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Rev. Bras. Reprod. Anim., Belo Horizonte, v.34, n.2, p.98-104, abr./jun. 2010. Disponível em www.cbra.org.br
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Recebido: 25 de novembro de 2008
Aceito: 16 de novembro de 2010
Aplicações da biotecnologia na reprodução de serpentes
Application of biotechnology in snake reproduction
R.L. Zacariotti
1,3
, M.A.B.V. Guimarães
2
1
Laboratório de Reprodução Animal, Universidade Cruzeiro do Sul, 08070-060, São Paulo, SP, Brasil.
2
Departamento de Reprodução Animal, Universidade de São Paulo, 05508-270, São Paulo, SP, Brasil.
3
Correspondência: rogeriozacariotti@yahoo.com.br
Resumo
O crescente número de espécies de serpentes ameaçadas de extinção, estudos sobre suas toxinas, entre
outros motivos, tornam a reprodução em cativeiro desses animais muito importante. Todavia, a ausência de
cópulas ou problemas com a concepção são questões que dificultam a reprodução em cativeiro. A reprodução
assistida em serpentes pode ser uma importante ferramenta para modificar essa realidade. Sêmen foi obtido pela
primeira vez em serpentes pela compressão do terço final do corpo do animal, no entanto é comum a
contaminação das amostras por fezes e urato. Em geral, os relatos da coleta de sêmen consistem na realização de
massagens digitais ventrais no terço final do animal e posterior coleta utilizando-se uma seringa na região da
cloaca. Poucas publicações contemplam a avaliação, o resfriamento ou a congelação de sêmen em serpentes.
Meios de cultura de células como M199 e Ham’s F 10, diluidores como Test-gema, à base de leite ou água de
coco, são alguns dos exemplos citados na literatura, porém seu uso ainda apresenta limitações e grande
variabilidade nos resultados. Até o momento, não existe um protocolo eficiente para a congelação do sêmen em
serpentes. A inseminação artificial utilizando sêmen fresco ou resfriado está descrita em poucas espécies de
serpentes, com poucos resultados satisfatórios. Assim, a biotecnologia na reprodução de serpentes, apesar de
ainda ser pouco utilizada, pode ser uma ferramenta muito importante para conservação dessas espécies em
cativeiro.
Palavras-chave: criopreservação de sêmen, inseminação artificial, serpentes.
Abstract
The increasing number of endangered snake species and the need of research to better combat their
venom, among other reasons, emphasize how important is their reproduction in captivity. Unfortunately, mating
or conception problems have restricted the reproduction of snakes in captivity and assisted reproduction could
be an important tool to change this scenario. Snake’s semen was first collected stroking the final third of
animal’s body at the cloaca region, but contamination with feces and urates were often reported. Semen is
usually collected from the cloaca using a small syringe, after digital ventral massages along final third of
snake’s body. Very few publications describe techniques for evaluation, cooling or freezing semen of snakes.
Extenders for snake semen are cell culture media as M199 and Ham’s F 10 or extenders using Test-yolk, milk or
coconut water, however their efficiency are restricted and inconsistent. So far, there is no protocol for
cryopreservation of snake semen. The use of artificial insemination is reported for few species either with fresh
or cooled semen, however, results are questionable. Although assisted reproduction biotechnologies in snakes
are still limited, their use could be an important tool for the conservation of these species in captivity.
Keywords: artificial insemination; semen cryopreservation, snakes.
Introdução
O crescente interesse mundial pelos répteis tem estimulado cada vez mais, estudos sobre taxonomia,
fisiologia, comportamento, história natural, patologia, farmacologia, toxicologia, anestesiologia e semiologia,
entre outras áreas de conhecimento. Os répteis compõem uma classe com 8.734 espécies, sendo mais de 3.000
espécies de serpentes (Uetz, 2008), uma diversidade que supera a classe dos anfíbios e até mesmo dos
mamíferos. Essas espécies têm evoluído nos mais diferentes ambientes, desde desertos, florestas tropicais,
oceanos até zonas temperadas próximas ao círculo ártico. Assim, a evolução adaptativa a esses ambientes
resultou em uma diversidade fisiológica e morfológica muito grande (Fitch, 1970), consequentemente
generalizar caraterísticas constatadas em uma espécie para uma ordem ou mesmo toda a classe Reptilia pode
levar a grandes erros.
Existem alguns exemplos interessantes da variabilidade nos aspectos reprodutivos dentro de um mesmo
gênero ou até dentro de uma mesma espécie de serpente. No gênero Helicops (cobra d´água), o modo de
reprodução pode ser ovípara ou vivípara (De Aguiar e Di-Bernardo, 2005; Sale-Nunes, 2006). Na espécie
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Liophis miliaris (cobra d´água), a sazonalidade na reprodução varia em função da localização das serpentes, nas
porções sul e norte da mata atlântica (Pizzatto e Marques, 2006). O gênero Micrurus (corais verdadeiras) pode
apresentar, de acordo com a espécie, grandes diferenças na estratégia reprodutiva, com comportamento de
disputa entre machos (dança-combate) e dimorfismo sexual (Micrurus frontalis) ou ausência de disputas e
dimorfismo (Micrurus corallinus; Marques et al., 2006). Assim, se apenas uma espécie do gênero fosse
estudada, ou estudada em parte, considerando, por exemplo, apenas uma área de ocorrência, poder-se-iam
generalizar de forma errônea informações sobre determinadas características reprodutivas.
A importância em desenvolver métodos de criação em cativeiro aumenta ainda mais, considerando-se as
restrições que existem para a importação de répteis, o crescente número de espécies ameaçadas no mundo e o
interesse em estudar as toxinas desses animais, entre outros motivos (Mengden et al., 1980; Alberts et al., 1998;
Gibbons et al., 2000; Tourmente et al., 2007). No entanto, a ausência de ocorrência de cópulas ou a existência de
problemas ligados à concepção, em parte devido ao desconhecimento ou à dificuldade em mimetizar as
condições ambientais necessárias para essas espécies, tornam a reprodução em cativeiro limitada (Ross e
Marzec, 1990; Mattson et al., 2007).
A inseminação artificial e a transferência de embriões revolucionaram a criação de animais domésticos,
sendo que estas técnicas fazem parte de uma série de estratégias para incrementar a reprodução assistida e a
formação de bancos de germoplasma de animais silvestres (Wildt, 1989). Vários autores consideram a
inseminação artificial como uma das ferramentas que podem melhorar o desempenho reprodutivo dos répteis em
cativeiro (Mengden et al., 1980; Platz et al., 1980; Quinn et al., 1989; Langlada et al., 1994; Fahrig et al., 2007;
Mattson et al., 2007).
Atualmente os maiores obstáculos para o sucesso na reprodução de animais selvagens em cativeiro é o
desconhecimento de informações básicas sobre essas espécies, incluindo a biologia reprodutiva (Swanson,
2006). A reprodução assistida de répteis, por sua vez, ainda é muito pouco explorada, tendo-se ainda poucas
informações sobre os métodos de coleta, avaliação e congelação de sêmen ou inseminação artificial (Tourmente
et al., 2006; Mattson et al., 2007; Zacariotti et al., 2007).
Anatomia do aparelho reprodutor das serpentes
As fêmeas apresentam os ovários difusos e localizados próximos aos dois ovidutos, que são estruturas
alongadas ligadas às vaginas. Os ovidutos recebem os ovos após a ovulação e a fecundação (Almeida-Santos,
2005). Algumas espécies de serpentes (Tantilla spp.) apresentam dois ovários e um único oviduto (Greene,
1997). As funções do oviduto são, entre outras, produção de albúmen, produção da casca, placentação,
estocagem de espermatozoides (Almeida-Santos, 2005).
Outro aspecto interessante da reprodução de serpentes é a capacidade mitótica das oogônias, ou seja, as
oogônias sofrem mitoses mesmo na fase adulta da fêmea, reabastecendo seu “estoque” nos ovários (Rothchild,
2003).
Os machos possuem testículos ovoides compostos por túbulos seminíferos, células intersticiais e vasos
sanguíneos, envolvidos por tecido conjuntivo (túnica própria). Estão localizados na cavidade celomática, e,
geralmente, o testículo direito é mais cranial que o esquerdo (DeNardo, 1996). Os ductos deferentes ligam os
testículos à papila genital na cloaca, próximo à base do hemipênis, onde existe o sulco espermático, já que
répteis não possuem uretra peniana (Vasse, 1994). A porção mais distal dos ductos deferentes, diferenciada em
algumas espécies, é denominada ampola e tem função relacionada ao armazenamento de espermatozoides no
macho (Sever, 2004).
Na cloaca, a papila genital dos machos é o fim de uma via comum aos tratos genital (ductos deferentes)
e urinário (ureteres; Oliveira et al., 2004). Os machos dos lagartos e das serpentes possuem inúmeras
características que não são observadas em outros répteis (Lance, 2003), como, por exemplo, o órgão copulatório
(hemipênis), que é duplo, mas apenas um é usado durante a cópula (Fox, 1977).
Espermatogênese e morfologia espermática das serpentes
A espermatogênese, para algumas espécies de serpentes encontradas na América do Norte, parece estar
extremamente condicionada à elevação da temperatura e não às alterações do fotoperíodo. Em estudo sobre o
controle ambiental da espermatogênese de Crotalus viridis, foi constatado que o início da espermatogênese
ocorreu com a elevação da temperatura em apenas 7°C (Aldridge, 1975), e em outro estudo usando a espécie
Arizona elegans, a espermatogênese foi iniciada elevando-se a temperatura e na ausência total da luz (Aldridge,
1979).
A espermatogênese em serpentes é dividida em vários estágios, a saber: Estágio 1 - túbulos seminíferos
com presença predominante de espermatogônias e espermatócitos primários, e alguns espermatócitos
secundários e espermátides; Estágio 2 – surgimento dos primeiros espermatozoides na luz dos túbulos
seminíferos; Estágio 3 – presença de grande quantidade de espermatozoides na luz dos túbulos seminíferos e
diminuição do número de espermatócitos secundários e espermátides; Estágio 4 - diminuição do número de
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espermatozoides, presença de apenas espermatogônias e espermatócitos primários; Estágio 5 - ausência de
espermatozoides e presença de uma ou duas camadas de espermatogônias ou espermatócitos primários (Tsai e
Tu, 2000). No entanto, não é descrita na literatura a duração de cada estágio.
O espermatozoide das serpentes é filiforme e é basicamente composto por um acrossoma em forma de
cone e uma cabeça alongada. Observa-se uma distinção entre medula e córtex acrossomal e a presença de um
perfuratorium no espaço subacrossomal. A peça intermediária é envolvida por um sistema de multimembranas e
é extremamente longa, uma característica exclusiva das serpentes (sinapomorfia). Ao longo da peça
intermediária, observam-se estruturas chamadas de corpos densos (possível transformação mitocondrial) e a
presença de dois centríolos (proximal e distal) ao invés de um, como observado em mamíferos (Austin, 1965;
Hamilton e Fawcett, 1968; Jamieson e Koeler, 1994; Oliver et al., 1996; Tourmente et al., 2006).
Biologia reprodutiva das serpentes
É necessário, para que ocorra o início da fase reprodutiva, que ambos os sexos passem por uma fase de
aquisição de energia (alimentação). O custo energético para a reprodução é elevado nas fêmeas (Aldridge e
Duvall, 2002; Aubret et al., 2002; Bonnet et al., 2002; Shine, 2003) devido à mobilização das reservas de
gordura para a vitelogênese (Santos e Llorente, 2004), e embora este custo não esteja claro para os machos,
alguns autores relatam que pode ser tão elevado quanto nas fêmeas (Olsson et al., 1997; Shine e Mason, 2005).
O ciclo vitelogênico no ovário é basicamente dividido em vitelogênese primária (folículos pequenos,
arredondados e transparentes) e vitelogênese secundária (folículos maiores, arredondados ou ovais, com
coloração variando de branca a amarelada). O crescimento folicular durante a vitelogênese primária ocorre
principalmente devido ao acúmulo de água no interior do folículo, enquanto a vitelogênese secundária é a fase de
maior crescimento folicular, com a deposição de vitelo (lipoproteínas) no interior do folículo (DeNardo, 1996;
Santos e Llorente, 2004). A vitelogênese secundária pode ou não estar associada à cópula em serpentes
(Medonça e Crews, 1990; Aldridge e Duvall, 2002; Taylor e DeNardo, 2005).
A partir da fecundação, o desenvolvimento embrionário acontecerá no útero ou no ovo (ambiente
externo), pois as serpentes possuem dois modos de reprodução: vivípara ou ovípara. As espécies ovíparas põem
ovos, e a maior parte do desenvolvimento embrionário ocorre no ambiente, enquanto as vivíparas retêm os
embriões no útero até o final da gestação, quando ocorre o parto (DeNardo, 1996; Blackburn, 2006). O vitelo
acumulado durante a vitelogênese secundária servirá de substrato e energia para o crescimento embrionário, seja
no ovo ou no útero da serpente (Thompson e Speake, 2002).
Uma estratégia reprodutiva utilizada por várias espécies de serpentes é a estocagem de espermatozoides
na fêmea, que pode variar de alguns meses a até alguns anos (Aldridge, 2002; Aldridge e Duvall, 2002; Almeida-
Santos et al., 2004; Almeida-Santos, 2005). Recentemente foi proposto que uma série de peptidases estaria
envolvida na sobrevida destes espermatozoides por tanto tempo (Marinho et al., 2008). A estocagem de
espermatozoides parece ocorrer em compartimentos formados com a contração em formato espiral da porção
caudal do útero (Yamanouye et al., 2004; Siegel e Sever, 2006).
Coleta e avaliação de sêmen
Existem alguns relatos que descrevem as técnicas de coleta de sêmen em répteis, uma importante etapa
a ser desenvolvida antes da inseminação artificial (Platz et al., 1980; Wood et al., 1982; Larsen e Cardeilhac,
1984; Samour, 1986).
A primeira coleta de sêmen em serpentes foi obtida pela compressão realizada no terço final do corpo
do animal, no entanto, com esta técnica, foi frequente a contaminação das amostras por fezes e urato (Fitch,
1960). Mengden et al. (1980) coletaram sêmen realizando massagem digital na região ventral do terço final em
animal contido, colhendo o sêmen com o auxílio de uma seringa diretamente da cloaca, minimizando, desta
forma, a contaminação. As espécies submetidas a coletas de sêmen foram: Elaphe subocularis (ratsnake), E.
obsoleta (ratsnake), Epicrates inornatus (rainbow boa), Eunectes notaeus (sucuri-amarela), Python anchietae
(píton-de-angola), P. timoriensis (píton-do-timor), Bitis gabonica (víbora-do-gabão) e Notechis scutatus (cobra-
tigre). Quinn et al. (1989) descreveram o método de coleta de sêmen em Thamnophis marcianus (checkered
garter snake) usando a eletroejaculação seguida de massagem digital realizada na região ventral, no entanto, com
este método, a contaminação do sêmen por fezes e uratos foi frequente. Foi relatada a coleta de sêmen em Boa
constrictor occidentalis (jiboia argentina; Tourmente et al., 2007) e Lampropeltis triangulum sinaloae (sinaloan
milk snake; Samour, 1986) usando-se o método proposto por Mengden et al. (1980). Zacariotti et al. (2007)
realizaram com sucesso a coleta de sêmen em cascavéis utilizando a técnica descrita por Mengden et al. (1980)
fazendo uso de anestésico local. Foi utilizada a lidocaína a 1% na dose de 15 mg/Kg, aplicada em quatro
diferentes pontos ao redor da cloaca. A anestesia do local resultou no relaxamento da cloaca e na exposição da
papila genital, o que permitiu um maior controle sobre o procedimento de coleta, minimizando a contaminação.
Após as massagens, o sêmen era colhido com auxílio de uma seringa de 1 ml. Outro método descrito para
serpentes consiste na eutanásia dos machos, retirada dos ductos deferentes e coleta do sêmen (Langlada et al.,
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1994; Tourmente et al., 2006, 2008), sendo este menos indicado, pois implica a morte do indivíduo.
A realização de espermograma permite conhecer os parâmetros normais de cada espécie e avaliar o
potencial reprodutivo de um macho. No entanto, existem poucos parâmetros de espermograma publicados para
serpentes (Mengden et al., 1980; Samour, 1986; Langlada et al., 1994; Tourmente et al., 2006, 2007; Zacariotti e
Durrant, 2006; Mattson et al., 2007; Zacariotti et al., 2007).
Devido à alta concentração espermática, o sêmen de serpentes é geralmente diluído antes de sua
avaliação inicial. Têm sido utilizados para esta diluição meios de de cultivo de células como o M199 e Ham´s F-
10 (Zacariotti, 2007), o PBS (phosphate-buffered saline; Tourmente et al., 2007) e a solução TL Hepes (Mattson
et al., 2007). Uma avaliação rápida da concentração aparente auxilia na escolha da diluição necessária. Diluições
ao redor de 1:500 têm sido adequadas para a avaliação da motilidade e do vigor espermático, bem como da
morfologia do espermatozoide de serpentes (Mattson et al., 2007; Tourmente et al., 2007; Zacariotti et al., 2007).
É importante ressaltar que os répteis são animais ectotérmicos, assim o uso de placas ou platinas
aquecedoras para a manutenção de equipamentos e amostras a uma temperatura mais elevada que a temperatura
ambiente é desnecessário. Temperaturas entre 25 e 27°C têm sido utilizadas com sucesso para a avaliação da
motilidade e do vigor espermático (Fahrig et al., 2007; Tourmente et al., 2007; Zacariotti et al., 2007).
Foi validada apenas para os espermatozoides de cascavel a técnica de coloração simples de acrossoma e
de peça intermediária utilizando-se a diaminobenzidina (DAB; Innocenti et al., 2006).
Resfriamento e congelação de sêmen
A literatura científica descreve poucas técnicas para a criopreservação de espermatozoides de serpentes
(Mengden et al., 1980; Fahrig et al., 2007; Mattson et al., 2007).
Mengden et al. (1980) mantiveram alguma motilidade espermática por até 96 horas diluindo sêmen em
meio de cultura celular modificado de McCoy e resfriando as amostras até 5°C. Os mesmos autores realizaram a
congelação de espermatozoides de serpentes utilizando um diluidor comercial (detalhes sobre o diluidor não
foram fornecidos) e obtiveram 30% de motilidade após a descongelação.
Fahrig et al. (2007) mantiveram a motilidade espermática acima de 50% por até 48horas em amostras de
sêmen de Elaphe guttata (corn snake) diluídas 1:1 em Test-gema à temperatura ambiente e resfriadas a 4°C em
refrigerador comum, enquanto Mattson et al. (2007) mantiveram a motilidade espermática de E. guttata entre
70,4 e 95% por até três dias sob refrigeração (4-10°C), diluíndo o sêmen em solução TL Hepes para obter
concentrações espermáticas variando entre 2,5 e 13,5 x10
6
sptz/mL. Millar e Watson (2001) reportam que o
glicerol é tóxico para o espermatozoide de serpentes, no entanto Zacariotti e Durrant (2006) congelaram
espermatoozoides de Crotalus ruber (cascavel) utilizando Test-gema com 8% de glicerol e obtiveram 70% da
motilidade imediatamente após a descongelação. Não foram encontradas informações adicionais sobre o uso de
outros crioprotetores na congelação de espermatozoides de serpentes.
Inseminação artificial
A inseminação artificial foi realizada com sucesso utilizando-se sêmen fresco ou resfriado em
Thamnophis marcianus (checkered garter snake; Quinn et al., 1989), Crotalus durissus terrificus (cascavel;
Langlada et al., 1994), Elaphe guttata (corn snake; Mattson et al., 2007), e sem sucesso em Python anchietae
(píton de angola) (Mengden et al., 1980). Nos casos citados, a inseminação artificial gerou ninhadas com
número reduzido quando comparadas àquelas produzidas naturalmente por cópula. Até o momento, não existem
relatos que indiquem sucesso no uso da inseminação artificial de serpentes utilizando sêmen congelado.
A grande maioria dos répteis possui dois ovidutos, mas estes podem ter aberturas simples (testudinos e
crocodilianos) ou duplas (lagartos e serpentes) na cloaca. Assim, durante o procedimento de inseminação, é
importante se certificar de que a deposição do sêmen está sendo realizada nos dois ovidutos (Langlada et al.,
1994; Mattson et al., 2007). As técnicas de inseminação descritas usam acoplada a uma seringa contendo o
sêmen uma sonda, flexível ou rígida, com diâmetro adequado ao tamanho da fêmea, já que o oviduto é bastante
delgado.
A determinação do momento da inseminação em répteis ainda não está definida, e os pesquisadores
utilizam como referência o período que normalmente corresponderia à fase de cópula para a espécie (Langlada et
al., 1994; Mattson et al., 2007).
Perspectivas
A reprodução de répteis, natural ou assistida, representa um grande desafio, com raras exceções. O
pequeno sucesso obtido com uso das técnicas de reprodução assistida se deve em grande parte à escassez de
informações disponíveis sobre a fisiologia reprodutiva dos répteis. Por exemplo, ainda não se sabe até que ponto
o estímulo da cópula é importante na indução de ovulação ou vitelogênese de inúmeras espécies (Mendonça e
Crew, 1990). Apesar destas limitações, cada vez mais surgem estudos utilizando os répteis como modelos
Zacariotti e Guimarães. Aplicações da biotecnologia na reprodução de serpentes.
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experimentais. Não há dúvida de que futuramente a reprodução assistida será uma realidade para as serpentes
como o é para outras espécies.
Agradecimentos
Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, pela bolsa de doutorado
concedida sob processo: 140066/2007-1.
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