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EXPERIÊNCIA E PRÁTICA DE REDAÇÃO
DO TERCEIRO CRITÉRIO: MEDINDO E AVALIANDO NÍVEIS
DE INFORMAÇÃO E ARGUMENTAÇÃO EM REDAÇÕES PARA O
CONCURSO VESTIBULAR UFSC
Fabiano Seixas FERNANDES1
Fernando MENEGHEL2
Introdução
O terceiro dos critérios para a avaliação de redações do
Concurso Vestibular UFSC aparece para o avaliador como segue:
NÍVEL DE INFORMAÇÃO: O candidato precisa
mostrar um nível de informação, em relação ao
mundo em que vive, condizente com seu nível
de escolaridade. As informações apresentadas
devem ser pertinentes às idéias que está
desenvolvendo.
NÍVEL DE ARGUMENTAÇÃO: O vestibulando deve
mostrar que sabe selecionar argumentos e
organizá-los de modo consciente, em função do
ponto de vista adotado, revelando espírito crítico,
situando-se em um universo de referências
concretas, sem apresentar noções generalizantes,
indeterminadas ou vagas, e fazendo uso de
recursos expressivos.
(GuiadoVestibulando 2008, p. 18)
Estetalvezsejaocritériomaisdifícilnãosódesecumprir,
mas também de se avaliar. Este estudo pretende esclarecer a relação
entre os níveis de informação e de argumentação, bem como alguns
1 Doutor em Literatura pela UFSC. Avaliador de redações dos Concursos
VestibularesUFSC2005,2006e2007.Contato:fbnfnds@gmail.com
2 Doutor em Literatura pela UFSC. Avaliador de redações dos Concursos
Vestibulares UFSC 2004, 2005 e 2006. Contato: ffffffffmmmmmmmm@gmail.
com
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DO TERCEIRO CRITÉRIO
problemas freqüentes encontrados em redações argumentativas.
O corpus é composto por trechos de redações para o Concurso
Vestibular2005–maisespecicamente,redaçõesqueversamsobre
uma de suas propostas temáticas, aquela que pedia ao candidato que
discorresse sobre a importância e/ou os riscos de se implementar a
política de cotas em instituições de ensino superior. Os candidatos
que optaram por esta proposta elaboraram, em sua grande maioria,
redações argumentativas – o que não ocorreu com a outra proposta do
mesmo ano, nem com as propostas para os Concursos Vestibulares
UFSC2006e2007–,eporissoaconsideramosidealparaopresente
estudo.
Este estudo pretende servir de subsídio para professores e
estudantes interessados não apenas em compreender o processo
avaliativo das redações, mas também em repensar as estratégias
argumentativas que ensinam/empregam. Algumas das perguntas às
quais tenta responder são: Em uma redação para Concurso Vestibular:
(a) O que é um argumento? (b) O que é argumentar? (c) O que é
estar/mostrar-se informado? (d) Como mostrar-se informado? (e)
Mostrar-se informado equivale a argumentar? (f) É mais importante
mostrar-se informado ou argumentar?
2 O que é mostrar-se informado?
Uma das exigências impostas ao candidato, para que venha
a receber uma boa nota em sua redação, é a de que se mostre bem
informado. De fato, é, sim, esperado que o candidato apresente
informações, mas saber onde e como usá-las é igualmente importante
para a produção de um texto argumentativo convincente.
Uma primeira coisa que o candidato deve ter mente é que, como
é virtualmente impossível escrever um texto sem ter o que dizer, nem
tudo o que escreve é informação: segundo Costa Val (2004), um texto
é sempre composto por informações novas e antigas, e tal combinação
é necessária: textos excessivamente ricos em novidade podem ser
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EXPERIÊNCIA E PRÁTICA DE REDAÇÃO
difíceis de ler e compreender3, textos excessivamente carregados
de informações óbvias são desinteressantes e desnecessários4. O
uso indiscriminado de informações amplamente conhecidas é um
dosprincipaisproblemasdemuitoscandidatos:parajusticaruma
opinião, é comum as redações apresentarem informações históricas,
outentaremjusticarumasituaçãocorrenteapartirdaretomadados
processos históricos que a geraram5. Ora, o candidato que apresenta
dados históricos amplamente conhecidos não está informando, pois
praticamente todas as pessoas que cursaram o ensino médio seriam
capazes de os apresentar. Os candidatos também devem ter em
3 Ou, mais precisamente, “de serem textualizados”. O conceito de textua-
lização (Ver COSTA VAL: 2004) é central para o modo como a autora compreende
produção e interpretação de textos, e nos parece igualmente importante para com-
preender o processo de avaliação de redações. Resumindo-o, diríamos que todo au-
tor constrói seu texto deixando pistas que permitirão ao leitor reconstruí-lo. Usando
um exemplo bem simples, todo texto é como um quebra-cabeça: é função do leitor
montaragura,massóopoderáfazerseoautorhouvercolocadodentrodacaixa
tudooqueénecessárioparaqueagurasejainteiramentereconstruída.Certamen-
te, interpretar o que nos dizem ou o que lemos nos parecerá mais fácil que montar
um quebra-cabeça; curiosamente, é mais complexo: no quebra-cabeça, cada peça
tem seu lugar, ao passo que, em um texto bem construído, diferentes idéias ou itens
podem ser encaixados em mais de um lugar (ou, dependendo do leitor) deixados de
lado, sem que isso cause problemas.
4 Salientamos, contudo, que informações que o autor supõe conhecidas
do leitor podem ser apresentadas, se aquele considera muito importante que este
astenhaemmentedurantealeitura,ousedesejalhesdarumanovainterpretação.
Note-se, ainda, que nenhuma informação é nova ou antiga em si mesma: o que
nosfaz julgálascomonovasouantigasénossoleitor ideal. Quando falamos ou
escrevemos, temos o desapercebido costume de fazer previsões de como serão nos-
sos ouvintes/leitores: do que gostam, quais palavras entendem, o que precisamos
lhes dizer para melhor nos compreenderem. Em teoria, pode parecer uma exigência
exagerada – adivinhar o que se passa na cabeça de um desconhecido que lerá nosso
texto em nossa ausência –, mas é, de fato, uma habilidade que exercemos diaria-
mente, e portanto bem mais simples de se executar do que de analisar.
5 Um exemplo disso, ocorrido nos Concursos Vestibulares UFSC 2004 e
2005,éocasodeocandidatoarmarqueopreconceitoestáarraigadonasociedade
devido à escravidão e a suas seqüelas. A escravidão é fato conhecidíssimo, e os
níveis de informação e argumentação do texto, a partir de sua mera existência na
história do Brasil, correm o risco de ser considerados baixos, diminuindo a nota
naldocandidato.
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DO TERCEIRO CRITÉRIO
mente que mesmo dados precisos, como nomes de lugares ou datas,
podem ser irrelevantes para a opinião sendo defendida6. Embora um
candidato que apresenta um nível de informação histórica mais amplo
tenha, sim, vantagem sobre o que apresenta apenas as informações
históricas mais comuns ou menos desenvolvidas, é importante que
estejacientedequearedação paraoConcursoVestibularnãolhe
exige provas de erudição ou memória prodigiosa; se as demonstrar,
trazendo muitas informações sobre a história, a atual conjetura
do país e assuntos de interesse mundial, tanto melhor. Mas o que
realmente se espera é não só que demonstre estar minimamente a par
da história do Brasil e dos acontecimentos atuais, mas principalmente
que saiba relacionálosàpropostatemática– justamenteporisso
informação e argumentação vêm juntas no terceiro critério de
avaliação. O essencial da exigência do nível de informação é que o
candidato demonstre estar apto a fazer de uma informação um forte
subsídio para os seus argumentos; apesar da supracitada vantagem,
o candidato que apenas se excede em informações corre o risco de
que não lhe sobrem linhas para que também demonstre que sabe
argumentar.
Certamente, saber dosar entre argumentos e informações é,
para o candidato, um problema. A limitação do número de linhas
restringesignicativamenteoquepodeserescritoemumaredação:
o candidato que demonstra estar bem informado corre o risco de
ter pouco espaço para produzir uma argumentação igualmente boa;
o que se preocupa mais com uma sustentação de nível puramente
argumentativo, a m de provar o valor e o bom nível de sua
argumentação, corre o risco de não haver sido sucientemente
informativo. Acreditamos que a ênfase sobre a necessidade da
apresentação de informações pode ser prejudicial, na medida em
6 No caso da discussão sobre as cotas, as redações por vezes mencionam
a Lei Áurea ou leis anteriores, como a Sexagenária e a do Ventre-Livre, e mesmo
seus anos de promulgação. Mesmo corretos, esses dados ainda correm o risco de
pertencer ao esquema “a situação econômica da maioria dos negros é fruto da escra-
vidão”; não passam de minúcias desnecessárias, que não fortalecem um esquema de
pensamentojábastantedifundido.
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EXPERIÊNCIA E PRÁTICA DE REDAÇÃO
que não leva em consideração o fato de que um bom argumento
pode funcionar como prova de que o candidato está bem informado.
Um bom argumento tem a capacidade de suprir a necessidade
informativa, uma vez que bons argumentos costumam ser derivados
de um nível satisfatório de informação sobre o assunto em debate.
3 O que é argumentar?
A própria Língua Portuguesa gentilmente se encarrega de nos
apontar que não se pode argumentar sem argumentos. Argumentar
é, portanto, expor coerentemente argumentos, tendo em vista o
convencimento do interlocutor no tangente a assuntos sobre os quais
ainda não há acordo. Como veremos abaixo, nem todos os tipos de
convencimento são legítimos, mas antes de entrarmos nesse assunto
é necessário estabelecermos o que entendemos por argumento.
Apesar de comum, argumento é um termo muitas vezes mal-
compreendido. Dada a relação entre a qualidade de uma informação
e sua pertinência argumentativa, acima apontada, parece-nos ser
precisamenteafaltadeclareza quanto aoquesejaumargumento
o que leva muitos candidatos a não saber “selecionar argumentos e
organizá-los”.
3.1Deniçãodeargumento
Em sua Introduçãoàlógica,Irving Copi dene argumento
como sendo “qualquer grupodeproposiçõestalque searmeser
uma delas derivada das outras, as quais são consideradas provas
evidentes da verdade da primeira” (1978, p. 23, grifos nossos).
O argumento, portanto, não é uma armação isolada, mas um
conjuntoaidéiadefendidaéparte do conjuntoargumento, enão
externaaele.Esseconjuntoéformadopordoistiposdeproposição:
as “proposições [...] consideradas provas evidentes” chamam-
se premissas a proposição cuja verdade estabelecem chamase
conclusão. É importante ressaltar que nenhuma proposição isolada
– isto é, fora de um argumento – é premissa ou conclusão; estas
sãofunções que assumem dentro de um conjuntoargumento, e a
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DO TERCEIRO CRITÉRIO
mesma proposição pode ser conclusão de um argumento e premissa
de outro.
Os argumentos ainda guardam outras características
importantes: (1)Proposiçõespodemser consideradasverdadeiras
ou falsas; perguntas, exclamações e ordens, não: a idéia de que
a Terra gira em torno do Sol pode ser verdadeira ou falsa, mas a
pergunta “A Terra gira em torno do Sol?” não é nem uma coisa nem
outra. Neste ponto, há duas ressalvas a serem feitas. A primeira é
que argumentos podem ser enunciados sob a forma de perguntas
retóricas; nestes casos, é necessário que não se os analise como
perguntas. A segunda é que certos tipos de ordens podem, sim, ser
analisadas como se contivessem argumentos implícitos. Nestes
casos, tem-se a impressão (às vezes falsa) de que o cumprimento
da ordem depende da aceitação da validade do argumento implícito.
Assim,
Não se exalte, sua pressão vai subir.
é diferente de
Passe a bolsa! Isto é um assalto!
No primeiro caso, o pedido oferece uma razão pela qual deve ser
aceito–ouseja,deveseraceitoporqueéracional–emvistadisso,
podemos interpretá-lo da seguinte maneira:
AA7
PA1: A pressão sobe quando nos exaltamos.
PA2 (implícita): Quem tem problemas de pressão não deve se
exaltar.
CA: Logo, não é prudente que você (que tem problemas de
pressão) se exalte.
7 Entenda-se pelas siglas: AA: argumento A; PA1: 1a premissa de AA; PA2:
2a premissa de AA; CA: conclusão de AA. Cada argumento aqui exposto receberá
nova letra, em progressão alfabética (AA, AB, AC etc).
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EXPERIÊNCIA E PRÁTICA DE REDAÇÃO
Issoabreapossibilidadedeoargumentoserrejeitado com
base na contestação da conclusão ou de qualquer das premissas
(podesedizer,porexemplo:“Játomeimeuremédio hoje”,oque
suspende a validade de PA 1 ao apontar uma circunstância especial
que foge à sua generalização). Por sua vez, no caso do assalto, a
ação exigida não é defendida, mas explicada; o assaltante não abre a
possibilidadedediscussãoquantoàpertinência,ecáciaouvalidade
moral do assalto.
(2)Argumentospodemserconfundidoscomexplicações. Isso
se dá por dois motivos: primeiramente, tanto proposições quanto
explicações podem ser verdadeiras ou falsas; também, argumentos
podem guardar semelhança formal com explicações. Assim, embora
pareçam semelhantes,
Comprei estes sapatos, pois estavam em promoção.
é diferente de
Comprei estes sapatos, pois preciso de um sapato em melhor
estado para ir trabalhar.
No primeiro caso, o que se segue ao “pois” não é premissa, nem o
que o antecede, conclusão: fornecer as razões pelas quais se agiu
de determinada forma é diferente de defender a ação por meio de
argumentos, como no segundo caso. Uma explicação, contudo,
pode ter certo valor argumentativo na medida em que for necessária
para a compreensão de um argumento ou para o estabelecimento de
premissascujovalordeverdadenãoépontopacíco.
(3) Argumentos podem ser confundidos com sentenças
condicionais. Uma sentença condicional como
Se estiver chovendo amanhã, não iremos visitar tia Magnólia.
estabelece relação entre duas proposições, de modo que uma
implica a outra, mas ambas poderiam ser totalmente irreais; logo,
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DO TERCEIRO CRITÉRIO
não pode ser considerada nem verdadeira, nem falsa. Mesmo assim,
o pensamento hipotético é parte importante de nossas práticas
argumentativas: quando deliberamos sobre o que pode ter impacto
sobre o futuro, é normal empregarmos sentenças condicionais como
forma de angariar convencimento; por esse motivo, diremos adiante
que a verdade estabelecida pelos argumentos é “certa, provável ou
possível”.
(4) Argumentos podem ser confundidos com provas. L.
Marshall (apud LALANDE, 1999, p.78) arma que todo bom
argumentoaspiraàcondiçãodeprova–ou seja, todo argumento
desejaserverdadeiro,e,portanto,provaraverdadedesuaconclusão.
Prova e argumento são conceitos fortemente relacionados, e sua
relação é tão estreita que podem ser encarados como sinônimos em
certos contextos; mesmo assim, são distintos, e é necessário termos
suas diferenças em mente. Quais são as diferenças entre prova e
argumento? Em primeiro lugar, a prova diz respeito a apenas uma
parte do argumento: as premissas. Isso se deve ao fato de que provas
não são somente proposições: “mostrar uma coisa ou um fato,
exibir um documento, dar testemunho, efetuar uma indução são
provas tanto quanto as demonstrações da matemática e da lógica”
(ABBAGNANO, 2000, p.85, grifos nossos). Em segundo lugar, a
função dos argumentos é mais complexa que a das provas. Embora
Copiarmequeafunçãodoargumentoé“estabeleceraverdade(ou
seja:provar)”,Abbagnano,emseudicionário,nãofalaemverdade,
mas em convencimento. Convencer pode signicar, sim, eliminar
dúvidasquantoà verdadedaconclusão, maspodeter signicados
não-teóricos; para nós, isso é muito importante, pois não estamos
lidando com debate estritamente teórico. No dia-a-dia, convencemos
os outros não só a acatar idéias, mas também a fazer coisas (às vezes
contra a vontade ou convicções éticas). Um argumento, portanto – e
apesar de sua estrutura –, excede os limites do puramente teórico, e
não é sinônimo perfeito de prova.
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EXPERIÊNCIA E PRÁTICA DE REDAÇÃO
3.2 Função do argumento
A complicação entre as supracitadas funções do argumento
(estabelecer a verdade e convencer) aumenta por outro motivo:
a relação entre convencimento e verdade é capciosa. Para que a
verdadesejareconhecidacomotal–eparaqueaçõesfuturassejam
condicionadas por sua descoberta –, é necessário que acreditemos
nela: daí a idéia de que todo argumento aspira à condição de prova.
A verossimilhança é, portanto, importantíssima na argumentação.
Mesmo assim, convencer e estabelecer a verdade são objetivos
distintos. Estabelecer a verdade é, mesmo em assuntos do dia-a-
dia,objetivoestritamenteteórico,aopassoqueconvencertambém
diz respeito a atividades mais prosaicas e, em alguns casos, a
verdade pode não ter valor algum. Como o que aqui nos importa é o
argumento como relaçãodeidéiasemumforoespecícodedebate
– a redação para o Concurso Vestibular –, tomaremos convencimento
pelo estabelecimento da verdade como sendo o objetivo de toda
equalquerdiscussão,ouseja:aqui,oargumento,paraserecaz,
deve cumprir duas condições: (1) estabelecer a verdade (certa,
provável ou possível8) da conclusão; (2) produzir convencimento
de que a conclusão é verdadeira. Assim sendo, argumentos em
que o convencimento se dê em detrimento da verdade devem ser
8 Ou seja,não defendemosque umbom argumentodevaestaracimade
qualquer suspeita; não estamos lidando com Lógica, mas com os componentes ló-
gicosdopensamentocotidiano.Nocasoespecíco deredaçõesparaoConcurso
Vestibular, hipóteses criativas, como veremos na seção 4, podem ser consideradas
argumentossatisfatórios.Osensocríticotambémcriahipóteses,poisdesejavero
mundode outraforma paraentendêlomelhor(jáqueaformacomoovêdiaria-
mentedespertadúvidas)portanto,nasituaçãoespecícadoConcursoVestibular,
quando nos deparamos com hipóteses ou argumentos de baixa probabilidade, vin-
dos de candidatos distintos, sendo um deles destoante da maioria e o outro comum,
o primeiro deve ser valorizado.
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DO TERCEIRO CRITÉRIO
considerados falaciosos9 ou irracionais10.
4 Analisando e avaliando argumentos em redações de Concurso
Vestibular
A partir daqui, forneceremos uma série de exemplos do modo
como a competência argumentativa dos candidatos do Concurso
Vestibular pode ser avaliada. Todos os argumentos expostos serão
avaliados tanto como argumentos puros, quanto como argumentos
apresentados por estudantes do ensino médio prestando exame para
ingressoemumauniversidade.Issotalvezquemaisclaroquando
chegarmosaosexemplos.Aonal,seráefetuadaaanálisedeuma
redação completa.
4.1 Desconhecimento do assunto
Como foi dito acima, um argumento demonstra o nível de
conhecimento do candidato a respeito do assunto sobre o qual
discorre; pode também demonstrar que o candidato não sabe senão
o que há de mais banal a seu respeito, e que suas opiniões são
superciaisedesensocomum.Vejamosoexemploabaixo:
9 Um argumento é falacioso quando emprega um esquema de raciocínio
problemático, mas que produz argumentos aparentemente válidos. Quando cabível,
na seção 4, forneceremos em nota a explicação de algumas falácias comuns.
10 Racionaléquemutilizaoraciocínio,ouseja,écapazdeinferiredefato
infere (conscientemente ou não) conclusões verdadeiras a partir de premissas váli-
dasparaestudaridéias,executartarefaseatingirobjetivos.Destepontodevista,um
argumentoirracional,porémecaz,podeserinstrumento de uma açãoracional: se
o argüidor não está principalmente interessado na verdade e utiliza um argumento
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EXPERIÊNCIA E PRÁTICA DE REDAÇÃO
E111: [...] pois a pessoa não entra na instituição por causa de
seu nível intelectual, mas sim por outros fatores, como cor de
peleerendafamiliar,oqual[sic]nãodeveriaserjulgadoem
um processo de seleção [...]
Estamos diante de um argumento. Se tomarmos “cor de pele
e renda familiar” como sinônimos de “cotas”, o argumento pode ser
formalizado da seguinte maneira:
AB
PB1: Um processo de seleção (de ingresso em instituição de
ensino) deve medir o nível intelectual do candidato.
PB2: A política de cotas não mede nível intelectual.
CB: Logo, a política de cotas não é um processo de seleção
(justo).Ou:Nãoélegítimoimplementarapolíticadecotas.
Esta conclusão é importante para todos os demais exemplos,
pois responde diretamente à pergunta suscitada pela proposta
temática da redação do Concurso Vestibular UFSC 2005: Élegítimo
implementar a política de cotas? Esta pergunta exige uma resposta
do tipo “sim ou não”, embora provida de razões, e restringe as
conclusões a que podem chegar os candidatos, de modo que há
duas conclusões nais possíveis para as redações argumentativas
que versam sobre essa proposta temática, às quais chamaremos
conclusõeschave:
Conclusão-chave 01: É legítimo implementar a política de
falacioso porque estabeleceupremissasválidas arespeitoda situaçãoemquese
encontra e de seus interlocutores, e se este estabelecimento e o uso do argumento
levamsuasconclusões acoincidiremcom seus objetivos,entãoestá sendo,sim,
bastante racional, embora o argumento, utilizado de maneira instrumental e não
teórica,nãooseja.Aqui,contudo,devidoànossanecessidadedequeoconvenci-
mento só se dê pelo estabelecimento da verdade, o termo racional está reduzido à
relação necessária entre premissas válidas e conclusões dentro de uma discussão.
Porinteligentequesejaumargüidorfalaz,epormaiorquesejasuacapacidadede
alcançarseusobjetivos,aquioestaremosconsiderandoirracional.
11 Entenda-se por E1: exemplo 01.
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DO TERCEIRO CRITÉRIO
cotas.
Conclusão-chave 02: Não é legítimo implementar a política
de cotas.
Assim, AB é conclusivo. Foi o mais comum de todos os
argumentos contrários à implementação da política de cotas; também
é o mais fraco, e o que denota menor capacidade de argumentação,
justamentedevidoaobaixíssimoníveldeinformaçãoqueexige.AB
é fraco, pois PB1 é controversa, ou seja, não está sucientemente
estabelecida como verdadeira para sustentar CB. Como sabemos
que não está estabelecida? Um bom indício é o fato de que nem
todos acreditam que o nível intelectual do candidato deva ser a
única maneira de seleção em um Concurso Vestibular; o debate
sobreascotasseinstauroujustamenteporquenemtodospensam
dessamaneira,ouseja:a simples existência do debate sobre as cotas
desautoriza PB1, pois levanta problemas a respeito: dos critérios
de ingresso em uma instituição pública; do papel dos critérios de
seleção intelectual (não é necessariamente verdade que o critério de
seleçãointelectualsejadesrespeitado pelas cotas,havendomuitos
argumentosquebuscamsustentaressaarmação)doscompromissos
sociais (não estritamente intelectuais) de uma instituição pública de
ensino superior. AB, portanto, denota conhecimento demasiadamente
elementar do assunto.
4.2 Analogias indutivas
E2: Nos Estados Unidos da América, por exemplo, um sistema
semelhante [ao de cotas] conseguiu aumentar o número de
negros na classe média e com isso, diminuir não somente a
exclusão como também o preconceito.
Embora E2 apresente um fato, não um argumento, tem
valor argumentativo, pois o leitor consegue facilmente inferir um
argumento implícito. O candidato faz uma comparação entre uma
situação real nos Estados Unidos e uma situação hipotética no Brasil,
apelando ao princípio de indução.
146
EXPERIÊNCIA E PRÁTICA DE REDAÇÃO
O princípio de indução é a base de nossos raciocínios
cotidianos; sempre que algo acontece repetidas vezes, temos
a tendência a imaginar que, em ocasiões futuras, continuará a
acontecer: se virmos várias vezes um mesmo homem vendendo
pipoca à porta do cinema, da próxima vez que formos ao cinema,
esperaremos encontrá-lo lá; se quebrarmos um vidro atirando uma
pedra contra ele, esperaremos que, no futuro, quando atirarmos
pedras contra vidros, quebrá-los-emos; se passamos em frente a uma
casa verde todos os dias no caminho para o trabalho, esperaremos
que,nofuturo,quando passarmosporaquelecaminho, láestejaa
casa verde. A indução estabeleceu boa parte das leis nas quais temos
crença fortíssima (a sucessão entre dia e noite e a lei da gravidade,
por exemplo); é tão forte que, quando observamos desvios da “lei” (o
pipoqueiro não está à porta do cinema, o vidro não se quebra ao ser
atingido, a casa verde não está em nosso caminho para o trabalho),
automaticamente atribuímo-lo a alguma circunstância nova que
nela interferiu (o pipoqueiro está doente, não atiramos a pedra com
força o bastante ou o vidro é reforçado, a casa verde foi demolida ou
pintada de outra cor).
Ou seja, E2 conta com o nossa crença de que padrões
recorrentes do passado continuarão a se repetir no futuro; por isso,
sua informação aumenta a probabilidade de acreditarmos que a
implementação da política de cotas no Brasil traga benefícios. Para
refutá-lo, seria necessário apontar diferenças entre o Brasil e os
Estados Unidos, que provem que as situações são diferentes demais
para que a lei geral se aplique. O argumento poderia ser melhorado
ao antecipar esse risco e fornecer dados que comprovem que o
Brasilé,sim,sucientementesemelhanteaosEstadosUnidospara
esperarmosaquiosmesmosresultados.Nasituação especíca do
ConcursoVestibular,noentanto,talveznãosejapossívelfazerisso
a contento; enquanto trecho de redação, devemos valorizá-lo por
propor um argumento bastante promissor e ser, ao mesmo tempo,
informativo.
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DO TERCEIRO CRITÉRIO
4.3 Premissas
E3:Anal,comessaatitude[aimplementaçãodosistemade
cotas] o governo admite que o sistema educacional brasileiro é
falho, e mesmo assim persiste em tentar corrigir esse problema
não pela base.
E4: Pais pagam escolas particulares não por terem dinheiro
sobrando, mas sim porque o ensino público vem decaindo
muito.[...]Cotasprivilegiampoucos,jáquehámaisestudantes
negros do que o número de cotas oferecidas.
E5: O candidato apresenta o dado que diz que, no Brasil,
de cada 10 estudantes universitários, apenas 1 se forma,
concluindo que “o ensino superior ainda é algo que amedronta
e não é acessível a todos que um dia tentaram ali se aventurar.
Vemos que hoje as cotas tornaramse necessárias se bem
aproveitadas.”
Como vimos em E1, premissas controversas ou contestáveis
não estabelecem conclusões; assim, os candidatos devem ter cuidado
com as razões que sustentam suas opiniões12.
E3armaqueaimplementaçãodapolíticadecotasporparte
do governo implica: (a) admissão de uma falha, mas (b) insistência
em não corrigir o problema. Essas atitudes suscitam uma pergunta:
12 Muitos candidatos se baseiam inadvertidamente em premissas de senso-
comum e aí há um duplo perigo: em primeiro lugar, se a opinião é de senso-comum,
é amplamente difundida; o candidato, portanto, apenas repete o que disse grande
parte dos demais candidatos. Do ponto de vista do avaliador, quando considera
unicamente o terceiro critério, se dois ou dez ou cem candidatos têm a mesmíssima
opinião baseados nas mesmíssimas razões, não faz diferença qual deles entrará na
universidade, pois, sob este ponto de vista, são todos iguais. Em segundo lugar, o
senso-comum é perigoso não porque todas as informações amplamente difundidas
estão erradas (todos sabem que a Terra gira em torno do Sol e que a noite se segue
ao dia, e estas idéias, até onde sabemos, estão corretas), mas porque exige grau
mínimo ou nulo de envolvimento com o assunto. Raciocinamos pelo senso-comum
quandonãotemossucientefamiliaridadecomumassuntoconseqüentemente,o
candidato que usa premissas de senso-comum demonstra não conhecer o assunto
sobre o qual discorre, e seu nível de informação deverá ser considerado baixo pelo
avaliador.
148
EXPERIÊNCIA E PRÁTICA DE REDAÇÃO
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EXPERIÊNCIA E PRÁTICA DE REDAÇÃO
se tenta corrigir a falha, por que não consegue? E3 responde: porque
não corrige oerropelabase. Há, aqui, argumento implícito:
AC
PC1: Um problema só pode ser corrigido se atacada sua base
(sua causa).
PC2: A política de cotas não ataca a base do problema (ao qual
se destina a corrigir).
CC: Logo, a política de cotas não resolve (não resolverá) o
problema.Ou:A políticadecotasnãoé(nãoserá)eciente.
(E, portanto, não deve ser implementada.)
O argumento é fraco, pois o candidato parece aceitar absoluta
e inadvertidamente uma máxima da sabedoria popular: um problema
só pode ser resolvido se “cortarmos o mal pela raiz”. Não há razão
para aceitarmos PA1semressalvas:anal,seocânceréumadoença
genética, então devemos alterar o DNA dos pacientes para curá-
los? Do mesmo modo, não haveria circunstâncias especiais no caso
das cotas, que cancelariam o valor geral da premissa? Já há contra-
argumentos que sugerem que sim, mas E3, calcado no senso-comum,
não os previu, ou talvez não os conheça.
E4 também apresenta informações a partir das quais inferimos
argumentos: os fatos de que há pais de baixo poder aquisitivo que
matriculam os lhos em escolas particulares e de que há mais
negros que cotas estabelecem dois argumentos paralelos, embora
diferentes:
AD’
PAD’: Nem todos os pobres estão em escolas públicas.
CD’: Logo, as cotas de escola pública não são para todos
os pobres.
AD”
PAD”: Há mais negros do que cotas.
CD”: Logo, as cotas raciais não são para todos os
149
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DO TERCEIRO CRITÉRIO
negros.
As cotas, assim sendo, “privilegiam poucos”; “privilegiar
poucos” é uma expressão que certamente nos remete à justiça:
algoquenãoéparatodosnãoéjusto.Assim,temosnovamenteum
argumento implícito:
AE
PE1: (O que é justo deve ser para todos.) (Ou: Uma ação
justadeveprivilegiarigualmenteatodososmembrosdeum
grupo.)
PE2: As cotas não são para todos. (Ou: As cotas não privilegiam
igualmente a todos os membros de um grupo.)
CE:Logo,ascotasnãosãojustas.(E,portanto,nãodevemser
implementadas.)
AE é bom? Para uma redação de vestibular, sim, pois apoiado
em informações que vão contra noções de senso-comum (i.e. a de
que a escola particular é somente “para os ricos”). Apesar disso,
PE1 é apressada e controversa: acaso a miséria e a pobreza são
justasporque“pertencem”igualmente a todosospobres?Se uma
açãojustadeve seruniversal,entãoospobres devemoutodos ao
mesmo tempo melhorar de condição ou todosjuntos permanecer na
pobreza? Alguns candidatos que argumentaram favoravelmente às
cotas demonstraram consciência disso, bem como conhecimento do
signicadoedopropósitodeuma“açãoarmativa”.
E5 é um bom exemplo do que fala o terceiro critério sobre
“saber selecionar informações”, e sobre onde e como empregá-
las. E5 apresentou um dado interessante, mas mal-empregado:
ao argumentar sobre o ingresso na universidade, apresenta como
suporte dados sobre estudantes egressos.Interessantescomosejam,
exigeminferênciasdemais,ouseja,oleitordeve:(a)compreender
que,seaentradanauniversidadeérestrita,analizaçãodocursoé
ainda mais; (b) supor que, se o número de estudantes ingressos de
baixarendajáéescasso, o númerodeuniversitáriosformadosde
origemhumildetalvezosejaaindamais(c)concluirqueoacesso
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do estudante de baixa renda ao ensino superior tem um impedimento
duplo. É um raciocínio instigante, mas de modo algum
AF
PF: A conclusão do ensino superior é bastante restrita (no
Brasil).
CF: Logo, as cotas são necessárias.
é recuperado com a mesma agilidade que os argumentos dos
exemplos anteriores. Se é verdade que, ao lermos, recuperamos
informaçõesimplícitasereconstruímosemparteotrajetocognitivo
do texto, também é verdade que, às vezes – e mesmo quando somos
capazes de compreender o que está escrito –, sentimos que menos
informações foram dadas do que seria necessário para a devida
sinalização do pensamento; parece-nos que é o caso aqui.
4.4 Contra-argumentos
E6: A maior parcela da população reivindica apenas melhorias
no ensino fundamental e médio, mas não percebem que apenas
isso não traz integração social, que pode ser concretizada com
as cotas.
E7: A essência das cotas é dar aos menos favorecidos
economicamente e aos sofredores de preconceito racial, a
oportunidadedeingressoàUniversidade.Nãosignica,como
muitos pensam, que um aluno vindo de escola pública, onde
as condições de ensino e aprofundamento do ensino foram
bem inferiores aos serviços prestados por uma particular,
seráummal[sic]prossional.Vaicabera[sic]Universidade
instituidoradascotasaresponsabilidadedeformarprossionais
tão bem preparados quanto os que entraram sem cotas.
E8: Não se pode também resolver o problema através da
disponibilização de vagas em universidades privadas dada a
diferença de qualidade dessa e da pública. O ensino superior
seria comum e no mercado de trabalho os privilegiados seriam
151
DO TERCEIRO CRITÉRIO 151
DO TERCEIRO CRITÉRIO
graduados em federais ou estaduais. Novamente uma brutal
exclusão.
E9: Em meu modo de ver a situação, a iniciativa da implantação
das cotas não deve ser vista como uma alternativa permanente
para resolver um problema, uma vez que o aluno, sabendo que
teráajudadecisivaquandotentaringressarnoensinosuperior,
não se empenhará em se preparar e isso diminuirá a qualidade
dos nossos universitários. Esse sistema de cotas deve servir
apenas para dar mais tempo às escolas públicas, para que
estas possam reestruturar-se. Sou branco, tenho olhos azuis e
cabelos louros, mas tenho acima de tudo, consciência social de
queessasetnias[negroseíndios]merecemajudaenãotenho
medo que elas possam tomar o meu lugar na universidade.
Por si só, o ato de contraargumentar já demonstra maior
nível informativo por parte do candidato, pois só contra-argumenta
quem conhece ao menos um dos argumentos da opinião contrária.
Estudemos os exemplos acima.
E6 responde a dois dos argumentos até agora estudados –
precisamente, dois dos mais recorrentes –: AB em E1 e, indiretamente,
ACemE3.Desautorizaos nãonecessariamenteporquerejeitaou
problematiza suas premissas, mas porque traz à tona aspectos que
os argüidores que os defenderam parecem ignorar. Ainda que, como
armaE3, “um problema só possa ser resolvido se for atacada a
sua base” (o que não é necessariamente verdade), E6, como E2 e
alguns dos exemplos a seguir, lembra-nos de que há outros aspectos
da questão a serem considerados.
E7,novamente,nãoéargumento,masumaarmaçãoapartir
daqualseinfereum.Aarmaçãonal,queversasobreasobrigações
que teriam as universidades perante os alunos cotistas, responde a um
raciocínio bastante comum, presente em muitas outras redações:
AG
PG1: O aluno cotista (oriundo de escola pública e ingresso na
universidade pela política de cotas) é fraco.
PG2:Oalunofracosetornaummauprossional.
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CG:Oalunocotistasetornaráummauprossional.
AG sustenta o pensamento de muitos candidatos que
utilizaramexpressõescomo “prossionaisdascotas”,referindose
aouniversitáriocotistacomoumprossionalmalformadoefalando
do preconceito que sofreria, e parte da idéia (comum, mas usualmente
aceita como verdadeira) de que o sistema educacional público é
falhonoBrasil.AforçadeE7consiste,justamente,empreveruma
situação particular que cancelaria a lei geral estabelecida por AG:
se as universidades têm obrigações para com seus alunos, também
as têm para com os alunos cotistas; portanto, caso cumpra seu papel,
nãoénecessárioqueosalunoscotistassetornemmausprossionais.
E7demonstra,assim,maiorconsciêncianãosódopapeldapolítica
de cotas, mas também do papel mesmo da universidade perante a
sociedade, trazendo um contra-argumento bastante bom.
Finalmente,éimportanteatentarparaofatodequeE7,embora
defendaascotas,não chega àconclusãochave01seuobjetivo é
desmontar a conclusão-chave 02, ao atacar um argumento bastante
comum utilizado para se chegar até ela.
Também em E8, o contra-argumento é uma hipótese; a diferença
residenofatodenãoresponderaobjeçõesgerais,queinvalidema
legitimidadedapolíticadecotascomoumtodo,masaumaobjeção
particular,quepropõesoluçõesalternativas.Aobjeção,queconsiste
em disponibilizar vagas aos cotistas em universidades privadas, é
ardilosa: reconhece as urgências que levam à implementação da
política de cotas, mas sugere não ser absolutamente necessário
implementaro projeto tal como está ao oferecer uma alternativa
contra ela, E8 monta as seguintes hipóteses: (a) a educação superior
se tornaria comum; (b) os reais benefícios da educação superior
estariam disponíveis somente aos estudantes da rede pública (como
jásesupõequeacontece).Oadjetivo“comum”,naprimeirahipótese,
aciona o seguinte argumento:
AH
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DO TERCEIRO CRITÉRIO
PH1: (A formação universitária é um diferencial.)
PH2: Um diferencial aumenta as chances de se obter bons
empregos.
CH: Logo, o estudante universitário tem maiores chances de
obter um bom emprego.
Por sua vez, “no mercado de trabalho os privilegiados seriam
graduados em federais ou estaduais”, na segunda hipótese, aciona
um segundo argumento (hipotético):
AI
PI1: A rede privada de ensino superior é (se tornaria) inferior à
rede pública de ensino superior.
PI2: O cotista pertenceria à rede privada de ensino superior.
CI: Logo, o cotista teria uma formação universitária inferior (à
do não cotista).
Como o estudante que ingressa em universidades particulares já
é muitas vezes considerado inferior ao que estuda na rede pública
de ensino superior, AH, uma vez em contato com a hipótese de AI,
gera
AJ
PJ1: A formação universitária eminstituiçãopública seria um
diferencial.
PJ2: Um diferencial aumenta as chances de se obter bons
empregos.
CJ: Logo, o estudante universitário formado em instituição
pública teria maiores chances de obter um bom emprego.
Como argumentos, devemos notar que as hipóteses AH e AI
caem nas armadilhas da generalização apressada: não é necessário
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que os estudantes de uma rede de ensino tenham individualmente a
mesma competência (baixa ou alta) da rede de ensino13. Não obstante,
a hipótese, além de instigante e pouco comum, é menos apressada
ou infundada que as que vimos acima; primeiramente, como um
dosprincipaisobjetivosde umainstituiçãodeensinosuperior éa
formação adequada de prossionais, uma universidade pode ser,
sim,estatisticamentejulgadapelaqualidadeprossionaldamaioria
de seus egressos (daí a existência de medidas como o chamado
“provão”), mesmo que, ao nos depararmos com um estudante em
particular, a transferência imediata das propriedades do grupo (a
universidade) a seu integrante (o estudante) siga um padrão errôneo
de raciocínio. Em segundo lugar, há, sim, certas oportunidades que
em sua maioria esmagadora só são proporcionadas pela rede pública
de ensino superior (como, por exemplo, bolsas de pesquisa e de
extensão) e que aumentam as chances de os egressos da rede pública
apresentaremmelhorqualicaçãoprossional.Finalmente,devemos
levar em consideração que a opinião que se possa ter a respeito da
instituição onde estudamos pode ter impacto independente de nossa
real capacidade quando da busca por um emprego (mesmo que esse
impacto, como vimos, deva-se a raciocínio falho). Percebemos,
portanto, que se, por um lado, o esquema argumentativo do candidato
tem uma fraqueza comum aos demais, por outro, tem elementos que
o fortalecem, de modo que não seria necessário muito esforço para
quefosserenado,reestruturadoefortalecido.
E9 possui, interligados, dois argumentos explícitos, um contra-
argumento e um argumento implícito. Os argumentos explícitos
13 Este seria um exemplo de falácia de composição: pressupõe indevida-
mentequetodososmembrosdeumgrupo/elementosdeumconjunto/partesdeum
todo (os estudantes universitários) têm individualmente as mesmas características
queogrupo/oconjunto/otodo(auniversidade).
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DO TERCEIRO CRITÉRIO
sustentam a conclusão-chave 01, ligeiramente alterada14. Não nos
ocuparemos deles – embora assinalemos que ter dois argumentos
sustentandoumamesmaconclusãosejamuitobom–interessanos
uma particularidade do contra-argumento.
Diz o candidato em E9: “Sou branco, tenho olhos azuis
e cabelos louros, mas tenho acima de tudo, consciência social de
queessasetniasmerecemajudaenãotenhomedoqueelaspossam
tomaromeulugarnauniversidade.”Porqueessaarmaçãotem
valor contra-argumentativo? Porque prevê a possibilidade de um
argumento do tipo ad hominem circunstancial15. Assim, não só se
previne contra argumentos “irracionais”, mas também, ao falar em
“consciência social”, aciona um argumento implícito:
AM
PM1: Em um sociedade, o bem estar coletivo deve vir em
primeiro lugar.
PM2: Em nossa sociedade, certas etnias (discriminadas e
marginalizadas) merecem
ajuda.
CM: Logo, é legítimo implementar a política de cotas.
14 AK e AL, aqui explicitados: AK: PK: O estudante (o candidato) não se
esforçaquando contacomajudadecisiva.CK: Logo, as cotas não devem ser uma
solução permanente. Ou: É legítimo implementar temporariamente a política de
cotas. AL: PL: As escolas públicas necessitam de tempo para se estruturar. CL: Logo,
as cotas devem ser uma solução temporária. Ou: É legítimo implementar (tempora-
riamente) a política de cotas.
15 Argumentos ad hominem são falaciosos, pois buscam denegrir o imagem
do argüidor como forma de invalidar suas opiniões, o que não é logicamente aceitá-
vel:ovalordeverdadedeumaidéiaindependedequemadescubraouprora.No
caso do ad hominemcircunstancial,armasequecertascircunstânciasarespeito
doargüidorfazemcomquesuasopiniõessejam“interessadas”enãoidôneas.Não
nos esqueçamos de que nossos argüidores são vestibulandos pleiteando vagas: não
é descabido supor que a defesa ou o ataque à política de cotas se devam ao interesse
pessoal de ingresso; não obstante, muitos candidatos argumentaram de um ponto de
vistapuramenteracionaledesinteressado–éoquepareceapontarE9,aoarmar
queéfavorávelàpolíticadecotas,mesmocorrendooriscodeserprejudicadopor
ela.
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AM é forte: PM1 e PM2 dicilmente seriam abertamente
negadas; também, PM1 é de conhecimento anterior a AK e AL, e
ajudaafortalecêlos.E9,portanto,demonstraumcomplexoesquema
de inter-relação entre argumentos que não só defendem seu ponto de
vista, mas também se resguardam contra argumentos contrários.
4.5 Argumentação e literariedade
Para completar este estudo, analisaremos uma redação inteira.
Diferentemente dos exemplos anteriores, trata-se de uma redação
de caráter mais literário. Desejamos demonstrar que mesmo uma
redação que fuja de uma estrutura claramente dissertativa pode
argumentar, e bem.
E10: SOLILÓQUIO DE UMA ESTUDANTE BRASILEIRA
[§1]AtéqueenmchegouodiadeinscriçãoparaoVestibular.
Nossa, como está caro! Ainda bem que eu economizei um
dinheirinho...
[§2] Vamos ver: nome? OK! Endereço? OK! Curso? OK!
Hum... essa universidade tem cotas para negros, pardos e
pessoas que estudaram em escolas públicas. Que top! Será
que eu posso assinalar as duas opções? Acho que não! Vou ter
que escolher.
[§3] Nós, negros, buscamos sempre o m do preconceito,
lutamos pelo respeito da nossa raça. Será que se eu marcar
cotasparanegros vouestarmedescriminando [sic]?Anal,
pelooqueeusei,90%dosbrasileirossãomestiços,ouseja,
querendo ou não, eles tem [sic] sangue negro na veia.
[§4]Agoramelembreidalhadapatroadaminhamãeque
ano passado chegou chorando em casa porque ela tinha feito
mais pontos no Vestibular do que muitos que conseguiram
uma vaga por causa das cotas. coitada [sic]!
[§5] Eu tenho consciência de que essas cotas também é [sic]
uma forma de mascarar a situação precária que é a educação
nesse país. Eu também não acho justo “tirar” a vaga de
alguém que fez mais pontos do que eu, mas essa é a minha
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DO TERCEIRO CRITÉRIO 157
DO TERCEIRO CRITÉRIO
única opção, pois a patroa da minha mãe teve condições de
pagarasmelhoresescolasparaalhadela,enquantoaminha
mãetevequecarumdiainteironuma la,embaixodesol
pra tentar conseguir uma vaga numa escola pública pra mim
e pros meus irmãos. Isso sim é injusto! Se muitas pessoas
achaminjustoascotas,eutambémachoinjustonãopoderter
osmesmosprivilégiosqueelas.Eunãopossocarmaisum
ano estudando, tenho que trabalhar e se eu quero vencer na
vida tenho que agarrar todas as oportunidades, é a minha única
alternativa. Ah, tenho que marcar uma das alternativas. Cotas
para negros ou para escolas públicas? Acho que vou marcar
cota para escolas públicas, mas com caneta de tinta preta.
Trata-se de uma narrativa em primeira pessoa: quem fala
consigomesmaéumajovem,negra,lhadedoméstica,formanda
doensinomédiopelaredepública e de situação nanceiraruim.
Quando a encontramos, concentra-se no preenchimento dos
dados de inscrição do Concurso Vestibular; ao se deparar com a
possibilidade de ingressar na universidade como cotista, volta-se
para a tomada de uma decisão. Antes, porém, de se decidir, precisa
se convencer de que fará algo adequado não só à sua condição de
vida,mastambéma seumododepensar.Ouseja,comoAMem
E9, pensa na relação entre sua condição individual e a sociedade;
a diferença é que, enquanto em E9 o candidato se alinhava à classe
média, aqui o alinhamento é com a classe menos favorecida.
O terceiro parágrafo marca o início de seu processo de escolha,
levantando argumentos contrários às cotas. Muitos candidatos
armaramqueosistemadecotasdiscriminariaosnegrosaoinvés
de ajudálos a estudante brasileira não desconhece a armação,
esequestionasesua luta contraopreconceitoseriaprejudicada.
Menciona, a seguir, o argumento do mérito intelectual, visto em E1,
eaquiretratadonocasoda“lhadapatroa”.
O quinto parágrafo traz seu contra-argumento a E1: essa é
sua única chance de ingresso na universidade. Como nos contra-
argumentos acima estudados, o aspecto intelectual do problema é
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EXPERIÊNCIA E PRÁTICA DE REDAÇÃO
respondido pelo aspecto social: se é verdade que as cotas ferem
o princípio de ingresso por excelência acadêmica, também é
verdade que nem todos os estudantes têm acesso aos melhores
cursos preparatórios, nem podem prestar o Concurso Vestibular
indenidamente. E9 fala em dar tempo para as escolas públicas
se reestruturarem; E10 complementa essa idéia de modo bastante
interessante: ao criar personagens – ao atribuir pessoalidade
aos problemas da estudante, de sua mãe e da lha da patroa –,
possibilita a empatia do leitor com pessoas “de verdade” e seus
problemas“reais”eurgentes.Ouseja:asescolaspúblicasprecisam
de tempo, mas seus estudantes não têm tempo algum. A estudante
brasileira de classe baixa dehoje não pode esperar para ingressar
na universidade, pois se veria forçada a trabalhar, e talvez perdesse
achanceemdenitivonãoéocasodalhadapatroa,quepoderá
pagarmaisumanodecursopreparatório.Ouseja,ocontrasteentre
os critérios social e intelectual levam sua decisão a recair sobre o
primeiro: coerente com sua posição ideológica de não coadunar com
um possível ato discriminatório, opta pelas cotas para estudantes de
escolaspúblicas.Nãoobstante,afrasenalretomasimbolicamente
aposiçãoabandonadadecertomodo,arma(parasimesma)queé
como negra que se inscreve nas cotas para egressos de instituições
públicas:nãodesejaincorrerempreconceito,e,portanto,evita a
opção sobre a qual apresentou dúvidas mas não contra-argumentos,
mas ainda não deseja coadunar com a opinião de que não há
preconceito em um país “mestiço”. Assim, a redação nos mostra
uma personagem sucientemente forte, com princípios claros
e com vontade de superar a situação econômica precária sem os
abandonar.
Um possível problema de E10 seria o nível de informação,
explicitamente baixo. Há a informação percentual (certamente
aproximativa e imprecisa) acerca da mestiçagem do povo brasileiro,
e as informações vivenciais acerca da situação das escolas públicas
de ensino fundamental e médio no Brasil – ambas comuníssimas.
Maslembremonosdoquecouditoacima:umaboaargumentação
supre a necessidade de boas ou extensas informações (o contrário, no
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DO TERCEIRO CRITÉRIO
entanto, não acontece: boas informações não suprem a necessidade
de uma boa argumentação). Em E10, o baixo nível de informação
é apenas aparente: para ser capaz de escrever como escreveu, o
candidato deve ter entrado em contato com uma realidade distinta
dasuaeterreetidoaseurespeito:casosejaumestudantedeclasse
média escrevendo do ponto de vista de uma estudante de classe
baixa,issocaevidentecasosejamesmoumestudantedeclasse
baixa, ainda assim teve de se colocar, temporariamente, no lugar de
estudantes de classe média para elaborar alguns dos argumentos aos
quaisresponde.Deumjeitooudeoutro,ocandidatodemonstrou
domínio de mais informações do que o texto deixa transparecer,
além de grande capacidade inventiva.
5 Conclusões
A exposição dos exemplos reforça algumas das idéias
defendidas na seção 2: os níveis de informação e de argumentação
estão adequadamente imiscuídos no terceiro critério de avaliação,
pois para se argumentar são necessários conhecimento sobre o
assunto, capacidade de selecionar os dados mais adequados e
cuidado com as premissas que suportam nossas conclusões.
Como a exposição dos exemplos deve haver evidenciado,
argumentar é uma tarefa necessariamente intertextual; pa Embora
um candidato que apresenta um nível mais amplo de informação
históricatenharecenaturalqueavaliarargumentostambémoseja.
Oconjuntodasredaçõespermiteaoavaliadoraveriguarafreqüência
dos argumentos e estratégias apresentados pelos candidatos,
e conseqüentemente determinar quais informações devem ser
consideradas pertencentes ao senso comum, e negativamente
valoradas; também lhe possibilita encontrar em algumas redações
contraargumentosao queoutras(nãoraro,amaioria)armam.O
candidato deve ter em mente que seus argumentos correm o risco
de ser antecipados e respondidos por outros, mais bem informados,
equeissopodelheserprejudicial.Idealmente,ocandidatodeveria
possuir mais informações do que disponibiliza explicitamente
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ao leitor, para, baseado nelas, poder elaborar argumentos fortes e
respondera(ouseja:prever)contraargumentos.
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