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Como citar este artigo:
Smeke L, Queiróz S, Kfouri FA. Enfisema subcutâneo associado à utilização de caneta de alta rotação durante remoção de enxerto – relato de caso.
Full Dent. Sci. 2015; 6(23):275-278.
Enfisema subcutâneo associado à utilização de caneta de alta rotação
durante remoção de enxerto – relato de caso
Subcutaneous emphysema associated with the use of high-speed drill during graft
harvesting – case report
Lilian Smeke1
Sormani Queiróz2
Flávio de Ávila Kfouri3
1 Profª. – ABO, Esp. em Implantologia, Periodontia e Endodontia – ABO/SP.
2 Esp. em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial, Prof. do Curso de Odontologia – FCRS.
3 Dr. em Ciência da Saúde, Ms. em Implantologia – ABO/SP, Presidente – ABO/Osasco.
E-mail do autor: liliansmeke@hotmail.com
Enviado para publicação: 18/05/2014
Aceito para publicação: 19/08/2014
Resumo
O enfisema subcutâneo consiste na entrada de ar nos tecidos moles e cavidades do corpo
como resultado de um procedimento cirúrgico, patologia ou trauma. Em Odontologia repre-
senta uma condição rara. Os casos relatados geralmente têm relação com o uso de canetas
de alta rotação, no entanto, também já foi descrito com o uso do jato de ar da seringa tríplice
em procedimentos endodônticos e restauradores. Caracteriza-se pelo edema súbito e difuso
que pode envolver a região periorbitária, bochechas, submandibular ou cervical. Este trabalho
descreve um relato de caso clínico de enfisema subcutâneo em uma paciente submetida à
remoção de enxerto autógeno de linha oblíqua mandibular com a utilização de caneta de alta
rotação para reconstrução óssea de maxila previamente à colocação de implantes. No terceiro
dia notou-se sensível melhora quanto ao inchaço periorbitário e regressão do mesmo nos dias
subsequentes. Embora o enfisema subcutâneo seja pouco frequente e inócuo, normalmente
se resolve sem sequelas de maneira espontânea dentro de alguns dias, pode migrar ao longo
dos planos fasciais para estruturas profundas, podendo resultar em sérias complicações. O
correto diagnóstico é fundamental a fim de evitar maiores complicações.
Descritores: Transplante ósseo, enfisema subcutâneo, implantação dentária, equipa-
mentos odontológicos de alta rotação.
Abstract
Subcutaneous emphysema is caused by the introduction of air into soft tissues and body
cavities due to surgical procedure, disease or trauma. It is a rare condition in Dentistry. Cases
of cutaneous emphysema are commonly associated with the use of high-speed handpieces,
but cases associated with triple air syringes have also been described in endodontic and re-
storative procedures. It is characterized by a sudden and diffuse edema that may involve the
periorbital region, cheeks, and submandibular and cervical regions. This study described a
case report of subcutaneous emphysema that occurred during bone-graft harvesting from the
oblique line for maxillary reconstruction prior to the placement of dental implants. Periorbital
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edema showed a marked improvement on the third postoperative day and gradual reduction
on the subsequent days. Although subcutaneous emphysema is an uncommon and innocu-
ous condition that usually resolves spontaneously in few days without leaving sequels, it may
migrate along the fascial planes to deeper structures and result in serious complications. A
correct diagnosis is extremely important to prevent major complications.
Descriptors: Bone transplantation, subcutaneous emphysema, dental implantation, den-
tal equipment.
Introdução
O enfisema subcutâneo consiste na entrada de
ar nos tecidos moles e cavidades do corpo como re-
sultado de um procedimento cirúrgico, patologia ou
trauma. Foi descrito pela primeira vez por Turnbull14
(1900), após a extração de um pré-molar8. Na região
da cabeça e pescoço, o enfisema subcutâneo é uma
condição rara, tendo sido descrito em procedimentos
cirúrgicos bucais ou após o trauma bucomaxilofacial.
Os casos relatados geralmente têm relação com o uso
de canetas de alta rotação em remoção de terceiros
molares superiores ou inferiores, no entanto, tam-
bém já foi descrito com o uso do jato de ar da seringa
tríplice em procedimentos endodônticos e restaura-
dores3,4,12. Clinicamente, essa condição caracteriza-
-se pelo edema súbito e difuso, que pode envolver
a região periorbitária, bochechas, submandibular ou
cervical. O tecido torna-se crepitante à palpação, po-
dendo haver dor e, mais tardiamente, infecção8. O
diagnóstico pode ser complementado por radiografas,
tomografias ou ultrassom, evidenciando-se bolhas de
ar no interior dos tecidos16. Embora na maioria dos
casos o curso dessa condição seja benigno, com reso-
lução espontânea em poucos dias, o pronto e correto
diagnóstico são fundamentais para um manejo ade-
quado do quadro, pois muitas vezes confunde-se com
reação alérgica, e também pode haver penetração
do ar para os espaços cervicais profundos e daí até
o tórax, podendo desenvolver um pneumomediastino
ou pneumotórax, que trazem um potencial risco de
vida ao paciente2. Nesse artigo é relatado um caso de
enfisema subcutâneo em uma paciente submetida à
remoção de enxerto autógeno de linha oblíqua man-
dibular para reconstrução previamente à colocação de
implantes, com o uso de caneta de alta rotação. Serão
discutidos aspectos relativos à etiologia, diagnóstico e
condutas diante do quadro.
Relato de caso
Paciente, 40 anos, sexo feminino, procurou a clí-
nica de uma instituição odontológica para realizar tra-
tamento reabilitador com implantes dentários. A pa-
ciente apresentava saúde geral satisfatória, agenesia
dos elementos 12 e 22; encontrava-se em tratamento
ortodôntico a fim de restabelecer os espaços adequa-
dos dos elementos ausentes para posterior instalação
de implantes dentários. Através de uma tomografia
computadorizada cone beam foi observado pouca es-
pessura óssea nas regiões a serem implantadas. Devido
a esse fato, uma cirurgia de enxerto em linha oblíqua
foi proposta para se obter um ganho ósseo em espes-
sura nas regiões de 12 e 22. Foi administrada anestesia
pterigomandibular com mepivacaína 2% com adrena-
lina 1:100.000. Uma incisão na região retromolar da
mandíbula até a distal do primeiro molar, com duas
relaxantes, foi realizada para se alcançar a linha oblíqua
da paciente. Após a divulsão do retalho, teve início a
osteotomia na região, com uma trefina de diâmetro
5,0 mm, acoplada em contra-ângulo de motor elétrico
para implante, perpendicular ao leito ósseo; uma regu-
larização da osteotomia bem como o corte da secção
mais apical do enxerto foi realizada com broca Zecrya
em caneta de alta rotação (Figura 1).
No decorrer desse procedimento verificou-se o au-
mento de volume na região periorbitária da paciente,
do mesmo lado da osteotomia (Figura 2 A-C).
Figura 1 – Osteotomia com trena de diâmetro 5,0 mm e regu-
larização com broca Zecrya em caneta de alta rotação (Associa-
ção Brasileira de Odontologia de São Paulo, 2013).
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Figura 2 (A-C) – Aumento de volume na região periorbitária da paciente, no mesmo lado da osteotomia (Associação Brasileira de
Odontologia de São Paulo, 2013).
A princípio suspeitou-se de possível reação alérgi-
ca. A cirurgia foi abortada e a região suturada rapi-
damente. Como a paciente continuava com todos os
seus sinais vitais estáveis e controlados, suspeitamos
então que a causa do edema fosse do ar do instrumen-
to rotatório. Ela encontrava-se sedada no momento da
cirurgia com 1 comprimido de Midazolam (15 mg). Foi
prescrito como medicação profilática e pós-operatória
Azitromicina (500 mg) – 1 comprimido 2 horas antes
da cirurgia e 1 comprimido 1 x ao dia durante 5 dias
após o procedimento; Diprospan intramuscular aplica-
do pela manhã no dia da cirurgia e Paracetamol (750
mg) – 1 comprimido 1 hora antes da cirurgia e 1 com-
primido de 4/4 horas enquanto houvesse dor. A pacien-
te foi acompanhada e orientada sobre o acidente. No
dia seguinte, após queixa de dor no peito, a mesma foi
internada em hospital onde foi diagnosticado o enfise-
ma subcutâneo e ministrada Clindamicina endovenosa
como profilaxia antibiótica. No terceiro dia já se notava
uma sensível melhora quanto ao inchaço periorbitário
e regressão do mesmo nos dias subsequentes.
O estudo segue os princípios éticos da Declaração
de Helsinque da Associação Médica Mundial de 2000
e posteriores revisões, e a Resolução 196/96 do Conse-
lho Nacional de Saúde.
Discussão
O enfisema subcutâneo é uma patologia pouco
comum na prática dentária e sua aparição pode ser
alarmante tanto para o paciente quanto para o pro-
fissional; pode ser do tipo traumático, iatrogênico ou
espontâneo7. Por isso a importância de um diagnóstico
diferencial em relação a outras patologias que apresen-
tam aumento de volume como hematoma, reação alér-
A B C
gica e angioedema3,7,9,10,13,17. Alguns profissionais têm
erroneamente confundido o enfisema subcutâneo com
uma reação alérgica12. Podemos distingui-las através de
sinais e sintomas9,10,12 (Tabela 1).
Devido ao custo de motores elétricos com pontas
cirúrgicas, o profissional é levado a utilizar suas canetas
de alta rotação para procedimentos de osteotomia nas
diversas regiões intraorais. O uso desta é comum em
osteotomias para remoção de enxertos, em Implanto-
dontia. No caso relatado, o aparecimento do enfisema
subcutâneo foi inesperado visto que sua ocorrência em
casos relacionados a estes procedimentos é raríssima2.
O ar, provavelmente, invadiu o espaço bucal e pro-
grediu através do tecido conjuntivo subcutâneo para
a região das pálpebras, no espaço infraorbital. A pele
desta região é a mais fina do corpo, possui muitas fi-
bras elásticas e é pouco unida ao músculo subjacente,
permitindo que grandes quantidades de fluidos ou ar
se acumulem neste tecido conjuntivo frouxo5.
Os sinais e sintomas mais comuns são o aumento de
volume difuso, geralmente envolvendo a região cervico-
facial ou mesmo torácica, dor e desconforto nas regiões
afetadas e, sobretudo, a crepitação à palpação12. No caso
apresentado, a paciente apresentou aumento de volume
difuso, de início súbito, que de início levou a suspeita de
reação alérgica. No entanto, não houve alteração de si-
nais vitais, nem dificuldade respiratória. Como a paciente
apresentou sintoma de dor no tórax no dia seguinte ao
procedimento, foi encaminhada ao hospital onde foi fe-
chado o diagnóstico de enfisema subcutâneo.
O enfisema subcutâneo por si só é inócuo, sendo
que normalmente se resolve sem sequelas dentro de
alguns dias. Porém, o ar aprisionado pode migrar ao
longo dos planos fasciais para estruturas profundas,
podendo resultar em sérias complicações15,16
.
Smeke L, Queiróz S, Kfouri FA.
Full Dent. Sci. 2015; 6(23):275-278.
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Tabela 1 – Tabela comparativa de sinais e sintomas entre o ensema subcutâneo e reação alérgica.
Sistemas Enfisema subcutâneo Reação alérgica
Sinais Sintomas Sinais Sintomas
Pulmonar Normal Normal
Aumento da frequência respiratória,
edema de laringe, broncoespasmo,
edema pulmonar
Chiado, tosse,
dispneia, aperto
no peito
Cardiovascular Normal Normal Hipotensão, taquicardia, disritmia
cardíaca, parada cardíaca
Aperto de dor
no peito
Mucocutâneo
Edema difuso,
crepitação à
palpação
Dor e desconforto
nas regiões afetadas
Urticária, rubor, sudorese, edema
gengival e periorbitário
Coceira, ardor,
prurido e
lacrimejamento
Neurológico Normal Tonturas e fadiga Alteração mental e inconsciência Tonturas, perda de
orientação, fadiga
Gastrointestinal Normal Náusea Vômito e diarreia Náusea e cólica
Renal Normal Normal Diminuição na produção de urina
Hematológico Normal Normal Coagulação intravascular disseminada Sangramento de
mucosas
O caso clínico descrito não evoluiu para infecção,
o que está de acordo com a literatura segundo a qual,
na maioria dos casos, sinais e sintomas de infecção não
estão normalmente presentes4,6.
Para se avaliar a extensão das regiões afetadas po-
de-se lançar mão de exames de imagens como radio-
grafias convencionais, ultrassonografia e tomografia
computadorizada11.
O enfisema subcutâneo geralmente é reabsorvido
espontaneamente, permanecendo por um período de
uma a três semanas1. O tratamento do enfisema subcu-
tâneo será baseado em orientações ao paciente, uso de
medicações e controle rigoroso da evolução do caso8.
No nosso relato, embora a paciente tenha apresen-
tado a dor no tórax no dia subsequente ao episódio,
tendo sido internada e recebido medicação intraveno-
sa, em poucos dias o quadro clínico sofreu regressão,
mostrando que essa condição, quando diagnosticada
e corretamente acompanhada, geralmente apresenta
uma boa evolução.
Conclusão
O aparecimento do enfisema subcutâneo devido à
utilização de caneta com alta rotação é pouco frequen-
te na Odontologia, especialmente em Implantodontia.
A fim de se evitar tal intercorrência, uma opção seria a
utilização de motores elétricos com pontas cirúrgicas
retas e anguladas. O correto diagnóstico é fundamen-
tal a fim de evitar maiores complicações. Tendem a re-
gredir de maneira espontânea.
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