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Utilização de cactáceas por sertanejos baianos. Tipos conexivos para definir categorias utilitárias

Authors:

Abstract and Figures

(The use of Cactaceae by sertanejos in Bahia, Brazil. Connexive types to define utilitarian categories) –The use of cacti is one of the most important connections between humans and plants in the dryland region of Brazil, where they are used as food, medicines and in horticulture, amongst many other purposes. There is presently very little knowledge of this connection available in a systematic and synthetic form. Therefore, the present study aims to evaluate the literature by using a field study in five municipals in the state of Bahia: Valente, Queimadas, Santaluz, São Domingos and Canudos. Informal and semi-structured interviews were carried out with 32 local people. The interviews were tape-recorded and transcribed verbatim. The sample was defined after meeting the possible interviewees ad libitum, causing the increase of information to flow in a ‘snow-ball’ progression. This method allowed us to reach a level of exhaustive sampling through progressive inclusion of information. The cactus material collected was determined by specialists and deposited at HUEFS herbarium. The ten species identified as used locally by the ‘informants’ were determined as: Cereus jamacaru DC., Harrisia adscendens (Guerke) Britton & Rose, Melocactus salvadorensis Werdermann, Nopalea cochenillifera (L.) Salm-Dyck, Opuntia dillenii (Ker-Gawler) Haworth, Opuntia ficus-indica (L.) Miller Opuntia palmadora Britton & Rose, Pilosocereus catingicola (Guerke) Byles & Rowley, Pilosocereus gounellei (Weber) Byles & Rowley, Pilosocereus tuberculatus (Werdermann) Byles & Rowley. The analysis of the diverse uses allowed us to include them in eight of the connective types proposed by Marques: ludic, medical, mystic, economic, esthetic, domestic, erotic and trophic. The medical and trophic connections can be subdivided into direct and indirect sub-types. The use categories with largest number of species were trophic indirect [N= 10] and direct [N= 6], and medical direct [N= 7]. Connections with strong, permanent status were present [e.g. use as hedges - connection of domestic type; as ornamental plants - connection of esthetic type; commercialization - economic connection; ‘white sorcery’ - mystic type; as medicine - medical type] as weak, residual ones [domestic connection related to manufacture of doors, windows and other parts of the house]. Some of the data obtained through this research agree with information found in literature, however, many of the uses registered here are original, and point towards new perspectives for the evaluation of the adaptations of the rural population in the Brazilian dryland.
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Sitientibus Série Ciências Biológicas 6 (Etnobiologia): 3-12. 2006.
3
Utilização de cactáceas por sertanejos baianos. tipos conexivos para definir
categorias Utilitárias
Cássia TaTiana da s. andrade1, José Geraldo W. Marques1 & daniela C. Zappi2
1Lab. de Etnobiologia, Depto. de Ciências Biológicas, Universidade Estadual de Feira de Santana, Km 03, BR 116,
Campus Universitário, 44031-460, Feira de Santana, Bahia, Brasil
(ctandrade@gmail.com)
2Herbarium, RBG, Kew, TWP 3 AE, Richmond, Surrey, England
(Utilização de cactáceas por sertanejos baianos. Tipos conexivos para denir categorias utilitárias) –Dentre as co-
nexões seres humanos/vegetal no Semi-árido, destaca-se a conexão de múltiplo uso com cactáceas, incluindo-as como
recursos alimentares, medicinais, ornamentais etc. Não existindo conhecimento abrangente que esteja sinteticamente siste-
matizado, este trabalho teve por objetivo avaliar criticamente a literatura disponível, com base em um estudo etnobotânico
de campo realizado em cinco municípios do Semi-árido baiano: Valente, Queimadas, Santaluz, São Domingos e Canudos.
Foram feitas entrevistas informais e semi-estruturadas com 32 moradores locais. Seus depoimentos foram registrados em
verbatimad libitum que permitiram um acréscimo
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que permitiu aplicar o critério de exaustividade. O material botânico foi herborizado in loco
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têm utilização local: Cereus jamacaru DC., Harrisia adscendens (Guerke) Britton & Rose, Melocactus salvadorensis
Werdermann, Nopalea cochenillifera (L.) Salm-Dyck, Opuntia dillenii (Ker-Gawler) Haworth, Opuntia cus-indica (L.)
Miller, Opuntia palmadora Britton & Rose, Pilosocereus catingicola (Guerke) Byles & Rowley, Pilosocereus gounellei
(Weber) Byles & Rowley, Pilosocereus tuberculatus (Werdermann) Byles & Rowley. A análise das diversas utilizações
permitiu enquadrá-las em oito dos tipos conexivos propostos por Marques: lúdico, médico, místico, econômico, estético,
      
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forte (e.g., feitura de cercas vivas - conexão do tipo doméstico; ornamentação - conexão do tipo estético; comercialização
- conexão do tipo econômico; “simpatia” - conexão do tipo místico; preparo de remédios – conexão do tipo médico) quanto
com status de residuárias fracas (e.g., a conexão do tipo doméstico para feitura de portas, janelas, ripas e caibros). Embora
alguns dados obtidos estejam de acordo com o já relatado na literatura, muitos deles são originais, o que abre novas pers-
pectivas para uma avaliação adaptativa das populações rurais do Semi-árido.
Palavras-chaves: Cactos, etnobotânica ecológica, nordeste Semi-Árido.
(The use of Cactaceae by sertanejos in Bahia, Brazil. Connexive types to dene utilitarian categories) –The use of
cacti is one of the most important connections between humans and plants in the dryland region of Brazil, where they are
used as food, medicines and in horticulture, amongst many other purposes. There is presently very little knowledge of this
connection available in a systematic and synthetic form. Therefore, the present study aims to evaluate the literature by using

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ad libitum, causing the increase of information
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inclusion of information. The cactus material collected was determined by specialists and detosited at HUEFS herbarium.
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dens (Guerke) Britton & Rose, Melocactus salvadorensis Werdermann, Nopalea cochenillifera (L.) Salm-Dyck, Opuntia
dillenii (Ker-Gawler) Haworth, Opuntia cus-indica (L.) Miller Opuntia palmadora Britton & Rose, Pilosocereus catingi-
cola (Guerke) Byles & Rowley, Pilosocereus gounellei (Weber) Byles & Rowley, Pilosocereus tuberculatus (Werdermann)
Byles & Rowley. The analysis of the diverse uses allowed us to include them in eight of the connective types proposed by
Marques: ludic, medical, mystic, economic, esthetic, domestic, erotic and trophic. The medical and trophic connections can
be subdivided into direct and indirect sub-types. The use categories with largest number of species were trophic indirect

hedges - connection of domestic type; as ornamental plants - connection of esthetic type; commercialization - economic
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information found in literature, however, many of the uses registered here are original, and point towards new perspectives
for the evaluation of the adaptations of the rural population in the Brazilian dryland.
Key words: Cacti, ecological ethnobotany, dryland (Brazilian Northeast).
[Vol. 64 siTienTibus série CiênCias biolóGiCas
introdUção
“A palma, pra mim, tem muita serventia. Serve pra vender
pros outros, serve pra comer e pra remédio”
(M.S., sertaneja de Lagoa Coberta, São Domingos, BA).
Os seres humanos convivem naturalmente com os
recursos vegetais, explorando suas potencialidades para sa-
tisfazer suas necessidades, seja na alimentação, na medici-
na, na construção etc.
Marques (1995) inclui os seres humanos em um
foco de conexões que se expandem, dentre elas a conexão
Homem/vegetal. Esta abordagem, denominada de “etnoe-
cologia abrangente”, enfoca as interações entre a humani-
dade e o resto da ecosfera através da busca da compreensão
de sentimentos, comportamentos, crenças e conhecimentos
a respeito da natureza. Através dela, é possível propor uma
tipologia conexiva entre os seres humanos e os componen-
tes botânicos. Nesta, os tipos conexivos incluem, dentre ou-

(direto e indireto), místico, econômico, estético e erótico.
Essa tipologia de base comportamental pode estar relacio-
nada com o “jogo de sobrevivência” cultural ou biológico
da comunidade.
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Homem, as cactáceas, segundo Mendes   -
cursos vivos da região explorados pela população rural do
semi-árido para suprir as suas necessidades de alimentação,
vestimenta, medicamentos, energia e habitação.
Os múltiplos usos das cactáceas são destacados nos
trabalhos de alguns autores: silva (1984), bandeira (1993),
aGra (1996), MoTa (1997), CosTa-neTo & Moraes (2000),
Tourinho (2000) e andrade et al. (2001) citam o uso de cac-
tos como remédios; braGa (1976), GoMes (1977) e pedrosa
(2000) citam o uso na alimentação humana; braGa (1976),
GoMes (1977), duque (1980), liMa (1996) e Mendes
citam o uso na alimentação de animais; andrade-liMa
(1989), liMa (1996) e riZZini & CoiMbra (1988) citam os
cactos como ornamentação de praças e jardins.
Outras funções dos cactos como plantas utilitá-
rias são mencionadas nos trabalhos de: oudshoorn (1975),
andrade-liMa (1989), CruZ (1982) e barros (1985),
como cercas vivas; feitura de portas, janelas, ripas e cai-
bros (braGa, 1976; liMa, 1996); enchimentos de selas e
almofadas (andrade-liMa, 1989; seraine, 1983); pintura
de casas (quirós, 1985).
A interação do Homem sertanejo baiano com as
cactáceas não é apresentada na literatura de uma forma
abrangente, sintética e sistematizada. Por outro lado, os
etnoecólogos/etnobotânicos, trabalhando com abordagens
utilitárias, enfrentam um grande dilema ao tentar distribuir
as espécies por categorias de utilização: se usam uma abor-
dagem êmica (categorização emergente da interação com
os informantes), as categorias podem atingir um número
alto, tornando difícil a sua análise; se utilizam uma aborda-

resultar uma incômoda categoria denominada “outros”, que
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a contextualização cultural e não apresenta consenso entre
autores diversos.
Com o objetivo de minimizar este último incon-
veniente, andrade et al. (2001) utilizaram a tipologia pro-
posta por Marques
analíticos na abordagem por ele denominada “Etnoecologia
Abrangente”. Tal tipologia busca abranger o maior número
das possíveis interações seres humanos/plantas e unifor-
mizar a terminologia empregada. Este trabalho segue esta
via, aprofundando-a com vistas à sistematização do co-
nhecimento sobre a conexão Homem/Cactaceae na região
Nordeste do estado da Bahia.
Metodologia
Foi realizado trabalho de campo no período de
  
foram coletados através de entrevistas informais, com o
objetivo de estabelecer um rapport
o pesquisador e o informante) com os informantes e, em
seguida, através de entrevistas semi-estruturadas, que se-
gundo alexiades (1996), são entrevistas sem roteiro, mas
onde o contexto de entrevista existe e a pessoa está infor-
mada disto.
As pesquisas incluíram um total de 40 entrevistas
com 32 pessoas, em cinco municípios do semi-árido baiano:
Valente, Queimadas, São Domingos, Santaluz e Canudos.
Nestes locais foram amostrados cinco pontos, respectiva-
mente: Algodões, Pedra Vermelha, Lagoa Coberta, Rua da
Palha e Reserva Biológica de Canudos.
-
cas (com auxílio de um microgravador) e/ou anotados em
verbatim (li-
teral) e foram depositadas no Laboratório de Etnobiologia
da UEFS.
ad libi-
tum que permitiram um acréscimo por progressão em “bola
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base no efeito de uma inclusão progressiva que permitiu
aplicar o critério de exaustividade.
No critério de amostragem ad libitum, a inclusão
progressiva dá-se a partir de um primeiro informante en-
contrado “ao acaso” e amplia-se a partir de novos infor-
mantes. Na técnica de “bola de neve” (silvano, 2001), a
ampliação dá-se a partir de um informante encontrado ad
libitum ou de um informante culturalmente competente já
detectado, que recomenda outro com competência, repetin-
do-se o processo a partir dos novos incluídos.
Foi feita uma análise de cognição comparada, de
acordo com técnica desenvolvida por Marques (1995),
a qual consiste na geração de uma “tabela” que compara
fragmentos do corpus dos entrevistados com fragmentos do
corpus 
ou divergências. Segundo Toledo, (1992), corpus é o com-
pleto repertório de símbolos, conceitos e concepções em
relação à natureza.
5
andrade et al. – uso de CaCTáCeas no serTão baiano
Foi utilizada a técnica de “aprendizado vivencia-
do” (andrade, 1983), que consiste em uma participação
ativa pelo pesquisador nas atividades do pesquisado, atra-
vés de observações diretas e vivências em seus contextos
de atividades rotineiras.
Os espécimes coletados foram herborizados em
campo e encaminhados para o Herbário da Universidade
Estadual de Feira de Santana (HUEFS). O material botâni-
co coletado foi fotografado, digitalizado e posteriormente
      
KEW. Em seguida, as cactáceas foram relacionadas com as
-
do os indivíduos entrevistados.
 -
mentar o ambiente e as interações etnobotânicas, com isto
-
sual (harper, 2000).
resUltados e discUssão
    -
cies, as quais, segundo os informantes, têm utilização local:
mandacaru-de boi (Cereus jamacaru DC.), rabo-de-raposa
(Harrisia adscendens (Guerke) Britton & Rose), cabeça-
de-frade (Melocactus zehntneri Britton & Rose), palma-
de-engorda (Nopalea cochenillifera (L.) Salm-Dyck.), pal-
ma-de-espinho (Opuntia dillenii (Ker-Gawler) Haworth),
palma-de-gado (Opuntia cus-indica (L.) Miller), pal-
matória (Opuntia palmadora Britton & Rose), mandaca-
ru-de-facho (Pilosocereus catingicola (Guerke) Byles &
Rowley), xique-xique (Pilosocereus gounellei (Weber)
Byles & Rowley) e caxacubrir (Pilosocereus tuberculatus
(Werdermann) Byles & Rowley).
A análise das diversas utilizações permitiu enqua-
drá-las em oito dos tipos conexivos propostos por Marques:
-
-
co são enquadráveis nos subtipos direto e indireto, os quais
se referem, respectivamente, à utilização direta pelos seres
humanos (e.g., medicinal e alimentação) e ao fornecimento
aos animais (e.g., etnoveterinária e forragem).
Das espécies coletadas, segundo informantes, seis
 
em humanos (tipo conexivo médico direto): mandacaru-
de-boi, palma-de-gado, xique-xique, palmatória, rabo-de-
raposa e cabeça-de-frade. Exemplos de citações a esse res-
peito são os seguintes:
A raiz da palmatória serve pra quentura na uretra
(D.D., 21 anos).
A raiz do mandacaru é boa pra gripe, cozinha e bebe o
chá (Z.E., 62 anos).
As cactáceas têm sido utilizadas amplamente na
medicina tradicional por curandeiros mexicanos como
analgésicos, antibióticos, diuréticos e para problemas in-
testinais (hollis & sCheinvar, 1995). No Brasil, o uso et-
nomédico de cactáceas é registrado nos trabalhos de silva
(1984), bandeira (1993), aGra (1996), MoTa (1997),
CosTa-neTo & Moraes (2000), Tourinho (2000) e andrade
et al. (2001).
Fig. 1. Utilização de espécies de cactáceas de acordo com os tipos conexi-
vos detectados em cinco municípios do semi-árido baiano.
Mandacaru-de-boi (C. jamacaru)
Palma-de-gado (O. cus-indica)
Cabeça-de-frade (M. zehntneri)
Xique-xique (P. gounellei)
Mandacaru-de-facho (P. catingicola)
Rabo-de-raposa (H. adscendens)
Mandacaru-de-boi (C. jamacaru)
Palma-de-gado (O. cus-indica)
Cabeça-de-frade (M. zehntneri)
Xique-xique (P. gounellei)
Mandacaru-de-facho (P. catingicola)
Rabo-de-raposa (H. adscendens)
Palma-de-engorda (N. cochenillifera)
Palma-de-espinho (O. dillenii)
Caxacubrir (P. tuberculatus)
Palmatória (O. palmadora)
Mandacaru-de-boi (C. jamanaru)
Palma-de-gado (O. cus-indica)
Cabeça-de-frade (M. zehntneri)
Xique-xique (P. gounellei)
Rabo-de-raposa (H. adscendens)
Cabeça-de-frade (M. zehntneri)
Mandacaru-de-boi (C. jamacaru)
Palma-de-gado (O. cus-indica)
Palma-de-gado (O. cus-indica)
Mandacaru-de-boi (C. jamacaru)
Mandacaru-de-facho (P. catingicola)
Palma-de-gado (O. cus-indica)
Cabeça-de-frade (M. zehntneri)
Palma-de-gado (O. cus-indica)
Mandacaru-de-boi (C. jamacaru)
Mandacaru-de-boi (C. jamacaru)
Palma-de-gado (O. cus-indica)
Cabeça-de-frade (M. zehntneri)
Rabo-de-raposa (H. adscends)
Xique-xique (P. gounellei)
Palmatória (O. palmadora)
Palma-de-gado (O. cus-indica)
Mandacaru-de-boi (C. jamacaru)

Direto








Direto

[Vol. 66 siTienTibus série CiênCias biolóGiCas
Foram mencionados 21 problemas de saúde, que
      
-
riga, rendidura, engasgado, ressecamento, dor na coluna,
       
cólica, problema no intestino, doença do tempo, problema
de “prótese” (próstata?), dor de dente, “barriga inchada” e
“desinteria”.
Com aplicação etnoveterinária (tipo conexivo mé-
dico indireto-
caru-de-boi e palma-de-gado. Um exemplo de citação de
informante é o seguinte:
O espinho do mandacaru serve pra costurar parto de
gado. Põe eles cruzado. Com o tempo cai  
anos).
O tipo conexivo tróco direto diz respeito à utili-
zação de plantas na alimentação humana. Foram citados os
seguintes cactos: palma-de-gado, mandacaru-de-boi, rabo-
de-raposa, cabeça-de-frade, xique-xique e mandacaru-
de-facho. Destes, tanto frutos (Fig. 2) como outras partes
vegetais são comestíveis, como, por exemplo, a medula e
o miolo” (parênquima aqüífero). Sobre o seu uso, infor-
mantes disseram:
O doce da cabeça-de-frade é a melhor coisa do mundo

A fruta da palma dá pra fazer um suco maravilhoso
(D.L., 29 anos).
Alguns autores citam os frutos de algumas cactá-
ceas como comestíveis (Jensen, 1975; oudshoorn, 1975;
braGa, 1976; GoMes, 1977). Segundo depoimentos de in-
formantes os frutos da cabeça-de-frade, de rabo-de-raposa
e de xique-xique são os menos consumidos pelos sertane-
jos, por não serem tão saborosos como os frutos da palma
e do mandacaru.
Considerado como prato típico na região da
Chapada Diamantina, o “cortadinho de palma” está entre as
comidas típicas mais apreciadas pelos moradores e turistas
da região. É considerado um prato trivial e indispensável
acompanhamento para o feijão com arroz, servido quase
todos os dias na mesa dos moradores de Rio de Contas.
A receita é descrita por um informante local da seguinte
forma: pega os brotos, tira os espinhos, corta em pedaços
pequenos. Tira a baba com vinagre ou limão e põe para
ferventar. Em seguida escorre a palma e mistura com o
tempero: sal, óleo, alho, cebola, cominho, bacon ou touci-
nho, salsa e coentro. Cozinha durante 15 minutos. Do pon-
to de vista transcultural, é interessante o fato de que esse
cortadinho de palma seja conhecido pelos mexicanos por
“nopalitos”, brotos de palma jovens, descascados e corta-
dos, depois cozidos.
Foi relatado que moradores de Valente e São
Domingos utilizam a palma-de-gado na forma de saladas
e sucos. Embora a palma seja um importante recurso ali-
mentar em alguns locais, nos municípios de Queimadas e
Santaluz somente em ocasiões de extrema seca é conside-
rada útil como alimento. Segundo depoimentos, a palma
é usada na alimentação do sertanejo quando os artículos
estão jovens e desprovidos de espinhos:
A palma presta pra comer bem novinha  
anos).
A palma pra comer tem que tá com uma folha bem novi-
nha (M.S.,64 anos).
Fig. 2 . Frutos comestíveis de cactáceas: A) fruto do mandacaru-de-boi
(C. jamacaru); B) fruto do rabo-de-raposa (H. adscendens); C) fruto do
xique-xique (P. gounellei). Fotos de Wagner Guerreiro.
No município de Valente, o doce da cabeça-de-fra-
de é conhecido como “jega”, sendo muito apreciado por
moradores da região (Fig. 3). Esta informação encontra res-
sonância em pedrosa (2000), que cita a polpa da coroa-de-
frade (Melocactus sp.) como sendo utilizada na culinária
alagoana para fazer cocadas, doces e licores.
O tipo conexivo tróco indireto refere-se, no caso
 -
-
tória, palma-de-gado, mandacaru-de-boi, rabo-de-raposa,
palma-de-engorda, cabeça-de-frade, xique-xique, manda-
andrade et al. – uso de CaCTáCeas no serTão baiano

seguinte:
Em tempo de seca, bota fogo nos espinhos do xique-xi-
que e palmatória pra dá pros bichos ( M.S., 64 anos).
A palma e o mandacaru é uma boa ração pro gado
.
Fig. 3. Doce feito a partir do “miolo” da cabeça-de-frade (Melocactus sp.).
Foto de W. Guerreiro.
-
ram a utilização de cactáceas como forrageiras na região
do semi-árido nordestino: braGa (1976), GoMes (1977),
duque (1980), liMa (1996) e Mendes (1997). Este último
autor cita cactáceas nativas, como mandacaru (C. jamaca-
ru), coroa-de-frade (segundo ele, M. bahiensis), facheiro
(segundo ele, P. piauhiensis) e o xique-xique (P. gounel-
lei), como fornecidos ao gado por ocasião das secas, após a
queima dos seus espinhos, o que, pelo menos parcialmente,

Em época de estiagem, descasca a cabeça-de-frade e
pros bichos. A palma serve de ração pra bicho em
tempo de verão. Em tempo de chuva usa capim (L.V.,
42 anos).
Quando os animais tá com fome, bota fogo na palmató-
ria, esfria e eles comem
Um morador da Rua da Palha, em Santaluz, relatou
que, depois da coleta da palma, do mandacaru, do xique-xi-
que ou da palmatória, queimam-se os espinhos, corta-se o
cladódio em pedaços e depois coloca-se numa vasilha ou
“colcho” grande de madeira “para que o animal não pegue
doença”. Segundo um outro informante, a utilização atual
de um maçarico facilita a prática da queima dos espinhos.
Dos cactos utilizados como forrageiros, a pal-
ma-de-gado foi a mais citada pelos informantes. Segundo
Mendes (1986), a palma forrageira, embora seja pobre em
proteínas, constitui planta de grande importância, com ele-
vados teores de vitaminas e sais minerais. Segundo ele, as
“raquetes” picadas são de boa palatibilidade e ótima diges-

para saciar a sede dos animais.
A palma (O. cus-indica) combinada com pasto e
torta deixa o gado mais gordo, aumentando a produção do
leite (duque, 1980). Um morador do município de Valente
disse que a palma complementada com o milho sustenta a
criação de bezerros durante o ano todo.
A palma-de-engorda, também chamada localmen-
te de palma-doce, é considerada boa forragem pelos serta-
nejos:
A palma-de-engorda é a melhor ração pro gado. O gado
gosta mais dela porque ela é mais doce (V.V., 29 anos).
Os bicho gosta da palma-doce: tem uma fruta e or ver-
melha (Z.E., 62 anos).
Também denominada por Mendes (1986) como
palma-miúda e palma-pequena, esta espécie é por ele con-
siderada a mais palatável e a de maior valor nutritivo dentre
as cactáceas cultivadas no Nordeste.
O tipo conexivo lúdico
se a cactos utilizados em brincadeiras. Crianças ou adultos
relataram que utilizam ou utilizaram os frutos da cabeça-
de-frade, da palma-de-gado e do mandacaru cortados em
pequenos pedaços para serem “comidas” de bonecos:
As menina daqui de casa quando eram pequena brincava
com as frutinhas da cabeça-de-frade 
Eu já brinquei muito quando era pequeno com a palma
e mandacaru, cortava e dizia que era carne (D.D., 21
anos).
O tipo conexivo estético    
-
teve representado em relatos que citaram a decoração das
casas em épocas natalinas, nas “lapinhas” (presépios), com
as etnoespécies: cabeça-de-frade, palma-de-gado, manda-
caru-de-boi, xique-xique e rabo-de-raposa:
Em tempo de lapinha, usa a croa-de-frade e o xique-
xique pra enfeitar a casa 
Pra enfeitar dentro de casa a cabeça-de-frade é boa.
Bota no caqueiro, ca bem bonito (J.Z., 30 anos).
Plantadas em jarros ou no chão, a cabeça-de-fra-
de (Melocactus sp.) e o xique-xique (P. gounellei) têm uso
registrado como ornamentais por moradores das caatingas
(andrade-liMa, 1989). liMa (1996) citou duas espécies de
cactáceas que, além do uso forrageiro, seriam empregadas na
ornamentação de avenidas, ruas, parques e jardins: C. jama-
caru (mandacaru-de-boi), P. pachycladus (facheiro), o que
está de acordo com riZZini & CoiMbra (1988) quando dizem
que vários cactos são considerados ornamentais, ora pela co-
loração da epiderme da planta, ora pelo exótico das formas.
Com relação ao tipo conexivo econômico (no caso
     -
 O. cus-indica (palma-de-gado) e C. jamacaru
(mandacaru-de-boi). O sertanejo vende a palma e o man-
dacaru como forragem em tempo de seca para as roças de
fazendeiros da região. Alguns depoimentos sobre a comer-
cialização dessas plantas foram registrados nos municípios
de Santaluz e Valente.
[Vol. 68 siTienTibus série CiênCias biolóGiCas
Quem não tem palma, compra (J.T., 40 anos).
A fruta do mandacaru é boa. É um real a dúzia. Vende
muito
O povo costuma vender a palma e o mandacaru pra
quem não tem ração pra dá pro gado (R.O., 62 anos).
Os frutos da palma-de-gado e do mandacaru-de-
boi são vendidos nas feiras livres na Rua da Palha no mu-
nicípio de Santaluz.
Foi relatado um uso da cabeça-de-frade, que apa-
rentemente situa-se em uma interface entre o tipo conexivo
médico e o tipo conexivo místico (atribuição à sobrenatu-
ralidade). No município de Valente, uma moradora disse
que:
Coloca a cabeça-de-frade dentro de um prato, enche de
água, bota três dentes de alho...essa simpatia é boa pra
doença do tempo 
hollis & sCheinvar (1995) descreveram os usos
das cactáceas na magia, destacando um ritual realizado por
indígenas mexicanos que bebiam um chá feito da raiz do
peyote (Lophophora williamsii 
corpo e a alma, além de curar enfermidades. Os “peyotei-
ros” reúnem-se celebrando uma festa oferecendo a bebida
aos deuses até o amanhecer. Rituais, superstições ou simpa-
tias são práticas associadas ao sobrenatural (araúJo, 1959).
  
para prevenção de males. Outros rituais que envolvem cac-
táceas são destacados nos trabalhos de durrel (1988) e
Torres (1984). O primeiro autor, relata o uso de doze pro-
dutos diferentes a partir do cacto gigante saguaro do deserto
de Sonora (Sudoeste dos USA) pelos índios Papago. Dentre
eles, o de um vinho que é empregado em um ritual para
provocar chuva. O segundo autor conta várias histórias de

Kariri. Dentre elas a lenda de Pissorê, um cacique que pro-
tegia a cidade de Palmeira dos Índios (AL), que desta, conta
o seguinte: Quando Pissorê desapareceu, houve um clamor
geral. Uns diziam que o grande chefe havia morrido, outros
não...vários índios e índias saíram à sua procura. Nesta ca-
ravana de aição, as mulheres quando se sentiam cansadas,
desciam os lhos que traziam escrachados aos quadris so-
bre as pedras para repousarem um pouco. Ao ser colocada
sobre a pedra, toda criança se transformava numa planta
redonda e cheia de espinhos, conhecida hoje pelo nome de
coroa de frade (grifo do autor) (Torres, 1984).
O tipo conexivo erótico, que se relaciona ao uso
sexual das plantas pelos seres humanos com o objetivo de
lidar com a sua sexualidade, evidenciou-se no depoimento
de uma moradora da comunidade de Lagoa Coberta, muni-
cípio de São Domingos, que relatou, de maneira “secreta”

a ouvissem, o uso sexual com a palma-de-gado.
Aqui perto tinha um seres humanos que pegava a palma
e fazia de mulhé no mato. Ele fazia um buraco. Várias
pessoas viu ele fazendo isso no meio do mato. Ele já foi
embora daqui. Era home casado, tinha lha e tudo, não
sei poque ele fez isso 
Tal depoimento é coincidente com idêntico uso que
se faz no Semi-árido alagoano (eduardo Gaia, com.pess.).
Existem plantas consideradas eróticas que indu-
zem à afrodisia e ao aumento de libido (sanGirardi, 1981).
Este autor descreve 150 plantas usadas no tratamento de
problemas sexuais, dentre eles, a impotência. Apesar desse
grande número de vegetais citados como ligados ao erotis-
mo, nenhum dos exemplos trata de espécies da família das
cactáceas.
A utilização de plantas na feitura de casas (e.g.,
-
xador de pinturas) é uma característica do tipo conexivo
doméstico

de-gado, mandacaru-de-boi e mandacaru-de-facho.
O uso do tronco (medula lenhosa) dos útlimos foi
relatado pelos informantes para a feitura de portas, janelas,
caibros e ripas:
O mandacaru-de-facho serve pra fazer ripa de casa, o
mandacaru-de-boi serve pra fazer caibo, o mandacaru-
de-facho serve pra madeira de vários tamanhos pra co-
bertura de casa. Dura 20 ou 30 anos 
O facheiro não dá táboa, dá só pra fazer ripa de casa,
porque ele é no, o mandacaru-de-boi serve pra fazer
caibo, porta e janela porque dá uma madeira larga
(V.Z., 62 anos).
Segundo entrevistados, o mandacaru-de-facho, tam-
bém chamado de facheiro e de mandacaru-babão, fornece

casas na região ainda mantêm a madeira dessa planta como ri-
pas. Os ramos longos e descascados do facheiro (Pilosocereus
pachycladus Ritter) são citados em liMa (1996) como sendo
úteis para fazer ripas de cobertura de casas.
Do tronco do mandacaru-de-boi é retirada uma ma-
deira mais leve e com uma maior largura para fazer caibros,
portas e janelas (Fig. 4), uso este corroborado pelo trabalho
de braGa    
largura são retiradas do tronco do mandacaru-de-boi para
confeccionar portas e janelas.Quanto ao uso atual, alguns
moradores dizem que não mais o fazem, pela facilidade de
adquirir a madeira diretamente das serrarias. Uma morado-
ra da comunidade de Lagoa Coberta, São Domingos, disse
que a sua residência tem ripas de mandacaru há 50 anos e
que elas são muito mais resistentes que as ripas atualmente
feitas de outras madeiras. andrade-liMa (1989) menciona
que a madeira do mandacaru tem longa duração quando não
está em contato com os agentes decompositores do solo.
O fato de ter encontrado poucas casas com ele-
mentos fabricados com a madeira extraída de cactáceas
mostra fortes sinais de evanescência deste uso na região.
Recentemente, foi trazida para o município de Valente e
difundida em outras áreas da região a pintura de casas com
a mucilagem da palma associada à cal (Fig. 5), uma téc-
9
andrade et al. – uso de CaCTáCeas no serTão baiano
nica oriunda do México e introduzida por agrônomos da
APAEB (Associação de Pequenos Agricultores do Estado
da Bahia). Segundo um técnico agrícola desta organização
não governamental, tal alternativa socioeconômica bene-
      
na prevenção de doenças. A técnica consiste no seguinte:
15 litros de água para cada artículo da palma, que é posto
de molho por 24 horas; posteriormente, coa-se a solução e
mistura-se com a cal, resultando em um líquido pegajoso
semelhante a tinta comum.
Fig. 4. Porta feita da madeira extraída do mandacaru-de-boi (Cereus ja-
macaru) em uma residência do município de Canudos, BA. Foto de W.
Guerreiro.
Os sertanejos logo aprovaram a técnica, já que cul-
tivam a planta na própria roça. A mucilagem da palma, nes-

se o processo de pintura mais resistente e barato que a tinta
comercial. Supõe-se que a qualidade de vida dos moradores
da região possa ter melhorado, pois a técnica previne que
insetos como o barbeiro (Triatoma sp.) venham a se alojar
nas frestas das casas de taipa.
quirós (1985) diz que este tipo de “caiação” é
muito bom para estábulos e galinheiros porque é germici-
da e tapa possíveis esconderijos de pequenos insetos. Este
autor diz que esta técnica considerada como uma imperme-
abilização natural é preparada da seguinte maneira: utiliza-
se um saco de cal para cada 100 litros de água, fazendo-se
uma mistura à qual se incorporam 20 “pencas” de palma de
tamanho regular devidamente picadas, descascadas e sem
espinhos. Esta mistura deve repousar durante 24 horas. No
dia seguinte, a preparação está adequada para ser aplicada
sobre os muros de terra compactada, proporcionando um
branco intenso, altamente impermeável. Segundo adaMs
(2001), as moléculas da mucilagem da palma (O. cus-in-
dica) formam uma película sobre a cal impedindo a passa-
gem das moléculas de água.
Um tipo conexivo interessante que ocorre no
Semi-árido baiano (e.g
com. pess.), e que não apareceu nos depoimentos da região
tratada neste trabalho, é o tipo conexivo energético que se
estabelece com o mandacaru-facheiro (provavelmente uma
espécie de Pilosocereus, como o P. catingicola): a extremi-

por exposição ao sol – é utilizada para a queima de pastos.
Talvez seja este uso o responsável pelo nome vernáculo do
cacto: “facheiro” ou “de facho”.
Poucos outros usos não se enquadraram na tipolo-
gia proposta por Marques (1993). Tais usos foram os se-
guintes: construções de cercas vivas com o mandacaru-de-
facho, mandacaru-de-boi e palma-de-espinho; enchimento
de selas com tricomas lanosos da cabeça-de-frade; feitu-
ra de gaiola de passarinho e “caneta de cachimbo” com o
rabo-de-raposa; tecedura de “aió” (cesta) com o espinho do
mandacaru-de-boi.
Encontram-se pelas estradas da zona rural dos mu-
nicípios de Santaluz, São Domingos e Valente muitas cercas
feitas de mandacarus, cercando casas e fazendas da região.
Segundo um morador do município de Queimadas, essas
planta de espinho”, quando plantadas ao lado da cerca e
       -
cientes para que nenhum animal passe por ela. A cerca viva,
além de ser um instrumento de delimitação de espaço, serve
como barreira natural. A esse respeito, um informante disse:
A palma-de-espinho serve de cerca pra que bicho ne-
nhum passe. Isso faz porque aqui a madeira é difícil de
conseguir (L.V., 42 anos).
Segundo andrade-liMa (1989), nas caatingas
baianas, o quiabento (Pereskia bahiensis Guerke), por sua
armadura altamente agressiva, associada ao emaranhado
de seus ramos, presta-se para a construção de cercas vivas.
O trabalho de barros (1985) sobre as cercas sertanejas da
-
do como sua utilização. Dentre as variedades dos tipos de
cercas encontradas no sertão baiano, a palma-de-espinho, o
mandacaru-de-boi e o mandacaru-de-facho são utilizados
como cercas vivas, demarcando territórios entre as pro-
priedades. Adicionalmente, Taylor (2000) cita o uso dos
gêneros Brasiliopuntia e Pereskia no Brasil Oriental. CruZ
(1982) cita o mandacaru (C. peruvianus Mill., sic.) na for-
mação de cerca de espinho.
O enchimento de selas feito com os tricomas lano-
sos do cefálio da cabeça-de-frade (Melocactus sp.) foi re-

de vaqueiros e agricultores da região:
A lã do chapéu da cabeça-de-frade serve pra encheio de
sela, cangalha e almofada (V.V., 29 anos).
Tira a lã da cabeça-de-frade bota num saco, deixa secar
bem pra tirar os espinho pra labutar melhor pra encher
cangalha 
Em algumas áreas das caatingas o cefálio de cac-
tácea do gênero Melocactus foi citado para encher almo-
fadas e cangalhas, especialmente aquelas para jumentos
(andrade-liMa, 1989). Para fazer a “caneta de cachimbo”,
um informante disse o seguinte:
[Vol. 610 siTienTibus série CiênCias biolóGiCas
Fig. 5. Etapas da pintura de uma casa com mucilagem da Palma (O. fícus indica) no município de Valente-BA. Foto de Rodrigo Stolze.
Um informante citou que o espinho do mandaca-
ru-de-boi servia antigamente como agulha para tecer o aió,
o qual, segundo o próprio, é um tipo de “bocapio” (cesta)
Neoglaziovia variegata).
As categorias de uso que incluíram o maior núme-
 -


incluíram menor número foram os tipos conexivos erótico

   
cada tipo e subtipo conexivos (enquadráveis na tipologia de Marques),
detectados no semi-árido baiano.
Faz caneta de cachimbo com o rabo-de-raposa, pega
ele, descasca, bota pra secar e ena um arame pra tirar
a massa de dentro naquele canudozinho e faz a caneta
(V.V., 29 anos).
Segundo este informante, hoje em dia os fumantes
de cachimbo preferem essa técnica à tradicional, uma vez
que o furo realizado na planta é maior, aumentando o “sa-
bor da fumaça”.
Para fazer gaiolas de passarinho, segundo alguns
moradores locais, basta extrair a madeira (medula lenhosa)
do rabo-de-raposa e secá-la ao sol.
Fig. 6. Enchimento de sela com tricomas lanosos de cactácea do ênero
Melocactus no município de Queimadas, BA. Foto de Cássia Tatiana.
11
andrade et al. – uso de CaCTáCeas no serTão baiano
Foram detectadas tanto conexões com status de
permanência forte (e.g., feitura de cercas vivas, ornamen-
tação, comercialização, preparo de remédios) quanto com
status de residuárias fracas (e.g., feitura de portas, janelas,
ripas e caibros) e os múltiplos usos de cactáceas citados na
literatura são concordantes com os relatos dos sertanejos
(Tabela 1).
      

humanos/cactáceas no sertão baiano, o que sugere o seu
potencial para análises descritivas da conexão Homem/ve-
getal em geral. Seu caráter parcimonioso permitiu, no caso
       
sintética e sistemática, partindo-se de uma categorização
que inclui o maior número das possíveis interações seres
humanos/cactáceas em um número mínimo de categorias,
reduzindo assim a incômoda categoria utilitária denomina-
da “outros”.
agradeciMentos
Aos funcionários da APAEB (Associação dos Pequenos
Agricultores do Estado da Bahia), pelo apoio e grande contribuição ao
acesso à zona rural e a todos os informantes locais.
referências bibliográficas
Tabela 1. Comparação entre informações de sertanejos de alguns municípios do Semi-árido baiano e dados da literatura corrente sobre os múltiplos usos
das cactáceas.
Citações dos informantes Citações da literatura
“Também faz doce com a cabeça-de-frade
“Conhecido popularmente como coroa de frade no Sertão de São
Francisco, costuma-se fazer cocadas, doces e licores usando a polpa do
mesmo” (pedrosa, 2000).
“O mandacaru-de-facho serve pra fazer ripa de casa, tem uma madeira
forte
“O mandacaru-facheiro (Pilosocereus pachycladus) é um importante
cacto colunar com um tronco muito forte que serve como caibros e ripas
para cobertura de casas” (liMa, 1996).
“Em tempo de lapinha, usa a croa-de-frade pra enfeitar casa...” “Plantadas em jarros ou no chão, as croas-de-frade (Melocactus sp.) vêm
sendo usadas como ornamentais” (andrade-liMa, 1989).
“As lã do chapéu da cabeça-de-frade usa pra encher cela, cangalha ou
almofada.”
“Os pêlos lanosos do cefálio da cabeça-de-frade são usados para o enchi-
mento das almofadas das cangalhas” (andrade-liMa, 1989).
“A raiz do mandacaru serve principalmente para problemas nos rins” “Usa - se a raiz do mandacaru no tratamento de problemas renais, princi-
palmente pedra nos rins” (aGra, 1996).
“A palma serve de ração pra bicho em tempo de verão.” “A palma (Opuntia cus-indica) constitui uma das mais importantes bases
da alimentação do gado” (GoMes
“Em tempo de seca, a gente queima os espinhos do xique-xique e do
mandacaru pra dá pros bichos.”
Na seca, o sertanejo busca na caatinga alguns cactos, como o xique-xi-
que e o mandacaru, para dar ao rebanho, depois de queimar os espinhos
(barbosa & MalTChiCk, 1998).
“Faz um chá com a raiz da palma pra problema de quentura na uretra.” Um chá feito a base de raízes de Opuntia sp. atua como diurético
(barbera et al., 1999).
“A fruta da palma é boa, a gente come satisfeita, tudo quanto é bicho
come.”
Os frutos da palma são bastantes apreciados pelo seres humanos e muito
procurado pelos animais domésticos (liMa, 1996).
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Article
Full-text available
Cereus jamacaru DC. occurs in the central-eastern region of Brazil and is among the best-known cacti in the country. Its phytochemical properties and fruits hold great significance to the local communities. We examined published ethnobotanical studies regarding C. jamacaru (mandacaru) undertaken between 2000 to 2024, to better understand its traditional uses and relationships with human communities in Brazil. The literature review was carried out by consulting the databases Google Scholar (166 articles), Scopus (1 article) and Web of Science (2 articles), and followed the PRISMA 2020 protocol. A total of 169 articles were identified, of which 45 were deemed relevant. The most frequent uses of C. jamacaru include medicinal (cited in 32 articles), human consumption as a non-conventional food (22), and forage (18). C. jamacaru is often cited to treat health conditions such as kidney problems, flu and inflammations, but it’s also used for construction and crafts. Our results highlight the diverse and vital uses of C. jamacaru for human communities. Furthermore, we demonstrate the pattern of knowledge production regarding the ethnobotany of this species and the challenges for its conservation and the preservation of associated traditional knowledge.
Article
Cereus jamacaru, popularly known as mandacaru, is a Cacactacea native to the Caatinga of Brazil, but it is distributed in arid and semiarid regions worldwide. This plant is used for various purposes, such as food, animal fodder, civil construction, and as an ornamental and medicinal plant. Traditional medicine uses the cladodes, roots, and seeds of C. jamacaru to treat various diseases. This review discusses the ethnobotanical uses, phytochemical composition, and biological properties of C. jamacaru. The data demonstrate that C. jamacaru produces a wide range of secondary metabolites involved in the defense mechanism against biotic agents and abiotic stresses. Carbohydrate polymers, phenolic compounds, terpenes, and bioactive nitrogen compounds, have been identified and linked to this plant's biological properties. The present review will support future scientific research in identifying new bioproducts and demonstrating the potential of C. jamacaru as a food and medicinal plant.
Article
Full-text available
O conhecimento ecológico local (CEL) é aquele desenvolvido por indivíduos de uma população, acerca do ambiente que vivem e o recurso que exploram. Informações oriundas do CEL podem promover desenvolvimento do conhecimento biológico. Assim, visou-se registrar o CEL de trabalhadores rurais sobre moscas-das-frutas e técnicas de controle utilizadas em um pomar comercial de cajá (Spondias mombin L.) localizado na zona rural do município de Teresina, Piauí, no período de safra da frutífera. Ainda, foram observadas as relações etnoecológicas estabelecidas entre trabalhadores e as cinco bases conexivas propostas pela metodologia Etnoecologia Abrangente. Os resultados apontam que os entrevistados reconhecem moscas-das-frutas Anastrepha Schiner como as únicas com potencial para infestação dos frutos e a denominam “mosca-amarela”. Dentre as técnicas de controle realizadas, a mais citada foi a utilização de armadilhas-pet com atrativo alimentar. Dentre os cinco elementos da abordagem etnoecológica abrangente: ser humano/mineral, ser humano/vegetal, ser humano/animal, ser humano/ser humano e ser humano/sobrenatural, a conexão mais consolidada é a ser humano/ser humano, diante da evidente ordenação hierárquica assim como pela relação de confiança nutrida entre o trabalhador fixo responsável pela contratação e os contratados temporários. Estudos sobre etnoecologia de insetos, assim como sobre as relações de trabalhos temporários ainda são prementes.
Article
This study aimed to investigate the anti‐inflammatory and wound healing effects of the polysaccharide extract from Opuntia ficus‐indica cladodes (TPL‐Ofi) using a rat cutaneous wound model. After anaesthesia, four 7‐mm‐diameter dorsal wounds per animal ( n = 6/group for each experimental day of evaluation) were created in female Wistar rats using a surgical punch. The animals were treated topically twice daily with TPL‐Ofi (0.01–1%; treated group) or sterile saline (control group) for a period of 21 days. Ulcerated tissue was collected for analysis of histological parameters (inflammation score, number of polymorphonuclear, mononuclear, fibroblast/myofibroblasts and blood vessels), immunohistochemical (fibroblast growth factor 2 [FGF‐2]) and oxidative stress markers (myeloperoxidase [MPO] and glutathione [GSH]). After 21 days of treatment, body weight, net organ weight and plasma biochemical levels were measured. TPL‐Ofi, containing a total carbohydrate content of 65.5% and uronic acid at 2.8%, reduced oedema on the second day and increased the nociceptive threshold on the second and third days. TPL‐Ofi reduced mononuclear infiltrate on the second and MPO activity on the fifth day. TPL‐Ofi increased GSH levels on the second day, as well as fibroblast/myofibroblasts counts, neoangiogenesis and FGF‐2 levels on the fifth and seventh days. No changes were observed in body weight, net organ weight or toxicology assessment. Topical application of TPL‐Ofi exhibited anti‐inflammatory and antinociceptive effects, ultimately improving wound healing in cutaneous wounds.
Forragens fartas na seca Reimagining visual methods: galileo to Neuromancer Hanbook of qualitative research
  • Gomes Rp
  • Lincoln
GoMes rp. 1977. Forragens fartas na seca. 5 a ed. São Paulo: Nobel. harper D. 2000. Reimagining visual methods: galileo to Neuromancer, p. 717-732. In: D Lincoln. Hanbook of qualitative research. 2ª siTienTibus série CiênCias biolóGiCas ed. London: Sage publications.
Ecossistemas brasileiros
  • Coimbra
riZZini C & a CoiMbra. 1988. Ecossistemas brasileiros. São Paulo: Index.
Uma proposta tipológica para enquadrar as conexões básicas na abordagem etnoecológica abrangente
  • Jgw Marques
Marques JGW. 1993. Uma proposta tipológica para enquadrar as conexões básicas na abordagem etnoecológica abrangente. Manuscrito não publicado.
Jurema's children in the forest of spirits: healing and ritual among two Brazilian indigenous groups. London: Intermediate Technology Publications. oudshoorn W. 1975. O livro dos cactos
  • Mota Cn
MoTa Cn. 1997. Jurema's children in the forest of spirits: healing and ritual among two Brazilian indigenous groups. London: Intermediate Technology Publications. oudshoorn W. 1975. O livro dos cactos. Lisboa: Presença. pedrosa TM. 2000. Arte popular de Alagoas: pesquisa e organização. Maceió: Grafitex.
Plantas eróticas. 2 a ed
  • Sangirardi Jr
sanGirardi Jr. 1981. Plantas eróticas. 2 a ed. Rio de Janeiro: Editorial Nórdica.
P. gounellei) Mandacaru-de-facho (P. catingicola) Rabo-de-raposa (H. adscendens) Palma-de-engorda (N. cochenillifera) Palma-de-espinho (O. dillenii) Caxacubrir (P. tuberculatus) Palmatória
  • Xique-Xique
Xique-xique (P. gounellei) Mandacaru-de-facho (P. catingicola) Rabo-de-raposa (H. adscendens) Palma-de-engorda (N. cochenillifera) Palma-de-espinho (O. dillenii) Caxacubrir (P. tuberculatus) Palmatória (O. palmadora)
Plantas da medicina popular dos Cariris Velhos Paraíba. Brasil: PNE. alexiades M. 1996. Ethnobotany research: a field manual
  • Mf Agra
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Dicionário das plantas úteis do Brasil
  • Cruz Gl
CruZ Gl. 1982. Dicionário das plantas úteis do Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.