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Revista Brasileira de Ensino de F´ısica, v. 37, n. 2, 2306 (2015)
www.sbfisica.org.br
DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S1806-11173721781
A f´ısica no salto recorde de Felix Baumgartner
(Felix Baumgartner’s record jump and the Physics)
Fernando Lang da Silveira1
Instituto de F´ısica, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil
Recebido em 2/1/2015; Aceito em 6/1/2015; Publicado em 30/6/2015
Em 14/10/2012 Felix Baumgartner fez seu salto recorde na atmosfera. A partir do v´ıdeo que apresenta me-
didas de tempo, velocidade, altitude e acelera¸c˜ao durante todo o salto recorde s˜ao discutidos diversos aspectos
da Mecˆanica envolvida no feito bem com t´opicos de f´ısica da Atmosfera Terrestre, relevantes para a compreens˜ao
do movimento de descida desde a estratosfera. Al´em dos trˆes recordes mundialmente reconhecidos – maior alti-
tude inicial, maior extens˜ao de queda e obten¸c˜ao de velocidade supersˆonica por um paraquedista – demonstra-se
quantitativamente que tamb´em ocorreu queda livre, com acelera¸c˜ao em acordo com o valor previsto teoricamente
pela International Gravity Formula, durante mais de 20 s, por mais de 3 km, constituindo-se certamente em
outro recorde. Apresenta-se tamb´em um modelo para a velocidade na etapa de descida sem paraquedas que ´e
consistente com os dados do v´ıdeo.
Palavras-chave: salto recorde, gravidade, atmosfera, resistˆencia do ar.
In 14/10/2012 Felix Baumgartner made his record jump into the atmosphere. A video registered measure-
ments of time, speed, altitude and acceleration during all the motion. These data allowed many considerations
about Mechanics and Atmosphere Physics related to the event. Beyond the three worldwide known records that
were broken with this jump (initial altitude, extensive of the fall, and the first reaching of a supersonic speed in
the jump without a parachute), it is demonstrated in this paper that it has also been broken a record of free fall
with acceleration, in accordance with the International Gravity Formula, during a time of more than 20 s and
along an extension of about 3 km. It is also developed a model for the speed during the jump without parachute,
consistent with the data collected in the video.
Keywords: record jump, gravity, atmosphere, air resistance.
1. Introdu¸c˜ao
No dia 14 de outubro de 2012, Felix Baumgartner2
saltou, jogando-se sobre o Novo M´exico3da altitude
de 38,97 km, batendo o recorde4em altitude estabele-
cido em 16 de agosto de 1960 por Joseph Kittinger5de
31,30 km.
Outro recorde foi batido por Felix Baumgartner
(apelidado de Felix Fearless) durante a queda. Ele foi
o primeiro paraquedista a se mover com velocidade su-
persˆonica apenas usando a gravidade como propulsora.
Atingiu, ap´os uma queda de 11,1 km (a 27,8 km de al-
titude) em 50 s, a fant´astica velocidade supersˆonica de
1363 km/h (379 m/s).
O terceiro recorde batido neste salto foi o de ex-
tens˜ao total de queda. Ele desceu 37,60 km em 9,0 min.
O t´ermino da descida aconteceu no Novo M´exico a
1,37 km de altitude.
A “queda livre” (entenda-se queda com o paraque-
das fechado) durou 4 min 22 s, 17 s inferior `a “queda
livre” de Joseph Kittinger. Apesar de a dura¸c˜ao da
“queda livre” de Baumgartner ser 17 s menor do que a
dura¸c˜ao da “queda livre” do Kittinger, a extens˜ao to-
tal de queda foi de 36,40 km, excedendo em muito os
1E-mail: lang@if.ufrgs.br.
2http://en.wikipedia.org/wiki/Red_Bull_Stratos,http://en.wikipedia.org/wiki/Felix_Baumgartner - Acessados em
05/01/2014.
3Para subir at´e o local do in´ıcio do salto, em aproximadamente 2,5 h, foi utilizado um bal˜ao com 850 milh˜oes de metros c´ubicos de
h´elio em uma c´apsula pressurizada, sendo a massa total do equipamento 3.200 kg.
4Este artigo se encontrava quase pronto quando surgiu a not´ıcia de uma nova quebra de recorde por
Alan Eustace, saltando de 41,5 km de altitude em 24/10/2014 (http://www.nytimes.com/2014/10/25/science/
alan-eustace- jumps-from- stratosphere-breaking-felix- baumgartners-world- record.html?_r=0 - Acessado em 26/10/2014).
5http://pt.wikipedia.org/wiki/Joseph_Kittinger-Acessadoem05/01/2014.
Copyright by the Sociedade Brasileira de F´ısica. Printed in Brazil.
2306-2 Silveira
25,80 km de queda de Kittinger.
Diversos artigos em l´ıngua inglesa sobre o salto do
Felix Baumgartner foram publicados recentemente [1-
3], entretanto em portuguˆes n˜ao temos conhecimento.
O objetivo deste artigo ´e discutir alguns temas da f´ısica
envolvida no salto recorde, analisando tamb´em dados
reais sobre a queda a partir de um v´ıdeo oficial do pro-
jeto Red Bull Stratos. Na ´ultima se¸c˜ao apresentamos
um modelo quantitativo para a etapa de queda com
o paraquedas fechado, posterior ao momento em que
a m´axima velocidade foi atingida. Mostramos, com
aux´ılio do M´etodo dos M´ınimos Quadrados (MMQ),
que o modelo adere razoavelmente aos dados obtidos
do v´ıdeo.
2. Press˜ao atmosf´erica, densidade e
temperatura do ar s˜ao dependentes
da altitude
A press˜ao atmosf´erica diminui com o aumento da al-
titude em rela¸c˜ao ao n´ıvel do mar. Essa diminui¸c˜ao
era uma previs˜ao de Pascal (1623-1662) a partir da
sua hip´otese do “oceano de ar”: assim como a press˜ao
no interior de uma piscina diminui conforme se sobe
dentro da ´agua, assim tamb´em a press˜ao atmosf´erica
deve diminuir ao aumentar a altitude. O c´elebre expe-
rimento na montanha de Puy de Dˆome na Fran¸ca em
1647, onde um primo de Pascal realizou cuidadosas me-
didas da press˜ao atmosf´erica enquanto subia pela mon-
tanha, corroboraram a previs˜ao e permitiram observar
uma varia¸c˜ao de cerca de 8 cm na coluna de merc´urio
do barˆometro ao passar do p´e para o topo da montanha
(a altura da montanha ´e de cerca 1,5 km).
A diminui¸c˜ao da press˜ao atmosf´erica ´e concomitante
com a diminui¸c˜ao da densidade do ar. Entretanto estas
varia¸c˜oes tamb´em dependem da temperatura do ar. A
Fig. 1 apresenta as curvas que relacionam a press˜ao
atmosf´erica e a densidade do ar com a altitude. Os
estudos promovidos pela United States Air Force so-
bre a atmosfera nos anos 70 culminaram na obra U.S.
Standard Atmosphere 1976.6que fornece dados padr˜ao
sobre diversas vari´aveis. Foi a partir desses dados que
os gr´aficos da Fig. 1 foram constru´ıdos.
As express˜oes que seguem, obtidas por regress˜ao
(MMQ), reproduzem, com coeficiente de determina¸c˜ao
superior a 0,99, as medidas de densidade d(em kg/m3)
e de press˜ao atmosf´erica p(em Pa) em fun¸c˜ao da alti-
tude (hem km) a partir dos quais as curvas da Fig. 1
foram constru´ıdas.
d= 1,225e−h/8,882,(1)
p= 1.0113 ×105e−h/7,502.(2)
Figura 1 - Densidade do ar e press˜ao atmosf´erica em fun¸c˜ao da
altitude.
Para a altitude de onde se iniciou o salto (39 km), de
acordo com a Fig. 1, os valores da press˜ao atmosf´erica
e da densidade do ar s˜ao inferiores a 1% dos valores que
elas apresentam ao n´ıvel do mar.
Como ´e bem sabida, a sobrevivˆencia de um homem
em altitudes elevadas somente ´e poss´ıvel se ele esti-
ver em um ambiente que mant´em a press˜ao em n´ıveis
compat´ıveis com a perfeita oxigena¸c˜ao, prevenindo a
hip´oxia e an´oxia devidas `a baixa press˜ao parcial de
oxigˆenio. Assim o traje de astronauta usado por Fe-
lix, pressurizado e isolado termicamente, com massa de
17 kg, o protegeu contra as baixas press˜oes e temperatu-
ras enfrentadas durante a descida. A Fig. 2 representa,
a partir dos dados U.S. Standard Atmosphere 1976, a
varia¸c˜ao da temperatura padr˜ao na atmosfera com a
altitude.
Nota-se no gr´afico da Fig. 2 que a temperatura na
atmosfera n˜ao varia de maneira monotˆonica com a alti-
tude, encontrando-se na maior parte da descida de Felix
em valores incompat´ıveis com a sobrevivˆencia humana.
Observa-se que logo no in´ıcio da queda (39 km de al-
titude) a temperatura ´e pr´oxima de 250 K, mas atinge
menos de 220 K entre 20 km e 11 km de altitude.
3. Acelera¸c˜ao de queda livre durante o
salto
Uma quest˜ao relevante, relacionada ao salto de Felix
Baumgartner, diz respeito ao valor da acelera¸c˜ao de
queda livre g(acelera¸c˜ao gravitacional) ao iniciar-se a
descida. Uma das vers˜oes da International Gravity For-
6https://docs.google.com/file/d/0B2UKsBO-ZMVgQV83S2loaGs4dnc/edit - Acessado em 05/01/2014. Tabelas com os valores
num´ericos para as trˆes vari´aveis s˜ao encontradas em diversos endere¸cos, por exemplo http://www.braeunig.us/space/atmos.htm -
Acessado em 05/01/2014
A f´ısica no salto recorde de Felix Baumgartner 2306-3
mula7de 1967 nos permite obter o valor8de gem m/s2,
a partir da latitude λem graus e da altitude hem me-
tros do ponto considerado na Terra, pela express˜ao
g= 9,780327 .( 1 + 0,0053024 .sen2λ−
0,0000058 .sen22λ)−3,086 .10−6h. (3)
Figura 2 - Temperatura atmosf´erica padr˜ao em fun¸c˜ao da alti-
tude.
De acordo com o verbete da Wikipedia, intitu-
lado Red Bull Stratos,9o salto aconteceu sobre o Novo
M´exico (EUA) na latitude 33,3◦. A Eq. (4) com
λ= 33,3 fornece ao n´ıvel do mar (h= 0) uma ace-
lera¸c˜ao de queda livre de 9,795 m/s2e na altitude em
que se iniciou o salto (h= 38970 m) 9,675 m/s2. Na al-
titude onde o salto terminou (h= 1397 m) encontra-se
9,791 m/s2.
Desta forma durante todo o salto a acelera¸c˜ao gra-
vitacional varia cerca de 1% apenas.
4. O v´ıdeo sobre o salto
Existe um v´ıdeo, realizado a partir das trˆes filmagens
feitas pelas cˆameras que Felix Baumgartner levou du-
rante o salto, intitulado Red Bull Stratos FULL POV -
Multi-Angle + Mission Data,10 apresentando tamb´em,
de maneira cont´ınua, os valores em diversos instrumen-
tos de medida utilizados no salto. O v´ıdeo informa
durante todo o salto o tempo de queda, a velocidade
em rela¸c˜ao ao ar, a altitude e as leituras em um ace-
lerˆometro, al´em de outros dados, inclusive press˜ao ar-
terial e freq¨uˆencia card´ıaca do paraquedista.
Este v´ıdeo teve todos os seus quadros separados em
16902 imagens, possibilitando assim a visualiza¸c˜ao de
qualquer quadro em um editor de imagens. A par-
tir dessas imagens foi poss´ıvel a apropria¸c˜ao das in-
forma¸c˜oes como vari´aveis em uma planilha de dados do
pacote estat´ıstico IBM SPSS 20.0. As diversas an´alises
de regress˜ao apresentadas nas se¸c˜oes seguintes - bem
como as equa¸c˜oes de regress˜ao (MMQ) da se¸c˜ao II e to-
dos os gr´aficos - foram efetivadas com o referido pacote
estat´ıstico.
5. A queda livre de Felix Baumgartner
Conforme notado anteriormente o conceito de “queda
livre” dos paraquedistas ´e diverso do conceito usual-
mente atribu´ıdo pelos f´ısicos. Os paraquedistas desig-
nam por “queda livre” a etapa do salto na qual o pa-
raquedas ainda n˜ao foi acionado. No jarg˜ao da f´ısica
a queda livre designa que as for¸cas de resistˆencia no
corpo cadente podem ser desprezadas e que, portanto,
a acelera¸c˜ao que o corpo sofre ´e a acelera¸c˜ao gravitaci-
onal (no caso de corpos pr´oximos `a superf´ıcie da Terra
tal acelera¸c˜ao tem o valor calculado pela Eq. (3)) com
excelente aproxima¸c˜ao.
Entre os dispositivos carregados no traje de Felix
havia acelerˆometros e as medidas do acelerˆometro (de-
nominadas g vertical,g lateral eg longituginal ) est˜ao
dispon´ıveis nas informa¸c˜oes do v´ıdeo sobre o salto. Nos
segundos que antecedem o instante t= 0 no v´ıdeo (em
t= 0 se inicia o salto) as medidas do acelerˆometro s˜ao g
vertical = 1 e as outras duas nulas, isto ´e, elas indicam
que no sistema de referˆencia do pr´oprio acelerˆometro
´e detect´avel a gravidade. Um pouco depois do in´ıcio
do salto (t= 1 s) as trˆes medidas s˜ao nulas e assim
permanecem at´e cerca de t= 26 s.
A interpreta¸c˜ao destas medidas ´e de que, no sistema
de referˆencia dos acelerˆometros, n˜ao s˜ao detect´aveis
for¸cas, isto ´e, o paraquedista se encontra em situa¸c˜ao de
imponderabilidade pois est´a caindo e sofrendo, no sis-
tema de referˆencia da Terra, uma acelera¸c˜ao que ´e, den-
tro dos limites de sensibilidade do acelerˆometro, igual
`a acelera¸c˜ao de queda livre. Como j´a calculado pela
Eq. (3) este valor no in´ıcio do salto ´e 9,675 m/s2. A
partir de t= 26 s as medidas nos acelerˆometros s˜ao di-
ferentes de zero, indicando que, no sistema de referˆencia
do paraquedista, a situa¸c˜ao de imponderabilidade ter-
minou, significando que a acelera¸c˜ao de queda do Felix
no sistema de referˆencia da Terra n˜ao ´e mais igual `a
acelera¸c˜ao da gravidade local. At´e t= 26 s o paraque-
dista caiu cerca de 3,3 km e a Eq. (3), para a altitude
de 35,7 km (altitude em t= 26 s), fornece 9,685 m/s2.
Ou seja, durante esta etapa da queda a acelera¸c˜ao da
gravidade ´e cerca de 9,68 m/s2.
A partir dos registros nos quadros do v´ıdeo foram
obtidas as medidas de velocidade na queda desde t= 0
76http://en.wikipedia.org/wiki/Gravity of Earth - Acessado em 04/01/2014.
8O leitor interessado em uma discuss˜ao detalhada e did´atica sobre o c´alculo da acelera¸c˜ao da gravidade deve consultar o artigo da
Ref. [4].
9http://en.wikipedia.org/wiki/Red_Bull_Stratos - Acessado em 06/01/2014.
10http://www.youtube.com/watch?v=raiFrxbHxV0 – Acessado em 24/10/2013.
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at´e t= 58 s, representadas no gr´afico da Fig. 3. Em
t= 50 s aconteceu a m´axima velocidade de queda, por-
tanto neste momento foi batido o recorde de velocidade,
sendo o seu valor 1363 km/h (379 m/s). Este recorde
ser´a discutido em outra se¸c˜ao.
Figura 3 - Velocidade em fun¸c˜ao do tempo de queda e reta dos
m´ınimos quadrados at´e t= 25 s.
Para fazer uma estimativa da acelera¸c˜ao de queda
livre, a partir das informa¸c˜oes representadas no gr´afico
da Fig. 3, procedeu-se o ajuste de uma reta para os
pontos representados entre t= 1,0 s e t= 25 s. Os
primeiros dois pontos foram ignorados pois at´e 1,0 s as
medidas do acelerˆometro ainda n˜ao se encontravam ze-
radas. Como em t= 26 s o acelerˆometro apresentava
novamente medidas n˜ao nulas, resolveu-se considerar
neste ajuste os pontos experimentais at´e 25 s (a sensi-
bilidade do acelerˆometro era 0,1 g).
A equa¸c˜ao da reta MMQ para os pontos em quest˜ao
apresentou um coeficiente de determina¸c˜ao de 0,9995 e
resultou em
v= 9,65 t+ 1,0.(4)
A incerteza no parˆametro que representa a ace-
lera¸c˜ao (9,65 m/s2) resultou em 0,03 m/s2. A incerteza
no parˆametro independente, representando a velocidade
em t= 0 s (1,0 m/s) resultou em 0,5 m/s.
Desta forma a acelera¸c˜ao obtida dos dados de velo-
cidade e tempo (9,65 m/s2) est´a, dentro dos limites de
incerteza experimental, em acordo com a Eq. (3) pois
esta fornece uma acelera¸c˜ao de queda livre com valor
de cerca de 9,68 m/s2no in´ıcio da queda (conforme
discutido anteriormente).
Outro recorde que certamente foi batido por Felix
Baumgartner, n˜ao mencionado nas publica¸c˜oes da in-
ternet sobre a fa¸canha, ´e o de queda livre. A queda
vertical de um paraquedista durando mais de 20 s e por
mais de 3 km, com a acelera¸c˜ao de queda coincidindo
com a acelera¸c˜ao gravitacional, somente foi poss´ıvel na
circunstˆancia excepcional deste salto. O ar naquela al-
titude de 39 km ´e extremamente rarefeito, conforme in-
dica o gr´afico da figura, sendo a sua densidade menor do
que 1% da densidade ao n´ıvel do mar. Este recorde de
queda livre real n˜ao pode ser confundido com o recorde
de “queda livre” (queda com o paraquedas fechado) de
4 min 49 s ainda detido por Joseph Kittinger desde 1960
pois, conforme destacado na introdu¸c˜ao, faltaram para
Felix Baumgartner batˆe-lo mais 17 s de queda.
6. O recorde de velocidade supersˆonica
Transcorridos 50 s de queda, j´a tendo descido 11,12 km,
portanto na altitude de 27,85 km, Felix Baumgartner
quebrou mais um recorde, atingindo a fant´astica velo-
cidade supersˆonica de 1363 km/h (379 m/s).
Dali para diante a velocidade come¸cou a se reduzir
lentamente como vemos no gr´afico da Fig. 4, represen-
tando a velocidade em fun¸c˜ao do tempo at´e um pouco
depois da abertura do paraquedas, cerca de 4 min 22 s
(262 s) de “queda livre”.
Figura 4 - Velocidade em fun¸c˜ao do tempo desde o in´ıcio da queda
at´e um pouco depois da abertura do paraquedas.
Um aspecto relevante sobre o recorde de velocidade
diz respeito `a velocidade do som naquelas grandes alti-
tudes.
O valor da velocidade de propaga¸c˜ao de ondas so-
noras (vS) depende de duas propriedades do meio onde
elas acontecem, da densidade do meio (d) e do m´odulo
de elasticidade volum´etrica do meio (K), sendo ex-
pressa por
vS=√K
d.(5)
Entretanto no caso particular de um g´as, conforme
o g´as diminui sua densidade (mantido todo o resto
constante), diminui o seu m´odulo de elasticidade vo-
lum´etrica (ele se torna mais compress´ıvel, isto ´e, para a
mesma varia¸c˜ao de press˜ao sofre uma maior varia¸c˜ao de
volume). Pode-se demonstrar que a velocidade do som
em um g´as acaba por depender apenas da temperatura
T, da massa molar M e da raz˜ao γentre os calores
A f´ısica no salto recorde de Felix Baumgartner 2306-5
especνficos molares a press˜ao e a volume constante do
g´as de acordo com a express˜ao
vS=√γ RT
M,(6)
onde R´e a constante universal dos gases.
Desta forma a velocidade do som n˜ao depende da
densidade do g´as. Como o ar ´e em quase sua totali-
dade uma mistura de gases diatˆomicos (oxigˆenio e ni-
trogˆenio), sua massa molar ´e cerca de 28,9 g (0,0289 kg)
e a raz˜ao entre os calores espec´ıficos ´e 1,4.
Portanto, para se saber se o recorde de veloci-
dade (379 m/s) corresponde a um valor supersˆonico ´e
necess´ario apenas o valor da temperatura da atmos-
fera na altitude onde Felix Baumgartner obteve o re-
corde (27,85 km de altitude). Do gr´afico que repre-
senta a temperatura da atmosfera em fun¸c˜ao da alti-
tude (Fig. 2) facilmente obt´em-se o valor de cerca de
225 K que, introduzido na express˜ao 6, fornece cerca de
300 m/s. Assim sendo, o recorde de velocidade superou
a velocidade do som em cerca de 25%, ou seja, Felix
Baumgartner atingiu uma velocidade cerca de 1,25 ve-
zes a velocidade do som, portanto 1,25 mach (1 mach ´e
o valor da velocidade que corresponde `a velocidade do
som).
7. O restante da descida at´e a abertura
do paraquedas
O restante da descida, at´e a abertura do paraquedas, se
deu com velocidade decrescente em valor conforme se
observa no gr´afico da Fig. 4. Enquanto o paraquedista
desce, vai passando atrav´es de uma atmosfera cada vez
mais densa, em acordo com o que est´a representado no
gr´afico da densidade do ar em fun¸c˜ao da altitude na
Fig. 1.
A for¸ca de resistˆencia que o ar oferece a um corpo
com as dimens˜oes e a velocidade de um paraquedista
´e preponderantemente a for¸ca de arrasto inercial con-
forme a Ref. [5]. Esta for¸ca (Farrasto ) tem valor que
em m´odulo cresce conforme aumenta a densidade do
ar d, dependendo tamb´em da ´area Aque o paraque-
dista oferece ao ar transversalmente `a dire¸c˜ao do seu
movimento, do quadrado da velocidade v do paraque-
dista em rela¸c˜ao ao ar e de um coeficiente aerodinˆamico
Cadimensional, este ´ultimo dependente da geometria
do paraquedista e da velocidade em rela¸c˜ao ao ar. O
m´odulo da for¸ca de arrasto ´e
|Farrasto |=1
2C d A v2.(7)
Se o paraquedista atinge a velocidade terminal vT,
a resultante das for¸cas sobre ele ´e nula e, portanto, o
m´odulo do seu peso ´e igual ao m´odulo da for¸ca de ar-
rasto conforme a express˜ao
m g =1
2C d A v2
T,(8)
onde m´e massa do paraquedista e g´e a acelera¸c˜ao da
gravidade local.
Da express˜ao (8) se obt´em que
vT=√2m g
C A d .(9)
Depois que Felix Baumgartner atingiu a velocidade
m´axima de 379 m/s, continuou sempre com velocidade
pr´oxima, entretanto superior, ao valor da velocidade
terminal para aquela altitude. O valor velocidade deve
ser superior ao valor da velocidade terminal para aquela
altitude pois ele continua com velocidade decrescente
enquanto avan¸ca atrav´es de ar cada vez mais denso.
A velocidade terminal, de acordo com a express˜ao (9),
tamb´em diminui ao aumentar a densidade.
A express˜ao (9) pode ser reescrita como
vT=c
√d,(10)
onde cvale
c=√2m g
C A .(11)
Conforme j´a discutido na se¸c˜ao 3 a acelera¸c˜ao da
gravidade pouco varia ao longo de toda a queda. Se adi-
cionalmente for presumido que o produto do coeficiente
C pela a ´area A n˜ao muda durante a queda ent˜ao c ´e
aproximadamente uma constante durante a queda com
o paraquedas fechado. A presun¸c˜ao de que tal produto
n˜ao mude durante a queda ´e uma grande simplifica¸c˜ao
pois conforme [4] certamente h´a mudan¸cas importantes
em C quando o Felix passa do regime supersˆonico para
o subsˆonico; adicionalmente a orienta¸c˜ao do corpo do
Felix em rela¸c˜ao `a dire¸c˜ao de seu movimento em rela¸c˜ao
ao ar tamb´em se altera durante a queda. Entretanto em
nosso modelo assumiremos tal presun¸c˜ao extremamente
simplificadora.
Assumindo-se que a velocidade na queda – v– em
uma dada altitude seja aproximadamente igual `a velo-
cidade terminal para aquela altitude e tomando-se os
dados de velocidade, al´em de t= 50 s (momento da ve-
locidade recorde) at´e t= 255 s (instante um pouco an-
terior `a abertura do paraquedas), ajustou-se pelo MMQ
a seguinte fun¸c˜ao
v=c
√d,(12)
onde ce ´e o parˆametro de ajuste. A densidade do ar
foi obtida do U.S. Standard Atmosphere 1976 a par-
tir da altitude em que o Felix se encontrava conforme
informado no v´ıdeo.
O valor de c resultou em 66 kg0,5.s−1.m−0,5e a
equa¸c˜ao aderiu aos pontos com coeficiente de deter-
mina¸c˜ao de 0,96. A Fig. 5 ´e o gr´afico da velocidade
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em fun¸c˜ao da densidade, onde em linha cont´ınua est´a
representada a fun¸c˜ao de ajustamento, ou seja, a fun¸c˜ao
v=66
√d.(13)
Figura 5 - Velocidade de descida de Felix Baumgartner com o
paraquedas fechado ap´os o instante em que aconteceu o recorde
de velocidade e a velocidade consistente com o modelo proposto
(linha cont´ınua).
A express˜ao (7) pode ser reescrita facilmente em
fun¸c˜ao de c(express˜ao (11)) como
|Farrasto |=dv2
c2m g . (14)
Desta forma a express˜ao (14) ´e v´alida apenas
quando sobre um objeto for exercida, al´em da for¸ca
de arrasto, exclusivamente a for¸ca da gravidade. Assim
o valor da for¸ca de arrasto est´a expresso como um fator
adimensional, dependente de d,vec, multiplicando o
valor do peso do objeto.
Quando o recorde de velocidade foi atingido
(379 m/s), a 27,8 km de altitude, a densidade do ar era
0,029 kg/m3. A express˜ao (5) fornece para estes valores
de densidade e velocidade 0,96 g e como o acelerˆometro
indicava 1 g, ambos os valores s˜ao aproximadamente
iguais.
Desta forma – embora muito simplificado e ideali-
zado – o modelo para a etapa da descida com o pa-
raquedas fechado, que tem entre outros pressupostos
que a velocidade se reduz devido exclusivamente ao au-
mento densidade do meio (express˜ao (13)), se mostra
razoavelmente adequado.
8. Conclus˜ao
O not´avel salto recorde de Felix Baumgartner (j´a supe-
rado por Alan Eustace em 24/10/2014) envolve muita
f´ısica interessante para que se possa compreendˆe-lo
com alguma profundidade. Neste artigo discutiram-
se alguns aspectos da f´ısica da atmosfera terrestre ne-
cess´arios ao entendimento do movimento de descida
que o paraquedista realizou at´e a abertura do para-
quedas. Al´em dos j´a reconhecidos recordes quebrados
neste salto (maior altitude inicial, maior extens˜ao de
queda e a ultrapassagem da velocidade do som no ar),
argumentou-se que certamente outro recorde foi batido:
o de maior tempo ou maior deslocamento vertical em
queda livre para um paraquedista. Durante cerca de
25 s o paraquedista se precipitou sofrendo uma ace-
lera¸c˜ao que, dentro dos limites de incerteza das medi-
das, coincide com a acelera¸c˜ao gravitacional na regi˜ao
do salto fornecida pela International Gravity Formula.
Os primeiros 3 km de queda aconteceram em movi-
mento uniformemente variado com a acelera¸c˜ao da gra-
vidade.
O interesse que o salto recorde desperta nos alu-
nos certamente pode ser usado como motivador para a
discuss˜ao de diversos conte´udos de f´ısica, inclusive de
um tema pobremente abordado em textos iniciais de
mecˆanica: a queda com for¸ca de resistˆencia do ar.
Agradecimentos
Ao Professor Rolando Axt e `a Professora Eliane A.
Veit agrade¸co a leitura cr´ıtica e as sugest˜oes apresen-
tadas. Ao Professor Carlos E. Aguiar meu reconheci-
mento pela fecunda discuss˜ao sobre o tema.
Referˆencias
[1] J.M. Colino and A.J. Barbero, Eur. J. Phys. 34, 841
(2013).
[2] F. Theilmann and M. Apolin, Phys. Educ. 48, 150
(2013).
[3] J.M. Colino, A.J. Barbero and F.J. Tapiador, Phys.
Tod. 67, 64 (2014).
[4] W. Lopes, Cad. Bras. Ens. F´ıs. 25, 561 (2008).
[5] F.L. Silveira, Cad. Bras. Ens. F´ıs. 30, 156 (2013).