer
os postos avançados das administrações que intervieram nessa zona durante e depois da
expulsão dos garimpeiros (Funai, Polícia Federal e FNS). Em abril de 2002, perto dela
encontrava-se um posto da Funai e um posto de saúde da ONG Urihi Saúde Yanomami
(conveniada com a Funasa). O lugar tinha sido, vários anos, rebatizado como Posto
Homoxi, em razão da proximidade com um pequeno afluente da margem direita do alto
Mucajaí, situado imediatamente na montante e nomeado Hoomoxi u pelos Yanomami. A
população indígena assistida por esses dois postos se dividia em três conjuntos
habitacionais (yano ou xapono): Tirei, Xere u e Yaritha para um total de 359 pessoas.
Figura 3: pistas de pouso e garimpos no alto Mucajaí (interpretação de imagens
de Landsat de 1989 e 1999, ver Milliken e Albert, 2002)
17
Para entender as implicações socioeconômicas da invasão garimpeira,
apresentaremos a seguir a história recente desses três grupos, nos detendo
particularmente nos habitantes de Tirei, mais afetado que os outros pela corrida do ouro
de Roraima, na medida em que fez a opção de permanecer na região vizinha à
garimpagem intensiva, tentando adaptar seu sistema produtivo tradicional apesar das
severas limitações impostas por essa situação de coabitação forçada.
OS YANOMAMI DA REGIÃO DO ALTO RIO MUCAJAÍ
Os habitantes de Tirei
Os habitantes de Tirei (85 pessoas em abril de 2002) ocupam atualmente uma
vasta casa coletiva circular (cerca de 70 metros de diâmetro) aberta no seu centro,
situada na proximidade do Posto Homoxi. A falta de folhas de cobertura (Genoma sp.) e
de recursos alimentícios na região (raridade da caça e tamanho reduzido das roças)
atrasaram a construção dessa casa, iniciada em setembro de 2001, e que em abril de 2002
ainda não estava concluída. Materiais exógenos como lonas de plástico azul ou chapas
de alumínio retiradas de carcaças de aviões acidentados foram utilizados à guisa de teto
ou de paredes, lembrando o tempo do garimpo. A construção de uma casa desse tipo e
desse tamanho constitui uma mudança importante para esse grupo, talvez influenciado
pelas viagens de seu líder a outras aldeias yanomami das terras baixas (em particular a
aldeia de Davi Kopenawa, Watoriki). Antes de 2001, de fato, os habitantes de Tirei
sempre constituíram um conjunto de três ou quatro pequenas casas coletivas próximas,
na forma de cone (ou de cone truncado), segundo um modelo mais comum nas terras
altas yanomami.
A memória do grupo remete a sua origem ao sul da montanha Hëëmaki, na região
de Xitei (lugar chamado de Yanaema, provavelmente ocupado nos anos 1970) situada
perto do rio Kuneamari u, afluente do alto Parima (figura 4). Durante o período de
migração entre Yanaemae e Tirei vários outros sítios foram ocupados de forma mais
breve, num período de confronto guerreiro com os habitantes das regiões de Xitei e Hara
u.
33
Após Tirei, o grupo, ainda em guerra, se deslocará em direção ao curso superior do
rio Parima, em Potomatha, entre as fontes de Kuneamari u e as do Kurema u (ou Haxi
u), construindo nesse lugar três casas coletivas próximas. Mais tarde, ele se instalará no
alto Thoothothopi u, afluente do alto Mucajaí, que deságua no sul da pista do posto
Homoxi (anos 1980), dessa vez subdividido em cinco casas. Finalmente, em razão da
33
Este grupo, os Hara u theripë, ocupa atualmente três casas coletivas às margens do alto Orinoco na Venezuela. Conhecido como
Haximo u thëripë, foi vítima, em 1993, de um massacre cometido por um grupo de garimpeiros brasileiros (Albert 1994).
18
raridade de peixes neste rio, os habitantes de Tirei se fixaram na margem do curso
superior do Mucajaí (Ixoa ou Uxua u).
Na chegada dos garimpeiros (1988), os habitantes de Tirei moravam em quatro
habitações coletivas: três localizadas na parte inferior do Narahipi u, afluente da margem
esquerda do alto Mucajaí (casas de “Romão”, “Antonio” e “João”), e uma no baixo
Wakapoko u, tributário de sua margem direita (casa de “Paulo”) (ver figura 4). Esta
última será rapidamente abandonada pois os garimpeiros abririam nesse mesmo lugar,
uma pista batizada “Macarrão”, destruindo boa parte das roças da comunidade.
Apesar de acabarem, involuntariamente, se encontrando no coração da zona de
garimpagem, os habitantes de Tirei permanecem nas suas casas do Narahipi u até o
início dos anos 1990. Eles decidiram então abandonar as proximidades da pista
“Macarrão”, não somente a fim de afastarem-se do curso superior do Mucajaí, devastado
e poluído, mas, acima de tudo, para escapar dos surtos de malária que tomaram
proporções epidêmicas nessa região pouco depois da primeira grande operação de
expulsão dos garimpeiros, no começo de 1990.
34
Refugiado primeiramente no sítio do
baixo Xere u, o grupo começará a partir desse período uma série de micromigrações em
direção aos novos postos da Funai e da FNS estabelecidos perto da pista Jeremias
(futuro Posto Homoxi), atraído pelas possibilidades de atendimento médico e, sobretudo,
de trocas (comida, ferramentas, roupas, etc.), que o afastamento dos garimpeiros lhes
tinha cortado o acesso a bens industrializados.
Os habitantes de Xere u
Os habitantes da aldeia de Xere u estão ao sudeste do Posto Homoxi, por volta de
7 quilômetros em linha reta. Sua população se divide em dois núcleos residenciais ao
longo do alto rio Xere u (afluente da margem esquerda do alto Mucajaí). O primeiro se
situa rio abaixo e é formado por uma casa coletiva principal em forma de cone truncado
(casa de “Paulo”), com duas pequenas habitações cônicas, para um total de 44 pessoas. O
segundo encontra-se a montante do rio, a cerca de 15 minutos a pé, e se compõe de outra
casa (a do “João”), e de uma pequena habitação anexa, abrigando quarenta pessoas. A
segunda aldeia encontra-se situada no alto de uma colina íngreme, com vista ampla,
dando, em direção ao sul, para o território venezuelano bem próximo.
Os habitantes de Xere u têm por origem uma cisão do grupo de Tirei, do qual se
separaram no momento em que este grupo, ainda unido, tinha se refugiado perto do
34
Provavelmente porque as águas paradas dos barrancos de garimpos abandonados tinham se tornados locais de reprodução ideais
para os vetores da malária, mas também em razão da ineficácia da assistência sanitária oferecida na época: em maio de 1991, 67%
dos Yanomami da região estavam gravemente atingidos pela malária (Relatório Dr. A.C. Alves Braz, junho 1991, CCPY).
19
baixo Xere u, reagrupado em três casas coletivas, uma dos Tirei propriamente dita e duas
outras dos futuros habitantes de Xere u. A parte do grupo que conservou o nome de Tirei
afastou-se do Xere u enquanto o outro, tomando o nome de Xere u e mantendo sua
organização em duas casas (a de “Paulo” e a de “João”), permaneceu, num primeiro
tempo, no mesmo sítio.A seguir, empreenderam uma série de pequenos movimentos
migratórios até chegarem a sua atual localização : depois de se separarem do grupo dos
Tirei, se juntaram a eles novamente por um tempo (no Apiahipi u), se aproximando
também do posto Homoxi, mas, finalmente, voltaram para o Xere u, rio acima do seu
primeiro sítio (onde as terras disponíveis para a agricultura eram limitadas), preferindo
afastar-se definitivamente das áreas de garimpo, afim de escapar da fome de caça”
(naiki) e das doenças, refugiando-se numa mancha de floresta saudável» (urihi temi
patiopëha).
O conjunto formado pelos habitantes de Tirei e de Xere u representa hoje um
contingente de 169 pessoas da mesma origem histórica, distinto do conjunto dos
habitantes de Yaritha, com o qual ele manteve relações estreitas mais conflituosas ao
longo das últimas décadas (pelo menos).
Figura 4: movimentos migratórios histórico (acima) e pós-garimpo (abaixo) dos
grupos Tirei e Yaritha
20
21
Os habitantes de Yaritha
Os habitantes de Yaritha formam hoje um conjunto de 190 pessoas distribuídas
em quatro casas coletivas próximas (de forma de cone truncado) e de cinco pequenas
habitações adjacentes, abrigando indivíduos ou famílias que optaram por uma relativa
autonomia com relação ao restante do grupo. Yaritha encontra-se numa região de terras
baixas (yari a), rica em caça e terras férteis, situada em território venezuelano, na região
do alto Orinoco (a sete quilômetros da fronteira Brasil-Venezuela). Este sítio situa-se a
cerca de treze quilômetros do posto Homoxi, enquanto na sua localização anterior, perto
do rio Wiramapi u (também do lado venezuelano da fronteira), essa distância era de
oito quilômetros. A migração para Yaritha foi preparada através da abertura de novas
roças no início do verão de 2000 (setembro-outubro). Esse deslocamento foi
essencialmente motivado pela falta de terras agrícolas disponíveis no vale encaixado de
Wiramapi u.
Os habitantes de Yaritha remetem a sua origem, como o grupo de Tirei, a uma
comunidade histórica única, situada a proximidade da montanha Hëëmaki, na região de
Xitei (sítio provavelmente ocupado nos anos 1960). Neste lugar, uma parte dos
antepassados do grupo de Yaritha atual se separou dos demais
35
, após um período de
conflitos internos, para migrar ao longo de sítios sucessivos situados ao longo do
Kuneamari u, afluente do alto Parima (provavelmente durante os anos 1970). Depois de
terem subido progressivamente o curso desse rio, eles migraram (provavelmente no
início dos anos 1980) para a bacia do Hoomoxi u, afluente do alto Mucajaí, situado mais
ao leste. Eles tiveram, nesse sítio, o seu primeiro contato com os Brancos : a visita de
funcionários da FUNAI, vindos de helicóptero, de uma base situada ao norte, em
Surucucus. Depois de vários anos nessa região, finalmente reunidos numa única e ampla
casa coletiva, eles foram vítimas de uma grave epidemia (antraz ?) provocando várias
mortes. Abandonaram então esta área para se refugiarem no alto Hoomoxi u onde,
novamente, se subdividiram em cinco habitações coletivas. E a partir desse novo sítio
que, em 1988, encontraram os garimpeiros: ao visitar sua antiga moradia no baixo
Hoomoxi u, constataram que os brancos tinham destruído sua casa coletiva e começado a
abrir uma pista de pouso (denominada Júlio do blefe”) na localização de suas antigas
roças.
Como o grupo de Tirei, o de Yaritha (então localizado no Hoomoxi u) manteve,
em 1988 e 1989, relações ambivalentes de trocas e de conflitos com os garimpeiros.
35
A outra parte do grupo forma hoje os habitantes de Yarakapi u, atualmente situados sobre um afluente do alto Orinoco, na
Venezuela, onde eles ocupam quatro casas coletivas. Essa comunidade, como a de Hara u, situada rio abaixo, tem uma relação mais
distante e esporádica com o Posto Homoxi, mantendo, porém, relações constantes com o grupo de Yaritha.
22
Todavia, ao inverso dos Tirei (mas de forma similar aos habitantes de Xere u), ele optou,
no início dos anos 1990, por fugir das degradações ecológicas e das epidemias de
malária da zona de garimpo, renunciando assim aos benefícios econômicos e sanitários
da proximidade direta com o Posto Homoxi estabelecido pela Funai e a FNS. O grupo se
assentou assim, em 1994, em Wiramapi u, sítio das terras altas ao sul, longe da zona de
garimpo, num afluente das fontes do Orinoco.
Dinâmica migratória e contexto político regional
Os três grupos que ocupam hoje a região de Homoxi formam, portanto, dois
conjuntos Tirei e Xere u de um lado e Yaritha de outro e têm uma origem histórica
comum ao sul da montanha Hëëmaki (situada na região de Xitei). Eles seguiram a partir
deste ponto de origem o curso do rio Kuneamari u (alto Parima) em direção ao alto
Mucajaí, os primeiros adotando uma trajetória mais setentrional (provavelmente com
uma certa anterioridade). Esses dois conjuntos mantiveram, durante essas migrações,
relações estreitas no plano cerimonial (festas reahu), político (incursões guerreiras
comuns) e sócio-econômico (trocas, casamentos), conhecendo, contudo, períodos de
conflitos esporádicos em decorrência de raptos (recíprocos) de mulheres ou de outros
incidentes, tais como furtos ou destruições nas roças. Tais conflitos continuaram (e às
vezes agravaram-se) no período que se seguiu à expulsão dos garimpeiros, na medida em
que os habitantes de Tirei decidiram ligar seu destino ao Posto Homoxi e entendiam, por
isso, conservar o monopólio sobre os bens e os serviços que obtinham ali, dificultando
seu acesso das outras comunidades.
Fora esses intercâmbios, os dois conjuntos mantiveram também relações regulares
com comunidades do alto Orinoco: os habitantes de Yarakapi u e Hara u (antigos
“melhores inimigos” históricos do grupo de Tirei). Num círculo mais amplo, eles
mantêm laços mais esporádicos: no sul, com os grupos da região do rio Toototobi,
afluente do curso superior do rio Demin; no leste, com os grupos Mõruhusi, Haya u e
Toxahipi, habitando próximos do alto Couto de Magalhães; e, no noroeste, com os
grupos da região de Xitei. No nordeste, a situação é mais delicada. A partir de novembro
de 1995, uma série de desentendimentos por causa de bens de troca começou a opor os
habitantes de Tirei a grupos desta região (Kurema u e Huruna), recentemente atraídos
para as imediações do posto Homoxi. Esses conflitos acabaram causando uma morte
acidental durante um duelo ritual (fevereiro de 1996). Isso provocou a imediata entrada
em guerra do grupo de Tirei a fim de vingar a vítima. Um ciclo de incursões guerreiras
23
recíprocas seguiu-se até o final de 1999, causando a morte de uma dezena de pessoas de
ambos os lados.
36
Esse episódio teve grande influência sobre a vida dos habitantes de Tirei nos anos
que se seguiram à expulsão dos garimpeiros da região, condicionando a mobilidade do
grupo (longos períodos de nomadismo longe da sua habitação depois de cada incursão,
quando se evitava em suas caçadas e viagens uma série de zonas consideradas
perigosas), aumentando assim sua dependência alimentar do Posto Homoxi. O medo de
um ataque surpresa da parte de seus inimigos ainda se fazia sentir no momento da nossa
pesquisa de campo em abril de 2002.
DA CHEGADA DOS GARIMPEIROS NO ALTO MUCAJAÍ (1988) À ABERTURA DO POSTO HOMOXI
(1990)
Na chegada dos garimpeiros, o grupo de Tirei havia deixado desde algum tempo
suas antigas roças de Thoothothopi u a fim de se aproximar das margens do alto Mucajaí
(embocadura do Narahipi u), e de ter, assim, acesso aos recursos de um rio mais
importante. A região oferece também solos férteis e uma densa rede de igarapés
permeando uma floresta rica em caça. O sistema de uso do espaço vigente na época
correspondia ao modelo yanomami clássico (Albert e Gomez 1997, pp. 34-41). O grupo
dispunha, assim, de roças ao redor de sua casa principal e usava no dia-a-dia uma densa
rede de itinerários e sítios para caça, pesca e coleta. Por outro lado, longas temporadas
em acampamentos florestais (expedições coletivas de caça e de coleta), nas casas de
grupos aliados (festas e visitas) ou ainda em sítios de ocupação antiga, lhes davam
acesso a um importante suplemento de recursos alimentícios (caça, coleta e agricultura);
esta mobilidade atenuava, também, o processo de esgotamento dos recursos em volta da
aldeia, que, geralmente, acaba provocando uma nova migração.
Primeiros contatos
De acordo com os depoimentos recolhidos, os primeiros garimpeiros chegaram a
pé, até a casa de “Romão”, a mais próxima da margem do Mucajaí, rio ao longo do qual
36
A maioria dessas vítimas morreu de tiros de espingardas de caça obtidas junto aos garimpeiros. As guerras tradicionais, com arco e
flechas, eram, geralmente, bem menos mortíferas. Raptos de mulheres, furtos ou conflitos de troca nunca foram causa direta de uma
incursão guerreira entre os Yanomami. Tal incursão só pode ser motivada pela vingança de uma morte, muitas vezes da vítima de um
episodio guerreiro anterior. Todavia, um óbito na origem de um ciclo guerreiro pode ser igualmente atribuído a feiticeiros inimigos
(okapë) ou, então, ter sido causado acidentalmente durante um duelo ritual com borduna, geralmente organizado para resolver
conflitos menores entre aliados. Sobre o complexo sistema vindicativo (rituais funerários e guerreiros) que sustenta a guerra
yanomami ver Albert 1985, 1989 e 1990a.
24
eles procuravam novos sítios auríferos.
37
O sucesso da prospecção os levou a abrir no
local um primeiro garimpo; o material e os mantimentos necessários foram, nesse
estágio, lançados na floresta por aviões monomotores. Aos poucos, novos garimpeiros
começaram a afluir em maior número e começaram a abrir clareiras para trazer, de
helicóptero, moto-bombas e mangueiras. Então, dizem os Yanomami, “os chefes dos
garimpeiros foram até Boa Vista com o primeiro ouro do alto Mucajaí”. Pode-se supor
que os resultados dessa primeira prospecção foram bastante promissores, porque os
primeiros garimpeiros retiraram-se, temporariamente, a fim de planejar uma fase de
exploração em maior escala.
De fato, a etapa seguinte se deu com a abertura de várias pistas de pouso ao longo
do rio, primeiro “Baiano Formiga” e “Macarrão” destruindo uma boa parte das roças
do grupo de Tirei no baixo Narahipi u –, depois “Pau Grosso” (baixo Xere u) e
“Turquinho” (baixo Hokotomana u). Essa cronologia é em parte confirmada pelo livro
de G. MacMillan (1995) sobre a corrida do ouro de Roraima, em que se descreve em
detalhe a descoberta, na Páscoa de 1988, do primeiro sítio aurífero importante do alto
Mucajaí, a “Grota do Tarzã”, onde, só após alguns meses, já trabalhavam quatrocentos
garimpeiros (MacMillan, 1995, pp. 40-42). Em agosto do mesmo ano, foi aberta a pista
Chico Malária”, com um investimento de 40 quilos de ouro destinados ao pagamento de
vinte operários durante 45 dias. Essa pista, que recebia mais de trinta vôos diários, de
monomotores e helicópteros, serviu de trampolim para uma exploração sistemática da
região. Mas, antes mesmo que ela entrasse em função, a notícia da riqueza da “Grota do
Tarzã” já tinha provocado um intenso fluxo de garimpeiros rumo à bacia do alto Mucajaí
e a abertura rápida de vários outros garimpos importantes abastecidos por outras pistas
de pouso, como as da região analisada neste artigo: “Jeremias” ou “Pedro Jacarandá”
(MacMillan, 1995, p. 43), chegando a um conjunto de não menos de oito pistas de
garimpos abertas ao longo do alto Mucajaí, a partir de meados de 1988, numa faixa de
aproximadamente 20 quilômetros (figura 3). Os garimpos da região se desenvolveram,
assim, a partir dessa rede de pistas clandestinas situadas ao longo do rio principal: os
mecanizados, concentrando-se em torno das pistas, ao passo que os pequenos garimpos
manuais floresciam na floresta periférica, ao longo de afluentes menores do alto
Mucajaí.
Num primeiro momento, o grupo dos Tirei (como muitos outros grupos
yanomami isolados) acolheu os garimpeiros com entusiasmo, enganando-se acerca de
suas intenções e esperando manter com eles relações de coabitação pacífica, baseadas em
trocas proveitosas. Segundo eles: “nos faltou sabedoria nesse tempo, pensávamos que os
37
O primeiro acampamento garimpeiro da região tinha sido estabelecido perto do que será mais tarde a pista “Pau Grosso”.
25
garimpeiros eram verdadeiros estrangeiros (napëpë yai), visitantes amigos que
desejavam nos dar presentes”. A expressão “verdadeiros estrangeiros” se refere aqui a
um mito de origem relacionado aos brancos (napëpë: “estrangeiros, inimigos”), criados a
partir da espuma do sangue de ancestrais yanomami pelo demiurgo Omama. Do ponto de
vista do mito, os “verdadeiros estrangeiros”, no seu retorno, viriam com as mercadorias
dadas por seu criador e deviam mostrar-se generosos para com os Yanomami dos quais
são oriundos.39 Assim, os grupos do alto Mucajaí começaram a trocar a produção de suas
roças por roupas, redes, ferramentas, panelas de alumínio, espingardas e munição com a
vanguarda dos garimpeiros, sem perceber que a suposta generosidade desses brancos,
pouco numerosos ainda, era, sobretudo, destinada a comprar temporariamente a
segurança de sua presença.40 Logo em seguida, o aumento muito rápido do fluxo de
garimpeiros e a abertura de sucessivas pistas ao longo do alto Mucajaí produziram uma
invasão da região, maciça e, dessa vez, muito ameaçadora. Só restou então ao grupo dos
Tirei, rodeados pelos brancos, a se adaptarem a essa nova realidade, cercados no seu
próprio território.
Uma coabitação desigual
A pesar de tensões sociais recorrentes e da forte pressão sobre os recursos naturais
que exploravam tradicionalmente, os habitantes de Tirei esforçaram-se para modelar seu
uso do espaço e seu sistema produtivo à ocupação da região pelos garimpeiros. Eles
abandonaram, assim, suas casas ribeirinhas, para se realocarem no alto rio Narahipi u,
escapando dos transtornos trazidos pelo garimpo, porém mantendo com os invasores
ao preço de importantes desgastes sanitários e ecológicos intercâmbios regulares na
forma de pequenos serviços (transporte de água, lenha, trabalhos de cozinha) e de trocas
de produtos das roças ou da floresta (frutas, caça) contra mercadorias e, sobretudo,
alimentos industrializados (arroz, farinha de mandioca, sal, açúcar, enlatados, etc.).
Tal equilíbrio podia ser muito precário, incessantemente ameaçado pelo
crescimento do número de garimpeiros na região, pela propagação de doenças (malária,
gripe, etc.) e pelos crescentes conflitos sobre trocas. Só pôde se manter porque a
presença maciça dos garimpeiros durou menos de dois anos (meados de 1988 a janeiro
de 1990). Num prazo maior, o rápido adensamento dos garimpos ao longo do alto
Mucajaí teria inviabilizado totalmente as atividades produtivas indígenas na região, e as
doenças trazidas pelos garimpeiros teriam, aos poucos, exterminado toda a população
yanomami: a mortalidade média das comunidades em contato direto com os garimpeiros
durante os anos 1988 e 1989 foi estimada de 15% a 60%.41
26
Somente após a retirada dos garimpeiros pela Polícia Federal, em janeiro de 1990,
durante o auge da epidemia de malária na região, a comunidade dos Tirei deixaria o sitio
do Narahipi u, onde tinha se mantido desde meados de 1988. Porém, mesmo assim, o
grupo não se afastou da zona mais degradada dos garimpos ao longo do alto Mucajaí,
como o farão os habitantes de Xere u e Yaritha. O grupo dos Tirei escolheu, assim,
manter seu sistema de relações econômicas com os brancos desta vez as equipes de
assistência (Polícia Federal, Funai, FNS) substituindo os garimpeiros em vez de
procurar recompor seu sistema produtivo tradicional numa área de floresta intacta e
distante da zona de garimpagem. Assim, enquanto as doenças imobilizavam
constantemente o que sobrava de sua população ativa e os óbitos repetidos, sobretudo
dos mais velhos, desorganizavam a maior parte das atividades sociais e econômicas, os
Tirei desistiram de reconstruir sua comunidade longe dos brancos.
Os brancos mudam, o sistema de dependência prossegue...
Após a retirada dos garimpeiros,42 refugiados em habitações precárias
(construídas, em grande parte, com pedaços de lona de plástico retiradas dos
acampamentos de garimpo), o grupo de Tirei iniciou uma década de deslocamentos
sucessivos no rastro e na dependência das equipes de assistência instaladas na área
durante o processo de expulsão dos garimpeiros. Em janeiro de 1990, a comunidade
deixará definitivamente o Narahipi u para se aproximar, nos baixos rios Xere u e
Napëroi u, das instalações provisórias da Polícia Federal, Funai e FNS situadas perto da
pista “Baiano Formiga”. Logo em seguida, com o deslocamento dessas instalações para a
pista “Jeremias”, constituindo o novo Posto Homoxi, o grupo de Tirei, dividido em
várias casas, retomou sua migração atrás dos brancos. Separou-se dos habitantes de Xere
u e ocupou vários sítios sucessivos, primeiro ao longo do rio Apiahipi u e, em seguida,
na vizinhança imediata da pista do posto Homoxi, para, finalmente, reagrupar-se, em
2001, em uma única casa coletiva a menos de 100 metros do mesmo posto.
O grupo de Tirei chama os anos 1990 de o “tempo da Fundação” (hutasao tëhë),
em referência a FNS, ator principal da estrutura de assistência do Posto Homoxi na
época. De fato, foi aos funcionários locais dessa instituição sanitária que os Yanomami
dirigiram, durante esse período, não somente as suas demandas de assistência sanitária,
mas, também, seus constantes pedidos de ajuda alimentar e de bens manufaturados
(ferramentas, redes, roupas), transformando o posto de saúde de Homoxi, do ponto de
vista yanomami, no substituto de um acampamento de garimpeiros. Tal mal-entendido
engajará, pouco a pouco, o pessoal de saúde num sistema de relacionamento econômico
27
com os índios incompatível com suas funções e totalmente insustentável, uma vez que a
FNS mantinha, muitas vezes, seus funcionários num completo abandono. Durante quase
uma década o papel de substitutos econômicos dos garimpeiros à revelia das equipes de
campo da FNS provocou repetidos conflitos, culminando em pilhagens do posto de
saúde e ameaças de violência, cada vez mais acirrados pelo ressentimento dos índios
diante da ineficácia do controle da mortalidade durante a epidemia de malária do começo
dos anos 1990. Em 5 de agosto de 1999, o jornal do Posto Homoxi da FNS relatava o
seguinte: “Os índios deste posto estão armados e, ás vezes, ameaçam nossa equipe com
machados e espingardas depois que nós nos recusamos a lhes dar redes e comida”.
A partir de 2000, investimentos feitos por duas ONGs na região (URIHI, para a
saúde, e CCPY, para a educação e recuperação ambiental) produziram uma melhora
considerável da situação sanitária e social de Homoxi. A introdução de funções de
interesse coletivo retribuídas (agentes de saúde, professores e agentes florestais
indígenas) permitiu, assim, a instauração de um novo sistema de relações econômicas
dos Yanomami com as estrutura de assistência, abrindo caminho para uma saída do
modelo de dependência paternalista herdado do tempo dos “garimpeiros” (karipiri tëhë)
que o grupo de Tirei tendia a reproduzir com qualquer estabelecimento de brancos em
suas terras, seja de instituições públicas ou não-governamentais.43
IMPACTOS ECONÔMICOS E TERRITORIAIS DO GARIMPO E ESTRATÉGIAS DE ADAPTAÇÃO DO
GRUPO DE TIREI
Vimos que, após a expulsão dos garimpeiros, enquanto os grupos de Xereu e
Yaritha (ex-Wiramapi u) decidiram se afastar da zonas degradadas a fim de voltar a um
equilíbrio socioeconômico independente, num meio ambiente preservado, o grupo de
Tirei, socialmente mais afetado pelo tempo do garimpo, escolheu uma estratégia de
continuidade de suas relações econômicas com os brancos, tentando manter com os
membros da estrutura de assistência relações semelhantes às que mantinham com os
garimpeiros. Essa opção os levará a permanecer na área florestal mais degradada pelas
atividades garimpeiras, onde haviam sido obrigados a um rearranjo precário do seu
sistema produtivo tradicional diante de um contexto ambiental e econômico inédito e
particularmente nefasto.
Diminuição dos recursos agrícolas
28
O primeiro impacto das atividades dos garimpeiros sobre o espaço produtivo do
grupo de Tirei foi a destruição de suas roças pela abertura da pista “Macarrão”, no baixo
Narahipi u, e, em seguida, pela multiplicação dos caminhos, muito freqüentados, entre
os diversos garimpos no alto Mucajaí. A essas primeiras destruições veio se acrescentar
uma pressão crescente sobre os recursos agrícolas restantes, em razão dos furtos ou dos
pedidos de troca dos garimpeiros, e, finalmente, a desorganização dos trabalhos agrícolas
em função do agravamento da situação sanitária (malária e infecções respiratórias
atingiram proporções epidêmicas na época). Além disso, os garimpeiros, cada vez mais
numerosos, acabaram abrindo roças (bananeiras, mandioca) perto de seus
acampamentos. Essa acumulação de fatores adversos teve duas conseqüências para o
grupo de Tirei:
O abandono de suas casas coletivas situadas na área ribeirinha, submetida a
uma intensa exploração garimpeira (com o barulho incessante das moto-bombas e
das aterrissagens de aviões e de helicópteros), e uma retirada para habitações mais
distantes (rio acima dos pequenos tributários da margem esquerda do alto
Mucajaí).
Uma redução do tamanho de suas roças e o começo de uma crescente
dependência alimentar para com os garimpeiros, através de rotineiros pedidos de
alimentos ou de retribuição por meio de pequenos serviços subalternos (a mão-de-
obra yanomami era considerada inútil nos trabalhos de garimpagem).
A insuficiência da superfície das roças do grupo de Tirei em relação à sua
população (cerca de 4,5 hectares de plantações iniciados em 2002), sua tendência à
instabilidade residencial (viagem constante em casa de aliados ou em acampamentos
florestais), bem como sua propensão a reproduzir seu sistema de dependência alimentar
em relação ao posto de saúde, isso até a época do nosso estudo (abril de 2002), revelam a
grande dificuldade de emanciparem-se do modelo de sobrevivência adotado durante a
época do garimpo (1988-89).
O jornal do Posto Homoxi (FNS) os descrevia, assim, em janeiro de 1994: “um
grupo que praticamente cessou toda atividade agrícola e depende, para se alimentar, dos
pedidos à Funai e à FNS”. Em 1999, um médico da ONG URIHI referia-se ainda ao:
“[...] pedido constante de comida por parte dos Yanomami” e acrescentava que eles não
estavam mais ligados a um problema de desnutrição mas à persistência de “novos
hábitos alimentícios” oriundos das “distribuições de alimentos feitas pelos garimpeiros,
29
que utilizavam esse estratagema para conquistar a simpatia dos índios e a retribuição de
seus serviços nos garimpos” (Basta e Ramalho, 1999).
Perda dos recursos de pesca e caça
A garimpagem afetou profunda e permanentemente o curso superior do Mucajaí e
sua fauna aquática. O grupo de Tirei relata que, antigamente, o leito desse rio era bem
mais largo e inundava a floresta longe de suas margens durante o auge da estação das
chuvas (julho), durante a qual os peixes migravam para a floresta alagada à procura de
alimentos. Hoje, o curso do rio é estreito e pouco sinuoso, encaixado entre montículos de
cascalho extraídos dos garimpos. Suas margens foram desmatadas e devastadas pelo uso
constante de potentes moto-bombas. Elas são, assim, bordadas por inúmeras lagoas de
águas turvas cuja profundeza varia entre 2 ou 4 metros, vestígios das atividades de
garimpagem, que os Yanomami chamam de “buracos de ouro” (oru a pëkapë).
A rápida invasão da bacia do alto Mucajaí pelos garimpeiros teve também um
impacto extremamente negativo sobre a produtividade da caça yanomami. O grupo dos
Tirei teve de abdicar de toda atividade cinegética ao longo do Narahipi u e dos outros
igarapés vizinhos, espaço dos seus itinerários de caça diária, devido aos transtornos
ambientais acarretados pela presença garimpeira. A densidade da ocupação humana e o
barulho constante das bombas e dos movimentos aéreos espantaram pouco a pouco a
caça da zona ribeirinha. Além disso, os garimpeiros praticavam uma caça intensiva, com
espingarda ou com armadilhas, de dia e à noite, acabando rapidamente com a caça
restante, até nas zonas mais distantes.44 E, por fim, eles introduziram na região vários
animais domésticos (cachorros, gatos, patos, galinhas e porcos) cujas doenças
infecciosas tiveram provavelmente uma influência nefasta sobre a fauna local.45
Uma redistribuição do espaço produtivo
A partir da intensificação das atividades de garimpagem no seu território, os
Yanomami do alto Mucajaí começaram a distinguir dois tipos de espaço, opondo as
regiões degradas (ribeirinhas) a zonas intactas (terras altas): urihi wariopëha (“[área]
onde a floresta foi destruída”) e urihi totihiopëha (“[área] onde a floresta é bela”) ou
urihi temiopëha, (“[área] onde a floresta é sã”).
Para compensar a escassez de animais de caça na zona de garimpo e seus
arredores, o grupo de Tirei começou a intensificar o uso (normalmente esporádico) de
seus circuitos de caça e coleta à longa distancia,46 contornando os espaços de “floresta
30
destruída” para poder alcançar os longínquos espaços de “floresta ”, ainda ricos em
caça. Um primeiro circuito, “curto”, percorria a região do curso superior dos afluentes da
margem esquerda do alto Mucajaí rio abaixo da boca do Narahipi u, região
relativamente poupada das atividades garimpeiras. Dois outros circuitos “longos”
contornavam a zona dos garimpos do curso inferior dos afluentes da margem direita do
alto Mucajaí, na região das pistas “Baiano formiga” e “Pau grosso”. O primeiro circuito
(trajetória linear, três acampamentos) se dirigia para as altas terras do curso superior do
Xere u, o segundo (trajetória circular, seis acampamentos), cruzava o curso superior de
todos os afluentes da margem direita do alto Mucajaí do Xere u ao Toparu u.
Tal estratégia de adaptação da caça às limitações espaciais e ecológicas
decorrendo das atividades de garimpagem locais foi adotada por um período curto (cerca
de ano e meio, entre 1988 e 1990). Ela parece ter constituído para o grupo de Tirei um
compromisso bastante desconfortável, porém viável, sendo que eles tinham escolhido
ficar no mesmo sítio residencial na área de mineração, mantendo suas trocas com os
garimpeiros. Assim, a escolha estratégica do grupo foi, antes da catástrofe sanitária do
início do começo dos anos 1990, de apelar para um recurso tradicional da economia
yanomami o sistema de expedições coletivas à longa distância , adaptando-o para o
contexto particularmente atípico e adverso da invasão garimpeira. Sabe-se, assim, que as
comunidades yanomami isoladas recorriam substancialmente a esse sistema, passando
até 40% do ano em expedição de caça e de coleta na floresta longe de suas aldeias (Ver
Good, 1989, pp. 123-128; 165).
Uma dependência estratégica
A descrição do grupo de Tirei como um grupo desestruturado, leitmotiv dos
relatórios de saúde dos anos 1990, revela-se, portanto, por demais caricata. De fato, essa
imagem pejorativa ofusca os rearranjos socioeconômicos operados durante o tempo do
garimpo e, sobretudo, a necessidade do grupo em reproduzir dessa vez em relação a
estrutura assistencial o precário equilíbrio econômico que encontraram para resistirem
quando da presença maciça dos garimpeiros e que foi brutalmente destruído pela
expulsão repentina destes, em janeiro de 1990.
Em razão das restrições territoriais, ambientais e sanitárias impostas pela
atividade garimpeira ao desempenho do seu sistema produtivo tradicional, os bens
industriais (alimentos, manufaturados) adquiridos juntos aos brancos tinham se tornado,
para o grupo de Tirei, recursos econômicos fundamentais, tanto para complementar sua
dieta quanto para manter relações de aliança com seus vizinhos, refugiados fora da área
31
do garimpo, à hospitalidade dos quais teve que recorrer freqüentemente durante os anos
1990.
A intensa degradação do meio ambiente de sua área, documentada por nosso
estudo de 2002, bem como o ciclo guerreiro que os opunha a seus vizinhos do norte
(grupos de Korema u e Huruma), levam a pensar que a estratégia do grupo de Tirei foi
bastante pragmática em vista de sua situação no período e de suas limitadas
possibilidades de ação. Assim, se as restrições impostas às suas atividades cinegéticas
puderam ser em parte compensadas por uma redefinição espacial do seu modelo de uso
dos recursos, a quase inviabilidade de suas atividades agrícolas só pôde ser contornada
através de uma “dependência estratégica” dos acampamentos garimpeiros em relação a
recursos alimentares (arroz, farinha de mandioca, feijão, açúcar, sal, enlatados) e
manufaturados (ferramentas, panelas, roupas, redes, espingardas e munição); esses
últimos servindo também para negociar longas estadias de apoio nas aldeias de seus
aliados, em períodos de penúria alimentar ou de ameaça de guerra.
Nesse contexto, sem o perceber, os funcionários do Posto Homoxi não puderam
escapar totalmente ao papel que o grupo de Tirei queria lhes atribuir na sua tentativa de
reatualizar o sistema de dependência instituído desde a época do garimpo. Situação que
foi apontada em 1991, num relatório médico no qual se descrevia como o pessoal de
saúde local se esforçava em amenizar os conflitos com os índios para facilitar o seu
trabalho, privilegiando o grupo dos Tirei contra as outras comunidades, retribuindo seus
serviços com alimentos “de melhor qualidade e em maiores quantidades que os
fornecidos aos doentes” e estimulando-os a virem receber atendimentos de saúde no
posto, prometendo-lhes mais alimentos (Pellegrini e Braz, 1991).
O conjunto desses fatos deve nos levar, portanto, a rever a visão negativa
geralmente associada aos grupos yanomami ligados ao garimpo, e a reavaliar suas
estratégias de sobrevivência numa situação ambiental e econômica crítica, da qual não
podiam mais escapar, uma vez que a armadilha da invasão garimpeira se tinha fechado
sobre eles. É também nessa perspectiva que podemos melhor entender a justificação
dada pelo grupo de Tirei quanto a sua insistência surpreendente em permanecer a todo
custo no baixo Narahipi u, no epicentro da zona de garimpo, nos anos 1988-1989.
De acordo com depoimentos dos seus integrantes, o grupo encontrou-se
rapidamente cercado nesse sítio por milhares de garimpeiros ao mesmo tempo em que o
alto Mucajaí e todos os seus afluentes foram sistematicamente poluídos pela exploração
em grande escala de suas aluviões auríferas.47 O Narahipi u, que o grupo de Tirei
conseguiu, segundo seus termos, “defender” contra os estragos da atividade garimpeira,
se tornou, assim, um verdadeiro “santuário”,zona de residência e único rio “limpo” da
32
região. Portanto, foi a partir da preservação desse “santuário” - uma vez garantidos
recursos hídricos e aquáticos fundamentais (água potável, pesca e coleta de anfíbios e
crustáceos) - que os rearranjos territoriais e econômicos do grupo puderam ser
desenvolvidos e ter êxito.
Conclusão
A corrida do ouro que afetou o oeste de Roraima durante o fim dos anos 1980 pôs
brutalmente em contato numerosos grupos Yanomami que ainda viviam relativamente
isolados, com uma dinâmica econômica e social exógena extremamente agressiva.
Reeditou-se, assim, uma nova fase da clássica dinâmica de colonização interna que
marcou cinco séculos de história do Brasil, com seu lote de violências e, sobretudo, de
dizimação epidemiológica. Entretanto, fatores peculiares ao fim do século XX
impediram que a história se repetisse de forma idêntica, com o seu trágico e habitual
desfecho: extinção física e cultural.
No plano global, a atenção crescente dada à proteção do meio-ambiente e aos
direitos das minorias, tanto no Brasil quanto no mundo, permitiu conter a invasão do
território yanomami pelos garimpeiros e evitou que esta se transformasse em fato
consumado. De fato, após várias operações da Polícia Federal, e apesar da resistência de
alguns núcleos residuais, os garimpeiros foram expulsos da Terra Indígena Yanomami.
Além disso, um dispositivo local de assistência em saúde permitiu (em períodos com
mais ou menos eficácia) que esse povo indígena retomasse seu crescimento demográfico
e resgatasse seu dinamismo cultural. A trajetória dos Yanomami constitui, portanto, uma
exceção na história dos povos indígenas da Amazônia, sendo que, apesar de sua dolorosa
experiência nos anos 1970 (estrada Perimetral Norte) e 1980 (corrida do ouro de
Roraima), eles podem hoje gozar de uma era de trégua em relação à pressão da fronteira
econômica regional; período durante o qual, graças a diversos programas de educação e
capacitação interculturais, poderão desenvolver estratégias próprias de gerenciamento
das próximas fases de estreitamento do seu contato com os brancos.
No plano local, a situação observada em Homoxi mostrou a grande flexibilidade
do sistema produtivo e da capacidade sociedade yanomami em desenvolver adaptações
estratégicas rápidas diante das situações mais adversas. Assim, o grupo de Tirei
conseguiu manter-se enquanto comunidade e conservar o controle de seu território,
resistindo a catástrofes epidemiológica e ambiental acarretadas pela brutal invasão do
seu habitat por cerca de 7 mil garimpeiros durante alguns anos. Após a expulsão destes,
adaptou-se a implementação da estrutura assistencial das agências governamentais
33
(Funai/FNS) e não-governamentais (URIHI, CCPY), adquirindo uma posição dominante
em relação aos outros grupos da região em termo de acesso a bens de troca, atendimento
em saúde e educação intercultural. A fim de consolidar esses benefícios, o grupo
desenvolveu um novo uso de seu espaço baseado num sistema de múltiplas residências e
num rearranjo de traços fundamentais do seu sistema produtivo, tais como a distribuição
dos percursos cinegéticos ou o ritmo das migrações temporárias. Avaliar em que medida
essas estratégias de rearranjo socio-espacial são circunstanciais ou, então, anunciam uma
mudança de paradigma, compartilhada com outras comunidades yanomami em reação ao
contato, será o objeto de uma nova pesquisa, iniciada pela nossa equipe a partir dos
resultados apresentados neste trabalho.
34
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Book
An introduction to the Amazon gold rush Garimpagem in Maranhao Fofoca - the formation of garimpos the social structure of the gold rush economic life in the garimpo Serra Pelada - the gold rush on the national stage Garimpagem, formal mining and the state the implications of the gold rush.
Article
O texto analisa a política implementada pelo governo brasileiro dirigida para a Bacia Amazônica. São considerados dois aspectos: o diplomático e o militar. Ênfase no aspecto estratégico, com o Projeto Calha Norte, depois de 1985.