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M. Helena Vieira
Rudesindo Soutelo
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2014
Arte Tripharia
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P E M 2014 M. H. Vieira - R. Soutelo
AT
9 788486 230517
P
E M
2014
Título Percursos do Ensino da Música - 2014
Organizadores
do volume M. Helena Vieira
Rudesindo Soutelo
Organização Simpósio Nacional
‘Percursos do Ensino da Música’
Parcerias Instituto de Educação da Universidade do
Minho.
Centro de Investigação em Estudos da
Criança (CIEC).
Câmara Municipal de Ponte de Lima.
Composição,
paginação e capa Rudesindo Soutelo
Impressão VASP DPS, Agualva Cacém (Portugal).
© 2014 by Autores dos textos
Edição Arte Tripharia
Apartado 147
E-36700-Tui (Galiza)
Depósito Legal 396357/15
ISBN 978-84-86230-51-7
Nota: Os textos seguem as opções ortográfi cas de cada autor.
M. Helena Vieira
Rudesindo Soutelo
P
E M
2014
Arte Tripharia
Índice
P E M
Nota de abertura
Rudesindo Soutelo ............................................................9
Introdução
M. Helena Vieira ..............................................................13
S 1
P
Org.: M. Helena Vieira .....................................................19
Três breves notas para uma conversa sobre o ensino da
música
Catarina Martins ..............................................................21
O ensino especializado das artes em Portugal. Uma
abordagem rápida
Miguel Tiago ....................................................................25
C 01
O ensino de piano em grupo para o desenvolvimento da
literacia musical
Rui Pintão & M. Helena Vieira .........................................33
C 02
O papel do ensino instrumental em grupo na motivação
dos alunos. Construção partilhada de um portefólio de
actividades numa disciplina de Música de Câmara
Eva Neiva & M. Helena Vieira .........................................51
C 03
O desenvolvimento da criatividade em contexto de mini-
grupo. Relato de um projeto de investigação e intervenção
pedagógica com alunos do ensino básico do saxofone.
Eugénia Martins & M. Helena Vieira ..............................75
C 04
Contributos para uma Etnopedagogia Musical no ensino
instrumental das escolas especializadas
Hugo Brito & M. Helena Vieira .......................................91
C 05
O ensino articulado da música: desafi os e compromissos
para um acesso efetivo à aprendizagem musical
António Pacheco ...........................................................107
C 06
A importância das orquestras escolares no ensino
genérico para uma melhor orientação vocacional e criação
de públicos
Maria Helena Cabral .....................................................117
R
Conservatório de Música do Porto, 1917-2014 – 97 anos ao
serviço do ensino da música em Portugal
António Moreira Jorge ...................................................127
S 2
C P
Org.: Rudesindo Soutelo ...............................................135
C 07
O Compositor Homem / O Homem Compositor
Ana Seara .....................................................................137
C 08
Entre a música e a economia, a teoria e a prática, a discência
e a docência: breves refl exões sobre o meu percurso como
compositor
Daniel Moreira ...............................................................149
C 09
Da Quimera à Realidade. Um autorretrato sobre o rosto
de ser criador
Rafael Araújo ................................................................163
C 10
Composição. Um percurso de conhecimento interior
Tiago Lestre ..................................................................175
S 3
A
Org.: Eugénia Moura .....................................................185
C 11
(Des)encantos e (des)ilusões na gestão de uma escola
artística
Ana Maria Caldeira .......................................................187
C 12
Os apoios do FSE ao ensino da música
Alexandra Vilela ............................................................197
S 4
A
Org.: Rudesindo Soutelo ...............................................203
C 13
O rigor e o risco
Fernando C. Lapa .........................................................205
C 14
A criatividade no ensino da música
Joana Castro .................................................................211
C 15
Olhar para dentro da criatividade
Rui Paulo Teixeira .........................................................219
C 16
Um novo paradigma da composição portuguesa
Paulo Bastos .................................................................225
P
Currículos ......................................................................241
Nota de abertura
Rudesindo Soutelo
Qual é o papel que a sociedade reserva hoje para o professor
do Ensino Artístico Especializado da Música? Será um papel re-
produtor ou transformador da sociedade? De formar futuros artis-
tas profi ssionais da música ou meros consumidores de música?
De mercantilizar ou democratizar o ensino da música? Dito com
outras palavras, estas são as sempiternas perguntas fi losófi cas
e que Teixeira enumera assim: O que é o homem? Qual homem
educar? Educar para qual sociedade? Ou seja, qual é o modelo
de homem e que sociedade queremos? (Teixeira, 1999, p. 25).
Em Paideia, Werner Jaeger diz que os homens e os animais afi r-
mam a sua espécie pela procriação natural, mas só o homem
conserva e propaga a sua forma de existência social e espiritual
por meio da vontade e da razão (Jaeger, 2008, p. 3).
São muitas, pois, as perguntas que um professor de música
tem de saber responder antes de ir para a sala de aula. A primeira
é saber em qual dos presentes se situa, se no presente passa-
do, insistindo no que já foi, ou no presente futuro, concebendo o
que há de ser. Queremos que os alunos desenvolvam habilidades
criativas ou criogénicas?
O ensino da música, seja este vocacional ou não, é um capital
social que deve ser cultivado. Fukuyama defi ne o capital social
como “um conjunto de normas informais e de valores partilhados
pelos membros de um grupo que permite a colaboração entre
eles” e conclui que “sem capital social não existiria sociedade ci-
vil e… sem sociedade civil não existiria democracia” (Fukuyama,
10 Percursos do Ensino da Música Percursos 2014
1995, p. 16). O capital social, segundo Hargreaves, “suporta a
aprendizagem, alimenta-a, encontra um caminho e um propósito
para ela”. Os professores devem cultivá-lo porque “o capital so-
cial é o alicerce da prosperidade e da democracia: desenvolvê-lo
constitui uma prioridade educativa” (Hargreaves, 2003, p. 83).
O ensino artístico especializado da música foi, durante sécu-
los, assente na música erudita ocidental e era isso o que se espe-
rava das instituições de ensino de música. Os que demandavam
essa educação para si ou para os fi lhos eram já portadores de
uns códigos culturais que valorizavam a música erudita. Ao longo
do século XX, estas instituições mantiveram-se fi éis a esse princí-
pio mas fi caram ancoradas na erudição do século XIX, ignorando
qualquer movimento modernista que contrariasse o seu obsoleto
romantismo. Ainda assim, continuavam a ser procuradas pelas
elites sociais que lhe atribuíam o papel ‘reprodutor’ ou de conser-
vação dos modelos hierárquicos da sociedade.
Nos últimos anos, com a introdução dos regimes de ensino
articulado e integrado, produziu-se uma rápida democratização
do ensino da música quanto a oferta e possibilidades de esco-
lha, não obstante, os professores foram formados num modelo de
raiz elitista, com aulas individuais e alunos que traziam o talento
de casa. Com a democratização, a maioria dos alunos que vêm
para a sala de aula carecem daquele ambiente cultural e musi-
cal erudito que estimulava o talento. Hoje, o talento, está a ser
substituído pela motivação e, forçados pela crise fi nanceira, cada
vez mais, as aulas individuais passam a ser em grupo. Ninguém
nasce falando e a psicologia aponta para um princípio de funcio-
namento cognitivo, aplicável também à elaboração musical, que
nos diz que “il nostro cervello sviluppa le proprie competenze sulla
base del livello di familiarità con un determinato gruppo di stimo-
Percursos 2014 Percursos do Ensino da Música 11
li” (Schön, Akiva-Kaviri, & Vecchi, 2013, p. 20). Assim, o músico,
como o falante, não nasce, faz-se.
Nos últimos anos partilhei largamente estas refl exões sobre
políticas, pedagogias e gestão das instituições do ensino de mú-
sica com a comunidade educativa em conselhos de turma, reuni-
ões de departamento, conselhos pedagógicos, artigos de impren-
sa e tertúlias profi ssionais, iniciando uma discussão pública que
reclamava cada vez mais vozes para desanuviar os percursos
do ensino da música. Na altura em que o fruto se tornou maduro
sobrevieram as parcerias e materializou-se num evento científi co
com participantes de relevo, onde os professores e diretores dos
conservatórios públicos e privados, os partidos políticos do arco
parlamentar, os responsáveis do Ministério da Educação e a in-
vestigação académica sobre ensino de música deram os seus
contributos. E como a música, para existir, precisa de ser com-
posta, no cerne de todo este debate estiveram as estratégias para
o fomento da criatividade no ensino musical e a questão essencial
de como nasce um compositor em Portugal. Este livro testemu-
nha alguns dos valiosos contributos suscitados.
Podemos continuar a acreditar que a realidade são as som-
bras da caverna fi nanceira que habitamos mas assim não é pos-
sível elucidar os alunos. Parafraseando José de Letamendi –na
máxima repetida por Abel Salazar e que fi gura na sua estátua
no Instituo Biológico do Porto– podemos sentenciar que “o músi-
co que só sabe de música, nem de música sabe”. Os professo-
res do ensino artístico especializado da música precisamos de
mais ferramentas intelectuais e pedagógicas para agirmos em
competência.
Se não conseguirmos criar a música com a que vamos cons-
truir o futuro, contribuindo para a renovação de um imaginário co-
12 Percursos do Ensino da Música Percursos 2014
letivo mais acorde com o mundo atual, e que confi gure a memória
das gerações vindouras, poderíamos concluir –citando a Pierre
Schaeffer– que “se só fazemos a música que sabemos fazer, não
fazemos mais do que perpetuar a banalidade” (Schaeffer, 2008,
p. 335).
Andy Hargreaves diria que “As equipas são valiosas, quan-
do se baseiam em relações entre as pessoas e são movidas
por um propósito moral partilhado” (Hargreaves, 2003, p. 81). O
meu agradecimento, pois, para a Doutora Maria Helena Vieira
com quem partilho estas e outras ideias, projetos e inquietudes,
por aceder a formar equipa comigo para organizar o Simpósio
Nacional Percursos do Ensino da Música e a todos e cada um dos
que fi zeram contributos para este livro.
Referências
Fukuyama, F. (1995). Trust: The Social Virtues and the Creation of
Prosperity. London: Hamish Hamilton.
Hargreaves, A. (2003). O Ensino na Sociedade do Conhecimento - A
educação na era da insegurança. Porto: Porto Editora.
Jaeger, W. (2008). Paideia: los ideales de la cultura griega. México:
Fondo de Cultura Económica.
Schaeffer, P. (2008). Tratado de los objetos musicales (3ª ed.). Madrid:
Alianza Editorial.
Schön, D., Akiva-Kaviri, L., & Vecchi, T. (2013). Psicologia della musica
(8º reimp ed.). Roma: Carocci editore.
Teixeira, E. F. (1999). A educação do homem segundo Platão. São
Paulo: Paulus.
Introdução
M. Helena Vieira
O Mestrado em Ensino de Música da Universidade do Minho,
que vai iniciar a sua 5ª edição em Setembro de 2015, tem per-
mitido tomar o pulso ao ensino artístico especializado da música
em Portugal e integrar as preocupações dos professores e da
comunidade educativa em geral na refl exão académica, no de-
bate político, e no planeamento da formação de professores de
música. Antes da Portaria nº 691/2009 de 25 de Junho ser pu-
blicada (provavelmente norteada por preocupações fi nanceiras)
com a menção da possibilidade de a aula de instrumento no en-
sino especializado poder ter metade da carga horária semanal
atribuída ao ensino individual e a outra metade a grupos de dois
alunos (Artº 7º, nº 5, alínea b), o Mestrado em Ensino de Música
da Universidade do Minho (norteado por preocupações pedagó-
gicas) já tinha contemplado no seu plano de estudos a formação
de professores para o ensino de instrumentos em grupo. A cons-
ciência do carácter polémico ou pouco amadurecido (no contexto
actual) dessa proposta pedagógica levou a incluir uma compo-
nente teórica de actualização sobre os projectos e progressos já
realizados noutros países nessa matéria (EUA, Brasil, Venezuela,
Japão), convidando protagonistas de renome, e também uma
componente de refl exão curricular e política com vista ao enqua-
dramento do ensino de instrumentos no panorama mais abran-
gente do ensino da música e da democratização do acesso a uma
formação musical consistente e contínua no sistema educativo
português (por oposição a uma formação musical fracturada en-
14 Percursos do Ensino da Música Percursos 2014
tre o grupo dos que aprendem a tocar no ensino especializado
e o dos que basicamente aprendem a ouvir no ensino até agora
chamado de “genérico”). Numa palavra, incluíu-se nas ambições
deste mestrado, a perspectiva de uma formação de professores
abrangente, que enquadrasse os processos pedagógicos do in-
terior da sala de aula na paisagem mais ampla do funcionamento
global do sistema educativo, e do ensino especializado da músi-
ca em Portugal. Pretendia-se (e pretende-se) formar professores
de música preparados para o intra-muros da pedagogia musical,
mas também para o extra-muros do contexto sócio-cultural, artís-
tico e político, que pode ou não tornar essas aulas possíveis para
um cada vez maior número de cidadãos, como se deve desejar
numa sociedade democrática e justa.
Nas quatro edições já realizadas deste mestrado, tem sido mui-
to animador verifi car que a polémica inicial se tem vindo a diluir,
fruto das mais diversas actividades e experiências pedagógicas
realizadas pelos mestrandos, quer no âmbito de unidades curri-
culares específi cas (como a de Princípios e Práticas do Ensino
Instrumental em Grupo), quer no âmbito dos projectos de estágio
nas escolas de diferentes localidades. Vai-se tornando claro que,
sobretudo nas iniciações, o ensino instrumental em grupo é uma
necessidade pedagógica e política. Entre os mestrandos que fre-
quentaram o Mestrado cabe aqui destacar Rudesindo Soutelo,
compositor e professor radicado no Alto Minho que, passada já a
barreira dos 60 anos, se juntou aos jovens de 20 e 30, trazendo
com ele o saber de uma vida profi ssional cheia, internacional-
mente variada, e de inconfundível sabor crítico e refl exivo. Foram
frequentes as conversas para lá do tempo de aulas, também com
outros alunos, fazendo, em jeito de tertúlia, a ponte entre o es-
tudo académico e o mundo conturbado vivido hoje nas escolas
Percursos 2014 Percursos do Ensino da Música 15
de música. Dessas conversas nasceu o convite para realizar um
Simpósio, onde fosse possível partilhar de forma mais alarga-
da os resultados dos projectos pedagógicos e de investigação
dos alunos. Assim nasceu o Simpósio ‘Percursos do Ensino da
Música’, numa parceria do Instituto de Educação e do Centro de
Investigação em Estudos da Criança da Universidade do Minho
com a Academia de Música Fernandes Fão, em Ponte de Lima
(onde o Rudesindo então leccionava) e que rapidamente passou
a incluir outras preocupações: o foco no desenvolvimento da cria-
tividade no ensino da música e daquilo que pode contribuir para
o aparecimento de compositores; o papel da gestão no ensino da
música e de que forma ela se pode articular nas circunstâncias
actuais com os modelos pedagógicos vigentes; a voz da política
e dos políticos na construção do sistema de ensino da música,
e na viabilização dos processos pedagógicos conducentes à es-
pecialização musical e à efectiva literacia musical de base dos
cidadãos em geral.
A voz dos políticos terá sido a mais difícil de convocar e reunir
para as datas do Simpósio, pelas naturais difi culdades de agenda
dos senhores deputados. Por essa razão, não podemos deixar
de nos congratular, e de agradecer imensamente a sua presença:
Deputados Abel Baptista (Presidente da Comissão Parlamentar
de Educação, Ciência e Cultura, e Membro do CDS-PP), Catarina
Martins (Bloco de Esquerda), Miguel Tiago (Partido Comunista
Português) e Professora Doutora Maria de Lurdes Rodrigues
(na qualidade de Ex-Ministra de Educação, em cujo mandato se
realizaram diversas alterações políticas no âmbito do ensino da
música). Não foi possível a presença de nenhum deputado do
PSD, apesar de várias tentativas de contacto. O discurso políti-
co cruzou-se em articulação profícua com as intervenções dos
16 Percursos do Ensino da Música Percursos 2014
directores de escolas, convidados como representantes dos dife-
rentes tipos de escolas básicas e secundárias onde o ensino da
música se realiza no nosso país, e a quem também muito agra-
decemos a presença e colaboração: Professor António Moreira
Jorge (Conservatório de Música do Porto), Professor José
Alexandre Reis (Escola Profi ssional e Artística do Vale do Ave,
ARTAVE), Professora Maria Helena Cabral (Membro da Direcção
do Agrupamento de Escolas EB 2/3 Sophia de Mello Breyner de
Vila Nova de Gaia) e Professor António Pacheco (Conservatório
de Música do Vale do Sousa, considerado pelo Ministério da
Educação como conservatório-modelo do regime de ensino ar-
ticulado). Ao Painel da Gestão, agradecemos a generosidade
da partilha de um mundo que fi ca geralmente nos bastidores, e
também das suas angústias (pois não é geralmente a angústia
– e sobretudo hoje - a matéria de trabalho de quem gere os re-
cursos materiais e humanos das escolas, de forma a que che-
guem para tudo?): agradecemos à Professora Ana Maria Caldeira
(Conservatório de Música Calouste Gulbenkian de Braga), ao
Professor Alexandre Santos (Escola Profi ssional de Música de
Espinho), à Doutora Alexandra Vilela, representante do progra-
ma fi nanciador das escolas particulares e cooperativas do ensi-
no especializado da música, Programa Operacional de Potencial
Humano (POPH) e à Prof. Eugénia Moura, moderadora do painel.
Aos meus alunos de doutoramento (Prof. António Pacheco, Prof.
Maria Helena Cabral, Prof. Rui Pintão) e de mestrado (Prof. Hugo
Brito, Prof. Eva Neiva e Prof. Eugénia Martins) um obrigada senti-
do pela generosidade da partilha dos resultados dos trabalhos já
terminados, e do vigor com que sempre defendem as suas ideias
em prol do bem comum. Finalmente, um agradecimento àqueles
que representam o que de melhor é produzido pelo nosso sistema
Percursos 2014 Percursos do Ensino da Música 17
de ensino da música: os criadores, os criativos, os compositores e
professores de composição, aqueles que fazem a própria lingua-
gem musical avançar e que são levados até ao futuro pela mão
de novos intérpretes e novos professores de música até à sala de
aula de novas crianças: Fernando Lapa, Paulo Bastos, Rui Paulo
Teixeira, Joana Castro, Daniel Moreira, Ana Seara, Rafael Araújo
e Tiago Lestre.
Nem todos os convidados puderam estar presentes, e nem
todos os presentes conseguiram enviar atempadamente um tex-
to escrito que agora pudesse ser partilhado com os leitores. No
entanto, acreditamos que os textos apresentados conseguem
traduzir de forma bastante abrangente e completa o panorama
e refl exão crítica sobre o ensino da música no nosso país que
quisemos traçar no Simpósio. O que falta é para ir construindo.
Em conjunto.
S 1
P
Org.: M. Helena Vieira
Três breves notas para uma
conversa sobre o ensino da música
Catarina Martins
Deputada do Bloco de Esquerda na
Assembleia da República
22 Secção 1 Políticas e pedagogias no ensino da música Percursos 2014
Tanto e tão pouco
O ensino da música é o único ensino artístico em Portugal dis-
seminado pelo território e há várias gerações. As bandas fi lar-
mónicas, num país em que os conservatórios e academias de
música eram poucos e elitistas, foram durante décadas o garante
de acesso popular ao ensino da música.
Com o desenvolvimento da escola pública, democratizou-
-se o acesso ao ensino vocacional e especializado da música.
Simultaneamente foi ganhando terreno a presença da música nos
curricula do ensino básico.
Dir-se-ia pois que existem as condições, e a experiencia histó-
rica, para um consenso sobre o ensino da música em Portugal e
uma natural estabilização das condições do seu desenvolvimen-
to. Mas, de facto, não é assim.
“Ler e escrever”
A presença da música no ensino básico responde a uma cons-
tatação: é importante para o desenvolvimento cognitivo das crian-
ças que aprendam a “ler e escrever” não só português e matemá-
tica, mas também música. O ensino da música não pode pois ser
apenas vocacional, mas tem de ser também uma parte integrante
dos curricula, porque integrante do crescimento.
Durante muito tempo, a Escola Pública assegurava o contacto
com a música apenas durante dois anos; o segundo ciclo. Com
a criação das Atividades Enriquecimento Curricular (AEC), tudo
indicava que fi nalmente a música estaria presente de forma mais
consequente no percurso educativo; passaria de dois para seis
anos, abrangendo 1º e 2º ciclos.
Percursos 2014 Secção 1 Políticas e pedagogias no ensino da música 23
Este percurso, infelizmente, longe de ser consolidado, está
em retrocesso. As AEC tiveram desde início problemas, uma vez
que assentam numa relação instável com a comunidade esco-
lar (desde logo pelo vínculo precário dos professores e por não
abrangerem todos os alunos). Hoje, com os cortes orçamentais
combinados do Ministério da Educação e das autarquias, está em
causa a própria continuação de AEC e, com isso, do contacto dos
alunos do 1º ciclo com a música e as artes em geral (assim como
com o inglês, a informática e o desporto).
Ensino vocacional
O ensino vocacional e especializado da música tem raízes lon-
gas e desenvolvimentos recentes. A consolidação do modelo de
ensino integrado democratizou o acesso ao ensino vocacional es-
pecializado da música e é o modelo de ensino dual que existe em
Portugal com provas de sucesso. Um ensino especializado que
promove mais conhecimento, mais acesso, mais mundo a quem
decide fazer esse percurso.
O acesso a este ensino depende tanto da oferta pública como
da privada, já que a democratização territorial da oferta não pas-
sou pelo alargamento da escola pública, mas sim pelo estabeleci-
mento de protocolos com escolas privadas de música nos locais
onde não existem conservatórios da rede pública de escolas.
Existe hoje uma combinação de fatores que impede o desen-
volvimento e coloca mesmo em risco o ensino vocacional e es-
pecializado da música enquanto parte das possibilidades demo-
cráticas de um país (ou seja, oferta integrada na Escola Pública).
Por um lado, os cortes nos contratos patrocínio com as escolas
privadas que asseguram o ensino da música onde não há oferta
pública. Por outro lado, a fragilização dos conservatórios tanto por
via orçamental como pela desregulação laboral.
24 Secção 1 Políticas e pedagogias no ensino da música Percursos 2014
Um dos grandes problemas que enfrenta hoje o ensino voca-
cional e especializado da música é a enorme precariedade labo-
ral dos professores, que torna também precária a capacidade de
planeamento das escolas e a relação dos alunos com a aprendi-
zagem (numa área em que a relação professor-aluno é particular-
mente sensível, uma vez que é individualizada e preferencialmen-
te por ciclos completos de aprendizagem).
No campo legislativo é notório o esquecimento sistemático
das especifi cidades do ensino artístico, incluindo o da música.
Sucedem-se diplomas para corrigir erros anteriores, sem nunca
se estabilizar um corpo de normas adaptadas a essa especifi cida-
de. Deste permanente “esquecimento” decorre uma permanente
desorçamentação do setor e uma leitura política clara: a meno-
rização do ensino artístico. Este é porventura um dos maiores
desafi os que um país democrático ao pensar a escola, o ensino e
a aprendizagem, tem de ultrapassar.
O ensino especializado das artes em
Portugal. Uma abordagem rápida
Miguel Tiago
Deputado do Partido Comunista Português na
Assembleia da República
26 Secção 1 Políticas e pedagogias no ensino da música Percursos 2014
O Ensino Especializado das Artes em Portugal, e em particular
o Ensino Especializado da Música, está sujeito ao mesmo con-
junto de constrangimentos que o Ensino dito regular. Isso signifi -
ca, todavia, que está ainda mais fragilizado que as vias comuns
na medida em que a experiência de ensino especializado não se
generalizou nem consolidou à mesma escala que as restantes
componentes da Escola Pública. Ou seja, o Ensino Especializado
da Música, pela sua reduzida expressão territorial na Escola
Pública, pela subvalorização dos seus trabalhadores e professo-
res, pela insufi ciência do investimento para a sua ampliação e for-
talecimento e pelos impactos tremendos resultantes do plano de
“Refundação do Ensino Artístico”, encontra-se ameaçado na sua
qualidade, democraticidade e mesmo na sua existência enquanto
resposta pública.
A existência de um reduzido número de escolas públicas de en-
sino especializado da música: Instituto Gregoriano, Conservatório
Nacional, Conservatório de Coimbra, Conservatório do Porto,
Conservatório de Braga e Conservatório de Aveiro, que se en-
contram distribuídas apenas pelo Litoral e do Tejo para cima é um
factor que impede a concretização de uma política de formação
musical e democratização do ensino, que difi culta a detecção de
talentos baseada numa formação precoce massifi cada e que não
permite o encaminhamento e acompanhamento dos jovens que
busquem a formação profi ssional e académica em Música, nem
tampouco detectar os jovens que, pela suas características pró-
prias, possam revelar especial talento para a execução e interpre-
tação musical ou composição. Ao mesmo tempo, um investimento
no Ensino Especializado da Música muito aquém das necessida-
Percursos 2014 Secção 1 Políticas e pedagogias no ensino da música 27
des, não apenas degrada o património de saberes acumulado ao
longo de gerações, como difi culta a capacidade de intervenção
territorial das escolas de música e limita a qualidade do ensino
ministrado nas instalações públicas, quer seja por falta de meios
materiais, ou mesmo pela desvalorização constante a que estão
sujeitos os trabalhadores e professores do ensino artístico – pre-
cariedade laboral, desvalorização salarial. Para compreender o
contexto nacional e o posicionamento que o meu Partido assume
é necessário também ter em conta o patamar de desenvolvimen-
to do Ensino Especializado, conhecer as suas limitações e elimi-
nar confusão e mistura de conceitos e de práticas que em nada
contribuem para o aprofundamento do ensino da música e para
a apropriação da técnica e da arte pela população. Em primeiro
lugar, o reconhecimento de que a resposta pública está aquém do
necessário. Em segundo lugar, reconhecer o papel que o ensino
supletivo – apesar de não ser a resposta para o desenvolvimento
e para o futuro – desempenha num contexto em que a resposta
articulada e integrada é limitada. Em terceiro lugar, identifi car o
que têm sido as práticas e incursões no âmbito da educação mu-
sical no primeiro ciclo e distinguir claramente o que é ensino da
música do que é o contacto com a música que se tem nas chama-
das “actividades de enriquecimento curricular”.
A lei de bases do Sistema Educativo contém as respostas para
grande parte dos problemas com que o país se confronta no âm-
bito do ensino especializado das artes, pois um dos principais
é precisamente a base curta da pirâmide formativa que impede
uma formação artística de massas, que não eduque apenas “pú-
blicos” mas que, essencialmente eduque “criadores” que por isso
se tornarão “públicos”. A lei de bases assegura uma formação
obrigatória e plenamente massifi cada de todos os que frequen-
28 Secção 1 Políticas e pedagogias no ensino da música Percursos 2014
tam o ensino básico, nomeadamente no plano da música e das
artes. No entanto, até hoje, nenhum Governo cumpriu esse de-
sígnio da lei, nenhum Governo dotou as escolas do ensino básico
dos professores em regime de coadjuvação que pudessem elevar
o ensino artístico e o ensino da música ao patamar da dignidade.
A opção de gerar uma oferta facultativa através de professores
ainda mais desvalorizados que os restantes, através das “AEC”
tem vindo a revelar-se prejudicial à elevação do conhecimento
artístico da população por motivos vários que não podemos deta-
lhar nas linhas estreitas de que dispomos.
A possibilidade de criar estabelecimentos de ensino secundá-
rio especializados foi também subaproveitada no plano público e
é hoje colmatada pela criação de cursos de índole profi ssional ou
profi ssionalizante. Se por um lado, o surgimento desses cursos
demonstra o interesse que os jovens portugueses têm pelo en-
sino da música e o fascínio colectivo que o nosso povo tem pela
criação e fruição culturais; por outro lado, não dá resposta plena
à formação académica dos jovens, já que são cursos orientados
para a inserção no mercado de trabalho, não sendo muitos de-
les sequer artísticos, contemplando prioritariamente os aspectos
técnicos da formação. O alargamento da resposta pública, no-
meadamente do número de estabelecimentos, é uma condição
essencial para a elevação da qualidade/quantidade do ensino es-
pecializado da música. Tal como nos dizem as leis da dialéctica,
existe uma ligação inquebrável entre qualidade e quantidade: o
alargamento da base de captação e o alargamento da formação
de nível secundário representariam igualmente o surgimento de
mais artistas/intérpretes de elevado nível. Tal é válido para o con-
junto das artes, da dança à música, passando pelas artes plás-
ticas. Se todos os estudantes pudessem, em determinada altura
Percursos 2014 Secção 1 Políticas e pedagogias no ensino da música 29
das suas vidas, conhecer e compreender as expressões artísti-
cas e ser motivados a criar eles próprios, não só os públicos se-
riam incomparavelmente mais vastos, como profundamente mais
sensíveis.
Os regimes articulado e integrado constituirão certamente a
forma mais capaz de gerar resultados. No entanto, num contexto
em que a oferta pública é tão limitada, a supressão do regime
supletivo funciona como um obstáculo para aqueles que não tive-
ram ou não têm ainda a possibilidade de se dedicar integralmente
ao ensino da música, mas que, por gosto ou necessidade, dese-
jam aprender um instrumento. No cenário ideal, o supletivo seria
sempre residual. Mas Portugal não atingiu ainda o cenário ideal
e tem vindo inclusivamente a perder terreno, na medida em que
também a formação com recurso aos conservatórios privados
(os regionais) tem vindo a ser fortemente subfi nanciada, o que
diminui o acesso de jovens de todo o país, particularmente das
regiões onde não existe ensino especializado da música público,
a esse ensino.
Independentemente, pois, do que possamos julgar, no plano
político ou científi co, sobre os conceitos de “aptidão” e “talento”
artísticos, para os comunistas o factor relevante e determinante é
o “direito” à criação e fruição culturais e artísticas e a sua demo-
cratização. O alargamento da base de formação gerará, também
pelo percurso de cada um e pelo trabalho dos professores junto
de cada um, uma elevação do número e da qualidade dos jovens
que sejam formados no ensino especializado. Ou seja, indepen-
dentemente da concepção que tenhamos sobre o talento, sobre a
sua natureza, inata ou construída, a garantia do direito sobrepõe-
-se à inexistência de aptidão. A disponibilização e mobilização
de meios também pode demonstrar talentos onde antes não se
30 Secção 1 Políticas e pedagogias no ensino da música Percursos 2014
identifi cavam ou vislumbravam e a capacidade das escolas para
a sua detecção e captação, mesmo na educação especial, passa
pelo reforço dos meios para o cumprimento da Lei de Bases do
Sistema Educativo logo no que toca ao primeiro ciclo do básico. O
PCP defende mesmo a obrigatoriedade de frequência de um ano
de pré-escolar, que também pode ter um papel determinante na
dimensão criativa do cidadão, bem como contribuir para “nivelar”
o patamar de conhecimentos e competências com que a criança
ingressa no ensino básico.
Em síntese, a resposta para a necessidade de elevar a qua-
lidade do Ensino Especializado, na abordagem do meu Partido,
passa necessariamente por medidas que contemplem também a
quantidade. Ou seja, a aposta na qualidade do Ensino Artístico
não pode ser entendida como uma resposta de nicho, de eli-
te. Pelo contrário, deve ser uma resposta ampla, que parta da
abordagem transversal do sistema educativo e que valorize a
formação da cultura integral do indivíduo em todos os ciclos. A
obrigatoriedade de frequência de pré-escolar, a introdução de
componentes artísticas curriculares obrigatórias no primeiro ciclo
do básico com recurso a professores coadjuvantes, o reforço do
investimento público na rede do ensino especializado da música e
o alargamento dessa rede, a valorização do trabalho e da carreira
dos professores, a integração imediata de todos na carreira do-
cente e a capacitação das escolas de ensino especializado para
uma articulação efectiva e permanente com os restantes estabe-
lecimentos de ensino e com estabelecimentos do primeiro ciclo,
seriam passos para ultrapassar constrangimentos com que nos
cruzamos. O caminho inverso, o da desvalorização e subfi nancia-
mento, o da supressão do supletivo sem uma real resposta à au-
sência deste, a diminuição ou desaparecimento do fi nanciamento
Percursos 2014 Secção 1 Políticas e pedagogias no ensino da música 31
do regime articulado no ensino ministrado nos “conservatórios re-
gionais”, provocarão uma erosão da qualidade da formação, de-
gradarão a capacidade criativa das massas e limitarão o ensino
especializado da música às elites económicas do país.
CAPÍTULO 01
O ensino de piano em grupo
para o desenvolvimento
da literacia musical
Rui Pintão
Conservatório Regional de Gaia
Instituto de Educação da Universidade do Minho
Centro de Investigação em Estudos da Criança (CIEC)
ruipintao@gmail.com
M. Helena Vieira
Instituto de Educação da Universidade do Minho
Centro de Investigação em Estudos da Criança (CIEC)
m.helenavieira@ie.uminho.pt
34 Secção 1 Políticas e pedagogias no ensino da música Percursos 2014
Introdução
Este artigo foi realizado com base num projecto de investi-
gação de doutoramento realizado no Instituto de Educação da
Universidade do Minho, sob orientação da Prof. Helena Vieira e
pretende apresentar e discutir as vantagens e desvantagens do
ensino instrumental em grupo enquanto proposta pedagógica, a
partir do enquadramento teórico proposto por alguns autores con-
siderados fundadores dessa metodologia de ensino. Apresenta
também, brevemente, os objectivos do projecto, as estratégias de
intervenção e investigação e os resultados obtidos.
Antes de esclarecer os que duvidam do valor e do contributo
que o ensino do piano em grupo pode dar, nomeadamente para a
construção de uma prática musical inclusiva, refere-se que o pro-
jecto de investigação em questão foi desenvolvido no âmbito de
uma turma de 1º Ciclo do Ensino Básico de uma escola genérica,
apostando nas potencialidades de democratização do acesso de
todas as crianças, sem excepção nem selecção, a uma apren-
dizagem musical prática e consistente. Neste artigo, por limita-
ções de espaço, não se desenvolverá a descrição pormenorizada
do projecto de investigação (o que será feito na apresentação
oral, de forma sintética, para dar conta das suas conclusões) mas
apresentar-se-á a refl exão teórica de alguns autores a partir da
sua própria experiência de ensino instrumental em grupo sobre as
“desvantagens” tradicionalmente apontadas a esta metodologia,
e dar-se-á conta dos principais resultados obtidos no projecto.
Desta forma, acreditamos, colocamos a discussão no ponto onde
ela actualmente se encontra, no diálogo habitual entre muitos pro-
Percursos 2014 Secção 1 Políticas e pedagogias no ensino da música 35
fi ssionais do ensino da música (isto é, no ponto da reserva e da
descrença), abrindo, porém, as portas à refl exão a partir da parti-
lha dos resultados obtidos.
Recorrer-se-á à análise de dois documentos apresentados por
três pedagogos norte-americanos que representaram o que foi a
tradição e a experiência desta modalidade de ensino que atraves-
sa essencialmente todo o século vinte.
Conceitos e preconceitos
Actualmente, a escola, fruto de uma democratização progres-
siva que teve algum impulso nos princípios dos anos oitenta do
século passado, vive constrangida com a crua realidade de que
“hoje todos os alunos estão na escola, mas nem todos têm acesso
ao conhecimento…” (Nóvoa, 2011, p.4). O mesmo autor fala dos
erros que a pedagogia nas últimas décadas foi cometendo, nome-
adamente a roupagem que foi adquirindo ao longo dos anos, ora
através de uma linguagem burocratizada, ora por meio de uma
linguagem tecnocrática ou científi ca.
O primeiro erro teve a ver com a teia que foi envolvendo a
pedagogia através de um conjunto de reformas legislativas con-
sideradas inúteis, no sentido de não serem elas próprias devi-
damente transformadoras e inovadoras para o palco escolar. No
ensino da música é fácil de constatar a quantidade desenfreada
de determinações legislativas que vão, ano após ano, invadindo
as escolas de música públicas, particulares e cooperativas, sem
que disso resulte, em geral, uma melhoria signifi cativa na quali-
dade da educação. Autores como Perrenoud (1995) e Santomé
(1995) relativizam a intervenção superior do Estado como suporte
para provocar mudanças signifi cativas no sistema de ensino, pro-
curando antes de mais valorizar a acção dos professores como
36 Secção 1 Políticas e pedagogias no ensino da música Percursos 2014
protagonistas de eventuais modifi cações a terem efeito nas suas
salas de aula. Nóvoa, citando Tyack e Tobin (eminentes historia-
dores norte-americanos) referem que os reformadores não são
os que produzem leis mas antes os professores que “em cada
caso, escolhem de maneira selectiva as reformas que querem
aplicar ou modifi car” (Idem, p. 4). Esta perspectiva não será, na-
turalmente, universal, uma vez que há normativos legais cujo im-
pacto pode ser impulsionador de progresso, ou simplesmente de-
sastroso, sobretudo se originar limitações ao acesso de todos os
cidadãos a um ensino público de qualidade, gratuito (suportado
pelos impostos) e equitativo.
O segundo erro, diz respeito à designada pedagogia tecno-
crática que deu origem à enumeração de “listas intermináveis de
objectivos, de comportamentos ou de competências, sem prés-
timo e sem sentido” (Idem, p. 4). Nesta fase, o ensino, de uma
forma geral, relativizou o corpus do conhecimento como objectivo
central, tornando-se refém das supostas capacidades prévias dos
alunos, e minimizando os seus esforços em prol de uma cultura
de trabalho e de persistência.
Por último Nóvoa considera igualmente que a pedagogia por
ele intitulada de “científi ca” (terceiro erro) provocou nos professo-
res uma deslocalização do sentido de ensinar, como resultado de
uma ciência da educação que “procurou substituir-se à refl exão
prática” (Idem, p. 4).
Nóvoa chama a atenção para que o debate se centre em pro-
curar tornar válido o acto de ensinar, particularmente procurando
ensinar “os que não querem aprender” (p. 3). Esta sua lembrança
vem no encalço de uma das missões da escola pública: inspirado
por Valéry, Nóvoa (p. 1) afi rma que “todo o ensino contém uma
certa ideia do futuro e uma certa concepção dos seres que viverão
Percursos 2014 Secção 1 Políticas e pedagogias no ensino da música 37
este amanhã”. Faz, por isso, sentido apresentar novos caminhos
que tragam para o ensino da música, mais particularmente para a
área da educação musical, um amanhã de alternativas, que per-
mita a todos, e não apenas a alguns, o acesso à aprendizagem,
sem receios de provocar rupturas ou persistentes desconfi anças
nas mentes mais conservadoras. O ensino de piano em grupo nas
salas de aula das escolas do ensino genérico (mas não só), surge
como uma alternativa credível, razoavelmente testada e compro-
vada já em alguns projectos de investigação e na experiência de
outros países, e que, por isso, carece de apoio continuado, so-
bretudo no patamar da formação de professores. Representa um
novo paradigma em Portugal, face a uma realidade ainda recente
e por explorar, e emerge como uma possibilidade de massifi cação
(no bom sentido) do acesso de toda a população à aprendizagem
da música através de um instrumento.
No presente artigo, um dos focos de discussão tem a ver com
a dicotomia entre ensino individual de piano e ensino de piano
em grupo. Aqueles que defendem que o ensino do piano só é
válido conquanto seja praticado de forma individualizada são os
mesmos que se imobilizaram face à mudança de paradigma entre
um passado recente, que colocava o ensino da música na esfera
de uma elite (refém de questionáveis “talentos”), e a actualida-
de, que pretende alcançar o máximo de aprendentes. O objectivo
do ensino de piano em grupo no início da Escola Básica será
dar aos alunos múltiplas ferramentas que possam servir de apoio
para o surgimento de aptidões específi cas para o fazer e o tocar
música, assim como para simplesmente educar para a música.
Trata-se, portanto, de propiciar a possibilidade de uma detecção
de aptidões e uma orientação vocacional que seja verdadeira-
mente justa, porque baseada na justiça do acesso à formação,
38 Secção 1 Políticas e pedagogias no ensino da música Percursos 2014
como acontece com todas as outras disciplinas do currículo, em
que se permite a todos basear as suas escolhas a partir de uma
formação que é dada a todos (e não a partir do acaso, da sorte,
da proximidade de uma escola especializada, ou da capacidade
fi nanceira da família para suportar as propinas).
Como refere Encarnação (2000, p. 15) a música enquan-
to linguagem e processo activo “tem que ser o centro, o nú-
cleo, a essência do estudo da música e da educação musical”.
Compreender para poder usar e usufruir essa linguagem deverá
ser a função da educação musical na escolaridade obrigatória. O
modelo de ensino em grupo posiciona o ensino do piano com o
propósito inicial de tornar os alunos cidadãos efectivamente “lite-
ratos” sob o ponto de vista musical. O piano, como é sabido, para
além de não necessitar de afi nação por parte dos alunos (aspecto
que ocupa um espaço considerável de tempo de aula), permite
uma aprendizagem fácil e imediata do mais variado número de
aspectos e conceitos musicais, de forma apelativa para crianças
pequenas. Trata-se de um instrumento que permite aprender, de
raiz, os complexos conceitos de harmonia e polifonia, tão neces-
sários à interpretação de todos os outros instrumentos. A inova-
ção tecnológica permite que hoje, os pianos eléctricos, ou elec-
trónicos, sejam de qualidade razoável e preço reduzido, a ponto
de permitir equipar com facilidade as salas de aula para um bom
número de anos. Sendo assim, a construção de uma literacia
musical através do ensino de piano em grupo representa uma
abordagem pedagógica que, qual rio, se movimenta em águas
certeiras e serenas, ancoradas numa tradição que tem já mais de
cem anos, nomeadamente nos E.U.A., tendo extravasado para
outros países e para outros continentes, nomeadamente para o
Brasil e a Austrália.
Percursos 2014 Secção 1 Políticas e pedagogias no ensino da música 39
A primeira referência histórica a uma aula de piano em grupo
é conhecida através do relato do compositor Louis Spohr sobre
a acção de Logier, professor responsável pela implementação na
Inglaterra desta modalidade de ensino por volta de 1815 (Daniel,
2005, p. 27). A partir deste dado foi possível referenciar as pri-
meiras dúvidas e desconfi anças ocorridas por aqueles que antes
só tinham como modelo, as aulas individuais: Loesser (1954) e
Golby (2004) citados por Daniel (2005, p. 28) duvidam da efi ci-
ência do ensino de Logier mas, ao mesmo tempo, reconhecem
a enorme popularidade que esta prática de ensino adquiriu em
algumas academias em Inglaterra e na Irlanda.
Alguns anos mais tarde, mais concretamente em 1860, sur-
gem as primeiras classes de piano em grupo em escolas do sul
dos Estados Unidos, sendo que 1889 representa a data em que
o departamento de educação deste país ofi cializou o formato de
ensino de piano em grupo. O aparecimento destas classes de
piano coincide com o forte investimento das autoridades federais
e estaduais dos Estados Unidos na construção de uma popula-
ção estudantil mais literata e educada no campo musical e na
assunção da necessidade de tornar acessível a prática musical
a qualquer aluno, independentemente do seu estracto social, ou
das capacidades e competências de cada um (Birge, 1937; Cady,
1902).
Os embaraços provocados nos séculos dezanove e vinte surgi-
dos nos E.U.A. (provocados, como vai ser demonstrado, por des-
conhecimento de uns ou por teimosia e preconceito de outros),
persistem ainda, em larga escala, nos dias de hoje, em Portugal.
Um dos propósitos deste artigo é revelar como as dúvidas que
alimentaram alguns dos equívocos de outrora, e que persistem
ao longo do tempo presente, se poderão dissipar perante explica-
40 Secção 1 Políticas e pedagogias no ensino da música Percursos 2014
ções e informações dadas por alguns professores que adquiriram
uma larga experiência neste domínio e que ousaram enfrentar
resistências e apresentar novas pedagogias, com o intuito de uni-
versalizar o ensino da música.
Para este efeito, vão ser analisados dois documentos: “Answers
to criticisms of piano class instruction” escritos por E. H. Mason e
Raymond Burrows (n. d.) e um artigo publicado por Robert Pace
em 1978 intitulado “Piano Lessons – private or group”1. No pre-
fácio do documento escrito por Mason e Burrows, Tremaine (di-
rector do National Bureau for the Advencement of Music) destaca
a importância da publicação, elogiando a clareza e honestidade
dos seus autores. Por sua vez, nas notas que antecedem o traba-
lho, Mason e Burrows referem que as suas refl exões resultam de
vários anos de experiência de ensino em grupo e de discussões
tidas com alunos universitários que, no âmbito de programas de
pedagogia, foram assinalando as vantagens e desvantagens do
ensino de piano em grupo. Todos os assuntos tratados são enu-
merados, sendo complementados pelo contributo de Robert Pace
que, em 1978, clarifi cou algumas desconfi anças e resistências
face ao ensino de piano em grupo nos E.U.A.:
1. O ensino em grupo não dá atenção à individualidade do
aluno:
Mason e Burrows (p. 90) contrariam esta crença, na me-
dida em que é através do grupo que mais se distinguem as
particularidades e especifi cidades de cada aluno. Em contexto
de sala de aula é mais fácil descobrir, a partir da pluralidade,
as diferenças e as semelhanças, e assim será mais fácil para o
professor perceber melhor se uma qualquer situação específi -
1 T. A. (Tradução dos autores).
Percursos 2014 Secção 1 Políticas e pedagogias no ensino da música 41
ca se verifi ca num aluno em particular ou se é comum a outros
alunos. Robert Pace (1978, p. 105) acrescenta que nas aulas
individuais é mais difícil valorizar da forma mais adequada as
qualidades intrínsecas de cada um, visto que o professor se
encontra num contexto de ensino que não permite a compa-
ração e a análise objectiva entre o que é diferente e o que é
semelhante.
No que diz respeito à escolha de repertório Mason e
Burrows (Pintão, 2014, p. 91) defendem que as classes de
piano em grupo não implicam, em si mesmas, a realização e
escolha de um programa/repertório comum para os alunos.
Ambos defendem um plano de actividades diferenciado e ajus-
tado às capacidades individuais dos alunos. Em relação ao tra-
balho técnico que deve ser efetuado para que cada aluno vá
ultrapassando as suas maiores difi culdades é negado que as
aulas em grupo contrariem esta necessidade (idem, p. 92). A
tendência encontrada no ensino individual é procurar o apura-
mento técnico com demasiada insistência e repetição. Muitas
das vezes, a difi culdade do aluno em conseguir ultrapassar
barreiras de ordem técnica prende-se com o facto do aluno,
individualmente, não encontrar pontos de referência e de não
conseguir compreender, pela impossibilidade de se comparar
e de poder aprender com os seus pares. Alguns professores
partem do princípio de que os alunos precisam de bastante
tempo para evoluírem nas escalas, exercícios de dedos, exer-
cícios técnicos quando, num contexto de grupo, a atenção que
o professor dispõe é semelhante, mas mais distribuída no tem-
po, já que não se confi na a um só aluno de cada vez, mas tão
só em dar a oportunidade de cada um ir aprendendo algo à
medida que vai observando os seus colegas.
42 Secção 1 Políticas e pedagogias no ensino da música Percursos 2014
Para os que acreditam que as aulas de piano em grupo
não oferecem a oportunidade para se desenvolver a persona-
lidade individual de cada aluno sob o ponto de vista musical
(Pintão, 2014, p. 93) é defendido que a escola tem hesitado
entre preencher as necessidades individuais e as exigências
da dimensão social, sendo importante conjugar estes dois
caminhos, e permitindo, deste modo, o desenvolvimento do
aluno. Segundo estes autores, não faz sentido que no ensino
geral se adapte e se assuma a importância da vivência em
grupo enquanto o ensino do piano se encerra sobre si mesmo,
amarrado a uma visão redutora, alheado da realidade (Idem,
p. 94). Robert Pace (Idem, p. 104) por seu lado fala do “sín-
droma individual” como sendo aquele que, uma vez instala-
do no aluno, vai requerer por parte do professor uma atenção
redobrada, conferindo à relação uma dependência excessiva,
e não contribuindo, deste modo, para a autonomia do aluno,
para que ele se vá libertando do professor. Por outro lado, há
que lembrar que muitos dos problemas evidenciados de forma
individual passam por ser comuns ao grupo em que estão in-
tegrados. Pace (Idem, p. 194) lembra que os professores não
ensinam apenas música per se mas antes, ensinam aos alu-
nos meios para estes se tornarem professores de si próprios,
logo co-autores nos seus processos de aprendizagem.
2. As aulas em grupo não favorecem a aprendizagem dos
alunos mais talentosos:
Mason e Burrows (Idem, p. 91) defendem que, no caso
dos alunos mais talentosos, a incidência a ser dada na aula
deve ser na qualidade com que se observa e se ensina os
alunos em causa. Uma prestação elevada por parte do aluno
Percursos 2014 Secção 1 Políticas e pedagogias no ensino da música 43
deve ser encorajada e o professor deve tirar o máximo de par-
tido das diferentes dinâmicas de grupo que se formam para
os motivar. Contudo, os autores não deixam de questionar
igualmente o próprio conceito de aluno “talentoso”, aprovei-
tando para evidenciar as aulas em grupo como palco privile-
giado para os alunos manifestarem de forma diferenciada as
suas potencialidades. A título de exemplo (Idem, p. 90) refe-
rem que os alunos com maior facilidade técnica e digital para
tocarem música podem não ter idênticas facilidades para se
expressarem da forma mais adequada sob o ponto de vista
de expressividade musical, ou vice-versa. Sendo assim, es-
tes dois pedagogos defendem o princípio genérico de que o
talento tem faces diferentes que se expressam de maneiras
diferenciadas nos alunos. As diferentes potencialidades que o
ensino de piano em grupo favorece, permitem observar, se-
gundo Pace (Idem, p. 103), diferentes ritmos de aprendizagem
nos alunos, consoante as atividades realizadas. Nessa medi-
da, uns podem evidenciar maior facilidade para tocar de ouvi-
do, enquanto outros se destacarão na leitura à 1ª vista ou no
trabalho criativo de improvisação. Assim, a aprendizagem em
grupo não é inibidora, mas antes potenciadora de diferentes
nuances na aprendizagem musical. Além disso, Pace (Idem, p.
105) argumenta que os alunos mais talentosos necessitam de
ambientes que os estimulem a se desenvolverem e o ensino
em grupo pode criar melhores condições para uma aprendiza-
gem rica e diversifi cada.
3. As aulas em grupo favorecem que a música executada te-
nha uma matriz estereotipada (p. 94):
Os dois pedagogos norte-americanos defendem que essa
44 Secção 1 Políticas e pedagogias no ensino da música Percursos 2014
realidade pode ocorrer, mas não especifi camente por ser reali-
zada em grupo. Esta possibilidade, segundo Mason e Burrows,
está unicamente dependente das qualidades e da formação
que os professores tiverem para ensinar, porque as classes de
piano em grupo oferecem uma grande variedade de soluções
de natureza didáctica e pedagógica no sentido de evitar que
esta situação se materialize. Nessa medida, justifi ca-se que
se façam críticas ao professor, e não à modalidade de ensino.
4. Limitações de tempo para dar aulas de qualidade no con-
texto de ensino em grupo:
Pensar-se que, numa classe em grupo, cada aluno dispõe
de pouco tempo para a “sua” aula de piano, tal como partir-se
da evidência de distribuir de forma equitativa o tempo disponí-
vel para cada aluno, representa uma falsa questão (Idem, pp.
97-98). Antes de mais, a aula de piano não pertence de forma
“privada” a cada aluno. Este não tem um direito, à partida, que
lhe seja garantido um tempo pré-determinado pelo professor.
Essa não é a essência das aulas de piano em grupo. A natu-
reza desta modalidade de ensino é, antes de mais, aprender e
fazer com que os alunos aprendam, em qualquer momento da
aula, incluindo nas situações em que não estão a tocar, mas
a observar e a ouvir atentamente os outros colegas. Muitas
vezes pode aprender-se mais pelo que se ouve e pelo que se
observa, do que simplesmente pela execução individual.
5. As aulas de grupo favorecem a constituição de grupos he-
terogéneos no que diz respeito a motivações e capacida-
des demonstradas para a aprendizagem:
Segundo Mason e Burrows (Idem, p. 99) o professor deve
ter o cuidado de criar classes com elementos que sejam o mais
Percursos 2014 Secção 1 Políticas e pedagogias no ensino da música 45
homogéneas possível em termos de idades, capacidades e
aptidões. Contudo, para os alunos que são mais fracos no gru-
po e que não possam, por um motivo ou outro, passar para
um outro grupo mais de acordo com as suas capacidades, a
solução passa por uma adequada posição do professor. Para
o efeito, existe a solução de, temporariamente, terem algumas
aulas particulares, assim como o professor dar aos referidos
alunos tarefas diferenciadas dos demais, com um grau diferen-
te de difi culdade, sem deixar de os integrar no grupo e de lhes
conferir uma similar importância no seio do grupo.
Os diferentes temas atrás abordados oferecem dois ca-
minhos que se interrelacionam e se complementam: o singular
com o plural, ou seja, o espaço ocupado pela individualidade
e o contexto de grupo (componente social) em que se insere.
O ensino de piano em grupo representa uma moeda com duas
faces, já que a individualidade do aluno se robustece através
da sua plena vivência em grupo, e vice-versa. Os autores não
hesitam em destacar que o contexto de ensino em grupo en-
riquece a sociabilidade e, ao mesmo tempo, consolida a indi-
vidualidade de cada aluno, além de servir de motivação extra
para a aprendizagem no instrumento. Por outro lado, esta
modalidade oferece a estruturação de um conjunto de activi-
dades cuja preocupação central é contemplar os alunos, em
qualquer idade ou ciclo escolar, com ferramentas adequadas
para a construção de uma literacia musical (Pintão, p. 247). Na
confl uência destas duas facetas, dois rios se encontram e se
completam, justamente no ponto em que uma nova pedagogia
do piano fl oresce, dirigida pelo professor, que chama a si a res-
ponsabilidade de planifi car as suas aulas de piano para serem
pensadas e adequadas ao ensino em grupo e nele servir de
46 Secção 1 Políticas e pedagogias no ensino da música Percursos 2014
justo mediador.
O projecto de investigação-acção no terreno
Foi no contexto desta refl exão teórica que aqui apresentamos
(que esteve inserida num enquadramento teórico muito mais vas-
to), que foi desenvolvido o desenho do projecto de investigação-
-acção levado a cabo.
A ausência de uma prática instrumental consistente na sala de
aula do 1º Ciclo é uma realidade no ensino em Portugal. O sis-
tema de ensino da música actual está longe de proporcionar aos
alunos ferramentas para eles construírem uma literacia musical
e, desta forma, se poderem tornar autónomos e desenvolver as
suas próprias aprendizagens, tal como fazem noutras áreas cur-
riculares. A presente investigação procurou dar resposta a esta
problemática dando enfoque ao ensino de piano em grupo como
processo pedagógico e didáctico, com ambições claras: (1) ve-
rifi car se o ensino de piano em grupo promove uma construção
mais efi ciente de uma verdadeira literacia musical; (2) testar se
o ensino instrumental em grupo, através do piano, permite ofe-
recer às crianças do 1º Ciclo do Ensino Genérico possibilidades
de aprendizagem mais aproximadas às oferecidas às crianças do
Ensino Especializado; (3) avaliar se o ensino de piano em grupo
promove uma aprendizagem musical mais consistente, capaz de
suscitar nos actores envolvidos no processo (alunos, professores,
pais) uma percepção da Educação Musical como área relevante
do currículo; (4) estudar a hipótese do ensino de piano em gru-
po proporcionar aos alunos do 1º Ciclo um contributo para eles
desenvolverem processos mais amadurecidos e signifi cativos de
socialização interpares; (5) sistematizar alguns princípios peda-
gógicos e didácticos adstritos ao ensino de piano em grupo; (6)
Percursos 2014 Secção 1 Políticas e pedagogias no ensino da música 47
descrever o impacto do ensino de piano em grupo nas crianças
ao nível do desenvolvimento de competências funcionais no uso
da linguagem musical.
O estudo empírico concretizou-se através da metodologia de
investigação-acção (I.A.), assente nos princípios do interaccionis-
mo simbólico, de modo a poder adequar um projecto de investi-
gação a partir da sala de aula e da intervenção de um professor
no âmbito das AEC`s. Assim, foi possível integrar a problemática
do ensino de piano em grupo segundo uma perspectiva que tem
as suas origens no campo da psicologia social e da sociologia.
As diferentes fases da investigação corresponderam aos três
ciclos que ocorreram na I.A. e proporcionaram a refl exão con-
junta entre investigador e professor cooperante na pesquisa que,
deste modo, foram adaptando o projecto. Posteriormente foram
analisados e interpretados os dados, que foram cruzados com as
perspectivas obtidas nos dados dos professores (através das en-
trevistas) e dos alunos e respectivos encarregados de educação
(através dos questionários).
Conclusões do projecto
Como resultados verifi cados, pôde constatar-se o forte impac-
to que este projecto provocou, a partir do signifi cado que o acto
de fazer música em grupo assumiu sob o ponto de vista pessoal e
social. De igual modo, pôde verifi car-se a importância que todos
os agentes envolvidos deram ao projecto por este possibilitar a
aprendizagem musical através de uma prática instrumental inova-
dora. Este projecto demonstrou que é possível diluir as fronteiras
entre ensino genérico e ensino vocacional no 1º Ciclo, no que res-
peita a objectivos de ensino, metodologias didácticas, conteúdos
e competências a desenvolver. A investigação provou igualmente
48 Secção 1 Políticas e pedagogias no ensino da música Percursos 2014
que, no contexto da pesquisa, o ensino instrumental em grupo fa-
vorece o aparecimento de inclinações vocacionais para o estudo
da música, realçando a importância de ele ter sido feito em idades
precoces.
Pela sua originalidade e resultados, sobretudo porque foi de-
senvolvido numa escola de um meio social com difi culdades,
o projecto explorou um campo de estudo que, no futuro, suge-
re múltiplas possibilidades de investigação, perspectivando-se
como vantajosa a sua replicação noutras escolas do 1º Ciclo, e
eventualmente de forma longitudinal, com alunos que sejam de-
vidamente estudados e acompanhados durante os quatro anos
iniciais da escolaridade.
Neste novo milénio, dominado pelas redes sociais e pelo cres-
cimento de diferenciadas formas de aprendizagem em grupo,
torna-se urgente apontar o ensino de piano em grupo como o
largo rio da democratização que abarca uma nova pedagogia e
que dá ao professor, ao aluno e à escola no seu todo um espaço
de liberdade na construção de um currículo inclusivo. Este currí-
culo emerge assim, naturalmente, como um rio em diálogo com
as suas margens, que estão assentes na organização, no traba-
lho escolar e no cumprir uma das tarefas maiores da escola: o
desenvolvimento da justiça social, a diminuição de diferenças e
limites produzidos pela origem familiar, e a melhoria da equidade
no acesso aos bens culturais e educativos, de forma a que cada
criança possa encontrar na escola e retirar da escola o que lhe
seja mais útil para a sua realização pessoal e para a sua afi rma-
ção na sociedade global.
Percursos 2014 Secção 1 Políticas e pedagogias no ensino da música 49
Referências:
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Perrenoud, P. (1995). Ofício de aluno e sentido do trabalho escolar.
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50 Secção 1 Políticas e pedagogias no ensino da música Percursos 2014
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Santomé, J. (1995). O Curriculum Oculto. Porto: Porto Editora.
CAPÍTULO 02
O papel do ensino instrumental em
grupo na motivação dos alunos.
Construção partilhada de um
portefólio de actividades numa
disciplina de Música de Câmara
Eva Neiva
Academia de Música Fernandes Fão
Instituto de Educação da Universidade do Minho
evaneiva@msn.com
M. Helena Vieira
Instituto de Educação da Universidade do Minho
Centro de Investigação em Estudos da Criança (CIEC)
m.helenavieira@ie.uminho.pt
52 Secção 1 Políticas e pedagogias no ensino da música Percursos 2014
Introdução
O projecto que a seguir se apresenta inseriu-se no contexto
da Prática Profi ssional do Mestrado em Ensino de Música da
Universidade do Minho, que se desenvolveu na Academia de
Música Fernandes Fão em Ponte de Lima, sob a orientação da
Prof. Helena Vieira. A realização deste estágio coincidia com a
implementação da disciplina de Música de Câmara pela primei-
ra vez nesta instituição, não existindo ainda um programa ofi cial
aprovado. Assim, com um pouco de liberdade nas aulas, mas ten-
do em conta que os alunos tinham que apresentar uma a duas
obras nas audições obrigatórias no fi nal de cada período, apare-
ceu a oportunidade de aplicação de diferentes estratégias peda-
gógicas e construção partilhada das mesmas. Os princípios peda-
gógicos abordados na unidade curricular de Princípios e Práticas
do Ensino Instrumental em Grupo do referido mestrado tinham,
neste contexto, uma oportunidade única de experimentação.
O título do projeto de estágio A disciplina de Música de Câmara
do 3ºgrau. Construção partilhada de um portefólio de sugestões
didáticas surgiu, precisamente, devido à liberdade proporciona-
da pela ausência de um programa pré-defi nido para a disciplina.
Como não havia nenhuma linha orientadora para guiar a área dis-
ciplinar (apenas a indicação de que os alunos teriam que se apre-
sentar no fi nal de cada período numa audição), tornou-se funda-
mental a criação de diferentes atividades que explorassem con-
teúdos diversos no contexto de grupo. Além disso, logo nas pri-
meiras aulas foi perceptível que os alunos não mostravam grande
interesse pela disciplina. Assim, considerou-se que, através da
Percursos 2014 Secção 1 Políticas e pedagogias no ensino da música 53
construção partilhada das actividades, eles poderiam tornar-se
agentes mais activos e envolvidos na sala de aula.
O objetivo principal era conseguir, através do desenvolvimen-
to da criatividade a vários níveis, manter os alunos interessados
pela disciplina e dar oportunidade para desenvolverem as suas
capacidades, e partilharem e exporem as suas ideias, tendo em
conta sempre a sua opinião. A construção partilhada de um con-
junto de actividades com objectivos diversifi cados teria um papel
importante no envolvimento pessoal dos alunos, na sua motiva-
ção para a aprendizagem e para o estudo, e no desenvolvimento
do seu espírito crítico e refl exão, bem como do espírito de grupo
e das competências sociais.
E : ,
Origens
O ensino instrumental em grupo, segundo Liu Man Yin (2007 p.
11), foi desenvolvido nas universidades norte-americanas desde
1850 e a partir de 1890 começou a ser aplicado em Inglaterra,
difundindo-se assim pelo resto da Europa. Para Oliveira, contu-
do, (1998, citada por Cruvinel, 2004 p. 76), este ensino come-
çou na Europa, mais concretamente no Conservatório de Leipzig
na Alemanha, em 1843, e mais tarde nos Estados Unidos, no
Conservatório de Boston. Em qualquer dos casos, trata-se de
um ensino cuja expansão data de meados do século XIX e que
apresenta vários formatos e tipologias, não se confundindo com
outras formas de tocar em grupo, como a música de câmara, por
exemplo.
Nos Estados Unidos o ensino em grupo era aplicado de três
54 Secção 1 Políticas e pedagogias no ensino da música Percursos 2014
formas distintas: nas academias, frequentadas por um grande
número de alunos; nos conservatórios, com quatro alunos por
turma; e, por último, nas escolas públicas, com muitos alunos a
tocar em conjunto (Idem, Ibidem, p. 77). Porém, com o apare-
cimento das escolas superiores nos Estados Unidos no século
XIX, este ensino teve um grande declínio, dando lugar ao ensino
individualizado.
No Brasil este ensino surge em 1950, através do professor
José Coelho Almeida, com a criação de bandas de música em fá-
bricas do interior de São Paulo. Mais tarde, abre o Conservatório
Estadual Dr. Carlos de Campos, na cidade de Tatuí, com ins-
trumentos de cordas (Cruvinel, 2004 p.78). Neste conservatório
contratam-se actualmente professores especializados em “en-
sino colectivo de cordas”, como se pode verifi car no endereço
electrónico da instituição (http://www.conservatoriodetatui.org.br/
cursos.php?id=1). O ensino em grupo de cordas desenvolveu-
-se no Brasil com Alberto Jaffé e Daisy de Luca nos anos 70.
Actualmente, o ensino instrumental em grupo de vários instru-
mentos está a ser abordado academicamente por vários autores
no Brasil, entre eles Renata Jaffé (fi lha de Alberto Jaffé, recen-
temente falecido), Flávia Cruvinel, Joel Barbosa, Abel Moraes,
Cristina Tourinho, João Maurício Galindo, Ana Roseli Paes dos
Santos e Alda de Oliveira, entre outros. Trata-se de princípios pe-
dagógicos que estão a ter ampla divulgação no Brasil, sendo que,
em muitas universidades e escolas, existem projectos centrados
nesses princípios.
Em Portugal, a Portaria nº 691/2009, de 25 de Junho defi niu
um novo plano de estudos no ensino especializado de música,
introduzindo a ideia de ensino instrumental em mini-grupo. A por-
taria permite, mas não obriga, a esse tipo de ensino. No entanto,
Percursos 2014 Secção 1 Políticas e pedagogias no ensino da música 55
talvez por razões não pedagógicas (mas fi nanceiras) muitas es-
colas e academias começaram a aplicá-lo. Contudo, muitas des-
sas escolas limitaram-se a fazer uma leitura da legislação que
destruíu as possibilidades pedagógicas do verdadeiro trabalho
em grupo, uma vez que dividiram o tempo pelos dois alunos, pas-
sando estes a ter duas aulas individuais mais pequenas, tal como
se estivessem a assistir a uma pequena masterclass com os
colegas. Dessa forma, o trabalho musical em conjunto continua
impedido, e cada aluno toca, efectivamente, metade do tempo
que deveria tocar segundo a lei. A carga horária de instrumento
é por vezes dividida também entre uma aula individual de qua-
renta e cinco minutos e uma aula de grupo constituída por dois
alunos, também de quarenta e cinco minutos. A partir desta nova
legislação, Portugal começa a dar os primeiros passos (forçados,
reconheça-se) para este tipo de ensino, no meio de muita contro-
vérsia e de muitas resistências, bem como no meio de um mau
aproveitamento pedagógico (musical, motivacional, socio-cultural
e afectivo) do que a nova legislação permite.
Vantagens testemunhadas na literatura da especialidade
Podemos encontrar diversas vantagens para a implementação
do ensino instrumental em grupo. Além do desenvolvimento de
competências sociais, temos também a inclusão social e o de-
senvolvimento das capacidades intelectuais dos alunos com mais
difi culdades. Encontramos também a vertente da motivação, já
que os alunos aprendem e cooperam mais, ajudando também
os colegas na compreensão dos conteúdos. Além de todas as
vantagens referidas, o ensino instrumental em grupo desenvolve
ainda as capacidades técnicas através da observação, imitação
e interacção com os colegas (Fisher, 2010 p.11). Esta imitação e
56 Secção 1 Políticas e pedagogias no ensino da música Percursos 2014
comparação entre os alunos suscita uma competição saudável
que infl uencia na evolução da técnica de cada aluno, (como por
exemplo a postura, a expressividade, e sonoridade), o que não
aconteceria na aula individual, na qual o modelo que o aluno ob-
serva é apenas o do professor, que é muito mais distante e, por
vezes, até percebido como inatingível. O aluno que observa um
colega que realiza um trabalho passa a pensar que o objectivo ou
resultado não só é alcançável, como realmente esperado de si.
Outro motivo para a implementação do ensino instrumental em
grupo poderá ser por razões fi nanceiras, motivo esse que se torna
bem expectável no contexto actual. No entanto, o melhor motivo
para a difusão do ensino instrumental em grupo será, na verdade,
segundo Vieira (2011 pp. 798-799) a democratização do ensino
de instrumentos na base da pirâmide de selecção dos alunos, a
democratização da própria detecção de aptidões e orientação vo-
cacional dos alunos. Trata-se de um motivo de ordem da política
educativa, mas que também encontra eco nas vantagens peda-
gógicas enunciadas. Neste momento, as escolas especializadas
do país ainda oferecem muitas resistências a este tipo de ensino,
por temerem que as razões da sua aplicação sejam sobretudo
fi nanceiras e resultantes de “cortes cegos” nos orçamentos go-
vernamentais; no entanto, a experiência de outros países e a do
nosso país em diversos projectos de investigação já realizados na
Universidade do Minho, noutras universidades e neste projecto
concreto, é que uma aplicação cuidada com professores devida-
mente preparados trará inúmeras vantagens pedagógicas para o
desenvolvimento musical das crianças na iniciação musical.
Para Swanwick (2003 p. 67) “os alunos, em pequenos grupos,
trarão suas próprias interpretações e tomarão suas próprias deci-
sões musicais em muitos níveis. Eles começarão a se “apropriar”
Percursos 2014 Secção 1 Políticas e pedagogias no ensino da música 57
da música por eles mesmos.” Neste ensino, o aluno melhora as
suas capacidades através da visualização e audição de outros
colegas, identifi cando muitas vezes os enganos cometidos e
tentando-os corrigir autonomamente, contribuindo ainda para a
interacção entre colegas e uma maior motivação para aprender.
Swanwick afi rma também (Idem, p. 72) que nas aulas de grupo
“as crianças estavam adquirindo confi ança e competência com os
instrumentos, estavam cantando e tocando, ouvindo cuidadosa-
mente, trabalhando junto e valorando o fazer musical.” Aqui, o pa-
pel do professor torna-se fundamental e de extrema importância
para o desenvolvimento das relações interpessoais, promovendo
a aprendizagem activa. Além disso, o professor tem um papel im-
portante na preparação das aulas e a sua atenção deve ser cons-
tante, para que os alunos não se distraiam, perdendo o essencial
da aula. A preparação das aulas de instrumento em grupo é muito
mais exigente, mas os frutos são muito positivos.
O ensino tradicional do instrumento sempre foi identifi cado
como um ensino a nível individual e, apesar das várias tentativas
de implementação do ensino em grupo, continua a haver uma
determinada desconfi ança e resistência pela parte de muitos pro-
fessores que se questionam acerca das vantagens para os alu-
nos e para o desenvolvimento das suas capacidades técnicas. No
entanto, em diversos países há experiências concretas e diversifi -
cadas da aplicação de diferentes tipos de ensino instrumental em
grupo que, bem articuladas com o ensino individual, podem con-
tribuir muito para a melhoria dos sistemas de ensino e dos pro-
cessos pedagógicos em sala de aula. Para a devida interacção
entre o que se passa numa sala de aula de ensino instrumental
e a conjuntura global e política da educação musical de todos os
cidadãos do país, é necessário potenciar uma maior abertura dos
58 Secção 1 Políticas e pedagogias no ensino da música Percursos 2014
profi ssionais de ensino para continuarem a desenvolver a sua for-
mação contínua, num espírito de abertura a metodologias novas,
como a do ensino instrumental em grupo.
“Desvantagens” frequentemente apresentadas
A razão mais frequente para a resistência ao ensino instrumen-
tal em grupo, é o pensamento de que o instrumentista tem que ter
uma técnica perfeita, numa tentativa de criação de virtuosos, e a
ideia de que o ensino instrumental em grupo não permite alcançar
esses objectivos. Até aos dias de hoje, e apesar de uma grande
taxa de desistência de alunos do ensino especializado, prevalece
essa ideia nos conservatórios e nas escolas de música, limitan-
do o acesso a este ensino em grupo. Apesar dos benefícios do
ensino individual no desenvolvimento das capacidades físicas,
mentais, intelectuais e emocionais, a sociedade actual tende a
fomentar cada vez mais as relações interpessoais, reforçando
ainda mais as possíveis vantagens da implementação do ensino
em grupo e das suas estratégias de ensino pois, além de ofe-
recer todas as potencialidades acima referidas, também promo-
ve o sentido de socialização, responsabilidade e solidariedade,
orientando-se para questões que cooperam para a boa formação
do ser humano. Para além disso, as experiências de ensino em
grupo têm mostrado que há processos de aprendizagem técnica
e expressiva que se desenvolvem até muito mais rapidamente no
contexto de grupos (Swanwick, 2003; Green, 2008; Fisher, 2010;
Vieira, 2011).
Também na escolha de reportório para o grupo, poderão surgir
confl itos, de acordo com o gosto de cada membro de um gru-
po. No entanto, o mesmo pode acontecer no ensino individual
quando, muitas vezes, os professores impõem certas peças por
Percursos 2014 Secção 1 Políticas e pedagogias no ensino da música 59
motivos técnicos ou de programa. Assim, a escolha do repertó-
rio poderá levar ao desinteresse por parte dos alunos, sendo im-
portante uma análise prévia do grupo por parte do professor, de
modo a atender aos gostos e motivações diversifi cados. Tocar
uma peça de que se gosta e que foi escolhida pelo próprio poderá
ser, sem dúvida, um factor de enorme motivação, e que conduzirá
o aluno a um estudo muito mais intensivo.
Continua a haver quem defenda no ensino em geral a forma-
ção de grupos homogéneos (mesmo nível de competências) e
heterogéneos (diversos níveis de competências), sendo mais fácil
obter sucesso nos homogéneos, dadas as características cog-
nitivas, sociais e outras que, por serem niveladas, contribuem
para o desenvolvimento das capacidades dos alunos. Porém, nos
grupos heterogéneos há a oportunidade de todos os alunos se
integrarem, adaptando-se ao tipo de grupo, e vislumbrando o seu
próprio futuro, o que contribui para a inclusão social (Freitas &
Freitas, 2002 p. 39). A questão da homogeneidade e heterogenei-
dade também se coloca ao nível musical, referindo-se, contudo,
neste caso, respectivamente, a instrumentos do mesmo naipe ou
naipes diversos. O ensino instrumental em grupo com instrumen-
tos homogéneos é, naturalmente, o que permite uma evolução
técnica mais consistente e controlada no grupo, enquanto o de
instrumentos heterogéneos exige uma outra formação do profes-
sor e uma centração maior no desenvolvimento da expressivida-
de e do trabalho de câmara ou orquestral (Cruvinel, 2005).
Numa entrevista dada por João Galindo a Cruvinel (2003, ci-
tado por Issacaba, 2010 p. 11), este afi rma que será difícil man-
ter um grupo homogéneo, pois cada aluno tem o seu momento
de desenvolvimento, que poderá não ser igual ao dos colegas.
Galindo também se interroga sobre o tempo despendido nas au-
60 Secção 1 Políticas e pedagogias no ensino da música Percursos 2014
las em grupo. Afi rma que o ensino instrumental em grupo é im-
portante numa fase inicial, mas que mais tarde os alunos deverão
ter aulas individuais para o desenvolvimento da performance. As
possibilidades do ensino instrumental em grupo na iniciação pa-
recem largamente desaproveitadas no nosso país.
O papel do professor no ensino em grupo
Fisher (2010, p. 12) refere que o professor de ensino instru-
mental em grupo deve ter as seguintes competências: ser capaz
de diagnosticar problemas técnicos dos alunos e construir solu-
ções para ultrapassá-los; ser observador durante toda a aula an-
tecipando possíveis problemas tanto a nível social, pessoal ou da
performance; ser competente a nível musical e na performance
demonstrando elementos técnicos e expressivos aos alunos; ter
conhecimento a nível da teoria musical e da história da música;
ter sensibilidade musical e auditiva, reconhecendo se o aluno
está a tocar desafi nado ou com algum ritmo ou notas erradas;
ser fl exível; ser imaginativo; ser capaz de gerir o tempo; saber
preparar cada aula e ser organizado na sua planifi cação. Para
Fisher estas competências devem ser um ponto de partida para
os professores obterem outras capacidades.
Lucy Green, por seu lado, (2008, p. 30) menciona que o pro-
fessor deve ter dois papéis: o primeiro, de observador, e o segun-
do, de orientador. Relativamente ao primeiro papel, o professor
não deve intervir, na fase inicial, na escolha das músicas por parte
dos alunos nem do seu instrumento. Nessa fase de observação
dos alunos e dos seus objectivos, o professor deve ter outro pa-
pel: o de diagnosticar o que os alunos precisam, para atingir os
objectivos por eles traçados. O segundo papel, depois da escolha
da música e do instrumento, é um papel de orientação, em que o
Percursos 2014 Secção 1 Políticas e pedagogias no ensino da música 61
professor deve guiar o aluno através de sugestões e de demons-
trações. Ou seja, a raiz das decisões e das escolhas deve ser
deixada ao aluno, com alguma orientação supervisionada, o que
se espera aumentar em muito a sua motivação. O professor não
abdica do seu papel de ensino, mas deixa ao aluno muita mais li-
berdade nas escolhas iniciais. O preço a pagar por uma verdadei-
ra motivação intrínseca do aluno para o estudo de um instrumento
é a liberdade de escolha: de repertório, do próprio instrumento a
tocar, de grupos de amigos com quem queira tocar.
Para Ortins, Cruvinel e Leão (2004 p. 63) “o professor não
é ‘conhecedor’ e ‘redentor’ único do saber, mas exerce, antes,
certas funções que estão para além da aprendizagem, um papel
em que deve lidar com questões pessoais e interpessoais; caso
contrário senão o trabalho fi ca a laissez-faire ou autoritário, es-
quecendo da democracia que deveria existir num grupo.” Nesse
sentido, a excelência técnica e o virtuosismo instrumental não são
opostos ao trabalho desenvolvido no ensino instrumental em gru-
po mas, pelo contrário, são potenciados por ele, na medida em
que permitem o desenvolvimento da motivação do aluno.
Metodologia didática
Keith Swanwick (1979) criou um modelo pedagógico que intitu-
lou de C.L.A.S.P. (refl ectindo as iniciais das palavras composition,
literature, audition, skills e performance). Cada letra corresponde
a uma actividade e todas as actividades devem existir numa plani-
fi cação equilibrada de uma aula. Apesar do autor reconhecer que
deve haver uma harmonia entre os cinco elementos, para ele os
elementos mais importantes, porque mais criativos ou potencia-
dores do desenvolvimento da criatividade dos alunos, são a au-
dição, a composição e a interpretação; considerando a literatura
62 Secção 1 Políticas e pedagogias no ensino da música Percursos 2014
musical e a técnica, como secundários, apesar de evidentemente
importantes. Para Swanwick é necessário desenvolver mais as
actividades criativas do que as de leitura e técnica, que têm sido
as preponderantes, de modo a poder fomentar o desenvolvimento
da própria criatividade dos alunos.
Swanwick (2003) também acha importante o professor ter em
conta a sociedade cultural em que o aluno vive. Nesse sentido,
o professor deve conseguir estimular a criança com músicas
conhecidas, de forma a que o aluno se sinta motivado a tocar.
Assim, o aluno terá contacto com diferentes formas e géneros
musicais, para além do programa instituído pela entidade escolar.
Swanwick também privilegia a livre experimentação, quer atra-
vés do instrumento musical, quer através de outros materiais ou
mesmo do próprio corpo. Esta realidade da variedade de repertó-
rios e actividades tem, aliás, evoluído lentamente no nosso país,
verifi cando-se hoje a interpretação de repertórios que há poucas
décadas seriam totalmente proibidos no estudo ofi cial.
Lucy Green (2001) corrobora essas ideias, tendo realizado um
estudo que veio a publicar (“How popular musicians learn”), se-
gundo o qual, sem qualquer tipo de bases de leitura musical é
possível tocar um instrumento. Ao longo do estudo a autora per-
cebeu que os músicos populares, frequentemente muito ágeis na
interpretação instrumental, escolhiam as suas músicas a partir de
músicas que conheciam e tocavam por ouvido; percebeu também
que, além disso, tocavam com pessoas que tinham os mesmos
gostos musicais, o que é um factor social e contextual importante.
Green reparou que, além de conseguirem tocar de ouvido, duran-
te todo o processo aprendiam também a compor e a improvisar
(capacidades muito lacunares nos alunos de música de escolas
especializadas, mesmo nos níveis mais adiantados de estudo).
Percursos 2014 Secção 1 Políticas e pedagogias no ensino da música 63
Adaptou estes procedimentos e estratégias a alunos de iniciação,
estimulando os alunos a escolherem os seus instrumentos, os
seus colegas de trabalho e as suas próprias músicas, através do
processo de “tirar de ouvido” a partir de cds. Desta forma, o papel
do professor altera-se. Não escolhe previamente a música nem
dá imediatamente instruções, deixando os alunos serem indepen-
dentes nas suas escolhas musicais e realizarem com o grupo de
colegas esta tarefa. Apesar do receio inicial por parte dos pro-
fessores em relação a esta experiência, o resultado foi positivo,
visto que os alunos fi caram mais autónomos, com a autoestima e
a motivação muito mais elevada e com um maior conhecimento
do seu instrumento e da sua forma de funcionamento. Não aban-
donando os métodos tradicionais de ensino instrumental, estas
estratégias pedagógicas inspiradas nas práticas dos músicos po-
pulares revelaram-se potenciadoras de grandes e rápidas melho-
rias na aprendizagem de um instrumento e na aprendizagem da
linguagem musical de um ponto de vista funcional.
Edwin Gordon é outro pedagogo importante no campo da
Educação Musical, cuja contribuição é relevante para o ensino de
instrumentos. Uma das grandes problemáticas que Edwin Gordon
investigou era, não como “ensinar música” mas como esta era
“aprendida”. Segundo o autor, a música é aprendida e apreendida
da mesma forma que a língua materna, uma vez que ouvimos,
tentamos imitar, pensamos sobre o que falamos e, por fi m, impro-
visamos (2000, p. 9). Na visão de Gordon, quando aprendemos
um instrumento musical estamos, na realidade, a aprender dois
instrumentos, um instrumento auditivo, dentro da nossa cabeça e
um instrumento físico tocado com as próprias mãos. Se os alu-
nos forem capazes de “audiar” (segundo Gordon, compreender
e ouvir cantar interiormente o som não estando ele fi sicamente
64 Secção 1 Políticas e pedagogias no ensino da música Percursos 2014
presente) na performance terão uma melhor execução (idem, p.
29). Para isso, enquanto o aluno começa a dar os primeiros pas-
sos no instrumento, o professor deve proporcionar ao máximo um
ambiente musical, onde sejam estimulados o cantar, o ouvir e o
tocar de ouvido. Para Gordon, esta é “a base da aptidão musical”
(2000 p. 29).
Os autores mencionados acima referem a importância de to-
car de ouvido, da imitação e da improvisação. Fisher, além das
estratégias referidas acima, enumera também atividades concre-
tas para diferentes conteúdos, sempre aplicadas no ensino ins-
trumental em grupo. Estas tendem a desenvolver não só a coo-
peração entre colegas mas também o ouvido, o sentido crítico,
o sentido rítmico, a improvisação e a associação de sons a sen-
timentos, dando ao aluno um maior conhecimento sobre o seu
instrumento. Apesar de todos os alunos serem diferentes e cada
um com as suas capacidades e difi culdades, neste ensino, além
de se corrigir individualmente o erro de cada aluno, os colegas, ao
assistirem, saberão como proceder, se eventualmente realizarem
esse mesmo erro mais à frente.
A procura de um método que seja fora do tradicional, com mais
resultados, e levar os alunos a explorarem o seu potencial era
o principal objetivo dos autores acima mencionados. Explorar a
improvisação, a criatividade, a audição e a imitação são alguns
dos elementos propostos pelos autores, para que o ensino do
instrumento seja muito mais do que ler uma partitura e executá-la,
e incida, fundamentalmente, numa perspetiva funcional da apren-
dizagem musical. Gordon costumava dizer metaforicamente nas
suas conferências dos anos 80 e 90 na Gulbenkian que tocar um
instrumento não pode ser como escrever à máquina, “directamen-
te dos olhos para o teclado sem passar pela cabeça”. A busca
Percursos 2014 Secção 1 Políticas e pedagogias no ensino da música 65
desta perspectiva de compreensão funcional e da construção do
pensamento musical nos alunos do estágio passou muito pelo
trabalho em grupo, fundamentando-se em diversas propostas de
atividades concretas de Christopher Fisher, mas também na pró-
pria imaginação criativa dos alunos.
Algumas actividades sugeridas pelos alunos
Durante o processo de intervenção, enquanto professora es-
tagiária, não só ia sugerindo e realizando algumas actividades,
como também pedia para os alunos darem o seu contributo para
a construção de outras actividades, com vista à construção do
portefólio da disciplina.
Várias actividades foram realizadas, tendo maior impacto as
actividades mais didácticas. As actividades realizadas foram va-
riadas: a) Ampliação: um aluno emite um som, o colega repetirá,
mas mais intenso, e assim sucessivamente; b) Entradas diferen-
tes: os alunos tocarão a peça, mas cada um entrará em sítios
diferentes; c) Dinâmica: um aluno tomará o lugar de maestro e
através de gestos os colegas terão que seguir e tocar a dinâmi-
ca pretendida; d) Audição/Memória (duas atividades): na primeira
serão utilizadas fi guras rítmicas (um aluno toca um ritmo o outro
aluno imita e reproduz o seu ritmo) e na segunda actividade, será
usada uma linha melódica (os alunos terão que memorizar bem
o som e depois adivinhar a ordem das notas); e) Criatividade:
os alunos, através do seu instrumento, exploram temas ou senti-
mentos – o que conduz à criatividade melódica; f) Improvisação:
um aluno de cada vez improvisará no seu instrumento enquanto
os colegas jogarão o conhecido jogo da cadeira; g) Anulação: os
alunos anularão uma nota; quando executarem a peça não pode-
rão tocar essa nota sempre que ela apareça; h) Erro: um aluno
66 Secção 1 Políticas e pedagogias no ensino da música Percursos 2014
executará o seu solo, e tocará conforme a partitura; de seguida,
tocará a mesma peça, mas comete erros propositadamente; os
outros alunos terão que descobrir quais foram os erros e depois
enunciá-los, assinalando os compassos e tempos em que ocorre-
ram; i) Andamento: os alunos tocarão a peça com diferentes an-
damentos. Estas actividades, entre outras, surtiram um efeito de
motivação verdadeiramente surpreendente nos alunos, fazendo
pensar que, muitas vezes, centrados nas preocupações técnicas
e de repertório, os professores negligenciam a idade e a fase de
desenvolvimento dos alunos, muitas vezes crianças pequenas,
e acabam por propor atividades que não os motivam; pelo con-
trário, ao aproveitar a ludicidade dos jogos em grupo, é possível
levar os alunos a atingir os mesmos objectivos muito mais rapida-
mente, porque se envolvem com muito mais gosto e entusiasmo
e despertam para o sentido humano e contextual do estudo do
instrumento.
Depois das várias actividades propostas fui solicitando aos
alunos que, quando se lembrassem de alguma actividade que
pudesse ser feita em grupo, e que incluísse os instrumentos musi-
cais deles, se pronunciassem. Também nalgumas atividades que
iam sendo realizadas os alunos foram dando ideias para outras
actividades e, com estas ideias, foi sendo construído o portefólio
das actividades em grupo.
As seguintes atividades foram sugeridas pelos alunos ao lon-
go do estágio: A Cabra-Cega: um aluno é escolhido e vendado,
enquanto os restantes colegas tocam ao mesmo tempo diversas
melodias, ou improvisam algumas melodias. Depois de alguns
compassos um dos colegas toca especifi camente a melodia da
peça que estão a trabalhar, o aluno vendado, através do som, tem
que identifi car o colega que está a tocar a melodia da peça. Nesta
Percursos 2014 Secção 1 Políticas e pedagogias no ensino da música 67
atividade é necessário bastante concentração, não só para iden-
tifi car a melodia, mas também qual o instrumento que a está a to-
car. Correção: um aluno toca a parte mais desafi nada da peça. Os
restantes colegas vão ajudando e corrigindo o colega para tocar
melhor. O Telefone Sem Fio: um aluno toca uma pequena célula
rítmica. O colega ao seu lado deve tentar repeti-la no instrumento
e assim sucessivamente até se chegar ao fi nal. Imitação: todos
os colegas saem da sala excepto um aluno; esse inventa um rit-
mo, uma melodia ou uma sucessão de sons que executa peran-
te o primeiro colega que entra, esse primeiro colega reproduz o
que ouviu para o segundo colega, e assim sucessivamente. No
fi nal, comprova-se os resultados. Transposição da Peça: nesta
atividade os alunos escolhem um intervalo. De seguida terão que
executar toda a peça segundo esse intervalo de transposição;
Memorização de Melodia: os alunos escolhem cinco notas e ou-
vem estas com muita atenção. Um dos alunos toca essas notas
escolhendo agora a sua ordem e os outros colegas têm que imitar
o que ouviram. Dinâmica: os alunos escolhem um ritmo que exe-
cutam na peça que estão a trabalhar. Depois de escolhido o ritmo,
associam esse ritmo a uma dinâmica; por exemplo, no ritmo col-
cheias os alunos tocam com a dinâmica piano; quando forem a
reproduzir a peça os alunos têm que associar o ritmo à dinâmica.
Ritmo: um aluno escolhe um colega e informa que esse colega
terá que tocar a peça que estão a trabalhar na aula com um único
ritmo; por, exemplo uma pulsação única e constante; assim, o alu-
no terá que tocar toda a peça sempre com esse ritmo, alterando
o ritmo original da peça, mas mantendo as notas no que respeita
à altura. O Jogo da Estátua: neste jogo estão todos os alunos a
tocar a peça, menos um. Esse colega está de costas, mas, mal
se vira, os outros alunos têm que parar; assim que se virar para
68 Secção 1 Políticas e pedagogias no ensino da música Percursos 2014
a frente os colegas têm que continuar a tocar a peça, e é assim
até ao fi nal da peça. O Jogo da Cabra-Cega: enquanto um aluno
está vendado, os restantes colegas estão a tocar a peça. A meio
da peça a professora pede com um gesto para um dos alunos
deixar de tocar e o colega vendado tem que descobrir qual foi o
aluno que parou.
Os alunos propuseram bastantes actividades (que envolviam
ora aspectos de percepção auditiva, ora aspectos de criatividade,
ora aspectos performativos), mostrando grande criatividade e em-
penho na tarefa, o que foi bastante surpreendente. De facto, a se-
riedade da focalização tradicional no repertório fez pensar, no iní-
cio do estágio, que algumas propostas poderiam ser infantis, mas
a verdade é que os alunos aumentaram imenso o seu interesse
nas aulas, passaram a estudar mais, e o aluno mais desinteressa-
do passou a ser dos mais interessados quando compreendeu que
tinha capacidades de discriminação auditiva superiores às das
colegas; o que provavelmente tem acontecido é que a focalização
no repertório tem feito os professores esquecerem a realidade
de que estão a lidar com crianças, e que as crianças se motivam
muito para a aprendizagem por via do jogo em grupo. Quase to-
das as actividades propostas pelos alunos foram experimentadas
nas aulas, dando-lhes uma noção mais realista das actividades
úteis e/ou exequíveis, de forma a poderem ser integradas no por-
tefólio. Todas as actividades escolhidas para execução foram pro-
duzidas com sucesso. Porém, outras actividades sugeridas pelos
alunos foram postas de lado antes de executadas, pelo facto de
não serem realmente praticáveis. Os próprios alunos se riram e
acharam que eram muito difíceis ou sem interesse. Apesar disso,
no fi nal, o balanço é bastante positivo, tendo-se conseguido ela-
borar dezoito atividades sugeridas pelos alunos e dezoito sugeri-
Percursos 2014 Secção 1 Políticas e pedagogias no ensino da música 69
das por mim, reunindo no fi nal um leque variado para desenvolver
em grupo, de forma a abordar vários conteúdos importantes para
o desenvolvimento da performance.
Em todas as aulas foram testadas actividades que levassem
os alunos para fora das propostas pedagógicas tradicionais.
Inicialmente os alunos pareciam não demonstrar muita vontade
em realizar as actividades, principalmente as que requeriam um
pouco mais de trabalho em casa, como por exemplo, tirar uma
música de ouvido a seu gosto (actividade que os alunos demo-
raram mais tempo a concretizar). Apesar do receio inicial nas di-
versas actividades, todas estas foram realizadas e os alunos, aos
poucos, aperceberam-se de que podiam realizar diversos con-
teúdos de formas diferentes. As actividades mais lúdicas eram
as que tinham mais sucesso, notando-se na postura dos alunos
que queriam repetir e estavam mais abertos para as realizar. Aos
poucos, os alunos estavam mais receptivos às actividades, mais
entusiasmados em realizá-las e, com isto, o trabalho de reunir
actividades sugeridas pelos alunos foi mais fácil. Os alunos base-
avam-se nas actividades das aulas para inventar as deles. Assim,
após um início um pouco lento e hesitante, os alunos tiveram uma
evolução bastante positiva, sendo esta refl ectida na sua motiva-
ção, atitude, postura e por fi m, na sua própria performance. Nas
últimas aulas estavam muito entusiasmados, o que se refl ectia
numa prestação bastante satisfatória nas actividades de audição
e também na sua apresentação fi nal em público.
Conclusão
Os alunos de música de câmara do 3º grau, apesar de terem
alguma experiência na execução do seu instrumento, mostravam-
-se inicialmente muito reticentes aquando da tomada de conheci-
mento sobre as actividades a desenvolver. As aulas tradicionais
70 Secção 1 Políticas e pedagogias no ensino da música Percursos 2014
não os convocam para tomar iniciativas criativas e, por isso, a pri-
meira reacção foi de muita timidez. Só com o decorrer das mes-
mas (e sobretudo a partir de jogos didácticos e lúdicos) é que os
alunos começaram a mostrar mais interesse e empenho na aula
e, muitas vezes, até entusiasmo.
Pudemos constatar que os alunos tinham criado o hábito de
tocar sempre com a pauta à frente, e não pensavam em explorar
o seu instrumento através de pequenas improvisações, nem em
tirar maior proveito da capacidade de tocar um instrumento mu-
sical (como por exemplo, tocando algumas músicas de que mais
gostam, tirando estas de ouvido, etc.). Apesar de afi rmarem que
já costumavam tirar músicas de ouvido, inicialmente manifesta-
ram muitas difi culdades na execução deste tipo de actividades,
evidenciando por vezes falta de conhecimento, quer em termos
práticos e técnicos, quer em termos de falta de concentração; por
outro lado, manifestaram também difi culdades em aplicar técni-
cas de improvisação ao repertório que já trabalhavam. Estas difi -
culdades demonstraram também que é possível que a formação
dos alunos ao nível da disciplina de Formação Musical esteja a
ser desenvolvida sobre bases muito teóricas e com pouca liga-
ção directa ao seu desenvolvimento instrumental. Por outro lado,
a disciplina de instrumento também não estará a fazer a devida
ponte com o raciocínio musical desejável num aluno de música.
Depois de algumas aulas dedicadas às músicas escolhidas
pelos alunos, apercebemo-nos de que algumas das escolhas fei-
tas iniciais não o foram em plena consciência do grau de difi culda-
de da execução envolvido, o que originou um moroso desenrolar
das actividades, sobretudo no processo de construção da música.
Noutros casos, como já indicado, as músicas foram substituídas
por outras ao gosto dos alunos, mas mais ao seu alcance técnico
Percursos 2014 Secção 1 Políticas e pedagogias no ensino da música 71
e conceptual. Esta tomada de consciência do grau de difi culda-
de das actividades e da sua utilidade pedagógica foi também um
dos próprios frutos do trabalho em grupo. Os alunos apropriaram-
-se do próprio conceito de difi culdade ou facilidade das obras, a
partir das suas próprias escolhas, em vez de receberem apenas
uma peça “pronto a vestir” previamente escolhida pelo professor.
Em termos motivacionais isto é também muito importante, pois
o aluno sabe que tem que avançar mais até poder vir a tocar a
música de que gosta e que, neste momento, ainda não está ao
seu alcance.
Na parte mais focada especifi camente na criatividade, os alu-
nos mostraram algumas reticências e até timidez na hora de im-
provisar. Porém, no fi nal conseguiram criar efeitos engraçados
e até novas ideias para esta actividade. As últimas actividades
foram efectivamente as mais produtivas, refl exo do trabalho exe-
cutado até aqui, estando os alunos a evoluir naturalmente no seu
instrumento sem se aperceberem. Das actividades desenvolvi-
das, aquela que criou mais impacto foi o Jogo da Cadeira, em que
os alunos conseguiram improvisar melodias e tocar de maneira
livre, sem medo de estarem a tocar mal, expondo naturalmente
todas as suas capacidades no instrumento. Eles próprios fi caram
surpreendidos com o que realizaram.
Apesar dos obstáculos iniciais, todas as actividades foram
bastante produtivas, conseguindo-se que fossem realizadas vá-
rias actividades construídas e idealizadas pelos próprios alunos.
O entusiamo dos alunos foi fonte de satisfação e um bom indica-
dor de que o trabalho planifi cado e o projeto de intervenção, na
sua essência, funcionou muito bem.
As conclusões principais do ponto de vista pedagógico foram:
1. Os alunos deste grupo e destas idades têm maior motivação
72 Secção 1 Políticas e pedagogias no ensino da música Percursos 2014
para participar na aula em atividades de grupo que sejam lúdicas
e que solicitem a sua colaboração específi ca e a sua imaginação.
2. O factor competitividade aliado ao jogo é um forte apoio
para a aprendizagem (ao contrário da competitividade promovida
pelo ensino individual, que fomenta mais receios e isolamento do
aluno).
3. O aluno menos participativo revelou em alguns casos, maior
capacidade auditiva e criativa, nas actividades que convocaram
essas capacidades.
4. A aluna com mais difi culdades técnicas revelou uma gran-
de capacidade na improvisação rítmica, na improvisação de me-
lodias, e soube escolher a sua música (conseguindo cantá-la e
executá-la no seu instrumento).
5. As actividades lúdicas que sejam aproveitadas para veicular
conteúdo musical têm um potencial enorme no desenvolvimento
da motivação e empenho dos alunos.
6. A criação de actividades sugeridas pelos alunos levou a que
estes começassem a interagir como um grupo e que se ajudas-
sem mutuamente para a construção do portefólio.
7. Os alunos, a partir da construção partilhada do portefólio,
tornaram-se mais autónomos nas tomadas de decisões e mais
motivados no processo da aprendizagem.
8. Se forem sistematicamente confrontados com actividades
inovadoras e que exijam a sua colaboração mais activa e o seu
empenho criativo, os alunos acabam por desistir dos seus medos
e resistências, e encaram esses desafi os como naturais.
Numa palavra, o ensino instrumental em grupo promove mais
variedade, criatividade, interacção, surpresas, acuidade auditiva,
desafi os alcançáveis, soluções à vista, apoio mútuo, experiên-
cias de palco não intimidatórias, colaboração, humor e ludicida-
Percursos 2014 Secção 1 Políticas e pedagogias no ensino da música 73
de: tudo coisas de que as crianças (sabemo-lo há muito) gostam.
Como poderemos continuar a evitá-las nas nossas salas de aula
de ensino de instrumento?
Referências
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CAPÍTULO 03
O desenvolvimento da criatividade
em contexto de mini-grupo. Relato
de um projeto de investigação e
intervenção pedagógica com alunos
do ensino básico do saxofone.
Eugénia Martins
Academia de Música Sociedade Filarmónica Vizelense
Conservatório de Música de Felgueiras
Instituto de Educação da Universidade do Minho
eugeniamartinssax@hotmail.com
M. Helena Vieira
Instituto de Educação da Universidade do Minho
Centro de Investigação em Estudos da Criança (CIEC)
m.helenavieira@ie.uminho.pt
76 Secção 1 Políticas e pedagogias no ensino da música Percursos 2014
Este artigo surge no âmbito do Estágio Profi ssional e Prática
de Ensino Supervisionada do Mestrado em Ensino da Música
da Universidade do Minho, realizado em 2013 sob a orientação
da Professora Doutora Helena Vieira. O tema deste projecto in-
cidiu sobre o desenvolvimento da criatividade em contexto de
mini-grupo através de actividades pedagógicas para o ensino do
saxofone.
Embora a criatividade apareça frequentemente ligada ao con-
texto das artes, e da música em particular, há de facto ainda pou-
co espaço para actividades criativas nas aulas de ensino instru-
mental. Pode constatar-se que há alunos e professores capazes
de tocar peças de um nível técnico muito elevado sem conse-
guirem improvisar uma simples melodia. Helena (Vieira, 1998, p.
29) sublinha que a ausência de improvisação nos programas de
ensino instrumental tem vindo a potenciar graves lacunas con-
ceptuais nos alunos. Lucy Green (2008, p. 2) apresenta possíveis
soluções, e aponta para uma pedagogia de sala de aula que in-
clua práticas informais, a fi m de estimular competências musicais
(como a improvisação, composição, trabalho em grupo, autono-
mia face ao professor) que não têm vindo a ser desenvolvidas nos
ambientes ditos “formais”. Tendo como base esta problemática,
com este projeto pretendeu-se criar um conjunto de actividades
que potenciassem a criatividade e explorassem as potencialida-
des do ensino em grupo. Deste modo, os objectivos principais
foram:
Promover o desenvolvimento da criatividade musical atra-
vés de actividades pedagógicas em mini-grupo;
Percursos 2014 Secção 1 Políticas e pedagogias no ensino da música 77
Desenvolver a autonomia do aluno no domínio da lingua-
gem musical;
Contribuir com sugestões de actividades pedagógicas que
possam inserir-se no ensino do saxofone em grupo e pro-
mover o desenvolvimento da criatividade neste contexto;
Avaliar o impacto destas actividades no contexto e aferir as
aprendizagens dos alunos.
1.1 A criatividade e a sociedade
Embora seja um conceito difícil de defi nir, quando falamos em
criatividade associamos a uma actividade imaginativa capaz de
produzir resultados originais e de valor (Joubert, citado por Craft,
2001, p. 2), um estado da mente em que todas as inteligências
trabalham juntas (Lucas, 2001, p. 38) e a uma capacidade de
avançar com novas ideias surpreendentes e inteligíveis e igual-
mente valiosas de alguma forma (Boden, 2001, p. 95). Uma pes-
soa criativa assume uma postura que questiona, experimenta,
aceita riscos, comete erros e assume conexões únicas, raramen-
te vistas pelos outros (Lucas, 2001, p. 38).
As concepções de criatividade não se mantiveram imutáveis
com o tempo, oscilando entre duas grandes ideias: racionalismo e
romantismo. O racionalismo é a crença de que a criatividade é ge-
rada pela consciência, por um deliberar inteligente da mente ra-
cional; o romantismo é a crença de que a criatividade borbulha de
um inconsciente irracional e que a deliberação racional interfere
com o processo criativo (Sawyer, 2006, p. 15). Aristóteles (citado
por Sawyer, id., p. 15) defendia que a concepção de algo criativo
provinha do trabalho consciente. No século XVIII, a noção de gé-
nio foi comummente associada a indivíduos criativos. Mais tarde,
as artes contemporâneas voltariam a aceitar a ideia do raciona-
78 Secção 1 Políticas e pedagogias no ensino da música Percursos 2014
lismo, desvalorizando assim a espontaneidade, originalidade e
genialidade inatas do indivíduo (Sawyer, Id., p. 17). Deste modo,
não existe uma defi nição estática e universal de criatividade e é
possível que a ideia que temos dela agora se possa modifi car,
tanto no tempo como no espaço. No entanto, é maioritariamente
consensual que a criatividade assume um papel de relevo na ac-
tualidade. Segundo Amorim & Frederico (2008, p. 81), a procura
pela capacidade criativa do trabalhador é uma necessidade capi-
tal desde sempre. Porém, à medida que aumenta a produção de
serviços e a utilização de trabalho não-repetitivo, a criatividade
e inovação adquirem crescente importância nas organizações.
Várias instituições da sociedade, como as universidades, empre-
sas, o mundo das artes, do entretenimento, da política, são con-
duzidas pela capacidade de criar e resolver problemas de uma
forma original e adaptativa (Feist, 2008, citado por Pereira et al.).
A criatividade converteu-se num “bem inatingível de valor inesti-
mável, tornando-se numa real vantagem competitiva” (Pereira et
al., 2009, p. 4).
1.2 A criatividade e a educação
Desde o fi nal da década de 1990, a criatividade tem vindo a
ocupar um papel de relevo para a educação no mundo, e em par-
ticular para a cultura ocidental, de uma forma que talvez nunca
tenha sido antes (Craft, 2005, p. 3). Houve questões políticas,
económicas e mudanças sociais que impulsionaram este papel
central da criatividade, pelo aumento da competitividade dos mer-
cados, impulsionando a necessidade de elevar os níveis de su-
cesso escolar ao seu expoente máximo (Jeffrey & Craft, citado
por Craft, 2005, p. 5).
Biesta (2010, p. 50) assume que a educação encerra em si
três funções: qualifi cação, socialização e subjectivação. A primei-
Percursos 2014 Secção 1 Políticas e pedagogias no ensino da música 79
ra fornece o conhecimento ou habilidades para fazer alguma coi-
sa. A socialização integra os indivíduos nas estruturas sociais. A
subjectivação promove a autonomia, a criatividade e liberdade de
pensamento. Uma boa educação deve preparar os alunos com
ferramentas para gerar uma democracia deliberativa e com capa-
cidade crítica para interromper a ordem do status, no sentido de
uma maior equidade social (Id., Ibid., p. 52). Para Biesta, a educa-
ção só está completa quando engloba estes três patamares, que
não são separáveis entre si.
Para se ensinar criativamente, Fautley e Savage (2007), de-
fendem que o professor deve: i) ser uma fonte de inspiração; ii)
conhecer bem os assuntos; iii) ter uma postura de aprendiz; iv)
fazer conexões e relações com outras disciplinas; v) desenvol-
ver grandes expectativas (mesmo para aqueles alunos que apre-
sentam difi culdades); vi) estimular a curiosidade; vii) incentivar
os alunos; viii) equilibrar as aulas, dando tempo aos alunos para
serem criativos; ix) encontrar o seu próprio estilo de ensino (no
fundo, ensinar é uma actividade profundamente individual).
1.3 A criatividade no contexto musical
Segundo Williamon et al. (2006, p. 161), a criatividade musical
tem vindo a ser associada a grandes intérpretes como, por exem-
plo, Nicolò Paganini e Franz Liszt, que possuíam uma incrível ca-
pacidade artística e técnica. De facto, ainda nos dias de hoje, um
músico de excelência parece vir sempre associado a uma capaci-
dade incomum para a criatividade, com capacidade para compor
ou interpretar com alta qualidade e extrema originalidade. O cam-
po das artes tem ainda uma mitologia profundamente enraizada
(infl uenciada pela já referida perspectiva romântica), em que a
criatividade é um processo desconhecido e misterioso. No en-
tanto, o potencial da criatividade musical nasce com o indivíduo,
80 Secção 1 Políticas e pedagogias no ensino da música Percursos 2014
mas o seu desenvolvimento dependerá de uma série de factores
(Tafuri, 2006, p. 135), tal como nas outras áreas do conhecimento.
Muitos educadores estão convencidos de que a composição
e improvisação não podem ser ensinadas e que a criatividade é
algo que deve ser deixado para profi ssionais altamente qualifi ca-
dos, até porque os currículos musicais tendem a não incluí-las.
No entanto, segundo Tafuri (2006, p. 135), composição e impro-
visação estão intimamente relacionadas com a criatividade e um
dos objectivos mais importantes da educação musical é desen-
volver a capacidade de comunicar e expressar.
A promoção de actividades como a improvisação e a compo-
sição desenvolve uma ferramenta crucial da actividade musical:
a capacidade auditiva. Segundo Hallam (2010, p. 59) começa-
mos a fortalecer capacidades auditivas desde os primeiros meses
de vida e muitas crianças apenas por estarem expostas à músi-
ca, sem a preocupação de treino auditivo, podem potenciá-las.
Azzara & Grunow (2006, p. 4), na esteira de Gordon, entendem
que o processo de aprendizagem musical deve ser semelhante
ao processo da aprendizagem linguística. Desde o nascimento,
nós ouvimos a linguagem e vamos absorvendo os sons, fi cando
assim acostumados à mesma. Depois vem o processo de imita-
ção e, aos poucos, faz-se a relação das palavras com o nome
de pessoas, objetos, sentimentos. As conexões entre as palavras
são, no fundo, pensamentos e improvisações que a criança faz.
Após vários anos a desenvolver a habilidade de pensar e falar,
é que se aprende a ler e escrever. O processo de aprendizagem
musical deve ser semelhante, e só desta forma poderá ser signi-
fi cativo. Este contacto musical na infância é o que Gordon (2003,
p. 55) explica como sendo a “audiação preparatória” que encerra
em si três estádios: aculturação, imitação e assimilação.
Percursos 2014 Secção 1 Políticas e pedagogias no ensino da música 81
No estádio um, as crianças apenas escutam a
música. No estádio dois, usam balbucio musical
para cantar, entoar e mexerem-se aleatoriamente,
mas em resposta associada à música que estão
a escutar ou que escutaram. No estádio três,
continuam a usar o balbucio musical para tentar
cantar, entoar, mexerem-se e imitar a música que
estão a escutar ou que escutaram. (Gordon, 2003,
p. 57)
Numa fase posterior, uma forma de aumentar as capacidades
auditivas é incentivar o tocar e o cantar de ouvido. Hallam (2010,
p. 60) reconhece que o tocar de ouvido tem sido negligenciado
nas aulas de instrumento sendo, por vezes, até desencorajado.
Green (2001, citada por Hallam, 2010, p. 60) propõe que se adop-
te um modelo de aprendizagem informal no ensino instrumental.
Os músicos populares, cujo conhecimento passa de geração em
geração informalmente, desenvolvem verdadeiras capacidades
auditivas, porque são capazes de imitar a música de outros.
1.4 A criatividade e o ensino instrumental em grupo
Desde a publicação da Portaria nº 691/2009 de 25 de Junho, o
ensino especializadol da música em Portugal viu o ensino instru-
mental, até então marcado por uma tradição enraizada de aulas
individuais, ser lecionado nos seguintes moldes:
Metade da carga horária semanal atribuída à disci-
plina de Instrumento é lecionada individualmente,
podendo a outra metade ser lecionada em grupos
de dois alunos. (art. 7º, 5b)
Embora em Portugal seja ainda percebido como novidade, e
ainda não se esteja a recolher todo o potencial que de uma aula
em grupo pode advir, este tipo de ensino tem vindo a ser forte-
82 Secção 1 Políticas e pedagogias no ensino da música Percursos 2014
mente desenvolvido em países como o Brasil e o Estados Unidos
da América. Deste modo, o ensino instrumental deve ser adap-
tado a este novo contexto para que se possam explorar as suas
potencialidades.
Swanwick (s. d.) afi rma que há frequentemente práticas pe-
dagógicas inadequadas nas aulas individuais de instrumento. Os
alunos são capazes de tocar uma partitura com notação musical
complexa sem o mínimo prazer estético. Na sua perspectiva, as
aulas devem ser dadas por instrumentistas que compreendam a
sua arte, ensinando a música como uma entidade simbólica e
respeitando o aluno como um ser autónomo (Id., Ibid.). Swanwick
alerta igualmente para o facto de que o ensino de um instrumen-
to não se pode basear no seguimento de um único método ou
livro. A aprendizagem tem de ser um todo multifacetado: solfejo,
prática instrumental, ouvir o outro, integrar grupos, improvisar e
apresentar-se em público. A nossa cultura tende a favorecer um
lado seguro neste campo, isto é, fornece disciplinas com funções
diferentes, espartilhando e disciplinarizando actividades musicais
que são complementares. No entanto, cabe ao professor, e parti-
cularmente ao professor de instrumento, ajustar todos esses co-
nhecimentos num só lugar, para que a linguagem musical seja
compreendida como um todo.
A ênfase do ensino é colocada no trabalho técnico, porque
os professores querem ter a certeza de que os alunos estão a
adquirir bons hábitos, repetindo obras musicais de uma só for-
ma (Swanwick, s. d.). No entanto, seria mais conveniente que os
alunos estudassem de maneiras diferentes, um número maior de
peças tecnicamente mais fáceis, ao invés de pressioná-los sem-
pre com novas tarefas, o que não dá tempo nem espaço ao aluno
para tomar decisões musicais próprias a respeito do fraseado,
Percursos 2014 Secção 1 Políticas e pedagogias no ensino da música 83
articulações, linhas melódicas, entre outras.
O método de Pace vai de encontro às ideias defendidas por
Swanwick. Enquanto pedagogo da música e do piano em parti-
cular, o seu método de ensino visa desenvolver, desde o início,
uma independência musical, baseada na compreensão do que
se está a aprender, tornando os alunos capazes de pensar mu-
sicalmente. Para desenvolver a independência, os alunos devem
estar familiarizados com os fundamentos da música, a harmonia,
o treino do ouvido. A capacidade de leitura ao nível do reportório
é tão importante como a capacidade de improvisar e criar a sua
própria música (Pace, 2004).
No desenvolvimento destas actividades, a “audiação”, forte-
mente defendida por Gordon (2008, p. 29) tem um papel funda-
mental. A “audiação” ocorre quando se ouve e se compreende
música em silêncio, isto é, quando o som da música não está
ou nunca esteve fi sicamente presente, mas conseguimos ouvir
interiormente a música e compreender como funciona. “Audiar”
é semelhante a visualizar uma “imagem sonora” e depois “dese-
nhá-la” (Id., Ibid.). Deste modo,
se as crianças audiarem a tonalidade (por
exemplo, maior ou menor harmónica) e a métrica
(por exemplo, binária ou ternária) simultânea e
continuamente enquanto ouvem, executam, leem,
escrevem, improvisam ou criam música, então
estarão a audiar características sintácticas que
as ajudarão a atribuir sentido à música. (Gordon,
1980, p. 35)
Gordon (2008, p. 34) acredita que é através da “audiação” que
os músicos conseguem improvisar e não apenas repetir, quer aos
outros quer a si próprios. A imitação é uma condição necessária
84 Secção 1 Políticas e pedagogias no ensino da música Percursos 2014
para aprender a “audiar”; no entanto, a “audiação” é um processo
que gera compreensão musical. Quando os alunos não conse-
guem “audiar” estão em desvantagem, porque não são capazes
de corrigir os seus próprios erros (Id., Ibid.). Quando a criança
está a “audiar” é capaz de fazer ajustamentos apropriados, como
a afi nação, ou prosseguir para a frase seguinte sem se perder,
tendo segurança sufi ciente para não ser distraída pelo erro come-
tido. Uma reacção muito observada em crianças é que, quando
confrontadas com o erro, param, visualizam a partitura ou tentam
relembrar os movimentos musculares previamente estudados e
voltar ao início. Um aluno que consiga “audiar” prossegue, en-
contrando soluções apropriadas (Id., p. 36). Gordon (p. 36) acres-
centa ainda,
um bom professor de música instrumental
compreende que devem ser ensinados dois
instrumentos às crianças. Um é o instrumento
verdadeiro que a criança está a aprender a tocar,
como o piano ou saxofone. O outro é o instrumento
da audiação dela. (...) ... se a criança não
desenvolver também competências de audiação
não aprenderá a tocar um instrumento de forma
musical, por mais desenvolvida que seja a sua
técnica instrumental.
2. Metodologia e estratégias de intervenção
A metodologia utilizada foi a de investigação-acção. Tendo em
conta o tempo de curta duração do projeto, não se tratou de uma
verdadeira investigação-acção mas esta serviu como linha orien-
tadora na construção dos objectivos e aplicação dos mesmos.
Pretendeu-se assim: i) planifi car actividades e refl ectir sobre as
mesmas através da observação participante; ii) recolher dados
Percursos 2014 Secção 1 Políticas e pedagogias no ensino da música 85
através da observação participante, gravação das aulas em for-
mato vídeo e entrevista aos alunos e professor cooperante; iii)
validar internamente o projecto através das concepções da pro-
fessora estagiária, alunos e professor cooperante.
3. Caracterização do contexto de estágio
As aulas de Saxofone tiveram como intervenientes dois alu-
nos que frequentam o 2º grau do Curso Básico de Saxofone em
regime de ensino articulado com uma escola genérica local. Os
alunos iniciaram o estudo do instrumento no ano letivo 2011/2012
e adquiriram um instrumento no decorrer do mesmo. Na fase de
observação (fase inicial do Estágio Profi ssional) pude perceber
que um dos alunos era mais interessado, mais motivado e, con-
sequentemente, mais participativo do que o outro. Um dos alunos
mostrou sempre vontade em saber mais e o outro, além de mos-
trar mais difi culdade na realização dos exercícios, mostrou menos
trabalho individual em casa e manifestou-se, algumas vezes, até
desinteressado pelos conteúdos da aula, chegando a bocejar.
4. Projeto de intervenção
Para a fase de intervenção foi elaborado um conjunto de ac-
tividades que pretendia desenvolver a criatividade, o tocar de
ouvido, a improvisação, a construção de melodias simples e a
identifi cação auditiva de aspectos musicais. Como auxílio foram
usadas algumas melodias tradicionais, devido à sua simplicidade
melódica e harmónica, e ao facto de os alunos estarem familia-
rizados com as mesmas, facilitando assim o tocar de ouvido e a
memorização. Algumas melodias, como por exemplo Lá vai uma,
lá vão duas e Eu fui ao Jardim Celeste (entre outras) foram toca-
das apenas com recurso à audição. Foram feitos exercícios de
improvisação rítmica e melódica em ambas as divisões: binária e
86 Secção 1 Políticas e pedagogias no ensino da música Percursos 2014
ternária. Foi trabalhada a ideia de consonância e dissonância, ao
se sobreporem notas específi cas sobre uma nota pedal. Foram
trabalhadas as funções de tónica, dominante e subdominante.
Em algumas actividades, após improvisarem, deviam memorizar
uma melodia criada, tratando-se a certa altura mais de uma com-
posição. Estas actividades foram inseridas no decorrer das aulas
semanais; logo, além destes exercícios, foram também trabalha-
dos aspectos técnicos do saxofone, bem como reportório para
apresentar em audições escolares e provas.
5. Análise de dados e considerações fi nais
No que concerne ao trabalho musical realizado, considero que
os alunos desenvolveram competências fundamentais como a in-
teriorização da pulsação (notada como uma das difi culdades na
fase de intervenção), as métricas binária e ternária, a noção de
consonância e dissonância, a improvisação e a memorização. No
que diz respeito ao desenvolvimento do ouvido melódico, os alu-
nos desenvolveram competências, embora em níveis diferentes.
O aluno II aperfeiçoou de forma bastante satisfatória o ouvido,
sendo, numa fase fi nal, capaz de cantar antecipadamente o que
queria tocar de seguida (a tal capacidade a que Gordon assume
como “audiação”).
Um dos aspectos mais notados nos alunos foi a sua partici-
pação na aula. Aumentaram o nível de participação fazendo per-
guntas mais frequentemente, respondendo às dúvidas do colega,
dando sugestões. Um dos alunos, relatados na fase de obser-
vação como pouco concentrado, bocejando até algumas vezes
durante a aula, foi-se mostrando mais interessado, começando
até a intervir sem a solicitação da professora.
Em entrevista, o professor cooperante considerou que foi reali-
zado um “trabalho pedagógico diversifi cado, organizado de forma
Percursos 2014 Secção 1 Políticas e pedagogias no ensino da música 87
a atender às especifi cidades de cada aluno” e um “estimular a
persistência através de experiências encorajadoras”. A motivação
dos alunos fi cou igualmente descrita nas seguintes afi rmações:
“fi zemos exercícios que não se costumam fazer nas aulas nor-
mais” e “conseguimos fazer uma melodia, com funções tonais e
a partir de agora, conseguimos partilhar isso com toda a gente”.
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CAPÍTULO 04
Contributos para uma
Etnopedagogia Musical no
ensino instrumental das escolas
especializadas
Hugo Brito
Instituto de Educação da Universidade do Minho
britoviolino@gmail.com
M. Helena Vieira
Instituto de Educação da Universidade do Minho
Centro de Investigação em Estudos da Criança (CIEC)
m.helenavieira@ie.uminho.pt
92 Secção 1 Políticas e pedagogias no ensino da música Percursos 2014
Apesar da inesgotável fonte de inspiração que a música tradi-
cional dos povos representa para a música “erudita”, deparamo-
-nos, nos conservatórios e academias, com um ensino instru-
mental que revela uma prática hegemónica das obras da cultura
ocidental de linguagem dita “erudita”. Isto traduz-se num desfa-
samento crescente entre os diferentes patamares culturais dos
alunos e da comunidade que lhes dá origem e, de um ponto de
vista técnico, na perda concomitante de capacidades de audição
e de capacidade criativa. Com um foco particular nas actividades
do ensino especializado, este trabalho sugere uma partilha entre
a música tradicional dos Sargaceiros de Apúlia (Braga, Portugal)
e as necessidades de trabalho auditivo de um pequeno grupo ins-
trumental, a fi m de contribuir para a compreensão da relação dos
alunos com a música tradicional e recolher evidências da utilida-
de e potencialidade pedagógica do património oral local para a
aprendizagem musical.
O presente artigo pretende contribuir, pela temática, objectivos
e motivações que lhe deram origem, para o desenvolvimento da
audição em contexto instrumental, no sentido de promover o pro-
gresso da literacia musical tendo como base a tradição oral local.
O mesmo é resultado de um projeto de Investigação-Acção que
ocorreu no âmbito do Estágio Profi ssional, desenvolvido como
parte integrante do Programa de Mestrado em Ensino de Música
da Universidade do Minho, sob a orientação da Professora
Doutora Maria Helena Vieira.
A intenção constitutivamente pedagógica deste texto insinua-
-se e desenha-se, de um modo concreto, pela prática há muito
Percursos 2014 Secção 1 Políticas e pedagogias no ensino da música 93
evidenciada por pedagogos como Dalcroze, Orff, Kodaly, Lopes-
Graça e, mais recentemente Gordon, Lucy Green ou Swanwick.
Perpassa todo este projeto um carácter de valorização da tra-
dição oral local e de expressão de todo o potencial pedagógico
suscetível de ser criativamente engendrador de novos processos
pedagógicos.
Metodologicamente a intervenção foi encaminhada no sentido
da concretização de actividades ligadas aos processos de audi-
ção (e “audiação”, como proposto por Edwin Gordon1), da apren-
dizagem de ouvido, da imitação, da aprendizagem entre pares, da
aprendizagem em grupo, da improvisação, harmonização e me-
morização. O conteúdo emanou das danças e canções de uma
comunidade local de agricultores, conhecida como Sargaceiros,
em Apúlia, Esposende (Norte Litoral).
A recolha de dados foi efectuada utilizando instrumentos como
as notas de campo, gravações em vídeo, observação directa,
diários do grupo e entrevistas (focus group). De acordo com a
análise dos resultados obtidos foram observadas transformações
signifi cativas na interacção dos alunos com a linguagem musical,
ao nível da afi nação e ritmo, da identifi cação auditiva e sua trans-
posição instrumental, da compreensão formal, do domínio harmó-
nico, funcional e melódico. Ao mesmo tempo, num traço marcante
de toda a intervenção, emergiram resultados relacionados com
uma percepção alargada e consciente da diversidade presente
na produção cultural das comunidades locais e ausente da reali-
1 Gordon (2000, p. 17) defi ne “audiação” como a capacidade de compreender
interiormente a linguagem musical enquanto conjunto de sons organizados,
mesmo quando o som não está fi sicamente presente (à semelhança da
compreensão que possuímos da linguagem materna e da sua gramática,
mesmo quando estamos em silêncio; a “audiação”, mais do que a “audição”,
seria, assim, uma espécie de “pensamento musical”).
94 Secção 1 Políticas e pedagogias no ensino da música Percursos 2014
dade escolar. Nesse sentido, os alunos enriqueceram também as
suas perspectivas sociológicas sobre a própria comunidade em
que habitam, numa perspectiva refl exiva e crítica.
Problemática e justifi cativa
Pensar o ensino instrumental, na sua concreção dinâmica e
atual, implica assumir com determinação, objectividade e humil-
dade que existem insufi ciências em grande parte dos percursos
de formação. Com o crescente, embora assimétrico, aumento
da oferta de ensino artístico especializado da música temos pre-
senciado um paradigma anacrónico da prática pedagógica que,
numa considerável parte dos casos, não cobre algumas das im-
portantes necessidades da aprendizagem musical. Sem desme-
recimento para o exercício actual do ensino instrumental, existe,
no nosso entender, uma falta concomitante na literacia da lingua-
gem musical que empobrece a performance artística. É comum
encontrarmos alunos altamente treinados na execução formal do
texto musical que não revelam competências fora desse expe-
diente expositivo e reprodutor. No nosso entender, isto eviden-
cia uma prática sensorialmente antagónica que se traduz num
desenvolvimento da leitura, mas que não é acompanhada pelo
desenvolvimento da linguagem; isto é, um domínio da visão que
suplanta o da audição (o que não deixa de ser questionável numa
formação musical).
A componente auditiva, quase exclusivamente reservada ao
exercício formal, não assume, na maioria das vezes, um papel
dianteiro no desenvolvimento instrumental. Assim, fi ca fora da
implementação dos planos pedagógicos o domínio funcional da
linguagem musical que conduz, por sua vez, a uma manifesta
difi culdade no ato de produção do discurso musical e de improvi-
Percursos 2014 Secção 1 Políticas e pedagogias no ensino da música 95
sação. Esta não é, porém, uma questão “das disciplinas teóricas”;
até porque a utilização do discurso musical como meio de expres-
são e identifi cação cultural acontece, na nossa tradição, através
da música popular e, muito concretamente, através da interme-
diação dos instrumentos musicais. Em conformidade, a ausência
de actividades com enfoque auditivo e de referencial instrumental
produz um pensamento cultural e estilisticamente hegemónico,
que chega a desprezar a herança do património oral local.
Enquadramento teórico
“Arte tem a mesma raiz que artifi cial”, Pérez, R. A.
(s.d., p. 5)
Os textos explorados, que formam este breve enquadramen-
to teórico, sugerem um itinerário proveniente do comportamento
biológico, embora com as devidas pontes para uma correspon-
dência interdisciplinar.
Considerando a questão pelo lado biológico, é aceite que a
ontogénese reproduz a fi logénese. Signifi ca isto que as estrutu-
ras biológicas tendem, de uma forma geral e desde o seu estado
embrionário, a reproduzir o percurso evolutivo da espécie a que
pertencem. Nesse sentido, Vieira (1998, p. 26) afi rma que: “a edu-
cação musical da criança deveria seguir os mesmos passos que
ocorrem no desenvolvimento musical dos povos, partindo da mú-
sica, do movimento e da fala, enquanto elementos inseparáveis
do ato criativo”. Encontramos, na premissa anterior, duas temá-
ticas essenciais: a primeira ligada a uma didática focalizada na
música e no acto criativo, e uma segunda indissociavelmente re-
lacionada com o desenvolvimento musical dos povos. Nesse sen-
tido, ouve-se e compreende-se antes de se ler, não só do ponto
de vista individual, mas também do ponto de vista da organização
96 Secção 1 Políticas e pedagogias no ensino da música Percursos 2014
das sociedades e da organização das comunidades escolares.
Na mira de concretizar um ensino não exclusivamente base-
ado na leitura formal da partitura encontramos já o pensamento
de Kodaly (s.d.) que afi rma que “[t]o teach a child an instrument
without fi rst giving him preparatory training and without develop-
ing singing, reading and dictating to the highest level along with
the playing is to build upon sand”. Tendo como ponto de partida
a necessidade e pertinência de um ensino que proporcione uma
prática de base auditiva é de especial relevo a posição de Edwin
Gordon (2000, p. 132) que expressa que “[a] menos que as crian-
ças consigam audiar com sentido de tonalidade, sentido e métri-
ca, boa afi nação, tempo consistente e bom ritmo, não serão ca-
pazes de fazer com que os instrumentos que tocam demonstrem
esses atributos”. Há, efectivamente, um contorno comum entre
a base do pensamento pedagógico destes autores e propostas
didáticas como as de Keith Swanwick (2001, p.43):
Audition, (...) is a very special form of mind often
involving empathy with performers, a sense of
musical style relevant to the occasion, a willingness
to ‘go along with’ the music, and ultimately and
perhaps all too rarely, an ability to respond and
relate intimately to the musical object as an
aesthetic entity.
Subjaz, relativamente à temática do desenvolvimento musical
dos povos, a análise feita por Fernando Lopes-Graça (1959, p.
109) acerca do contexto português:
(...) não seria muito mais educativo e
muito mais são que, em vez das chochices
revisteiras ou quejandas patacoadas para aí
comercialisticamente confeccionadas para
Percursos 2014 Secção 1 Políticas e pedagogias no ensino da música 97
uso dessas crianças por indivíduos que têm
tão pouco de artistas como de pedagogos, se
fosse, direta ou indiretamente, buscar ao nosso
folclore o material adequado a uma séria obra de
educação musical infantil?
De acordo com uma perspectiva científi ca trata-se, fundamen-
talmente, de compreender e de determinar as potencialidades de
conexão entre a tradição oral local e a aprendizagem musical.
Neste campo, Campbell (2003, p. 26) sugere que a etnomusi-
cologia tem estudado, cada vez mais, a aprendizagem musical
em múltiplos contextos, incluindo o ensino especializado. A este
propósito, Lucy Green (2008, p. 184) expressa, já num patamar
diferenciado, preocupação pela ausência de estratégias didácti-
cas na benquista operacionalização de conteúdos informais:
Rather, the inclusion of popular, as well as jazz
and other world music in both instrumental tuition
and school curricula represents the addition of new
educational content, but has not necessarily been
accompanied by any corresponding changes in
teaching strategy.
Sobrepondo propostas, intenta delinear estratégias que pro-
movam o desenvolvimento auditivo no estudo instrumental atra-
vés da tradição oral local. Neste contexto, é necessário reconhe-
cer também o potencial pedagógico da canção popular como
ferramenta didática. Assim, Jiménez (1997, p. 137 apud Ulloa e
Canal, 2012, p. 46) enuncia que:
la canción es una herramienta que puede ser de
gran utilidad en la enseñanza de cualquier idioma
ya que es altamente motivante y poseedora de una
amplia gama de posibilidades de explotación (…) el
98 Secção 1 Políticas e pedagogias no ensino da música Percursos 2014
uso de la canción como herramienta de enseñanza
es fundamental para des pertar la curiosidad y el
interés por el idioma.
Foi com base neste referencial que a intervenção ocorreu,
apresentando-se como um contributo para a concretização de um
estudo instrumental completo e holístico.
Propostas de Intervenção: tarefas, conteúdos e estratégias
Este projecto visou actividades de ensino instrumental com
uma pequena Orquestra de Cordas com cerca de 15 elementos,
durante 8 aulas com a duração de 90 minutos. No conjunto de
actividades propostas, o principal objetivo foi oferecer aos alunos
formas de se relacionarem com a música, com o intuito de a co-
nhecerem e de se aproximarem dela sem o fardo técnico, estilís-
tico ou histórico que lhe está subjacente.
Tal como propõe Keith Swanwick (2001, p. 45) existem três ac-
tividades principais na música, que são compor (a letra C, de com-
position), ouvir música (A, de audition) e tocar (P, de performan-
ce). Essas três atividades, que formam o que Swanwick designou
pela sigla CAP, devem ser entremeadas pelo estudo da história
da música e da própria notação musical (L, de literature studies) e
pela aquisição de habilidades e destrezas (S, de skill acquisition),
o que o mesmo pedagogo cristalizou na sigla CLASP.
Poderemos descrever que, de maneira geral, as actividades
propostas neste projecto se baseam nos três conteúdos funda-
mentais: a Composição, a Audição e a Performance. A audição
foi o conteúdo mais solicitado, estando presente em todas as
actividades, quer de forma implítica quer, sobretudo, de forma
explícita. Signifi ca isto que, mesmo que a actividade fosse a de
harmonização (conteúdo Composição), ela foi completamente
Percursos 2014 Secção 1 Políticas e pedagogias no ensino da música 99
elaborada auditivamente (sem recurso a suporte escrito ou ou-
tro). Da mesma forma com toda a performance, quer tenha sido
realizada em contexto de sala de aula ou em apresentação públi-
ca: foi igualmente executada de ouvido, ou seja, a totalidade das
actividades planifi cadas resultam da vontade de aperfeiçoamento
e desenvolvimento auditivo plasmado nos objetivos principais do
projecto de intervenção pedagógica.
Do ponto de vista da sua aplicação sequencial, as actividades
iniciaram-se por uma introdução à etnografi a da região, seguida
de uma primeira audição das duas canções seleccionadas para
a sala de aula. A audição passou progressivamente de livre a es-
truturada, procurando desvendar a estrutura formal da canção
popular. A par do reconhecimento formal, os alunos iniciaram, em
grupo, a identifi cação de alturas e ritmos utilizando os instrumen-
tos. Após ser possível executar toda a melodia de ouvido os alu-
nos são conduzidos através da audição a selecionar momentos
de mudança harmónica no acompanhamento da linha melódica.
Desta forma inicia-se também a explicação sobre os principais
eixos de atracção tonal (tónica → sub-dominante → dominante
→ tónica), que na música popular são facilmente delineáveis. De
um ponto de vista formal foi explicado aos alunos o lugar que de-
sempenhavam na harmonia, tendo como base a sua organização
orquestral e o movimento harmónico ser conduzido por acordes
em posição cerrada e no estado fundamental. Desta forma, foi
possível que num trabalho entre cada naipe, fosse desenvolvi-
da uma voz de acompanhamento da melodia principal que era
executada pelos Violinos I. No fi nal foi ainda possível fazer com
que os alunos realizassem actividades de transposição, quer da
melodia, quer da harmonia, tendo por base o sistema de afi nação
dos instrumentos de cordas que esta organizado por intervalos de
100 Secção 1 Políticas e pedagogias no ensino da música Percursos 2014
5ª Perfeita paralelos.
A actividade fi nal permitiu juntar em palco a Orquestra de
Cordas escolar e o Grupo de Sargaceiros partilhando repertórios,
métodos de aprendizagem, e até formas de estar artísticas tradi-
cionalmente afastadas; isto foi realizado na ausência de qualquer
suporte escrito para a produção e execução musical. A apresenta-
ção pública permitiu uma ligação cultural e sociológica entre a co-
munidade educativa e a comunidade local através do património
musical oral, até então desconhecido para a maioria dos alunos,
não obstante serem maioritariamente oriundos da região.
Metodologias de investigação
A perspectiva metodológica, nos seus traços centrais, inscre-
ve-se no plano da Investigação-Acção. Este não é apenas um
caminho que promove a compreensão do fenómeno em estudo
(investigação), mas que incluí, também, a transformação de prá-
ticas através da intervenção (acção) do investigador. Sob esta
orientação metodológica, o estudo foi formulado com base em
instrumentos de recolha de dados qualitativos e implementados
tecnicamente através de análise documental, da observação par-
ticipante e da realização de Grupos Focais (Focus Group), em
formato semiestruturado.
Devido às características etnográfi cas do material proposto
como conteúdo para a intervenção, a observação participante
teve um papel relevante na recolha de informação proveniente
da tradição oral local e que se encontra plasmada na memória
colectiva da comunidade. Esta foi uma condição que tornou inusi-
tada a análise documental, tradicionalmente ligada ao documento
escrito, mas que devido à inexistência de um cancioneiro ou qual-
quer compilação de canções tradicionais da região direccionou a
Percursos 2014 Secção 1 Políticas e pedagogias no ensino da música 101
análise para suportes audiovisuais como o vídeo, a fotografi a e
a gravação áudio em formato digital. No campo da investigação,
o Focus Group foi o instrumento utilizado que revelou maior im-
pacto. Além de avaliar a intervenção, este instrumento permitiu,
através do diálogo e discussão gerada entre os alunos, compre-
ender de forma crítica as transformações ocorridas nos campos
em análise.
Análise de dados
No quadro da investigação, a utilização do Focus Group como
principal instrumento de recolha de dados permitiu organizar o
conteúdo da entrevista em diversas categorias de sentido que
têm como objectivo tornar visíveis não apenas opiniões lineares
sobre o sucesso do projecto mas, particularmente, de caracterís-
ticas atribuídas pelos sujeitos ao conceito de música tradicional, à
perspectiva da autoria singular e colectiva, à concepção de intér-
prete, à natureza dos instrumentos e timbres tradicionais, ao tipo
de público deste género de música, ao seu grau de actualidade e
às fronteiras entre estilos e sua valoração moral.
Apesar de ser difícil, por parte dos alunos, apresentar uma
síntese conceptual sobre música tradicional, houve um conjunto
alargado de características que foram identifi cadas de forma as-
sertiva. Algumas dessas características passaram pela relação
da música tradicional com o trabalho, pela identifi cação de um
tímbre mais aberto (em oposição ao tímbre “fechado” da música
clássica) e pela capacidade de separar a forma do conteúdo –
não é o intérprete que condiciona o conteúdo estético da obra mu-
sical nem o seu inverso. Do ponto de vista da autoria, a entrevista
revela uma grande naturalidade na forma como os alunos se pro-
nunciam sobre a autoria colectiva (em oposição à existência da
102 Secção 1 Políticas e pedagogias no ensino da música Percursos 2014
fi gura do compositor) não existindo a necessidade expressa por
nenhum interveniente na concretização nominal da composição
tradicional. Maior difi culdade existiu quanto à concepção do in-
térprete – o Povo. Esta é uma fi gura colectiva bastante dispersa;
apesar da maioria dos alunos ligar o povo à classe trabalhadora,
houve ainda espaço para algumas defi nições inusitadas como a
do Aluno 3 que afi rmou “(...) são as pessoas que pagam impos-
tos...” (¶314). Algumas difi culdades voltaram a sentir-se aquando
da tentativa de encontrar divisões entre instrumentos populares e
eruditos. Apesar de ser tentador considerar o triângulo ou o réco-
-réco como instrumentos populares, a sua participação no naipe
de percussão de uma orquestra sinfónica leva a que os alunos
concluam “que todos [os instrumentos] são eruditos e populares”
(¶228). No que respeita à recepção deste género de música jun-
to do público foi, desta vez, unânime considerar que é uma lin-
guagem apreciada por uma camada mais idosa da população. A
comprovar esta percepção vem o facto de a maioria dos alunos
revelar não conhecer nada de música tradicional (¶6, ¶14, ¶31,
¶52, ¶54), existindo uma margem muito reduzida de alunos que
ainda conheciam uma música da tradição oral local – “Trai-Trai” –
(¶17, ¶19, ¶43).
Dado que o Focus Group tinha a intenção de contribuir para
melhor descrever e avaliar o projecto de intervenção pedagógica,
foi perguntado aos alunos se a sua opinião, quanto ao valor da
música popular, tinha sofrido alterações (¶118). Neste ponto as
respostas oscilaram entre respostas de conteúdo moral e formal,
mas todos os alunos relataram transformações e alterações que
sentiram na percepção da música popular (¶119). Quando ques-
tionados de forma mais individualizada foram dizendo “[q]ue não
é assim tão mau!!” (¶121), que “[a] música popular é tão digna
Percursos 2014 Secção 1 Políticas e pedagogias no ensino da música 103
quanto a que nós tocamos!” (¶124 e ¶128), mas também constru-
íram juízos formais quanto ao grau de difi culdade musical na in-
terpretação, dado que consideraram que “[p]ode ser complicada,
mas que não é (...)” (¶123) ou “(...) é mais difícil do que algumas
que nós tocamos” (¶129).
Por fi m, tentando delimitar fronteiras entre estilos, foi partilhada
com os alunos a experiência levada a cabo pelo grupo Camerata
Brasil, trabalho que fundiu de forma particulamente eloquente a
música tradicional brasileira (samba, choro, forró, etc.) com al-
guns dos temas mais conhecidos da obra de Johann Sebastian
Bach. A difi culdade em atribuir um estilo, uma linguagem, uma
classifi cação foi muito difícil, a ponto de se poder considerar qual-
quer das respostas válidas ou afi rmativamente claras. Todavia,
como sinal de uma formatação já avançada, um aluno, quando
questionado sobre a continuidade destas actividades de forma
autónoma, expressou que “não ach[a] que seja para tocarmos as
músicas que nós conhecemos nos instrumentos” (¶131), fi naliza
dizendo “[n]ão acho correcto.” (¶133). Devido a uma argumen-
tação pouco sustentada, não foi possível perceber a razão pela
qual o aluno não considera correcto executar outro género de mú-
sica, que não o clássico, no seu violino. Poderá, eventualmente,
associar um maior nível de prestígio à música erudita e ao instru-
mento violino, e considerar que a música tradicional não é digna
deles. Este desfasamento conceptual com a realidade, e com o
desenvolvimento pedagógico que se vem processando nos siste-
mas escolares fazem pensar que seria pertinente compreender
que a educação musical não pode mais estar subordinada ex-
clusivamente à música erudita ocidental, desprezando a vertente
da música dos povos e da expressões mais contemporâneas ou
experimentais das regiões sócio-culturais das diferentes popula-
104 Secção 1 Políticas e pedagogias no ensino da música Percursos 2014
ções escolares.
Conclusão e refl exões
Tranquilizem-se os que, na imediatez da leitura, tenham inter-
pretado este estudo como uma prescrição unívoca para a reso-
lução sumária das limitações dos percursos educativos em mú-
sica nas escolas especializadas. Este é, como sempre se veio a
afi rmar, um contributo que teve como especial preocupação na
sua construção a pertinencia da realização simultânea com as
actividades regulares e mais ortodoxas do ensino instrumental.
Efectivamente, não é na implementação de uma intervenção sin-
gular que vai ser possível solucionar a problemática da literacia
musical. É, precisamente, suposto que este conjunto de activida-
des, ou outro nele inspirado, possa ser integrado na didáctica re-
gular e operado com a regularidade necessária que impeça que a
educação musical seja reduzida a uma identifi cação das formas,
sem compreensão do conteúdo e seu domínio estrutural.
Por considerarmos que esta intervenção benefi ciaria da com-
ponente de cooperação inter-pares entendeu-se que seria opor-
tuno realizar este trabalho em grupo, no caso, com uma pequena
Orquestra de Cordas. Todavia, é pertinente enunciar que este tra-
balho pode ser feito com grupos muito heterogénos, ou até mes-
mo ser incluído na aula individual de instrumento. Os resultados
entretanto obtidos levam-nos a concluir que a componente social
(do grupo) é um factor de motivação extrínseca muito relevante
e que não deve ser desprezado, na medida em que proporcio-
na, também ao professor, a possibilidade de se direccionar para
componentes técnicas da prática instrumental, impedindo que os
alunos deteriorem as competências já adquiridas. A capacidade
de interagir com e através do instrumento é uma mais valia que se
Percursos 2014 Secção 1 Políticas e pedagogias no ensino da música 105
pode e deve construir em conjunto. Não apenas em conjunto com
um grupo instrumental, mas também com a própria comunidade
e todo o potencial de relação humana, afectiva e cultural, como
aqui vimos. O respeito pelos diferentes grupos que constituem a
sociedade constrói-se no diálogo, no encontro, e na partilha de
projectos que conjuguem interesses comuns, e não por “prescri-
ção” de manuais escolares ou portarias governamentais. À esco-
la, também a de música, cabe parte do papel para o desenvolvi-
mento desse diálogo.
Enfraquecendo, por todos os meios, a consciência e identida-
de cultural não se chegará concerteza a potenciar as qualidades
musicais (individuais e colectivas) de um bom intérprete ou de
um compositor de referência. A construção única de um folclore
interior, semeado no seu imo e correctamente audiado, é a marca
profunda do desenvolvimento cultural dos povos. É, não apenas
um “devaneio estético”, mas antes a concretização natural e ple-
na do processo evolutivo do Ser Humano. É o crepúsculo do arti-
fi cial e a alvorada da arte.
Referências
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da Metodologia Orff em Portugal”, in Arte Musical, nº 10/11, Jan.-Jun.,
IV Série, Vol. III, p. 23-30.
CAPÍTULO 05
O ensino articulado da música:
desafi os e compromissos para um
acesso efetivo à aprendizagem
musical
António Pacheco
Conservatório do Vale do Sousa – Lousada
Instituto de Educação da Universidade do Minho
Centro de Investigação em Estudos da Criança (CIEC)
antoniopacheco@ie.uminho.pt
108 Secção 1 Políticas e pedagogias no ensino da música Percursos 2014
Introdução
O ensino da música em Portugal reveste-se de particularida-
des e singularidades muito próprias que o acompanham há muito
tempo. Desde a fundação do Conservatório de Música de Lisboa
(1835) ligado à Casa Pia que o ensino da música padece da falta
de orientação e de políticas concertadas que promovam uma ver-
dadeira educação artística. A crescente procura pelo ensino voca-
cional da música verifi cada a partir da década de 90 do século pas-
sado e a necessidade de uma aprendizagem musical sustentada
(que não se encontra no ensino genérico), sentida pelos jovens
e suas famílias, constituíram-se como desafi os prementes que
não obtiveram compromissos efetivos de acesso à aprendizagem
musical. Este artigo aborda a problemática do acesso ao ensino
da música e refere o regime de ensino articulado (Pacheco, 2013)
como o modelo de frequência capaz de promover um ensino da
música sustentado para uma população mais abrangente.
1. O ensino articulado da música: desafi os
O ensino especializado da música em Portugal desenvolve-se
de forma sistemática em dois ramos distintos: o ramo vocacional
e o ramo profi ssional. Estes dois subsistemas de ensino da músi-
ca conferem habilitações semelhantes, pese embora o diferente
enquadramento legislativo. O subsistema de ensino vocacional
sofreu uma importante reforma em 1983 (Decreto-Lei nº 310/83,
de 1 de julho) e foi inserido no sistema geral de ensino tendo-se
criado o conceito de escola vocacional. Este conceito adquire no
âmbito desta reforma um caráter de algo inato e de talentoso,
apenas possível para determinados cidadãos. Ora, esta perspe-
Percursos 2014 Secção 1 Políticas e pedagogias no ensino da música 109
tiva associada às difi culdades de afi rmação e aceitação da re-
forma, assim como à diversidade da procura que a progressiva
democratização do ensino geral e em particular da música pro-
porcionou, consubstanciaram-se como fatores que impediram de
dar resposta efi caz às solicitações da nova população escolar. A
frequência nos cursos de ensino artístico especializado (básico
e secundário) passou a ser possível num dos seguintes regimes
de frequência: integrado, articulado e supletivo (Despacho nº 76/
SEAM/85, de 9 de outubro).
A centralidade do percurso formativo associado à escola voca-
cional de música e as difi culdades de implementação de percur-
sos alternativos e diversifi cados inerentes às diferentes comuni-
dades, constituem-se, ainda hoje, realidades consonantes pelas
quais é urgente combater, de forma a tornar viáveis e identitários
os projetos educativos das escolas e suas respetivas ofertas. De
facto, os regimes integrado/articulado vieram a constituir-se como
opções secundárias de frequência, contrariamente à vontade ex-
pressa legislada (Decreto-Lei nº 310/83, de 1 de julho). Ora, tal
situação não possibilitou resposta ao desafi o proposto da reforma
e não permitiu o desenvolvimento de um quadro de articulação
sustentada que possibilitasse uma educação artística efetiva nas
suas diferentes modalidades: educação artística genérica, educa-
ção artística vocacional e educação artística profi ssional. Na rea-
lidade, as escolas vocacionais de música e as escolas do ensino
genérico não foram capazes, durante décadas, de ultrapassarem
desentendimentos e obstáculos que impediram de afi narem pelo
mesmo diapasão com prejuízos claros para o ensino da música.
2. O ensino articulado da música: compromissos
A reforma proposta pelo Decreto-Lei nº 310/83, de 1 de julho,
constituiu, efetivamente, um momento problemático no âmbito do
110 Secção 1 Políticas e pedagogias no ensino da música Percursos 2014
ensino da música, na medida em que aboliu um modelo de ensino
que vigorava há muitos anos (modelo de conservatório de origem
napoleónica) e adotou um outro modelo (modelo universitário
americano), cujo processo de transição não foi devidamente con-
duzido (Vargas, 2011). De facto, este subsistema foi sempre regu-
lamentado pela legislação geral e os problemas concretos e es-
truturais consequentes desta integração foram resolvidos (ou mal
resolvidos) através de normativos pontuais e avulsos (Folhadela,
Vasconcelos e Palma, 1998). A estes fatores devem-se acres-
centar, também, as difi culdades de implementação dos regimes
de frequência integrado e articulado, por parte das escolas quer
públicas, quer particulares e cooperativas, e até mesmo uma for-
te resistência das mesmas a estes mesmos regimes de ensino.
Neste contexto, o próprio Ministério da Educação refere que:
(…) a ausência de uma política para o
desenvolvimento da educação artística,
especialmente no que se refere à articulação
entre o ensino regular, o ensino especializado
e o ensino profi ssional artísticos, tem colocado
constrangimentos à construção de projectos
educativos de escolas, capazes de assumir as
respectivas especifi cidades e singularidades e de
mobilizar a comunidade (ME, 2003, p. 2).
No sentido de colmatar as difi culdades mencionadas, este
subsistema de ensino foi alvo de uma reestruturação iniciada
em 2007, após a publicação do Estudo de Avaliação do Ensino
Artístico – Relatório Final (Fernandes, 2007), com a intenção de
clarifi car procedimentos organizativos e institucionais. Esta rees-
truturação permitiu um aumento signifi cativo de alunos no ensino
artístico especializado da música e culminaria com a publicação
Percursos 2014 Secção 1 Políticas e pedagogias no ensino da música 111
da Portaria nº 691/2009, de 25 de junho, que criou os Cursos
Básicos de Dança, de Música e de Canto Gregoriano e aprovou os
respetivos planos de estudo. De acordo com esta reestruturação
Alargar a capacidade de oferta e criar condições
de organização e funcionamento que facilitem
e tornem mais conveniente a participação de
crianças nos níveis de iniciação e básico, constitui
a opção de fundo (Feliciano, 2008, p. 8).
Na realidade a reestruturação em questão apelava para a ne-
cessidade de diversifi car a oferta formativa e de criar condições
de articulação entre as escolas especializadas do ensino artístico
da música e as escolas do ensino genérico, favorecendo, clara-
mente, ambientes de aprendizagem mais integrados. De entre os
seus aspectos mais signifi cativos salientam-se: a transformação
das escolas de música nacionais em escolas integradas, a reor-
ganização do modelo de escola, a criação da rede de articulação
entre escolas do ensino artístico especializado e escolas do ensi-
no genérico, a criação de Escolas de Referência e a revisão dos
planos de estudo. Atente-se nas seguintes palavras:
O alargamento do ensino especializado da Música
deve passar pelo aumento dos cursos de iniciação,
com recurso a novos modelos de organização,
designadamente através de protocolos e
parcerias com escolas básicas, e por uma oferta
predominante de ensino articulado, sobretudo nas
escolas públicas1.
Efectivamente, a reestruturação mencionada colocava a tóni-
ca, inequivocamente, em ambientes de aprendizagem integrado-
res capazes de promoverem uma maior acessibilidade ao siste-
1 http://www.min-edu.pt/np3/1676.html, acedido em 21 de fevereiro de 2008.
112 Secção 1 Políticas e pedagogias no ensino da música Percursos 2014
ma do ensino artístico especializado da música: «(...) A orientação
para um regime de frequência mais integrado, ainda que em re-
sultado da articulação entre dois estabelecimentos de ensino, é,
por isso, uma condição fundamental de promoção de qualidade
(Fernandes, 2007, p. 7).
3. O ensino articulado da música: acesso efetivo à aprendi-
zagem musical
O funcionamento do ensino vocacional da música e das es-
colas de música especializadas só é possível se a organização
curricular e pedagógica se enquadrar nos princípios básicos da
organização das escolas genéricas e com estas se operarem de-
terminados pressupostos de entendimento que conduzam a uma
efetiva participação dos estabelecimentos de ensino num projeto
de interesse comum. Esta constatação evidente sofreu difi cul-
dades de afi rmação e contestação ao longo dos anos, por parte
dos diferentes atores, e impossibilitou o desenvolvimento artístico
musical durante, sensivelmente, duas décadas e meia (desde a
reforma estrutural de 1983, Decreto-Lei nº 310, de 1 de julho).
As difi culdades de implantação dos regimes de frequência arti-
culado e integrado são o retrato desta evidência que começa a
desvanecer-se nos dias atuais, mas que necessita, ainda, da as-
sunção de outros compromissos. As articulações de colaboração
entre as escolas genéricas e especializadas são absolutamente
essenciais para a sustentabilidade do regime de frequência arti-
culado e para o seu desenvolvimento futuro. Assim, o diálogo, o
acordo, o consenso, a proximidade, a integração e a fl exibilidade
são aspetos centrais do quadro de entendimento no contexto de
uma determinada ecologia ético política. Neste contexto, elenca-
-se um conjunto de medidas que pretendem contribuir para o
melhoramento do regime de frequência: (i) alargar e melhorar a
Percursos 2014 Secção 1 Políticas e pedagogias no ensino da música 113
organização do processo; (ii) diminuir distâncias entre os estabe-
lecimentos de ensino; (iii) desenvolver as relações de coopera-
ção e articulação para consolidação e articulação pedagógica; (iv)
planear conjuntamente atividades de interesse mútuo que cons-
tem nos respetivos Projetos Educativos e planos de atividades de
cada escola; (v) assinar protocolos curriculares que possibilitem a
diversifi cação da oferta educativa; (vi) reformular o modelo de en-
sino da música no ensino genérico contemplando duas vertentes:
uma facultativa e outra ofi cial (profi ssional).
O papel da escola vocacional de música no âmbito destas arti-
culações é fundamental e centra-se nos seguintes aspetos: (i) dar
a conhecer à comunidade o trabalho desenvolvido e sensibilizar
para a importância da música na formação dos alunos, consti-
tuindo uma porta de opção educacional mantendo uma ligação
profunda, efi caz e cooperante com o processo de articulação; (ii)
a elaboração dos horários e das turmas dos alunos deve ser fei-
ta conjuntamente com as duas escolas; (iii) os pais e encarre-
gados de educação devem ser devidamente informados sobre o
funcionamento do regime de frequência articulado; (iv) o ensino
vocacional da música deve ser objeto de uma maior divulgação
no sentido de esclarecer as vantagens da sua frequência; (v) re-
alização de intercâmbios pedagógicos e projetos multidisciplina-
res; (vi) utilização de diferentes espaços para a lecionação das
aulas quer da escola vocacional, quer da escola genérica, quer
das disciplinas da música, quer das disciplinas do currículo geral;
(vii) elaboração de atividades devidamente enquadradas e apre-
sentações/audições/concertos/ações de formação na escola do
ensino genérico; (viii) presença de elementos da escola do ensino
artístico especializado da música nos órgãos de gestão da escola
genérica: Conselhos Gerais.
114 Secção 1 Políticas e pedagogias no ensino da música Percursos 2014
Considerações Finais
O estudo realizado por Pacheco (2013) aponta como neces-
sária uma redefi nição dos percursos formativos capaz de con-
templar articulações pedagógicas entre os dois ramos de ensino
(vocacional e genérico), que permita novas realidades musicais
e uma redefi nição também das estratégias de modo a consolida-
rem práticas pedagógicas e modelos que possibilitem a todos os
alunos a aprendizagem de um instrumento, independentemente
da opção vocacional futura. A ideia de que o ensino da música é
dirigido a uma classe socialmente favorecida é uma falsa ideia,
pois a realidade atual mostra-nos, efetivamente, o contrário, e
continuar a insistir que a escola vocacional de música necessita
de uma determinada população com vocação enquanto talento,
aptidão inata e dom natural, é negar o lugar da escola de música,
continuar a agir numa perspetiva ultrapassada e conservadora
que não responde às necessidades evidentes do nosso dia a dia
e comprometer a assunção do estabelecimento de um verdadeiro
ensino da música. De facto, o ensino da música não pode ser
destinado a um público que se crê com comprovadas aptidões
artísticas (Decreto-Lei nº 344/90, de 2 de novembro) fundadas
nas ideias de vocação e talento, porque tais critérios negligencia-
riam o importante papel dos fatores ambientais e das vivências
no desenvolvimento de determinadas aptidões básicas, e esta
mesma ideia remeter-nos-ia para a conceção do artista enquanto
possuidor de um conjunto de aptidões artísticas especiais e, ele
próprio especial; sendo assim, a defi nição de educação artística
vocacional dada pela redação do Decreto-Lei nº 344/90, de 2 de
novembro (art. 11º), implicaria que o ensino artístico vocacional
se destinasse a indivíduos especiais, sobredotados, o que nem
neste momento acontece.
Percursos 2014 Secção 1 Políticas e pedagogias no ensino da música 115
Referências
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116 Secção 1 Políticas e pedagogias no ensino da música Percursos 2014
Legislação
Decreto-Lei nº 310/83, de 1 de julho – Insere o ensino artístico nos
moldes gerais de ensino em vigor através da reconversão dos
Conservatórios de Música em Escolas Básicas e Secundárias, criando
as respetivas Escolas Superiores de Música inseridas na estrutura de
Ensino Superior Politécnico.
Despacho nº 76/SEAM/85, de 9 de outubro – Aprova os planos de
estudos dos Cursos Básico e Complementar de Música em regime
supletivo.
Decreto-Lei nº 344/90, de 2 de novembro – Estabelece as bases da
educação artística no âmbito pré-escolar, escolar e extraescolar.
Portaria nº 691/2009, de 25 de junho – Cria os Cursos Básicos de Dança,
de Música e de Canto Gregoriano e aprova os respetivos planos de
estudo.
CAPÍTULO 06
A importância das orquestras
escolares no ensino genérico para
uma melhor orientação vocacional e
criação de públicos
Maria Helena Cabral
Escola Básica do 2.° e 3.° Ciclo Sophia de Mello Breyner
mariahelenacabral1@gmail.com
118 Secção 1 Políticas e pedagogias no ensino da música Percursos 2014
A criação, nas escolas públicas de ensino genérico, de ativi-
dades habitualmente designadas de “enriquecimento curricular”
é uma mais-valia para o desenvolvimento holístico da criança e
contribui, de forma muito válida, para que o acesso à música se
processe de forma verdadeiramente democrática, permitindo aos
alunos fazerem as suas opções de forma mais consciente.
Foi neste contexto que surgiu, na Escola Básica dos 2.º e
3.º Ciclos Sophia de Mello Breyner, em Arcozelo, Vila Nova de
Gaia, o Ensemble Sophia de Mello Breyner, que, pelo facto de
não ter a formação tradicional de uma orquestra, não utiliza essa
designação.
Para além do desenvolvimento do saber musical, este projeto
visa também que os seus elementos (alunos e professores) cres-
çam de forma mais alargada, i.e., desenvolvam também outros
saberes: o saber fazer e o saber ser, pilares da educação pre-
conizada para o século XXI. Esta perspetiva está plasmada no
relatório Educação: um tesouro a descobrir (Delors, 1998), onde
é recomendada a inclusão das artes no percurso formativo dos
alunos:
[c]onvém, pois, oferecer às crianças e aos jovens
todas as ocasiões possíveis de descoberta e de
experimentação – estética, artística, desportiva,
científi ca, cultural e social (...). Na escola, a arte e a
poesia deveriam ocupar um lugar mais importante
do que aquele que lhes concedido, em muitos
países, por um ensino tornado mais utilitarista do
que cultural. (p. 100)
Estes princípios estão, aliás, bem patentes no art.º 2.º da Lei
Percursos 2014 Secção 1 Políticas e pedagogias no ensino da música 119
de Bases do Sistema Educativo (1986).
Foi da conjugação de uma série de fatores que numa escola
de ensino genérico, integrada num meio onde a música tem vin-
do, cada vez mais, a ser implementada e valorizada, pôde sur-
gir, de forma consistente, uma orquestra escolar. A existência de
várias academias de música, ranchos folclóricos e grupos de jo-
vens, tem dado um grande contributo para que as crianças desta
zona, desde muito cedo, se habituem a ouvir música e para que
os pais se sintam parte integrante de uma sociedade em que a
cultura é valorizada.
Refere-se a importância do facto do grupo de educação mu-
sical ser constituído, à época, por quatro professores, três dos
quais instrumentistas de áreas diferentes (fl auta transversal, viola
d’arco e piano), com valências várias, ter sido essencial para que
o trabalho se pudesse vir a desenvolver com base nesta diversi-
dade e riqueza de competências. Assim, foi possível estabelecer
uma rede de trabalho colaborativo, assente na interação e diálogo
entre estes três professores e os alunos que se conseguiram des-
cobrir diferentes caminhos que levassem à constante (re)constru-
ção do conhecimento.
Decorrida quase uma década, verifi ca-se que o grupo se tem
vindo a tornar cada vez mais unido e coeso e, por isso, cada vez
mais forte e encarado por todos como parte integrante da comu-
nidade educativa. Este fator é indispensável à sua continuidade,
já que só o grau de satisfação e dedicação de todos os elementos
que o constituem sustentam a vontade de continuar em frente e
assim dar a possibilidade a outros alunos de vivenciar experiên-
cias tão enriquecedoras quanto estas, pois representa a criação
de um espaço onde os alunos, por iniciativa própria e sem a obri-
gatoriedade do cumprimento de um programa específi co, possam
120 Secção 1 Políticas e pedagogias no ensino da música Percursos 2014
“fazer” música em grupo, pelo simples prazer de a interpretar.
Da implementação deste projeto, sentiu-se a necessidade
de criar ateliers de instrumento, de forma a dar resposta às ex-
pectativas dos alunos que foram sendo cada vez mais altas. Ao
verem alguns dos seus colegas e professores a tocarem outros
instrumentos muitos alunos foram demonstrando cada vez mais
interesse pela prática musical instrumental. Tendo em conta esta
realidade, foi feita uma nova proposta ao Conselho Executivo, a
de criar momentos em que os alunos pudessem estudar outros
instrumentos, para além daqueles que habitualmente tocavam
nas suas aulas de educação musical. Estes ateliers continuam
a funcionar até hoje, com pequenos grupos de alunos (quatro ou
cinco), não conseguindo, contudo, dar resposta ao enorme núme-
ro de solicitações apresentadas. A propósito da implementação da
aprendizagem em pequenos grupos, convoca-se aqui Macmillan
(2006) que afi rma: “[g]roups offer opportunities for developing mu-
sicianship through ensemble playing and informal performances.
Children’s enthusiasm and enjoyment usually shine out in group
situations, leading to increased motivation to practise at home” (p.
11).
A importância da prática musical, seja ela instrumental ou vo-
cal, defendida por Edgar Willems (1890-1978), encontra-se clara-
mente plasmada no programa em vigor para a disciplina de edu-
cação musical (Ministério da Educação, 1991), em que a prática é
posta em destaque quando se refere que “[a] experiência musical
viva e criativa é a base de todas as aprendizagens. […] Fazer
música é a questão mais importante” (p. 7).
O trabalho desenvolvido e a divulgação que os próprios alunos
fi zeram junto dos seus colegas, convidando-os a fazerem parte
deste grupo, fez com que no fi nal do ano letivo de 2009/2010, o
Percursos 2014 Secção 1 Políticas e pedagogias no ensino da música 121
número de membros da orquestra atingisse os 70, o que, para o
tipo de trabalho que aqui se desenvolve e as condições de que
se dispõe é manifestamente incomportável. Procedeu-se, então,
nos anos seguintes, a uma natural diminuição do número de ele-
mentos, limitando o acesso e restringindo o número a cerca de
40, dimensão tida por ideal.
Quanto à organização e modo de funcionamento, os requisitos
para fazer parte deste agrupamento continuam a ser, apenas, os
de querer “fazer” música e ser ou ter sido aluno da escola. É gra-
tifi cante verifi car que a maioria dos alunos que por esta orquestra
passam lá permanece por vários anos, mesmo após terem deixa-
do de frequentar esta escola, o que ocorre ou no fi nal do 6.º ano,
ou no fi nal do Ensino Básico (9.º ano). Continuam a comparecer
na escola todas as quartas-feiras, de modo a estarem presentes
no ensaio. É curioso verifi car que existem, inclusivamente, alunos
que apenas deixam de colaborar com a orquestra quando já es-
tão no ensino superior e por incompatibilidade de horários.
O dia e hora dos ensaios, que ocorrem durante todo o ano
escolar, mantêm-se inalteráveis ano após ano, de forma a que
toda a comunidade escolar esteja informada. Esta opção tem sido
muito positiva porque, deste modo, os alunos, sabem antecipada-
mente aquilo com que têm que contar, podendo assim organizar
melhor as suas atividades de modo a que não haja coincidências.
O mesmo se passa não só com os professores envolvidos, como
também com a direção da própria escola, que ao convocar reuni-
ões tem sempre em conta a hora a que se realizam os ensaios,
reservando, para o efeito o polivalente.
Esta escola não possui auditório, por não ter sido englobada
no grupo das que foram intervencionadas pela empresa “Parque
Escolar”, onde até auditórios com plateias amovíveis, dotadas
122 Secção 1 Políticas e pedagogias no ensino da música Percursos 2014
com sistemas automáticos, existem. Nesta escola apenas exis-
tem duas salas específi cas para a lecionação das aulas de edu-
cação musical e este grupo tem como único espaço físico para a
concretização dos ensaios o polivalente. Isto implica que, todas
as quartas-feiras seja necessário montar e desmontar todo o ma-
terial indispensável a este tipo de trabalho: cadeiras, estantes e
instrumentos. A responsabilidade é partilhada por todos, cabendo
a cada um dos membros do grupo diferentes tarefas na colocação
e recolha de todo o material. Os papéis desempenhados pelos
professores também estão bem defi nidos, quer no que ao tra-
balho prévio diz respeito (criação de adaptações/arranjos), como
também no que concerne aos ensaios e concertos.
Neste momento a orquestra é constituída por violinos, viola
d’arco, violoncelos, contrabaixo, guitarras, fl autas transversais,
fl autas de bisel sopranino, soprano, contralto e tenor e todo o ins-
trumental Orff disponível. A constituição e o reportório variam, de
acordo com os alunos que dela fazem parte, o que obriga a um
trabalho contínuo de criação novos arranjos.
São também fundamentais as apresentações públicas para
que os alunos possam mostrar o trabalho realizado e desenvolver
o gosto pela música. Visam ainda incutir-lhes o hábito de assistir
a espetáculos de caráter musical, envolvendo ao mesmo tempo
os seus familiares. O Ensemble Sophia de Mello Breyner realiza
cerca de seis a oito concertos por ano, umas vezes organizados
pela própria escola, outras a convite de entidades externas. No
fi nal de cada ano escolar efetua-se um concerto de encerramento
das atividades deste grupo, alargando um pouco mais o seu âm-
bito de ação, por envolver como solistas os alunos premiados no
Concurso de Flauta de Bisel que se organiza há já 19 anos.
Assim, reforça-se que um dos objetivos deste grupo é o de
Percursos 2014 Secção 1 Políticas e pedagogias no ensino da música 123
conciliar os diferentes saberes preconizados por Delors (1998),
aprender a conhecer, isto é adquirir os instrumentos
da compreensão; aprender a fazer, para poder agir
sobre o meio envolvente; aprender a viver juntos,
a fi m de participar e cooperar com os outros em
todas as atividades humanas; fi nalmente aprender
a ser, via essencial que integra as três precedentes
(pp. 89,90).
Trata-se de uma atividade enriquecedora e gratifi cante, quer
para os alunos, como também para os professores envolvidos.
Neste contexto, o ambiente musical criado faz com que todos se
sintam músicos e não alunos e professores. O papel de cada um
é pois indispensável ao sucesso do trabalho fi nal. Vivenciam-se
momentos únicos que nos fazem, a todos, evoluir, não só como
músicos, mas também como seres humanos.
Um outro facto que urge aqui realçar é o de que é já possí-
vel constatar que alguns dos alunos que começaram a tocar no
Ensemble Sophia de Mello Breyner, procuraram o seu desenvol-
vimento musical em escolas especializadas e encontram, neste
momento, ou a frequentar essas mesmas escolas, em diferentes
níveis de ensino, alguns até já inseridos no mercado de trabalho.
A infl uência deste trabalho ultrapassa os membros do próprio
grupo, contribuindo assim para a formação de públicos. Lembra-
se aqui a conferência A Educação Artística e a Formação de
Públicos, promovida pelo Clube Unesco de Educação Artística,
em parceria com o Centro Nacional de Cultura, realizada em 27
de outubro de 2010, na Casa da Música, no Porto, a ex-ministra
da Cultura, Gabriela Canavilhas alertava para o facto da
promoção do nível cultural e artístico da população
portuguesa depende prioritariamente, da
124 Secção 1 Políticas e pedagogias no ensino da música Percursos 2014
intervenção precoce, e da qualidade da educação
artística. […] importa ter especialmente em conta a
importância de medidas a nível do ensino básico.
Mais do que uma questão de tempos lectivos ou
de currículos, a valorização da educação artística
no nível básico implica o reforço do estatuto das
disciplinas artísticas, de modo a garantir o seu
contributo para a formação global do aluno e o
seu justo reconhecimento enquanto disciplinas
estruturantes do ser humano (Canavilhas, § 9).
Estas atividades dependem, essencialmente, do empenho dos
professores e das direções das escolas. No entanto, para que
possa haver uma proliferação deste tipo de projetos, será neces-
sário que se verifi que um investimento por parte dos governantes,
levando a efeito uma verdadeira revisão curricular, não criando,
como habitualmente, expectativas para a área da música que
acabam por nunca se concretizar. Numa breve análise da legis-
lação emanada do Ministério da Educação e Cultura, facilmente
se constata nunca terem sido criadas todas as condições neces-
sárias a uma adequada aprendizagem musical, o que releva a
importância deste tipo de iniciativas. Projetos como este, criados
em escolas de ensino genérico, são uma via privilegiada para a
aproximação entre os diversos sistemas de ensino vigentes em
Portugal (genérico, vocacional e profi ssional).
Sendo a escolaridade obrigatória, é nas escolas de ensino ge-
nérico que todas as oportunidades devem ser proporcionadas em
igualdade de circunstâncias a todos os alunos.
A vida faz-se de experiência e, consequentemente, quanto
mais ricas e fortes forem as vivências, maior será o crescimento
do ser humano. Assim, ninguém pode utilizar as experiências dos
Percursos 2014 Secção 1 Políticas e pedagogias no ensino da música 125
outros em substituição das suas próprias vivências. A este pro-
pósito, Camus revela-nos que “[n]ão se pode criar experiência. É
preciso passar por ela”.
Referências
Canavilhas, G. (27 de Outubro de 2010). Conferência “A educação
artística e a formação de públicos”. Obtido em 3 de Janeiro de 2011,
de Portal da Cultura: http://www.portaldacultura.gov.pt/imprensa/
intervencoes_mc/Pages/20101027_MC_Int_Conferencia.aspx
Delors, J. (1998). Educação, Um tesouro a Descobrir. Relatório para a
UNESCO da Comissão Internacional sobre a Educação para o Séc.
XXI. São Paulo: Cortez Editora.
Macmillan, J. (2006). Music Club:Ideas for Group Teaching. pp. 11-13.
Ministério da Educação. (14 de Outubro de 1986). Lei n.º 46/86. Lei
de Bases do Sistema Educativo . Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da
Moeda, S.A.
Ministério da Educação. (Janeiro de 1991). Programa de Educação
Musical (5.º e 6.º anos). Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda,
E. P.
REFLEXÃO
Conservatório de Música do Porto,
1917-2014.
97 anos ao serviço do ensino da
música em Portugal
António Moreira Jorge
Conservatório de Música do Porto
a.moreirajorge@gmail.com
128 Secção 1 Políticas e pedagogias no ensino da música Percursos 2014
Começo por agradecer o honroso convite e felicitar os
Organizadores deste Simpósio.
A minha participação neste Simpósio cinge-se a uma simples
refl exão e partilha de algumas práticas decorrentes das Políticas
educativas e das reformas verifi cadas durante os últimos dez
anos, e o impacto das mesmas na Organização do Conservatório
de Música do Porto, escola onde sou professor desde 1988 e
tenho tido a honra e o privilégio de assumir por três mandatos
sucessivos o cargo de Presidente do Conselho Executivo e de
Diretor, desde 2005.
O Conservatório de Música do Porto (CMP)
É uma escola pública do Ensino Artístico Especializado da
Música (EAEM, criada pela Câmara Municipal do Porto em ses-
são de 1 de junho de 1917.
Foi inicialmente instalado em edifício situado na Travessa do
Carregal, no Porto. Em 13 de Março de 1975 transferiu-se para
um palacete localizado na Rua da Maternidade, n.º 13, proprieda-
de da Câmara Municipal do Porto. A partir de 15 de Setembro de
2008, mercê de obras de requalifi cação e ampliação, esta institui-
ção quase centenária passou a ocupar a ala poente do edifício até
então ocupado unicamente pela Escola Secundária Rodrigues de
Freitas, e ainda um edifício construído de raiz, onde se situam os
auditórios, a biblioteca e outros equipamentos de apoio, impres-
cindíveis a este tipo de ensino.
Tal como hoje, em 1917, a conjuntura não era a mais favo-
rável, devido a grandes difi culdades económicas, mas mesmo
assim, houve a determinação de alguns músicos notáveis da
Percursos 2014 Secção 1 Políticas e pedagogias no ensino da música 129
cidade, onde se destacaram Raimundo de Macedo e Bernardo
Moreira de Sá, e a coragem, visão e sensibilidade de alguns polí-
ticos, onde se destacou o Presidente da Comissão Executiva da
Câmara Municipal do Porto, Dr. Eduardo Santos Silva para avan-
çar para a criação do Conservatório de Música do Porto, como
forma de responder à necessidade de formar e habilitar músicos
no Porto e na zona Norte do País, tal como tinha acontecido em
1835, com a criação do Conservatório nacional, em Lisboa.
Ao longo dos tempos, estudaram no Conservatório de Música
do Porto muitos daqueles que se afi rmaram e distinguiram no
panorama musical nacional e estrangeiro.
Foi também neste Conservatório que teve origem a Orquestra
Sinfónica do Porto.
Principal legislação enquadradora do ensino artístico espe-
cializado da Música
Decreto-Lei 18881/1930 de 25 de setembro
Decreto-lei 310/83 de 1 de julho
Lei n.º 46/86, de 14 de outubro – Lei de Bases
Decreto-lei 344/1990 de 2 de novembro – Lei de Bases da
Educação Artística
Educação Artística: Genérica e Vocacional
O Decreto-lei 344/1990 de 2 de novembro, desenvolve os prin-
cípios contidos na Lei de Bases do Sistema Educativo e estabele-
ce as bases gerais da organização da educação artística, defi nin-
do as suas áreas e vias de educação artística:
Educação Artística Genérica
“a que se destina a todos os Cidadãos, independentemente
130 Secção 1 Políticas e pedagogias no ensino da música Percursos 2014
das suas aptidões ou talentos…”
Educação Artística Vocacional
“formação especializada, destinada a indivíduos com compro-
vadas aptidões ou talentos…”
Embora as diferentes vias de Educação Artística estejam bem
defi nidas e enquadradas no Decreto-lei 344/1990 de 2 de novem-
bro, verifi ca-se que, na prática e até nas “políticas de educação”,
por vezes as mesmas se confundem, não se percebendo bem as
fronteiras entre uma e outra.
A Reforma do Ensino Artístico
Depois de muitos anos onde pouca ou nenhuma atenção foi
dada ao Ensino Artístico Especializado da Música (EAEM), vive-
mos ao longo da última década uma reforma educativa do Ensino
Artístico Especializado:
Alguns acontecimentos que estão na origem desta reforma:
A Conferência Mundial de Educação Artística, da Unesco, em
Lisboa, em Março de 2006;
A Conferência Nacional de Educação Artística da Unesco, no
Porto em Outubro de 2007;
O “Estudo de Avaliação do Ensino Artístico”, coordenado por
Domingos Fernandes, sendo desenvolvido durante o ano de 2006
e publicado em Fevereiro de 2007. Este relatório veio defender
a consolidação e expansão deste tipo de ensino, através da de-
fi nição de uma política clara para este setor do sistema educa-
tivo. Foram então desencadeadas várias medidas a diferentes
níveis, resultantes das diferentes recomendações estabelecidas
no referido relatório, num processo de “Refundação do Ensino
Artístico”, através de uma política de alargamento e democratiza-
ção da Educação Artística, com grande refl exo no Ensino Artístico
Percursos 2014 Secção 1 Políticas e pedagogias no ensino da música 131
Especializado da Música, a nível nacional.
Integrado nesta reforma, e de acordo com as recomenda-
ções do “Estudo de Avaliação do Ensino Artístico” o CMP ela-
borou e apresentou, em Fevereiro de 2008, um “PROJETO DE
REORGANIZAÇÃO DO CONSERVATÓRIO DE MÚSICA DO
PORTO”, que foi aprovado Pelo Senhor Secretário de Estado da
Educação em 21 de Fevereiro desse ano.
Este projeto foi implementado no ano letivo de 2008/2009, ten-
do-se concluído com sucesso o seu primeiro ciclo em 2012.
Principais linhas orientadoras do “Projeto de Reorganização
do Conservatório de Música do Porto”
Implementação faseada do Regime Integrado
Salvaguarda da continuidade dos 3 regimes de frequência,
estabelecendo as regras de acesso e renovação de
matrícula para os alunos do regime supletivo
Implementação faseada do 1º Ciclo
Aumento do número de alunos
Alargamento da Oferta Educativa/Formativa
Ensino Artístico Especializado: Planos Curriculares
Decreto-Lei 18881/1930 de 25 de setembro
Despacho 76/SEAM/85 de 9 de outubro
Despacho 65/SERE/90 de 23 de outubro
Portaria n.º 691/2009 de 25 de Junho
Portaria 225/2012, de 30 de julho
Portaria n.º 243-B/2012, de 13 de agosto
132 Secção 1 Políticas e pedagogias no ensino da música Percursos 2014
Registando com agrado alguns avanços e princípios consa-
grados e concretizados nos novos Planos de Estudos do Ensino
Artístico Especializado para os Cursos Básicos e Secundários
de Música, não deixa de se poder considerar um contra-senso
verifi car que ao mesmo tempo que se fala em democratização
do acesso ao ensino da música e se incrementa a abertura de
turmas do Curso Básico de Música em regime articulado, até em
escolas que não reúnem condições para tal, se retira a educação
musical do currículo obrigatório do 3º ciclo, essa sim para todos,
como se uma oferta substituisse a outra e como se houvesse con-
dições e recursos para tal, caso tal pudesse acontecer.
A Educação Artística para todos, tal como estabelece a lei de
Bases e o Decreto-lei 344/1990 de 2 de novembro, deve ser ga-
rantida pela via da Educação Artística Genérica e não pela voca-
cional, onde se insere o Ensino Artístico Especializado, sob pena
de se estar a comprometer os objetivos de uma e de outra e a
desperdiçar recursos que já são escassos.
Pode concluir-se que muita coisa mudou para melhor nestes
últimos anos, mas também se pode constatar que nem sempre
estas mudanças têm o melhor enquadramento legislativo.
É com frequência que lidamos com o difícil exercício de apli-
cabilidade e de adaptação de normativos legais, redigidos sem
consideração pelas especifi cidades do EAEM.
Se é certo que em algumas questões muito se avançou, nou-
tras, apenas foram dados pequenos passos. Continuamos à es-
pera dos “novos” programas e com muitas difi culdades em garan-
tir a desejada estabilidade do corpo docente das escolas artísti-
cas públicas.
Como era de esperar, bastou passar “meia dúzia” de anos para
se fazer sentir um certo esmorecimento no anunciado alargamen-
Percursos 2014 Secção 1 Políticas e pedagogias no ensino da música 133
to da Ensino Artístico. A conjuntura atual, de enormes difi culdades
económicas não é de todo alheia a este facto e coloca novos e
sérios desafi os a um tipo de ensino que tem custos inerentes.
Importa contudo saber se os custos com a Educação Artística
e com o Ensino Artístico Especializado são meras despesas, ou
se constituem um importante e necessário investimento na forma-
ção integral das gerações futuras.
S 2
C
P
Org.: Rudesindo Soutelo
CAPÍTULO 07
O Compositor Homem.
O Homem Compositor
Ana Seara
Compositora
Jovem Compositora Residente da Casa da Música (2014)
aninhaseara@gmail.com
138 Secção 2 Como nasce um compositor em Portugal Percursos 2014
Filosofi as, estéticas e técnicas
O século XX mostrou ser um século de grandes mudanças. As
consequências da Primeira Guerra Mundial fi zeram-se sentir mui-
to cruelmente na Europa. Consequentemente, os Estados Unidos
da América vão desenvolver-se e acelerar o crescimento econó-
mico a nível das produções industriais, comerciais e agrícolas. Os
anos vinte foram, simultaneamente, tempos difíceis, mas também
eufóricos devido à vivência do quotidiano e à agitada vida notur-
na. As mulheres assumiam agora um estatuto de maior indepen-
dência e liberdade. Outras mudanças, a nível político, fi zeram-
-se sentir na Europa. A Revolução Russa de 1917 e a criação da
União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) em 1922. A
Segunda Grande Guerra despoletou em 1939, com todas as con-
sequências de horror. Com o fi nal desta Guerra, surge a Guerra
Fria (década de 50), onde Estados Unidos e União Soviética es-
tão prontos a destruir o Mundo. Em Maio de 1968, com a revolta
dos jovens contra a sociedade estabelecida há uma subversão
na vida de Paris e de toda a Europa. Também o movimento hip-
pie, nos Estados Unidos lutou pela igualdade, justiça e liberdade
(condenação da sociedade de consumo e das instituições e da
moral estabelecidas). Tudo isto a par do desenvolvimento tecno-
lógico e científi co que modifi cou o quotidiano. Após a Segunda
Guerra Mundial, Schoenberg ainda está vivo (exilado nos E.U.A
em perfeito isolamento) e as informações sobre as pesquisas dos
vienenses chegam à Europa. E é também através de Messiaen,
cujo ensino no Conservatório Nacional de Música de Paris e o seu
Modes de valeurs et d’intensités foram determinantes para toda a
Percursos 2014 Secção 2 Como nasce um compositor em Portugal 139
geração de músicos como Pierre Boulez, Karlheinz Stockhausen,
entre outros, que caminha para o serialismo integral. Também
Stravinsky descobre no pensamento dodecafónico e serial uma
grande fonte de material. Desenvolve um tipo de escrita em que o
serialismo entra em diálogo com todas as técnicas que explorou
ao longo da sua vida, tendo por vezes claras alusões a Webern.
O serialismo vai marcar fortemente todo um século de música.
É o movimento/técnica/sistema que se sobrepõe a qualquer ou-
tro como o neoclassicismo, tanto stravinskiano como bartokiano.
Do serialismo advêm uma série de críticas em forma de diversos
movimentos musicais, uns mais radicais que outros. Na música
serial há uma grande distância entre público e compositor. Vai
crescer um desejo sobre tudo o que não se submete a uma sis-
tematização rigorosa. O desenvolvimento da música electrónica
vai ser fundamental para a mudança, para uma maior abertura.
Na Europa as estações de transmissão, RTF (Paris) e a WDR
(Colónia), apesar de terem objectivos diferentes, foram de capi-
tal importância nos novos caminhos da composição musical. Por
outro lado, a problemática da obra aberta é apresentada de uma
forma completamente oposta para os compositores americanos
como John Cage, Earle Brown e Morton Feldman em relação a
outros como Karlheinz Stockhausen, Pierre Boulez e até Luciano
Berio. Na Europa a obra aberta é construída numa ambiência
serial. As obras mais fl exíveis de Boulez e Stockhausen estão
ligadas ainda aos ideais da Escola de Viena, às estéticas de
Mallarmé e Joyce. É precisamente esta a proposta de avaliação
de Umberto Eco. O principal exercício para estes compositores
é conceber uma peça em que abdiquem do controle total. É uma
maneira de repensar as suas relações com o intérprete e com
o público. Em clara e radical reação ao serialismo, nos Estados
140 Secção 2 Como nasce um compositor em Portugal Percursos 2014
Unidos surge um grupo de compositores com uma nova lingua-
gem musical muito experimentalista. Este grupo constituído por
Cage, Brown, Feldman e Christian Wolff, vai trazer verdadeiras
mudanças, principalmente ao nível fi losófi co. Para estes, a forma
aberta não lhes garantia nenhuma liberdade. De facto ela apenas
combina objetos já construídos. A fi gura que indubitavelmente
simboliza o indeterminismo é Cage. Para ele, libertar a música
é aceitar o som como um organismo autónomo. Considera o ato
musical não como uma tomada de poder sobre o som, sobre o
intérprete e sobre o público, mas sim o deixar um processo acon-
tecer e desenvolver-se a partir de si próprio.
O que comummente se chama de “espectralismo” é nada mais
do que um movimento musical originário de França nos anos 70.
Esta “saída” possível do serialismo vai ter como principal modelo
e base composicional o som – timbre, altura e ritmo, sem sepa-
ração paramétrica. Este trabalho do som era feito por análises
do som em sonogramas. Dá-se a emancipação do timbre. “É a
primeira vez que um compositor se inspira de maneira evidente
e rigorosa nos parâmetros do timbre para construir a sua orques-
tração e gerar os seus modelos harmónicos. O crescimento da
importância do timbre ao longo de todos os séculos na música
ocidental conduz-nos logicamente para uma etapa onde este se
integra mesmo no pensamento do compositor.” (Dalbavie, 1989,
p. 321). Compositores como Gérard Grisey, Tristan Murail e ainda
Horatiu Radulescu, Michäel Levinas, Claude Vivier e até Dufort,
vão tomar a electrónica e o avanço da tecnologia para redescobrir
certas regras extraídas no diretório clássico incluindo a noção de
tensão/relaxe (p. 321).
Com o nascimento da síntese electrónica, aparece posterior-
mente a síntese instrumental. A análise espectral dos instrumen-
Percursos 2014 Secção 2 Como nasce um compositor em Portugal 141
tos vai complementar o conhecimento do compositor para gerar,
virtualmente através de conjuntos de outros instrumentos, um
espectro de um determinado timbre típico – um instrumento x. É
este trabalho que abarca os diferentes limiares da nossa percep-
ção que é apelidado de liminal por Grisey – de limen: o limiar. Os
modelos electrónicos vão ser ferramentas recorrentes a partir de
Grisey e Murail e facilmente se vai encontrar em compositores
como Marc-André Dalbavie, Phillipe Hurel, Kaija Saariaho entre
outros. A síntese permitiu alargar as possibilidades técnicas e tím-
bricas dos compositores na construção da sua própria lingugem.
Nascimento de um compositor
A composição existe, fundamentalmente, como ato de neces-
sidade. Posteriormente fi xa-se no papel e sai do Mundo individual
do compositor e é oferecida ao público. As motivações e expecta-
tivas do compositor, do intérprete e do público face a uma deter-
minada obra musical e os efetivos resultados musicais e sociais
da performance dela necessitam de ser compreendidas. Analisar
uma peça é também inseri-la e contextualizá-la no tempo, no es-
paço, no ambiente estético, mas também na vida de um deter-
minado ser humano que vive e interage com o Mundo enquanto
cria. Este exercício, agora introspectivo, é fundamental para um
compositor. As condições políticas e sociais em que o compositor
se insere, afectam, em grande medida, o pensamento subjacen-
te ao ato composicional. O factor histórico e o percurso pessoal
do compositor vão dirigi-lo para um determinado “lugar musical”.
Assim nasce um compositor.
Toda a minha vida, todas as minhas experiências infl uenciam
aquilo que sou e consequentemente aquilo que componho. O en-
tusiasmo pela música foram sempre passados, ao longo do meu
crescimento, de pessoas tão importantes como o meu pai e os
142 Secção 2 Como nasce um compositor em Portugal Percursos 2014
irmãos, assim como a minha avó paterna. O passo seguinte para
a minha educação cultural foi, com cerca de 3 anos, iniciar aulas
de ballet que me acompanharam até sair para Lisboa. Ingressei
aos 6 anos no Conservatório de Braga e saí já com 17. Fiz todo
o meu percurso escolar num só edifício durante 12 anos: áreas
curriculares, disciplinas de música e ballet. Foi no Conservatório
que tive a oportunidade de pôr em prática a minha vontade de
aprender piano. Levei as aulas de piano bastante a sério até ao
4º grau, altura em que tive uma disciplina chamada Introdução
às Técnicas de Composição. Eram as primeiras noções de con-
traponto, de harmonia, de modos e tonalidades, analisando ex-
certos musicais, criando pequenas melodias e peças musicais e,
sobretudo, conhecendo um novo universo de repertório musical.
Descobri a música do século XX. Os conhecimentos e a informa-
ção foram amadurecidos e clarifi cados, mas a escolha no 10º ano
de escolaridade foi clara – o curso de composição. Foram 3 anos
fundamentais e extremamente ricos em todo o tipo de experiên-
cias. Em relação ao meu percurso em Lisboa, na Escola Superior
de Música, posso dizer que foram os anos da organização de
ideias, da concretização do ser compositora (estrear obras, ocu-
par a maioria do meu tempo a compor, entrar no circuito musical,
contactar com os melhores professores e músicos). Com o tem-
po conclui que o momento da pré-composição tem, desde logo,
implicações estéticas e de linguagem na obra que está prestes a
surgir. O compositor ‘procura’ o seu material dentro de um concei-
to ou sistema técnico. O ‘lugar’ musical onde esse material tem
origem possui uma carga fi losófi ca e técnica. Para mim, existem
estímulos extra-musicais na criação de uma peça musical. Sejam
as matemáticas, a dança, a escultura, a pintura, a poesia, fi loso-
fi as orientais, etc., existe sempre algo que estimula o compositor
Percursos 2014 Secção 2 Como nasce um compositor em Portugal 143
a escrever música. A necessidade de encontrar formas de comu-
nicação com o intérprete a um primeiro nível e com o público a
um nível seguinte poderá ter resposta na introdução de analogias
com elementos extra-musicais. Um poema, um quadro, uma es-
cultura podem ser bons pontos de partida de uma obra musical.
Não terá de ser uma obra programática, nem é o que se pretende.
Só o será se o compositor o pretender. Este elemento diferente,
não inteiramente musical, pode ser apenas um veículo de com-
preensão da peça. Por outro lado, a música necessitará de incluir
pontos de referencia, momentos de retorno ou de simples repeti-
ção, momentos-chave que o ouvinte reconheça e crie expectati-
vas, que tente antecipar-se à música.
Estou convencida de que não é uma plataforma de ensino que
permite o nascimento de um compositor, mas sim as pessoas que
se atravessam na vida dele. A minha descoberta da composição
aconteceu pela mão do Professor Paulo Bastos e em cada pro-
fessor que encontrei na ESML conheci novos posicionamentos e
abordagens. Acredito que é o conhecimento profundo dos com-
positores e obras, o contacto permanente com os performers e
maestros que permitem o nascimento de um compositor e, na
minha experiência pessoal, é clara a infl uência de compositores
como Ligeti, Berio, Messiaen e, quase como consequência, dos
mentores da escola espectral francesa Grisey, Murail, e a mais re-
cente geração, Kaija Saariaho, M.A. Dalbavie, Magnus Lindberg,
entre outros. Todo o trabalho analítico dos meus próprios proces-
sos, associado, também, à análise de obras de outros composi-
tores apresenta-se-me, hoje, como um objecto de estudo para o
futuro. Enquanto compositora, permite-me chegar mais perto de
uma linguagem pessoal, permite-me bases de trabalho coesas
para novas obras.
144 Secção 2 Como nasce um compositor em Portugal Percursos 2014
Referências
Dalbavie, M.-A. (1991). Pour sortir de l’avant-garde. In J.-B. Barrièrre
(ed.), Le Timbre - Métaphore pour la composition. Paris: Chistian
Bourgois/IRCAM.
Dalbavie, M.-A. (1985). Notes sur Gondwana. Entretemps, n° 8,
septembre, p. 303-334
Grisey, G. (1991). Structuration des timbres dans la musique
instrumentale. In J.-B. Barrièrre (ed.), Le Timbre - Métaphore pour la
composition. Paris: C. Bourgois/IRCAM.
Grisey, G. (1998). Le devenir des sons. In D. Cohen-Lévinas (ed.), Vingt-
cinq ans de création musicale contemporaine: l’itineraire en temps réel
(pp. 291-300). Paris: L’Harmattan.
Dufourt, H. (1991). Musique, Pouvoir, Écriture. Paris: C. Bourgois.
Lepany, J. (2005). Le spectralisme: Précurseurs, fondateurs et évolution.
Paris: Université Paris 8 – UFR de Musique.
Percursos 2014 Secção 2 Como nasce um compositor em Portugal 145
Obra apresentada em concerto:
Unum Deum
Notas de Programa:
Uma peça de fé para quem a vive e entende como tal e para
quem a não vive e diz não a ter. Uma prece por cada um e por
todos. Um cântico de esperança em tempos conturbados.
Texto poético:
Frases retiradas da oração Credo em latim.
Credo in unum Deum, Patrem omnipoténtem,
factórem cæli et terrae, visibílium ómnium, et
invisibílium.
Deum de Deo, Lumen de Lúmine, Deum verum de
Deo vero.
Qui propter nos hómines, et propter nostram
salútem descéndit de cælis.
Et incarnátus est de Spíritu Sancto ex Maria
Vírgine: et homo factus est.
Crucifíxus étiam pro nobis: sub Póntio Pilato
passus, et sepúltus est. Et resurréxit tértia die,
secúndum Scriptúras. Et ascéndit in cælum: sedet
ad déxteram Patris.
Et in Spíritum Sanctum, Dóminum, et vivifi cántem:
qui ex Patre, Filióque procédit. Qui cum Patre et
Filio simul adorátur et conglorifi cátur.
Amen.
146 Secção 2 Como nasce um compositor em Portugal Percursos 2014
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Alto
Alto
Tenor
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But very articulated q = 60
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Praying fervently As fast as possible
Whisper the words in random order
Praying fervently As fast as possible
Whisper the words in random order
Praying fervently As fast as possible
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Percursos 2014 Secção 2 Como nasce um compositor em Portugal 147
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CAPÍTULO 08
Entre a música e a economia, a
teoria e a prática, a discência e a
docência: breves refl exões sobre o
meu percurso como compositor
Daniel Moreira
Compositor
Jovem Compositor Residente da Casa da Música (2009)
daniel.moreira.83@gmail.com
150 Secção 2 Como nasce um compositor em Portugal Percursos 2014
Nem sempre soube que queria ser compositor. Inicialmente,
pensava seguir as pisadas do meu pai, indo para Engenharia
Civil; depois, quis tornar-me historiador; e, pelos 12 ou 13 anos
de idade, decidi seguir Economia.
Foi na disciplina de Educação Musical, no 2º Ciclo do Ensino
Básico (no 5º ano), que tive o primeiro contacto mais directo com
a música. Com certa surpresa, dei conta de gostar das aulas e de
ter até alguma facilidade na aprendizagem. Um ano depois, em
1994, entrava já para o Conservatório de Música do Porto, em
fl auta de bisel (mais tarde mudaria para guitarra). Nesses primei-
ros anos, porém, não me passava ainda pela cabeça seguir uma
carreira musical. Isso mudaria apenas a partir de 1998, quando
comecei a ter aulas de Análise e Técnicas de Composição (ATC),
com o professor João-Heitor Rigaud. Dava-me um enorme prazer
fazer exercícios de contraponto e de harmonia, talvez porque as-
sim convergia o meu gosto pela música e a minha atracção pela
especulação mais abstracta (incluindo as matemáticas). E logo
senti a necessidade de aprofundar estas matérias, lendo livros te-
óricos sobre música, analisando obras do repertório e começando
a tentar esboçar as minhas primeiras peças.
Terminava, entretanto, em 2001, o ensino secundário. Seguindo
a decisão tomada uns anos antes, entrei para a Licenciatura em
Economia, na Universidade do Porto. Fiquei fascinado com o cur-
so e, durante algum tempo, voltei a colocar a música em segundo
plano. Mas, claro, isso não seria defi nitivo. Na verdade, um con-
junto de experiências fortes que tive em 2004 — incluindo cantar
no Coro do Conservatório com a Orquestra de Música Antiga da
Percursos 2014 Secção 2 Como nasce um compositor em Portugal 151
ESMAE1 e ouvir alguns concertos de música contemporânea —
levaram-me a rever os planos.
Foi assim que, já depois de ter terminado a Licenciatura em
Economia, entrei em 2006 para a Licenciatura em Composição
na ESMAE. A partir daí, a minha vida centrou-se totalmente na
música. Os estudos na ESMAE confi rmaram que era isso o que
eu realmente queria fazer; e, além disso, com as oportunidades
que foram surgindo (como ser Jovem Compositor em Residência
na Casa da Música, em 2009, e ser convidado para dar aulas na
ESMAE e noutras escolas e academias), foi-se abrindo um es-
paço para começar uma carreira musical. Ao mesmo tempo que
desenvolvia a composição, aprofundava também outras áreas na
música, incluindo a investigação teórica e analítica — aspecto
que desde cedo me fascinara. Tudo isso converge na minha situ-
ação actual: envolvido em vários projectos e encomendas como
compositor; leccionando matérias de composição e análise (na
ESMAE); fazendo investigação teórica (no Grupo de Teoria das
Artes do CITAR/UCP2), e prosseguindo estudos de Doutoramento
(no King’s College de Londres).
É este, fundamentalmente, o meu percurso até hoje.
Evidentemente, não é necessariamente representativo do percur-
so típico de um jovem compositor em Portugal (se é que isso exis-
te). Em boa verdade, cada caso é um caso. De qualquer modo,
penso que poderá ser útil apresentar algumas refl exões a pro-
pósito deste percurso, que espero que possam contribuir para o
debate em curso neste simpósio.
1 Escola Superior de Música, Artes e Espectáculo (do Instituto Politécnico do
Porto).
2 Centro de Investigação em Teoria das Artes, da Universidade Católica
Portuguesa.
152 Secção 2 Como nasce um compositor em Portugal Percursos 2014
Contexto familiar
Não havia muitos antecedentes musicais na minha família, com
excepção do meu avô paterno, pianista e acordionista amador
(embora formado no Conservatório). Porém, sempre tive música
em casa, pois tanto os meus pais como o meu tio mais próximo
ouviam muita música (até mais do que viam televisão). Ouviam
especialmente rock anglo-americano, música portuguesa (popu-
lar e de intervenção) e alguma música clássica. Assim conheci e
apreciei, bem cedo, Dark Side of the Moon dos Pink Floyd, Por
Este Rio Acima de Fausto e os Nocturnos de Chopin pela Maria
João Pires.
Disciplinas cruciais (e obrigatórias)
No meu caso, foi fundamental ter tido a disciplina de Educação
Musical no 5º ano. Sem essa experiência, talvez nunca me tivesse
aproximado da música — antes disso, nem sonhava poder gos-
tar de aprender de música. E, mais tarde, no Conservatório, foi
também fundamental ter tido Análise e Técnicas de Composição
(ATC) — antes disso, nem imaginava poder tornar-me composi-
tor. Em suma, o contacto com estas disciplinas foi crucial para
abrir novos horizontes. Curiosamente, nenhuma delas foi propria-
mente uma escolha minha: Educação Musical era uma disciplina
obrigatória, no contexto do 2º Ciclo do Ensino Básico; e, estando
já no Conservatório, a disciplina de ATC era também obrigatória.
Os professores
Fundamentais, também, foram os professores que tive a
sorte de encontrar no meu caminho: não só os de composição
(João Heitor-Rigaud, Dimitris Andrikopoulos, Fernando Lapa e
George Benjamin) como os de teoria e análise musical (Miguel
Ribeiro-Pereira e José Oliveira Martins). Todos eles, em diferen-
Percursos 2014 Secção 2 Como nasce um compositor em Portugal 153
tes momentos e de diferentes formas, foram inspiradores e deter-
minantes para o meu percurso. Julgo que a fi gura individual do
professor tem uma grande importância na formação dos jovens,
especialmente nas artes. Não haverá, provavelmente, um único
colega músico que possa dizer o contrário.
As escolas e os cursos
Essa infl uência inspiradora dos professores, evidentemente,
não tem lugar no vazio, mas no quadro de certas condições ins-
titucionais — a nível de cursos e escolas — que importa também
considerar (ainda que, evidentemente, a qualidade dos professo-
res não lhes seja inteiramente redutível). Deste ponto de vista há,
no meu caso, três momentos fundamentais: a frequência de ATC
no Conservatório (1999-2002); o tempo como aluno na ESMAE
(2006-2010), primeiro na Licenciatura e depois no Mestrado; o
Doutoramento em curso no King’s College de Londres (2012—).
Julgo que cada um deles teve, no meu percurso, as suas vir-
tudes, os seus pontos mais fortes: em ATC, um contacto rela-
tivamente precoce com o rigor das técnicas fundamentais de
composição, em particular ao nível do contraponto e harmonia3;
na ESMAE, um currículo muito rico e abrangente, aliado a um
espírito muito aberto dos professores, que me levou a conhecer
uma grande variedade de práticas musicais, tanto antigas como
(sobretudo) contemporâneas; em Londres, um aprofundamento
do rigor técnico e expressivo na abordagem à composição, num
ambiente extremamente activo, em que há um debate intenso de
ideias entre compositores. Como corolário, diria até que, para um
compositor, me parece ser especialmente importante que passe
3 Este contacto precoce foi possibilitado pelo sistema educativo português, em
que há ensino da composição ao nível de ensino secundário — ao contrário
de muitos outros países, em que este só existe ao nível superior.
154 Secção 2 Como nasce um compositor em Portugal Percursos 2014
por múltiplos espaços, ambientes e culturas, enriquecendo assim
a sua formação.
Fazer e pensar música, para além da composição…
Para que um compositor tenha uma formação equilibrada,
parece-me importante que não estude apenas composição. Em
particular, julgo que tem muito a ganhar em ligar-se a pelo menos
um dos dois seguinte domínios: à teoria e análise musicais; (e/
ou) à performance, seja como maestro, instrumentista ou cantor.
No meu caso, tem sido especialmente importante combinar o tra-
balho compositivo com o trabalho teórico e analítico. Apesar de
serem actividades diferentes, creio que a interacção entre elas é
muito profícua para o compositor, alargando as suas perspectivas
e sugerindo novas formas de pensar e fazer. Mais modesta é a
minha ligação à prática musical. Contudo, não queria deixar de
realçar o facto de ter mantido prática coral ao longo dos últimos
15 anos. Destaco, neste contexto, o facto de cantar, desde 2004,
no Coral de Letras da Universidade do Porto. Entre muitas outras
coisas, também aí aprendi muito de composição (ainda que in-
directamente), sobretudo pela ênfase que o Maestro, José Luís
Borges Coelho, sempre dá a questões de fraseado e expressão.
Nesses dois aspectos fundamentais, aliás, os ensaios do Coral
foram as melhores aulas de composição que tive.
… E para além da música
No meu caso, foi também muito importante ter feito outros
estudos. Em particular, o tempo que passei na Licenciatura em
Economia, de 2001 a 2006, esteve longe de ser um desperdício.
Bem pelo contrário: abriu-me horizontes, deu uma perspectiva
mais alargada da sociedade e trouxe um maior rigor de pensa-
mento lógico (algo também importante na composição). Em ter-
Percursos 2014 Secção 2 Como nasce um compositor em Portugal 155
mos mais gerais, não considero imprescindível que um compo-
sitor faça outros estudos superiores. Se estiver logo decidido a
avançar pela composição, que siga o seu ímpeto! Contudo, pa-
rece-me fundamental que os músicos (e sobretudo os composi-
tores) se não fechem na música, mas estejam abertos a outras
áreas — até porque, frequentemente, surgem daí interessantes
fontes de inspiração para o trabalho compositivo.
A docência
Também a docência tem sido muito importante para o meu tra-
balho como compositor. Ensinar obriga-nos a clarifi car as ideias;
encoraja-nos a conhecer intimamente o repertório e a ler o que
os melhores autores dizem sobre as matérias que abordamos;
e cria um contexto privilegiado de diálogo e interacção com os
alunos, em que, claro, também o professor aprende. Tudo isso é
extremamente útil para o trabalho do compositor. E, além disso,
esse diálogo e interacção é um contrapeso interessante (para fi m,
fundamental) ao carácter mais solitário do trabalho compositivo.
156 Secção 2 Como nasce um compositor em Portugal Percursos 2014
Obra apresentada em concerto:
Da Luz e do Fogo
Notas de Programa:
No livro Poesia: Eugénio de Andrade encontram-se, entre ou-
tros, os seguintes testemunhos: “Eugénio de Andrade é, a par
de Pessanha, o poeta português mais próximo de uma poesia-
-música…” (Óscar Lopes). “É uma poesia que será das raras, na
literatura portuguesa, a transcender um sentimento de frustração
ou (…) de carência, a favor da celebração dos momentos de ple-
nitude…” (Jorge de Sena)
Traduzir Eugénio de Andrade em música é um desafi o alta-
mente estimulante. Desde logo, como diz Óscar Lopes, a matéria
poética é já intrinsecamente musical; e, ademais, o rigor estrutu-
ral e força expressiva da sua poesia são muito sugestivas para o
trabalho do compositor. Assim se procurou, nesta pequena peça
coral, em que se juntam quatro poemas do autor, valorizar o texto
original, nos sons, nos ritmos da prosódia e nos sentidos (primor-
dialmente luminosos) que as palavras transportam.
A peça é dedicada ao Coral de Letras da Universidade do
Porto, ao seu maestro, José Luís Borges Coelho, e à memória de
Fernando-Lopes Graça.
Percursos 2014 Secção 2 Como nasce um compositor em Portugal 157
Texto poético (Eugénio de Andrade)
I - Em louvor do fogo
Um dia chega
de extrema doçura:
tudo arde.
Arde a luz
nos vidros da ternura.
As aves,
no branco
labirinto da cal.
As palavras ardem,
a púrpura das naves.
O vento,
onde tenho casa
à beira do outono.
O limoeiro, as colinas.
Tudo arde
na extrema e lenta
doçura da tarde.
in Obscuro Domínio (1971)
158 Secção 2 Como nasce um compositor em Portugal Percursos 2014
II - Coisas mudáveis
De tão luminosa, essa ferida
já nem dói — ó tão mudáveis
coisas vindas
na palavra, sucessiva
ondulação do mundo
latindo contra o coração,
vagas de sombra ou só de pedra,
canção despedaçada
contra os vidros, fulva
vagabundagem de abelhas,
manhã de junho
tão cedo prometida às areias.
in Ofício de Paciência (1994)
III - Matinal
Que seja fogo e suba ao cume
das águas seminais e duras,
e cante, invada, inunde
— juventude, juventude.
in Até amanhã (1956)
Percursos 2014 Secção 2 Como nasce um compositor em Portugal 159
IV - Mar de setembro
Tudo era claro:
céu, lábios, areias.
O mar estava perto,
fremente de espumas.
Corpos ou ondas:
iam, vinham, iam,
dóceis, leves — só
ritmo e brancura.
Felizes, cantam;
serenos, dormem;
despertos, amam,
exaltam o silêncio.
Tudo era claro,
jovem, alado.
O mar estava perto.
Puríssimo. Doirado.
in Mar de setembro (1961)
160 Secção 2 Como nasce um compositor em Portugal Percursos 2014
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CAPÍTULO 09
Da Quimera à Realidade.
Um autorretrato sobre o rosto
de ser criador
Rafael Araújo
Compositor
Maestro do Royal Voices Choir
rafa_afi fecity@hotmail.com
164 Secção 2 Como nasce um compositor em Portugal Percursos 2014
Numa sociedade industrializada e cosmopolitizada cultural-
mente, a arte passou a ser tratada como mercadoria. Responder
às necessidades do mercado, hoje em dia, é fácil e bastante efi -
caz. Criar uma arte que seja transcendente é muito difícil e tentar
ensinar a raciocinar é uma tarefa quase impossível. Hoje recebe-
mos aquilo que nos oferecem sem questionar e sem responder.
A arte, que outrora era fonte de conhecimento, passou a ser lixo
cultural, e nem na reciclagem ganha outra forma ou outra vida.
O interesse e o grande objetivo da indústria cultural é atingir o
maior número de indivíduos, e ser capaz de mudar qualquer opi-
nião individual transformando o slogan ‘cultural’ em uniformização
mundial. Assim, o grande fator de estupidez e de ignorância é a
alienação promovida pela elite com poder. A arte passa assim a
ser manipulada e as marionetas da sociedade não conseguem
afastar-se e possuir o seu próprio vínculo cognitivo, transforman-
do a geração num invólucro manto de calamidade, idiotice e me-
diocridade. “Já não estamos na ordem nobre da cultura defi nida
como via do espírito, estamos no «capitalismo cultural» em que
as indústrias da cultura e da comunicação se impõem como ins-
trumentos de crescimento e motores da economia” (Lipovetzky,
2011, p.16). A beleza na arte tornou-se a hipótese meramente
involuntária, em que os massifi cadores banalizam o que a arte
tem para oferecer. Graças a essa visão capitalista do mundo a
arte abandonou a sua essência para servir ao poder e à rique-
za. A obra de arte na era da reprodutibilidade técnica, de Walter
Benjamim, refl ete essencialmente sobre o advento das tecnolo-
gias de reprodução, que produziam obras de arte universalmente
acessíveis ao público. Considerou que a proliferação de reprodu-
Percursos 2014 Secção 2 Como nasce um compositor em Portugal 165
ções artísticas aniquilava a singularidade das obras de arte, a sua
“aura”, a sua originalidade, a sua autenticidade. “Este processo
tecnológico, que levava a arte às massas, caminhava de acordo
com o movimento das próprias massas. Na sua ação atrofi ava a
“aura” da obra de arte, entendida como uma “manifestação única
de uma lonjura, por muito próxima que esteja” (Benjamim, 1992,
p. 81).
Neste pano de fundo, a minha vocação e o meu interesse pela
composição deveu-se, em grande parte, à busca incessante do
desconhecido que me ultrapassa. A minha economia cultural e
espiritual começou a crescer quando tinha 17 anos de idade, com
a intelectualidade e o coração do compositor Rudesindo Soutelo.
Cresci com um estímulo e com uma riqueza muito grande, tor-
nando-me capaz de pensar e transgredir. Assim, os olhos da arte
construíram-se no laço da procura, da sabedoria e do respeito
pela música.
O papel do Sistema Educativo Português é sem dúvida defi -
citário devido à formatação da informação e ao progressivo re-
ducionismo das capacidades criativas dos alunos. Como afi rma
Sir Ken Robinson, “education is the system that’s supposed to
develop our natural abilities and enable us to make our way in
the world. Instead, it is stifl ing the individual talents and abilities of
too many students and killing their motivation to learn. (…) If you
live in a world where every lesson is 40 minutes, you immediately
interrupt the fl ow of creativity” (Robinson, 2006). Seguindo esta li-
nha de pensamento existem questões que são relevantes no âm-
bito da pedagogia musical e no que respeita ao desenvolvimento
da ‘inteligência criativa’ das crianças. Apesar da necessidade de
sujeitos criativos que tem a sociedade, a instituição escolar não
tem contribuído para fomentar o pensamento criativo na aprendi-
166 Secção 2 Como nasce um compositor em Portugal Percursos 2014
zagem. Hickey & Webster enumera algumas das características
que qualifi cam uma pessoa como criativa, e são “risk taking, a
sense of humor, attraction to ambiguity, open mindedness, a ca-
pacity for fantasy, and perceptiveness” (Hickey & Webster, 2001,
p.19). Observa-se que o processo de aprendizagem da música,
nas instituições responsáveis pelo ensino especializado, é linear
e que não exige uma transversalidade de conhecimentos e epis-
temologias. Na perspetiva de Keith Swanwick (2003) a educa-
ção formal das escolas tende a produzir indivíduos conformistas,
estereotipados, e não indivíduos criativos. Muito pelo contrário,
o objetivo primordial dum projeto musical criativo seria que as
crianças fossem capazes de identifi car e perscrutar a estrutura,
a forma e as técnicas da obra interpretada desenvolvendo com
sucesso as aprendizagens realizadas. O pensamento criativo é
um instrumento, uma estratégia cognitiva constituída por modos e
situações signifi cativas de abordagem de um determinado objeto
de estudo, em que o sujeito institui a sua própria estratégia de
aprendizagem, abrindo espaço à interrogação em vez da acei-
tação unidirecional e passiva da informação. No ensino criativo,
o papel do professor é criar problemas e estimular os alunos a
encontrarem as respostas. Com esta conduta pedagógica, a sala
de aula/formação musical deve dar ênfase à improvisação e à
composição.
Como afi rma Peter Baxrainer (2003) “Kreativität ist nicht auss-
chließlich genialen Menschen zuzuordnen, sondern als etwas all-
gemein Menschliches zu verstehen“ 1 (Baxrainer, 2003, p. 3)
“Embarcar, embarcar sempre, acreditando cada vez menos
nos portos de chegada (…). Não me tentam nada as estradas que
1 A criatividade não é atribuída exclusivamente aos génios, mas como algo
que todas as pessoas entendem. (Trad. do autor)
Percursos 2014 Secção 2 Como nasce um compositor em Portugal 167
vão de um porto a outro, de que sabemos à partida a quilometra-
gem e a direção; tentam-me as estradas que não vão dar a ne-
nhum ponto (…) embarcar num navio que nunca chegará, rumar
por mapa e bússola ou goniómetro para o porto que não existe”
(Silva, 1945, p. 247). É esta a frase que esclarece o percurso que
estou a realizar no campo da composição. O de descoberta por
caminhos que desconheço, por vales incertos rumo a um horizon-
te infi nito de possibilidades.
No futuro acho que se deve lutar contra a taxonomia,
formatação e rotulação. Fazendo uma anotação à fi losofi a
de Schafer o ensino poderá resumir-se a uma única palavra,
“ephtah!” (Schafer, 2011, p. XV) que signifi ca “abre-te”, e que nos
sugere abrir os ouvidos para perceber os diversos sons existen-
tes no mundo. O ensino da criação não deve ser circunscrito ao
contexto sala de aula, deve apoiar e colocar questões que levem
o aluno a realizar uma constante metacognição, desenvolvendo
as suas capacidades criadoras e estimular o desenvolvimento da
sua própria linguagem. Que os alunos se encontrem a si mesmos
e aprendam a aprender, lutando pelo avanço da cultura e pela
valorização da arte.
168 Secção 2 Como nasce um compositor em Portugal Percursos 2014
Referências
Baxrainer, P. (2003). Musikalische Kreativität und Ihre Psychologischen
erklärungsmodelle. Seminararbeit, Studienrichtung „Musikerziehung -
Lehramt an höheren Schulen“. Salzburg: Universität Mozarteum.
Benjamin, W. (1992). A Obra de Arte na Era da sua Reprodutibilidade
Técnica, in Sobre Arte, Técnica, Linguagem e Política. Lisboa:
Antropos-Relógio D’Água Editores, vol. 1, pp. 71-113.
Hickey, M. & Webster, P. (2001). Creative thinking in music. Music
Educator Journal. 88(1), pp. 19-23.
Lipovetsky, G. & Juvin, H. (2011) O Ocidente Mundializado: Controvérsia
sobre a cultura planetária. Lisboa: Edições 70.
Robinson, K. (Fevereiro de 2006). Do Schools Kill Creativity? Ted
Speech, http://www.ted.com/talks/ken_robinson_says_schools_kill_
creativity.html.
Schafer, R. M. (2011). O ouvido pensante. São Paulo: UNESP.
Silva, A. da. (1945). Sete Cartas a um Jovem Filósofo, in Textos e
Ensaios Filosófi cos I, pp. 231-285. Edição do Autor.
Swanwick, K. (2003). A basis for music education. London: Taylor &
Francis E-Library.
Percursos 2014 Secção 2 Como nasce um compositor em Portugal 169
Obra apresentada em concerto:
Cinco Motetes Bíblicos
Notas de Programa:
Cinco Motetes Bíblicos é uma obra coral que se apoia e se
veste com as palavras da Sagrada Escritura. A conceção da obra
centra-se em diferentes processos de retórica poético-musical,
utilizando um contraponto vivo entre o texto e os processos es-
truturais da obra. Utilizam-se vários textos no qual demonstram
a violência, o infortúnio, a adversidade e a morte do Homem. No
último motete todo o sofrimento e todos os obstáculos se trans-
formam na exaltação da vida, num agradecimento à vida com a
palavra «Aleluia».
170 Secção 2 Como nasce um compositor em Portugal Percursos 2014
Texto Poético
I. Crucifi xus
Crucifi xus étiam pro nobis,
Sub Pontio Piláto passus et sepultus.
Et ressurexit tertia die, Secundum Scripturas
Et ascendit in caelum, sedet ad dexteram Patris.
(Credo Niceno-Constantinopolitano)
I. Crucifi cado
Por nós foi crucifi cado,
Sob Pôncio Pilatos, padeceu e foi sepultado
Ressucitou ao terceiro dia conforme as Escrituras
E subiu aos Céus onde está sentado à direita do Pai.
II. Semitam meam
Semitam meam circumsepsit et transire
Non passum et in calle meo tenebras possuit.
Spoliant me Gloria mea et abstulit coronam de capite
meo;
Destruxit me undique et pereo
Et quasi evulsae arbori abstulit speam meam.
(Livro de Job 19, 8-10)
II. O meu caminho
O meu caminho ele fortifi cou, e já não posso passar
E nas minhas veredas pôs trevas.
Da minha honra me despojou; e tirou-me a coroa da minha
cabeça;
Destruiu-me de todos os lados,
E arrancou a minha esperança, como uma árvore.
Percursos 2014 Secção 2 Como nasce um compositor em Portugal 171
III. Deus, propitious esto mihi peccatori
«Deus, propitius esto Mihi peccatori».
Dico vobis descendit hic iustifi catus in domum suam
Ab illo quia omnis qui se exaltat humiliabitur
Et qui se humiliat exaltabitur.”
(Lucas 18, 13-15)
III. Deus, tem misericórdia de mim, pecador
«Ó Deus, tem misericórdia de mim, pecador»
Digo-vos que este desceu justifi cado para a sua casa, e não
aquele;
Porque qualquer que a si mesmo se exalta será humilhado,
E qualquer que a si mesmo se humilha será exaltado.”
IV. Traditio corpus
“Ei qui te percutit in maxillam praebe et alteram
Et ab qui aufert tibi vestimentum etiam tunicam moli
prohibere”
(Lucas 6, 29)
IV. Entrega do corpo
“Ao que te ferir numa face, oferece-lhe também a outra;
E ao que te houver tirado a capa, nem a túnica recuses.”
V. Aleluia
Aleluia, Aleluia, Aleluia.
172 Secção 2 Como nasce um compositor em Portugal Percursos 2014
Percursos 2014 Secção 2 Como nasce um compositor em Portugal 173
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senza
misura
V. "Aleluia"
CAPÍTULO 10
Composição.
Um percurso de conhecimento
interior
Tiago Lestre
Compositor
lestre@hotmail.com
176 Secção 2 Como nasce um compositor em Portugal Percursos 2014
“Quanto mais interiormente rico o homem se sente hoje, quan-
to mais polifônica a sua subjetividade, tanto mais poderosamente
age sobre ele o equilíbrio da natureza” (Nietzsche, p. 63)1.
Optei por iniciar este texto com uma citação de Nietzsche, pois
a minha forma de pensar a música e o mundo vai ao encontro
de uma ideia por ele defendida: o enaltecimento do indivíduo em
detrimento da mentalidade social. Assim sendo, falo sempre pela
minha experiência própria: dentro do Mundo, existem vários mun-
dos criados por cada indivíduo; cada um pode viver no seu mun-
do, que só a ele faz sentido, ainda que partilhe o mesmo espaço
físico e temporal com aqueles que o rodeiam.
Desta forma, o ato de compor é um ato único que difere de in-
divíduo para indivíduo. Fazer música é uma forma de comunicar,
e esta forma de comunicação só pode acontecer quando cada
participante de uma conversa reconhece o seu discurso, isto é, o
seu “eu” interior.
Acredito que um ato tão íntimo como compor não pode ser
esquematizado como uma fórmula matemática; não existe um
processo que se pode seguir para atingir o sucesso.
Um compositor deve, como qualquer artesão ou profi ssional
de qualquer área, treinar a técnica da sua arte. Contudo, há uma
linha que separa um exercício técnico de uma obra musical. Para
o seu crescimento musical, um compositor deve respeitar e ana-
lisar cuidadosamente a tradição que procura seguir. No entanto,
respeitar não implica copiar ou até mesmo gostar: deve apren-
1 Tradução do autor. (“the richer a man feels within himself, the more polyphonic
his subjectivity is, the more powerfully is he impressed by the uniformity of
nature”).
Percursos 2014 Secção 2 Como nasce um compositor em Portugal 177
der as regras dos seus antecessores, para aprender a quebrá-las
com a sua perícia musical.
Dominada a técnica, há que rumar à descoberta do “eu” inte-
rior, sem esquecer que único caminho presente no ato de compor,
é o caminhar: “Caminante, no hay camino, se hace camino al an-
dar” (Machado, p. 229).
Como nasce então uma vocação para a composição? Esta é
uma questão com a qual me deparei várias vezes ao longo do
meu curto percurso de vida, e creio não haver uma resposta certa,
mas várias. No meu caso particular, compor foi uma necessidade
que germinou em mim, paulatinamente, desde a minha infância.
No meio onde cresci, entre os meus amigos, a palavra era o
meio de comunicação que imperava; no entanto, foi um discurso
que nunca dominei na perfeição, sendo que ainda hoje as pa-
lavras fogem-me entre os dedos quando me procuro expressar.
Onde me sentia e sinto bem em comunicar, era através da música.
O meu pai, que vinha de uma família de músicos fi larmóni-
cos e sempre foi um grande amante de música, transmitiu a cada
um dos meus irmãos este apreço pela música, o que tornou o
ambiente familiar num ambiente musical. Somos cinco irmãos, e
todos com formação musical ao nível básico. Isto fez com que o
discurso musical se desenvolvesse entre todos, e começássemos
a comunicar, entre outros, através de música.
Iniciei os estudos em piano aos 6 anos, mas foi nas aulas de
Análise e Técnicas de Composição (ATC), por volta dos 15 anos,
que comecei a ganhar consciência do ato de compor, sendo que
até então o fazia “de ouvido” ou por intuição. Interiorizadas muitas
das técnicas, comecei a compreender que era precisamente este
desenvolver do processo criativo que despertava o meu interesse
musical e pessoal. Aqui comecei a dominar o meu discurso e a
178 Secção 2 Como nasce um compositor em Portugal Percursos 2014
transmissão das minhas ideias através da música.
Apesar de me ter permitido compreender a tradição musical
que procurava estudar, o que como mencionei anteriormente
considero de extrema importância na carreira dum compositor,
creio que foi uma disciplina um pouco redutora nos conteúdos
transmitidos. Ao focar demasiado período curricular nos perí-
odos barroco, clássico e romântico, o tempo a estudar música
contemporânea foi praticamente nulo. Apesar de reconhecer que
esta indignação se deve principalmente ao facto de ter optado
por seguir composição no ensino superior e adotar uma postura
contemporânea, creio que o programa deveria ser reestruturado
de forma a que seja dado um maior enfoque ao que se anda a
desenvolver no mundo agora, ao invés de dedicar apenas três
meses para o estudo da música que decorreu desde o século XX
até aos nossos dias.
No ensino superior, na Universidade de Aveiro, participei em
algumas discussões com colegas do curso de música, alguns da
mesma área vocacional outros de performance. Nestes debates,
a conclusão tendia a ser unânime: o curso necessita reestrutu-
ração. O que deveria ser um ensino especializado, tinha tantas
ramifi cações que não permitia o estudo intensivo na área vocacio-
nal. O problema contudo é que estas disciplinas que denominei
de “ramifi cações”, eram disciplinas importantes para o desenvol-
vimento do conhecimento e cultura musical.
Como resolver então esta situação, permitindo uma maior car-
ga horária para estudo da área vocacional, sem, contudo, eliminar
estas disciplinas “secundárias” do programa?
A meu ver, o ensino musical em Portugal impulsiona muitos
músicos talentosos a descobrirem o seu valor, e a encontrarem o
seu caminho. No entanto, necessita um olhar atento aos conteú-
Percursos 2014 Secção 2 Como nasce um compositor em Portugal 179
dos programáticos, para fomentar a educação musical com uma
maior efi cácia, desde o ensino básico até ao ensino superior.
Esta reestruturação, a meu ver, iria permitir um estudo das tra-
dições musicais muito mais efi caz, e jovens compositores como
eu teriam mais tempo para apostar na criação musical e na busca
do “eu” interior, o fator mais importante na criação musical; eu
apenas recentemente descobri o meu lugar no mundo da música.
Após várias experiências nos variados campos da música,
cheguei à conclusão que onde me sinto mais à vontade é em fren-
te a um computador. É na música electrónica que o meu processo
criativo trabalha com maior fl uidez. Assim, procurei preparar um
concerto este ano, e explorar formas de tornar a música electróni-
ca mais cativante em concerto.
No ano passado decidi preparar uma peça, “That Fateful
Night”, aliando música com dança. Este concerto fez-me perceber
que o público reage bem melhor a uma performance quando tem
um suporte visual. Desde então tenho procurado fazer música
tendo em mente a colaboração com diferentes campos artísticos,
montando espetáculos multimédia.
Referências
Nietzsche, F. W. (1999). Human, all too human: a book for free spirits
(1878). Cambridge: Cambridge University Press.
Machado, A. (1917). Poesias Completas (1899-1917). Madrid: Imp. de
Fortanet. Publicaciones de la Residencia de Estudiantes, Serie IV. –
vol. 7.
180 Secção 2 Como nasce um compositor em Portugal Percursos 2014
Obra apresentada em concerto:
Vitam Aeternam
Notas de Programa:
Vitam Aeternam surgiu em 2011 como um exercício de com-
posição que procurava montar uma imagem sonora, baseada no
texto, o Credo dos Apóstolos. A sua criação foi suportada pelos
acordes iniciais. O objetivo desta obra foi explorar caminhos so-
noros, sem se cingir a classifi cações redutoras como “música
tonal” ou “atonal”. Desta forma, coloca em contraponto secções
atonais e tonais, explorando sempre os intervalos apresentados
pelo acorde inicial. Assim, cruza constantemente a linha ténue
que separa o tonalismo do atonalismo. Esta recusa de linearidade
na obra (tonal/atonal) é um refl exo também da própria fi losofi a do
compositor sobre a Igreja Católica, assim como as imagens sono-
ras que se erguem associadas ao texto.
Percursos 2014 Secção 2 Como nasce um compositor em Portugal 181
Texto poético:
Credo dos Apóstolos (Latim)
Credo in Deum Patrem omnipotentem, Creatorem caeli et
terrae,
et in Iesum Christum, Filium Eius unicum, Dominum
nostrum,
qui conceptus est de Spiritu Sancto, natus ex Maria
Virgine,
passus sub Pontio Pilato, crucifi xus, mortuus, et sepultus,
descendit ad ínferos, tertia die resurrexit a mortuis,
ascendit ad caelos, sedet ad dexteram Dei Patris
omnipotentis,
inde venturus est iudicare vivos et mortuos.
Credo in Spiritum Sanctum,
sanctam Ecclesiam catholicam, sanctorum
communionem,
remissionem peccatorum,
carnis resurrectionem,
vitam aeternam.
Amen.
182 Secção 2 Como nasce um compositor em Portugal Percursos 2014
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Tiago LestreOs Doze Apóstolos
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3
S 3
A
Org.: Eugénia Moura
CAPÍTULO 11
(Des)encantos e (des)ilusões na
gestão de uma escola artística
Ana Maria Caldeira
Diretora do Conservatório de Música Calouste Gulbenkian
de Braga
cmcg.diretora@gmail.com
188 Secção 3 A gestão no ensino da música Percursos 2014
1. Contexto organizacional em análise: O Conservatório de
Música Calouste Gulbenkian de Braga
O Conservatório de Braga nasce na cidade em 1961 e existe
no seu modelo integrado desde o ano letivo 1971/72. De acordo
com o Decreto-Lei n.º 352/93, de 7 de outubro, foi assim redefi -
nida a sua missão: o Conservatório é uma escola básica e se-
cundária pública especializada no ensino da música, cabendo-lhe
proporcionar formação especializada de elevado nível técnico,
artístico e cultural nessa área (...). Pela Portaria n.º 1196/93, de
13 de novembro, aprovaram-se os planos curriculares dos cursos
ministrados, do 1º ciclo do ensino básico ao ensino secundário,
que atualmente foram alterados pela Portaria nº 225/2012, de 30
de julho (curso básico) e pela Portaria nº 243-B/2012, de 13 de
agosto (curso secundário).
Estamos, portanto, perante uma escola artística pública, onde
no mesmo edifício os alunos podem frequentar do 1º ano ao 12º
ano, com planos curriculares próprios, em que a área vocacional
está bem presente, em detrimento da formação geral, na qual é
visível uma diminuição da carga semanal horária, estabelecendo
o paralelismo com os mesmos anos de escolaridade noutros agru-
pamentos. No ensino secundário há a possibilidade de escolha
entre quatro cursos, sendo todos eles específi cos da área da mú-
sica: canto, composição, formação musical e instrumento. Existe
ainda a modalidade de curso supletivo no ensino secundário.
2. As políticas educativas centralistas e a gestão das escolas
O sistema educativo português tem tido como marca dominan-
Percursos 2014 Secção 3 A gestão no ensino da música 189
te ao longo dos tempos o seu pendor centralista, em que as polí-
ticas educativas são decididas de cima para baixo através de um
pesado quadro legislativo. Com alguns esboços de rutura durante
o período revolucionário resultante do 25 abril e por último com a
reforma iniciada nos anos 90, o sistema evidenciou sempre uma
grande apetência para decidir e controlar a partir da administra-
ção central, não prestando um mínimo de atenção aos interesses
específi cos de nível regional e às especifi cidades das escolas,
nomeadamente as artísticas.
Atualmente, vive-se um tempo que aparentemente parece de
mudança! Os meios de comunicação social realçam constante-
mente algumas medidas (promessas) oportunas e de impacto,
em que o MEC dá à escola e à comunidade onde esta se insere
um grande protagonismo, mas na verdade, quanto às orientações
da sua ação educativa, o controlo nunca foi tão sentido, tão real,
tão efi caz. O plano tecnológico modernizou as escolas e inovou
no controlo à distância.
Para a administração central nunca foi tão fácil controlar as
escolas e podemos afi rmar que nada lhe escapa, usando as pla-
taformas eletrónicas. As “orientações “ para um “plano de ação”
chegam por correio eletrónico e, após um espaço temporal que é
dado para a sua execução, geralmente muito curto, o “plano de
ação” é verifi cado e conferido na respetiva plataforma. Depois
pode vir a ser inspecionado in loco. Os Conservatórios de ensino
especializado da música, enquanto escolas artísticas públicas,
também vivem o seu quotidiano a preencher plataformas e, se
tiverem o ensino integrado, como é o caso do Conservatório de
Braga, vivem momentos de verdadeiro tormento ao adaptar o mo-
delo formatado para as escolas de ensino genérico, para o seu
modelo.
190 Secção 3 A gestão no ensino da música Percursos 2014
O decreto-lei nº 115-A/98 proclamava o seguinte: “A autonomia
constitui um investimento nas escolas e na qualidade da educa-
ção, devendo ser acompanhada, no dia-a-dia, por uma cultura de
responsabilidade partilhada por toda a comunidade educativa. [...]
a aprendizagem quotidiana da autonomia, em termos que favore-
çam a liderança das escolas, a estabilidade do corpo docente e
uma crescente adequação entre o exercício de funções, o perfi l
e a experiência dos seus responsáveis.” As escolas, apesar de
terem consciência das difi culdades de uma verdadeira autonomia
fi nanceira, sempre confi arem na sua liderança em outras verten-
tes fundamentais, como na sua atuação cultural, pedagógica e
administrativa e a sua capacidade de diálogo com a comunidade
em que se inserem. E, momentos houve, em que se acredita-
va que se caminhava para uma emancipação responsabilizada e
partilhada com a comunidade e o Ministério da Educação.
O prosseguimento deste caminho culminou com a publicação
do Decreto-Lei nº75/2008, de 22 de abril, que introduz alterações
ao regime jurídico de autonomia, administração e gestão escolar.
Reforça a participação das famílias e comunidades na direção
estratégica dos estabelecimentos de ensino, promovendo a aber-
tura das escolas ao exterior e a sua integração nas comunida-
des locais. Assim, tornou-se necessário assegurar não apenas
os direitos de participação dos agentes do processo educativo,
designadamente do pessoal docente, mas também a efetiva ca-
pacidade de intervenção de todos os que mantêm um interesse
legítimo na atividade e na vida de cada escola.
Este decreto-lei é revogado pelo Decreto-lei nº 137/2013, de 2
de julho, onde se pretende que a autonomia da escola se concre-
tize “através de competências próprias em vários domínios”, no
entanto a lei continua a não ter correspondência prática no dia-a-
Percursos 2014 Secção 3 A gestão no ensino da música 191
-dia das escolas, o que leva à desconexão e à disfuncionalidade
entre o conceito de autonomia para as escolas e para a adminis-
tração educativa.
3. As difi culdades e ilusões da Direção de uma escola
É neste contexto que é necessário estudar a conexão entre
uma política curricular e uma política organizacional escolar, onde
se manifesta o desenvolvimento profi ssional dos professores
como profi ssionais refl exivos e essenciais para o sucesso peda-
gógico da instituição em causa. A Direção tem de analisar quais
as condições escolares, institucionais e laborais que propiciam
as estratégias formativas mais adequadas à efi cácia da organiza-
ção. O Projeto Educativo, concebido como eixo fundamental de
uma escola autónoma, onde se pretende que seja a expressão
de um conjunto de vontades concertadas no seio da comunidade
escolar, fomenta as relações interpessoais e de responsabiliza-
ção coletiva, em que cada escola/agrupamento cria e desenvolve
as condições que lhe permitem afi rmar a sua autonomia cultural,
pedagógica e administrativa.
As políticas educativas deviam procurar motivar, incentivar,
cooperar com as Direções das escolas e, assim, contribuir para
que alunos, professores e pais sintam a escola como sua, por-
que a autonomia confere a vitalidade organizacional necessária
para pôr em marcha processos, ações, estruturas e recursos no
sentido da concretização dos objetivos organizacionais estratégi-
cos que conferem sentido à ação educacional, capaz de mobili-
zar os diversos atores intra e extraescolares em função de metas
comuns.
Neste sentido Eugénio Silva (1990, p. 91) reforça a impor-
tância do Projeto Educativo como ação estratégica fundamental
para a gestão escolar: “O Projeto Educativo de Escola constitui a
192 Secção 3 A gestão no ensino da música Percursos 2014
“alma” da gestão escolar (…) garante-se um modo de intervenção
calculada e uma liderança capaz de mobilizar a participação dos
diferentes atores escolares nas tarefas do desenvolvimento orga-
nizacional escolar.”
A construção do projeto educativo é no seu processo de ela-
boração um espaço de liberdade, de participação e de conquista.
Para Costa (2003, p. 1330) se as escolas querem mesmo mudar,
construir a sua autonomia e melhorar o seu funcionamento, na
construção dos seus projetos de escola, nomeadamente Projeto
Educativo, não podem esquecer “três dimensões: participação,
estratégia e liderança. Requisitos essenciais ao processo de
construção e de desenvolvimento sustentado (…).” As escolas
não esquecem e sonham todos os dias com a construção da sua
autonomia pedagógica.
4. A gestão dos recursos fi nanceiros: fazer muito com pouco
A perceção de que tudo é importante, urgente e necessário
fazer na escola, deve ser devidamente contrabalançada pela in-
trodução de elementos de planifi cação e enquadramento. Neste
caso, gerir é decidir sobre duas lógicas distintas que por vezes
podem ser confl ituais, mas que há toda a vantagem em conciliar:
“a lógica do desejo e a lógica da ação possível”.
Esta planifi cação ainda se torna mais evidente e absolutamen-
te necessária quando se trata de gerir recursos fi nanceiros, cujas
previsões orçamentais são condição obrigatória. Há que sele-
cionar o que é prioritário, absolutamente necessário e identifi car
como uma necessidade. Dependendo do valor, assume-se um
compromisso de cabimento orçamental, senão é decidido em reu-
nião do Conselho Administrativo, usando-se os acordos-quadro
do MEC e a plataforma das compras públicas. Na gestão dos
recursos fi nanceiros o Conselho Administrativo tem que respeitar
Percursos 2014 Secção 3 A gestão no ensino da música 193
as diferentes rubricas e valores do OE (orçamento de estado) atri-
buído à escola, os valores enviados para a conta da ASE (ação
social escolar) e as receitas que a escola gere para o seu OP
(orçamento privativo). Nas despesas de uma escola do ensino
especializado da música existem rubricas que atingem valores
exorbitantes, com a manutenção dos instrumentos, afi nação dos
pianos, aluguer de partituras, direitos de autor à SPA e a compra
constante de partituras.
5. A gestão dos recursos humanos: a grande fragilidade do
sistema
Os professores do Conservatório da área vocacional estão
repartidos por muitos grupos de recrutamento (do M1 ao M33),
correspondentes a cada uma das disciplinas instrumentais. Os
docentes da área da música são 50% do quadro de escola, sen-
do os restantes contratados anualmente. A escola vive há muitos
anos com fragilidade, ou seja, precariedade. Quase sempre os
mesmos docentes que todos os anos são contratados. Os docen-
tes da formação geral são em muito menor número e apresentam
uma maior estabilidade profi ssional distribuída entre professores
do QE e QZP.
O Conservatório dispõe de poucos assistentes operacionais
face à dimensão e complexidade arquitetónica do edifício e ao
facto da quase totalidade dos alunos permanecerem todo o dia na
escola, servindo-se diariamente mais de 400 refeições. Por outro
lado, o horário de abertura da escola é entre as 7:00 e as 22:00,
que pressupõe a distribuição do pessoal não docente neste es-
paço temporal, com a agravante de muitas vezes este horário
ser alargado até às 23:30 e fi ns-de-semana, com a realização de
um elevado conjunto de atividades que o Conservatório dinamiza.
Gerir recursos humanos é para Carvalho (2006, p. 71) “compa-
194 Secção 3 A gestão no ensino da música Percursos 2014
tibilizar interesses por vezes antagónicos de ambas as partes”,
na verdade é ter que pedir constantemente colaboração e com-
preensão, sem poder dar nada em troca, a não ser o elogio e o
agradecimento constantes. Constituem uma fragilidade do siste-
ma, porque quando deixarem de “dar muito, por tão pouco”, as
escolas vão entrar em rutura.
6. Apelo à competência, ao rigor, à motivação, à responsabi-
lidade e à efi cácia
O CMCG tem sido reconhecido pela qualidade e rigor do seu
ensino vocacional e pelos seus ótimos resultados escolares.
Continuaremos nesta luta de garantir as melhores prestações de
serviço educativo, assim como ter uma ação de relevo na cultura
musical da comunidade. Nesta perspetiva de melhoria constante,
as escolas de música devem implementar um processo de avalia-
ção interna e lutar por alcançar os seguintes objetivos:
Aprofundar o conhecimento da escola, apurando “pontos
fortes” e “pontos fracos”, no âmbito do funcionamento e
gestão de recursos, desempenho dos órgãos de gestão
e orientação educativa, práticas educativas e resultados
escolares, relação com as famílias e o meio envolvente,
entre outros aspetos;
Fomentar práticas refl exivas, de cooperação e de
concertação entre os diversos atores da comunidade
educativa, tendo em vista a solução dos seus problemas;
Promover a melhoria da qualidade dos processos de ensino/
aprendizagem, da sua organização e dos seus níveis de
efi ciência e efi cácia;
Assegurar o sucesso educativo, promovendo uma cultura
musical de qualidade e de exigência;
Fomentar e promover parcerias e protocolos para uma
Percursos 2014 Secção 3 A gestão no ensino da música 195
melhor sustentabilidade do seu impacto na comunidade.
“A preocupação pela efi cácia dos sistemas, dos processos e
das práticas, já não é, hoje, uma mera questão de opção, é um
verdadeiro imperativo de sobrevivência. (…) Para progredir, ino-
var e superar-se nesta nova era, é necessário ir para além da
excelência”, afi rma Mário Ceitil (2006, p. 187).
Por outro lado, reafi rmaria em jeito de conclusão, o que es-
crevi em 2001: “A modernização do sistema educativo ao passar
pela descentralização e por um investimento nas escolas como
centros de inovação, convida estas a lutarem por uma maior fl e-
xibilidade administrativa, curricular e pedagógica que, de alguma
forma, foi o que sempre caracterizou o ensino artístico (rutura
com as práticas normativistas), e que parece incompatível com a
inércia burocrática que normalmente caracteriza a escola portu-
guesa. Mas se cada escola é uma escola, esta diversidade deve
ser encarada como a maior riqueza e fonte de inovação do nosso
sistema educativo, pois é a partir da relação dialética entre a ino-
vação e o institucionalizado que nascem os Projetos Educativos
de Escola” (Ferreira: 2001, p. 208).
196 Secção 3 A gestão no ensino da música Percursos 2014
Referências
Carvalho, J. E., Rocha, F., Raposo R., Duarte, M.I. (2006). Novo Para-
digma de Gestão de Recursos Humanos para o século XXI. Lisboa:
Universidade Lusíada Editora.
Ceitil, M. (2006). Gestão de Recursos Humanos para o século XXI.
Lisboa: Ed. Sílabo.
Costa, J. A. (2003). “Projetos Educativos das Escolas: Um Contributo
para a sua (Des)Construção” in Educação e Sociologia (vol. 24). SP:
Campinas.
Ferreira, A. C. (2001). Uma escola de ensino integrado da música: um
paradigma de confl itos socio-organizacionais. Braga: Universidade do
Minho, Dissertação de Mestrado.
Silva, E. (1999). “Gestão Estratégica e Projeto Educativo” in Escola e
Projeto. Braga: Cadernos do Centro de Formação Braga/Sul.
Referências Legislativas
Decreto-Lei nº 352/93, de 7 de outubro.
Portaria nº 1196/93, de 13 de novembro.
Portaria nº 225/2012, de 30 de julho.
Portaria nº 243-B/2012, de 13 de agosto.
Decreto-Lei nº 115-A/98, de 4 de maio.
Decreto-Lei nº 75/2008, de 22 de abril, revogado pelo Decreto-lei nº
137/2013, de 2 de julho.
CAPÍTULO 12
Os apoios do FSE
ao ensino da música
Alexandra Vilela
POPH
alexandra.vilela@poph.qren.pt
198 Secção 3 A gestão no ensino da música Percursos 2014
1. E
Escolas Profi ssionais de Musica
Os apoios FSE ao ensino da música foram concretizados ex-
clusivamente, até 2011, através do apoio às escolas profi ssionais
de música, no âmbito do desenvolvimento do ensino profi ssional
em Portugal, integrando cursos de nível básico e secundário, os
quais têm vindo a ser objeto de fi nanciamento comunitário nos
diferentes períodos de programação desde 1994 (PRODEP II,
PRODEP III e agora POPH – Tipologia 1.2 – Cursos Profi ssionais).
Atualmente são apoiadas pelo POPH/FSE 5 escolas profi ssio-
nais de música, genericamente situadas na região norte, envol-
vendo cerca de 750 alunos (para a totalidade dos cursos de nível
básico e secundário, sendo que cerca de 300 alunos frequentam
cursos de nível básico).
Para além da oferta específi ca promovida pelas referidas es-
colas profi ssionais de música, é de referir igualmente a existência
de cursos profi ssionais de nível secundário desenvolvidos por es-
colas de música e escolas secundárias em articulação com con-
servatórios, envolvendo cerca de 450 alunos apoiados.
Podemos assim concluir estarem a ser abrangidos cerca de
1200 alunos no apoio aos cursos profi ssionais de música.
Ensino Artístico Especializado (EAE)
Em 2010, no contexto da revisão do POPH, foi introduzida uma
nova tipologia – 1.6 “Ensino Artístico Especializado”, destinada ao
apoio aos cursos de nível básico do ensino artístico especializado
(EAE), apoiando 79 escolas privadas das regiões convergência
– Norte, Centro e Alentejo e envolvendo cerca de 21.000 alunos.
Este apoio tem sido concretizado desde esse ano, designa-
damente através do fi nanciamento POPH/FSE aos anos letivos
seguintes – de 2011/2012 a 2013/2014.
Percursos 2014 Secção 3 A gestão no ensino da música 199
2. E FSE 2007-2013
Balanço dos fatores positivos e negativos
Os principais aspetos a destacar na evolução do fi nancia-
mento comunitário ao ensino da música ao longo do período do
QREN devem ser analisados de forma segmentada, conforme as
Tipologias de Intervenção que operacionalizam os apoios:
Cursos Profi ssionais de Musica
Positivo Negativo
Manutenção da elegibilidade
dos cursos profi ssionais de ní-
vel básico – área de instrumento,
permitindo uma fi leira formativa
coerente e integrada.
Instabilidade na elegibilidade
dos cursos de nível básico,
que traduz uma efetiva inde-
fi nição por parte do MEC em
relação a este segmento da
oferta – introdução sistemática
de normas transitárias a título
excecional nos regulamentos
POPH.
Introdução de mecanismos de
fi nanciamento simplifi cados –
custo turma, que veio introduzir fl e-
xibilidade na gestão das escolas.
Difi culdades na construção
da rede de ofertas a nível re-
gional/local (autorização dis-
persa de custos profi ssionais
de música em escolas não es-
pecializadas e sem capacidade
instalada).
Ensino Artístico Especializado (EAE)
Positivo Negativo
Possibilidade de crescimento
da rede de nível básico – au-
mento da oferta de nível básico
e crescimento dos encargos fi -
nanceiros gerais assumidos pelo
FSE em comparação o OE MEC
e conhecidas limitações.
Desadequação do modelo de
fi nanciamento FSE às especi-
fi cidades do ensino artístico
(reduzido volume de formação e
dimensão das turmas, com forte
componente de ensino individua-
lizado).
200 Secção 3 A gestão no ensino da música Percursos 2014
3. F
FSE/POPH –
Próximo Período de Programação 2014-2020 – oportunida-
des e ameaças
Cursos Profi ssionais de Musica
Oportunidades Ameaças
Consagração dos Cursos Pro-
fi ssionais de Musica enquanto
percurso formativo integrado –
estabilização dos projetos forma-
tivos das escolas profi ssionais de
música e atualização da respetiva
regulamentação própria (ex. inte-
gração no CNQ).
Desagregação do fi nancia-
mento dos projetos formati-
vos entre cursos de nível bá-
sico e secundário, implicando
submissão de candidaturas a
diferentes guichets de fi nancia-
mento (aumento da carga buro-
crática).
Ensino Artístico Especializado (EAE)
Oportunidades Ameaças
Possibilidade de fi nanciamen-
to FSE do EAE de Nível Secun-
dário – possibilidade de dar res-
posta ao crescimento verifi cado
no nível básico.
Dispersão do fi nanciamento em
6 programas operacionais – di-
fi culdade em ter visão harmoniza-
da de procedimentos e regras.
Introdução de mecanismos de
custos simplifi cados – rever
regime de fi nanciamento (ex.
custo aluno) e transversalizar
com regras MEC (Contratos de
Patrocínio).
Timings de implementação dos
apoios ao ano letivo 2014/2015
(sobretudo na envolvência de
novos atores regionais – CCDRs)
Percursos 2014 Secção 3 A gestão no ensino da música 201
Contributos para a implementação dos apoios FSE ao Ensino
da Musica
A necessária simplifi cação dos apoios FSE no próximo perí-
odo de programação 2014-2020, até por via do enquadramento
programático seguido – apoios ao nível básico integrados nos PO
Regionais e apoios ao nível secundário integrados no PO Capital
Humano (sucessor do PO Potencial Humano – POPH), terá que
passar pela defi nição de métricas adequadas ao modelo de cus-
teio da formação a apoiar (ex. custo turma ou custo aluno).
Tendo presente a experiencia já desenvolvida nos cursos pro-
fi ssionais (custo turma), amplamente aceite pelas instâncias de
auditoria nacionais e comunitárias, e partindo do regime de fi nan-
ciamento nacional desenvolvido pelo MEC (custo aluno), parece
que as referidas métricas devem conduzir à adoção de modelos
de fi nanciamento simplifi cados, nomeadamente:
Cursos Profi ssionais de Musica:
Apoios concedidos mediante custo turma, integrando os cursos
profi ssionais de música de nível básico e secundário, consideran-
do que se constituem como um percurso formativo integrado.
Defi nição de custo turma a partir do enquadramento global de-
fi nido para os escalões de custo defi nidos no contexto do sistema
de educação e formação profi ssional global.
Ensino Artístico Especializado (EAE)
Apoios concedidos mediante custo aluno, apurado de forma
transversal e integrada com o modelo de custeio defi nido pelo
MEC para os contratos de patrocínio (aplicação transversal a ní-
vel nacional);
A defi nição do custo aluno implica revisão a nível geral dos
valores aplicáveis e trabalho de articulação técnica com interlocu-
tores nacionais e comunitários.
S 4
A
Org.: Rudesindo Soutelo
CAPÍTULO 13
O rigor e o risco
Fernando C. Lapa
Conservatório de Música do Porto
Escola Superior de Música e das Artes do Espectáculo
(ESMAE)
lapa.fernando@gmail.com
206 Secção 4 A criatividade no ensino da música Percursos 2014
Trabalho na área da composição musical há muitos anos. É
a minha área de formação académica e nela tenho trabalhado
intensamente, nas mais diversas funções. Tenho sido principal-
mente compositor e professor de diversas disciplinas da área da
composição. A área do ensino sempre me interessou e motivou.
Faço questão de dizer aos alunos a quem me apresento que,
para mim, ser professor sempre foi uma opção e um gosto, nunca
um recurso. Ainda assim penso, e por isso uma parte do que faço
continua a ter muito a ver com a escola. Em bastante mais de 30
anos de profi ssão, tive oportunidade de leccionar em praticamen-
te todos os tipos de escola do nosso sistema de ensino: escolas
privadas (escolas de música, colégios, associações, instituições
não formais), cooperativas, escolas profi ssionais, escolas públi-
cas (conservatórios, escolas superiores). De entre todas destaco
o Conservatório de Música do Porto (a cujo quadro de professores
pertenço); a ESMAE (superior politécnico), onde ainda trabalho;
Curso de Música Silva Monteiro (particular do ensino vocacional);
a ARTAVE (escola profi ssional); a cooperativa de ensino superior
artístico ÁRVORE; a associação cultural Bando dos Gambozinos;
entre várias outras.
Em quase todas essas escolas tive que gerir situações de tra-
balho que se centravam na composição musical ou a incluíam,
quer pelos programas, quer pelos projectos particulares, pelos
planos de trabalho ou por iniciativas diversas. Ou seja, em quase
tudo o que trabalho na escola está implícita a criatividade.
Dito assim, até parece que me apresento como um especia-
lista, com lições para dar e vender. Nada de mais errado. Eu não
investigo nem estudo, com sistema e método. Não sou um aca-
Percursos 2014 Secção 4 A criatividade no ensino da música 207
démico. Muita gente o faz, muito melhor do que eu conseguiria.
Apenas sou uma pessoa que gosta do que faz e pensa nisso em
voz alta, de forma descomprometida. Embora não seja propria-
mente um contador de histórias, eu gosto sobretudo de falar de
experiências. E como sabemos, a realidade ensina-nos muitas
coisas. O que se alinha de seguida tem estes pressupostos por
detrás.
Criatividade pressupõe, em primeiríssimo lugar, liberdade. Ou
seja, a possibilidade de pensar e operar, sem pressupostos nem
preconceitos. Como se fosse a primeira vez e pudéssemos esco-
lher qualquer dos caminhos. Bem sabemos que isso em rigor não
existe: há sempre um contexto, um limite. Mas a principal questão
que se coloca ao sistema de ensino é, exactamente essa: ser
um sistema, ou seja, um conjunto alargado de meios materiais e
humanos, articulados e integrados. Isto, quando bem desenha-
do e gerido, cria articulação e coerência. Mas tende a normalizar
e uniformizar (programas, modelos, práticas, avaliações). É por
isso que ser criativo num tal contexto é um desafi o constante.
Mas é também uma necessidade vital. Penso inclusivamente que
esse é o maior desafi o que se coloca à escola. O desenvolvimen-
to de cada aluno exige um permanente exercício da capacidade
de análise e de pensamento crítico, o estímulo de maneiras pró-
prias de ver e pensar, a aceitação do direito à diferença; no limite,
tocamos a linha da ultrapassagem da norma. Ou seja, no fundo
pede-se que a escola consiga olhar para cada aluno como o ser
único que é. Mas sem esquecer que o caminho se faz sempre
com outros ao lado, no desenvolvimento de laços de cooperação
e solidariedade. Fazer isto num contexto de escola e de sistema
de ensino é uma tarefa exigente. Mas é um trabalho para todos os
dias. O seu lugar é a sala de aula.
208 Secção 4 A criatividade no ensino da música Percursos 2014
Como compositor e professor, sou diariamente confrontado
com situações e tarefas que se cruzam com o exercício da cria-
tividade. Ela está implícita em muito do que fazemos quando an-
damos à volta da criação artística. Se pensarmos que a criação
consiste exactamente em conseguirmos fazer aquilo que não sa-
bemos (o que é, como se faz, com que meios, para quê), cons-
tataremos quanto é aberto o nosso campo de acção e como é
exigente a nossa demanda. Não conseguimos manter esta ati-
tude, todo o tempo, como é evidente. Muito do que fazemos é
construído sobre territórios que nos são familiares. Mas o desa-
fi o último está sempre lá, nessa radicalidade de um pensamento
novo, não formatado. Esta é a parte mais nobre do exercício da
criação, mesmo que seja apenas ao nível do pequeno esboço de
um trabalho de aluno, na escola.
Mas mesmo numa escola artística qualquer, onde supomos
que se respira um ambiente criativo e aberto, não é assim tão
óbvio o espaço da criatividade. Existe, permanentemente, uma
espécie de confronto entre a regra e a excepção, a continuidade e
a ruptura, a norma e a diferença. Os programas e as práticas ten-
dem para a norma e para a repetição de processos: eles assegu-
ram a coerência, a estabilidade, o rigor. Mas a arte pressupõe um
pensamento aberto, uma atitude crítica, uma leitura intuitiva (dos
sentidos à razão), a emoção. Por isso a escola, em sentido mais
largo, tem alguma difi culdade em lidar com esse mundo, onde
cabe a excepção e a diferença. Por isso instintivamente instala
regras, repetições e rotinas. Elas são exigidas pela dimensão das
organizações, bem o sabemos, mas trazem logo atrás os perigos
do pensamento formatado, da aceitação acrítica, da reprodução
mecânica, das virtualidades da máquina prodigiosa… E, no en-
tanto, criatividade rima com experimentação, jogo, intuição, apos-
Percursos 2014 Secção 4 A criatividade no ensino da música 209
ta, palpite. E também tem a ver com o gosto e os afectos.
Um dos exemplos mais felizes que conheço, da presença
destas realidades no interior da prática da escola é o Curso de
Composição da ESMAE. Isso verifi ca-se a muitos níveis: na fi lo-
sofi a da organização, no desenho do curso, na forma de gerir o
currículo, nas práticas de avaliação, no tipo de projectos desen-
volvidos, na atitude da coordenação e dos professores, na prática
dos alunos. Uma palavra sintetiza uma das suas qualidades mais
salientes: plural. Não cabe aqui a descrição, mas fi ca uma nota:
a escola estimula o aluno no desafi o da ultrapassagem dos seus
próprios limites, na procura do seu próprio caminho, da sua forma
de ver, da sua voz inconfundível. Tudo isto tem consequências no
desenvolvimento do trabalho de cada um e na construção do seu
próprio espaço presente e futuro.
Para além deste caso, poderia apontar muitos outros espaços e
projectos em que estive envolvido, e em que a criatividade foi ou é
ferramenta determinante: as minhas aulas de composição, todos
os dias, no Conservatório, na ESMAE, em muitas escolas; os pro-
jectos, as aulas, espectáculos, gravações, nos Gambozinos; as
experiências na Cooperativa ÁRVORE, nos cursos de Educação
pela Arte e de Animação Cultural; o espectáculo e todo processo
de construção e montagem da obra “da primeira liberdade” sobre
poemas de Sophia de Mello, nos primeiros concertos da Casa da
Música; o espectáculo e todo o processo de criação e construção
da obra “Então fi camos”, no encerramento da Capital da Cultura
em Guimarães; e muitos outros projectos que é impossível des-
crever neste espaço. Como sou um compositor no activo, tenho o
privilégio de lidar correntemente com estas questões. Tenho tido
oportunidade de o praticar muitas vezes. Por isso me parece que
tenho o dever de demonstrar a todos os outros, através da sua
210 Secção 4 A criatividade no ensino da música Percursos 2014
própria experiência, que ter uma atitude criativa é um desafi o para
todos e para todos os dias.
Pede-se cada vez mais à escola. Pede-se tudo. Mas também
neste capítulo da relação da escola com a sociedade, me parece
fulcral o seu papel. A exigência de uma atitude criativa sente-se
de uma forma cada vez mais acentuada no mundo de hoje, mar-
cado por ansiedades e dúvidas. Ainda que seja legítimo questio-
nar a necessidade cada vez mais asfi xiante de um crescimento
económico a todo o custo, (sempre exigindo novas ideias, porque
novos produtos, mais vendas, mais negócio, mais consumo) essa
exigência de uma atitude criativa prende-se sobretudo com a nos-
sa forma de ser e estar, e com as formas como nos relacionamos
com os outros e com o mundo. E a escola deve ter um papel
determinante no seu desenvolvimento e no seu exercício. A criati-
vidade estimula a procura de soluções diferentes, a experimenta-
ção de coisas novas. Ajuda a desenvolver a curiosidade, o hábito
de fazer perguntas, a capacidade de formular correctamente os
problemas e de encontrar soluções e respostas. Embora os as-
pectos relacionados com a apredizagem e o uso de todo o tipo
de ferramentas ou com o conhecimento de linguagens e códigos
tenham um papel relevante no conjunto das aprendizagens que
passam pela escola, a formação integral dos alunos passa cada
vez mais por aqui. As mudanças mais relevantes são as que di-
zem respeito à mentalidade, às maneiras de pensar, às formas
de representação da realidade, de ver os outros e o mundo. As
saídas para a crise passam certamente por aqui. Por isso eu digo
que as ferramentas da arte são fulcrais para a mudança. Desde
sempre.
CAPÍTULO 14
A criatividade no ensino da música
Joana Castro
Universidade do Minho
Escola de Música da Póvoa de Varzim
joanaleitecastro@gmail.com
212 Secção 4 A criatividade no ensino da música Percursos 2014
Começo por agradecer o convite na participação do Simpósio,
à Comissão organizadora, nas pessoas da Doutora Maria Helena
Vieira, e Doutor Rudesindo Soutelo.
A integração da criatividade no Ensino de Música tem-se reve-
lado de enorme importância para o enriquecimento curricular do
sistema educativo. Face a um aumento do número de alunos nas
escolas de música, da expansão do ensino articulado, e da rea-
lidade musical vivida na sociedade, alguns métodos de ensino,
aplicados desde há muitos anos nas escolas do ensino artístico,
não se mostram sufi cientes para a motivação dos alunos e da
consequente subida do nível artístico.
O meu percurso musical passou por estudar piano e canto lírico
até ingressar no Ensino Superior. Curiosamente, o meu contacto
com experiências de improvisação e criatividade, apenas surge
em maior plano na licenciatura, aquando a abordagem dos méto-
dos activos e da metodologia nova na disciplina de Pedagogias
de Formação Musical. Paralelamente, iniciei um estudo de canto
jazz, blues e formação teatral. Esse contacto com outras rea-
lidades de ensino, permitiu-me compreender alguns aspectos
musicais de uma forma mais completa, estética, motivando uma
contínua procura pela sensibilidade artística. Mais recentemente,
ter tido a oportunidade de trabalhar com alguns formadores e mú-
sicos ingleses da Casa da Música em projectos com a comunida-
de, permitiu-me perceber que a criatividade pode ser desenvolvi-
da com poucos recursos e mesmo dessa forma, obter resultados
musicais muito interessantes do ponto de vista artístico e estético.
Como professora de formação musical, tenho sentido que a
abordagem da criatividade torna-se cada vez mais importante,
Percursos 2014 Secção 4 A criatividade no ensino da música 213
quer nas disciplinas de grupo, como formação musical e clas-
se de conjunto, quer no estudo individualizado do instrumento.
Grande parte dos alunos que ingressam no ensino articulado no
presente momento, não têm contacto com nenhuma realidade
musical, nem hábitos de audição relacionados com a música
erudita até aqui. Desta forma, uma abordagem estritamente tra-
dicional, no sentido de partilha de conhecimentos mestre-aluno,
mostra-se insufi ciente para a motivação e aquisição de conhe-
cimentos musicais, e também técnicos, por parte dos mesmos.
Cabe-nos a nós, professores de formação musical, de classe de
conjunto, instrumento e demais disciplinas do ensino artístico, ter
a percepção da realidade e necessidade dos alunos do presente,
e adaptarmos os velhos programas curriculares a planos mais
amplos, abrangentes, e ao mesmo tempo desafi antes para alu-
nos e professores.
A Escola é o lugar onde os alunos vivem grande parte do seu
tempo, tendo um papel de enorme importância na formação do
ser humano. Se a escola não for capaz de proporcionar o contac-
to com novas abordagens, e permitir que o aluno explore novos
horizontes desde o início do seu crescimento, maiores serão as
difi culdades na idade adulta. Desta forma, as disciplinas artísticas
como a música, o teatro, a dança e as artes plásticas são ele-
mentos essenciais para o desenvolvimento e descoberta do aluno
enquanto ser humano.
No caso específi co do ensino artístico de música, ainda se
faz sentir algum atrito na inclusão da criatividade nos currículos
disciplinares. Se por um lado, a disciplina de formação musical,
impulsionada pelos métodos activos, tem vindo a sofrer várias
mudanças, sendo no momento uma disciplina mais completa e
motivadora nos conteúdos que aborda, outras disciplinas ainda
214 Secção 4 A criatividade no ensino da música Percursos 2014
se baseiam em métodos antigos, descontextualizados da realida-
de e da sociedade onde nos inserimos.
As disciplinas de iniciação e formação Musicais têm benefi -
ciado com os métodos activos de diversos pedagogos. Willems,
Dalcroze, Justine Ward, Kodály, Orff, Gordon, referem nos seus
métodos e teorias de aprendizagem a importância da criatividade
e improvisação desde os primeiros anos de vida. Desde jogos
de improvisação rítmica e melódica de Willems, à exploração do
espaço e da Eurítmica de Dalcroze, da composição e criação de
canções de Justine Ward, à improvisação através da escala pen-
tatónica em Orff, todos os pedagogos referem a criatividade como
um factor importante no desenvolvimento das crianças enquanto
músicos. Estes devem ser estimulados desde cedo, afi rmando
Gordon que os bébes devem ser despertados desde o nascimen-
to. No presente, torna-se bastante complicado seguir apenas um
método de ensino, uma vez que a sua concepção se insere em
realidades bastante distintas das vividas actualmente por nós.
Todavia, o conhecimento dos vários métodos pedagógicos permi-
te ao professor possuir o maior número de linguagens e técnicas
pedagógicas que permitam estimular a criatividade e motivação
dos alunos na sala de aula.
Com o surgir da chamada música nova, compositores e pe-
dagogos actuais como Paynter, Schafer, Gainza, Hargreaves,
Sloboda, Swanwick, entre outros, atribuem uma nova concepção
do ensino de música, incluindo a composição como elemento im-
portante no desenvolvimento da criatividade, de uma nova lingua-
gem e discurso musicais. Ao contrário dos pedagogos dos mé-
todos activos já referenciados, a maior partes destes composito-
res e psicólogos musicais, não pretende construir caminhos com
pretensão metodológica. A sala de aula não é apenas encarada
Percursos 2014 Secção 4 A criatividade no ensino da música 215
como uma participação activa do aluno nas propostas dirigidas
pelo professor, ou na literal interpretação musical de repertório já
escrito. É um espaço de experimentação, procura e criação. Não
basta ensinar música na escola, é preciso fazer música na escola.
Não esquecendo toda a história da música e o seu repertório, a
exploração do previsível e do imprevisível utilizando diversas lin-
guagens artísticas, pretende o desenvolvimento da sensibilidade
artística e de uma nova estética e linguagem musicais.
Swanwick, na sua proposta de aprendizagem musical, refere
que se torna essencial respeitar o estágio em que cada aluno
se encontra, bem como a realidade que o mesmo traz para a
aula. Desde o nascimento até à idade adulta, os alunos devem
passar por experimentações e explorações tímbricas, manipula-
ção e composição indo ao encontro dos vários estilos de música
ouvidos pelos alunos. Os conteúdos devem ser preparados de
forma integrada e equilibrada. Na sua proposta de C(L)A(S)P1,
Swanwick refere a importância da utilização de repertório conhe-
cido para ir mais além, mas também a importância de explorar
novos sons e padrões no instrumento. Desta forma, o professor
deve ser o mais tolerante possível com os alunos de forma a mo-
tivá-los e a colaboração entre os dois é importante para uma nova
possibilidade e nova abordagem da música.
Também Paynter e Schafer referem a composição como uma
estratégia a ser utilizada na sala de aula. A música contemporâ-
nea deve ser utilizada nas aulas de música, bem como a escuta
criativa, e a audição da Paisagem Sonora envolvente.
Para Paynter, a música deve estar integrada com outras áre-
1 C(L)A(S)P – Composition, (Literature Studies), Autition, (Skill Aquisition),
Literature Studies. Em português TECLA – Técnica, Execução, Composição,
Literatura e Apreciação.
216 Secção 4 A criatividade no ensino da música Percursos 2014
as artísticas no sentido de abrir e desenvolver os horizontes e a
sensibilidade artística. Parte da técnica de composição através
da audição ou através de diagramas e esquemas visuais para
o desenvolvimento da capacidade criativa. Segundo o autor, a
música é uma arte criativa em todas as suas formas, quer na sua
composição, execução e audição.
Murray Schafer e Paynter apresentam pontos comuns na sua
abordagem ao ensino da música, nomeadamente no aspecto da
composição. Schafer vai mais longe ao sustentar a importância
do estudo e a observação dos sons e dos ruídos da paisagem
sonora e da realidade envolvente. Através da observação sonora
do silêncio e do ruído, os alunos devem desenvolver a capacida-
de criativa para se inserirem e evoluírem a linguagem musical do
presente.
Vivemos numa sociedade que evolui a uma velocidade eston-
teante, sendo os meios de comunicação elementos de enorme
infl uência nos seres humanos. O mesmo acontece com a música.
Dada a massifi cação cada vez maior de alguns estilos de música,
o professor deve estar atento à realidade do seu aluno. A partir
desta, e da sua exploração e desintegração será mais fácil moti-
var os alunos para o desconhecido e para novas linguagens, do
que partindo de repertório erudito, inserido numa realidade muito
distante e não reconhecida para muitos dos jovens. Deve existir
um equilíbrio entre o repertório e tipo de linguagem a explorar.
O mesmo acontece com grupos fora do contexto de escola. Da
minha experiência no trabalho com crianças e idosos na comu-
nidade, a música é uma ferramenta infl uente na união e no des-
pertar da sensibilidade entre diferentes gerações. A partir de uma
melodia tradicional como o Bom barqueiro, ou Ó Rama, é possí-
vel introduzir novos elementos musicais e artísticos, explorando
Percursos 2014 Secção 4 A criatividade no ensino da música 217
novos timbres, novas formas de orquestração, de exploração do
silêncio e do ruído e também uma nova forma de performance.
É interessante perceber que partindo destas técnicas de aborda-
gem, pessoas sem qualquer formação no ensino de música são
capazes de se sentir motivadas e com os horizontes abertos para
novas explorações artísticas. Grupos como a Orquestra Geração,
ou Outra Voz, ensembles comunitários piloto, ou projectos do en-
sino genérico como o Projecto Leonardo Coimbra, são exemplos
de que é possível uma nova concepção do ensino e da interpreta-
ção artística, partindo de realidades muito distintas.
A música é uma linguagem universal e encontra-se ligada a
outras correntes artísticas. Como professores do ensino artístico,
penso ser cada vez mais determinante termos a consciência da
nova realidade da escola. Devemo-nos preocupar com o desen-
volvimento técnico, interpretativo e musical do aluno, sem perder
a noção do que é realmente importante neste ensino, a música.
Desta forma, o conhecimento dos diversos métodos e teorias de
aprendizagem é importante na medida em que permite ao profes-
sor ensinar e educar com a perspicácia e sensibilidade necessá-
rias a um ensino de música cada vez melhor.
Referências
Bluestine, E. (1995). The ways Children Learn Music. Chicago: Gia
Publications, Inc..
Campbell, P. S., Scott-Kassner, C. (1995) Music in Childhood. New York:
Schirmer Books,
Cruz, C. B. (2010). Aprender a Ler Sem Partitura. A. P. E. M. (135), pp.
15 -19.
Cruz, C. B. (1998). Sobre Kodály e o seu Conceito de Educação Musical.
A. P. E. M. (98), pp. 3-9.
Díaz, M., Giráldez, A. (2007). Aportaciones teóricas y metodológicas a la
educación musical. Una selección de autores relevantes. Barcelona:
Biblioteca de Eufonia.
Paynter, J. (1999). Sonido y estrutura. Madrid: Ediciones Akal.
Schafer, M. (1991). O Ouvido Pensante. São Paulo: Unesp.
Schafer, M. (2011). A afi nação do mundo. São Paulo: Unesp.
Swanwick, K. (1988). Music, Mind and Education. Londres: Routledge.
Swanwick, K. (1999). Teaching Music Musically. Londres: Routledge.
Torres, R. M. (1998). As Canções Tradicionais Portuguesas no Ensino
da Música. Contribuição da metodologia Kodály. Lisboa: Editorial
Caminho.
CAPÍTULO 15
Olhar para dentro da criatividade
Rui Paulo Teixeira
Aspera Hartmann – Spirit & Strategy
rp.teixeira@asperahartmann.com
220 Secção 4 A criatividade no ensino da música Percursos 2014
Desde há vários anos que tenho dedicado especial atenção
em perscrutar a dimensão interior da música, visando aproximar-
-me, tanto quanto possível, do modus operandi da criatividade e
compreender como a mesma se relaciona com dois sujeitos: o
compositor, enquanto sujeito-criador que transmuta as ideias num
código musical denominado partitura, e o intérprete, enquanto
sujeito-recriador que traduz a partitura em matéria sonora musi-
cal. Metaforizando estes dois sujeitos, facilmente se observa que
todo o ser humano, ao longo da sua existência e pelas formas
mais diversas, ora se vê perante a acção de codifi car as suas
ideais –agindo como um compositor– ora perante a acção de des-
codifi car as ideias de outros –agindo como um intérprete. Muito
embora este fenómeno não seja massivamente consciente, osci-
lar entre estes dois sujeitos é organicamente natural, fazendo-se
igualmente valer no aluno ou no professor de música.
A actividade criativa surge como uma reacção a um fenómeno
que, com as devidas reservas, se poderá denominar acto cria-
dor. É do senso comum o conhecimento de que a vida humana,
tal como se consegue percepcionar, manifesta-se em dois planos
distintos de natureza: o plano exterior e o plano interior. Assim,
por força maior, a criatividade faz-se sentir muito em concreto na
interioridade do ser humano. E nesta interioridade, a expressão
da vida tem uma dupla natureza: uma é pessoal, é a manifestação
da personalidade, passível de análise; outra é impessoal, trans-
cendente ao indivíduo e revela-se na personalidade de acordo
com a sua maturidade interior, que difere da sua maturidade bio-
lógica. Simbolicamente, eu diria que a personalidade é como um
lacre que, a qualquer instante, está sujeita a ser marcada com um
Percursos 2014 Secção 4 A criatividade no ensino da música 221
sinete que a transcende: o sinete das ideias, da acção criadora.
Esta acção marca o indivíduo, o qual, segundo as suas possibili-
dades, reage voluntária ou involuntariamente, procurando forma-
lizar na dimensão física as suas percepções interiores. Um eco de
algo que o maravilha força-o a existir com originalidade, provoca-
-o para uma realização em novidade, impele-o a agir criativamen-
te. Independentemente das suas convicções ideológicas, quanto
mais um indivíduo estiver disponível para ser consequente com a
dinâmica interior da vida, quanto mais fi el for à dimensão interior
da sua existência mais propenso ele se torna a ser criativo, por-
que como refere o poeta e professor José Tolentino Mendonça:
Há, em todas as vidas, uma dimensão de alterida-
de em relação a nós próprios. Não somos apenas
uma coisa só. Somos um conjunto de componen-
tes, de desejos, de memórias, de caminhos, de
projectos. E é interessante sentir esse lado quase
laboratorial da vida interior de cada pessoa (Men-
donça, 2014, p.20).
Tentar descrever os contornos do processo criativo na música,
quer pela composição quer pela interpretação, é sondar algo que
não se consegue prender, a nada nem a ninguém. Por analogia
com uma ideia aforística do fi lósofo Angelus Silesius, a criação “é
sem porquê”, sempre diferente a cada batida do coração. Sem li-
mites na sua formalização, ela não é submissa a gostos pessoais,
estilos académicos ou tendências de mercado.
Em suma, a criatividade é uma reacção a um impulso para
a realização de algo original que, num primeiro momento, nos
transcende, e nos momentos seguintes se revela espectralmente
em toda a dimensão dos sentidos, porque “cada um de nós é cha-
mado a ser original” (Mendonça, 2014, p.22). Musicalmente, res-
222 Secção 4 A criatividade no ensino da música Percursos 2014
soa no interior da Humanidade através de melodias, harmonias e
timbres que recordam uma existência vibracionalmente diferente.
Como refere o fi lósofo e arquitecto austríaco Rudolf Steiner, “if we
can obtain a shadow, a foretaste of the Original world in anything,
it is in the effects of the melodies and harmonies of music, in their
effects on the human soul […]” (in Godwin, 1987, p. 82).
Tomar consciência da dimensão interior na criatividade huma-
na é da maior importância para o ensino da música, pois afeta o
ânimo com que o aluno e o professor se relacionam.
A presente comunicação é assumida como uma espécie de
working paper de um estudo aprofundado futuro, pretendendo o
autor provocar o debate sobre os problemas inerentes ao assun-
to, nomeadamente sobre a relevância em abordar a criatividade
no ensino da música como um fenómeno inerente à vida interior
humana que exige autoconhecimento, quer de quem se presta a
ensinar quer de quem se predispõe aprender.
Estou convicto que da discussão franca dos participantes neste
simpósio poderão advir conclusões profícuas sobre esta matéria.
Acima de tudo, esta comunicação pretende apresentar premissas
para uma refl exão que sirva de leitmotiv para um estudo acadé-
mico especializado, baseado nas experiências e percepções dos
agentes envolvidos no ensino da música, uma arte que a tantos
tem maravilhado, como descreve o musicólogo e compositor in-
glês, Joscelyn Godwin:
It is no doubt a wonderful think to have heard the Se-
cret Harmonies, the Music of the Spheres, or the Song
of the Angels, but what we want, those of us who are
still chained by the ears to earth, is to hear those mu-
sics ourselves, as best we can (Godwin, 1987, p.81).
Percursos 2014 Secção 4 A criatividade no ensino da música 223
Referências
Godwin, J. (1987). Harmonies of Heaven and Earth: The Spiritual
Dimension of Music from Antiquity to the Avant-Garde. London:
Thames and Hudson.
Mendonça, J. T. (2014, Primavera). Ter Fé na Poesia. Revista Estante,
1. Lisboa: FNAC.
CAPÍTULO 16
Um novo paradigma da
composição portuguesa
Paulo Bastos
Conservatório de Música Calouste Gulbenkian de Braga
pauloruibastos@gmail.com
226 Secção 4 A criatividade no ensino da música Percursos 2014
Tendo como ponto de partida as últimas gerações de compo-
sitores de há cerca de duas décadas até hoje, irei abordar neste
texto a pertinência de alguns destes novos nomes da Composição
portuguesa, em particular os oriundos do Conservatório Calouste
Gulbenkian de Braga, representarem um novo paradigma da
Composição em Portugal. Para me debruçar sobre esta temática
terei naturalmente que começar por referir o meu percurso como
professor desta área criativa, a Composição, e os cruzamentos
com a legislação (Quadro 1) que foi aparecendo ao longo dos
anos, no sentido de uma redução da carga horária das escolas e
menos autonomia e capacidade de decisão sobre estas matérias
pelos respetivos especialistas, os professores.
Enquanto professor da área da Composição, comecei a le-
cionar Análise e Técnicas de Composição (ATC) e Introdução à
Composição1, respetivamente, na Escola de Música do Porto e na
Escola Profi ssional de Música do Porto em 1994. A partir de 1996,
e ainda em acumulação com as minhas funções nas escolas re-
feridas, lecionei estas mesmas disciplinas no Conservatório de
Música Calouste Gulbenkian de Braga. No entanto, neste conser-
vatório do ensino público, a disciplina chamava-se Introdução às
Técnicas de Composição (ITC) e não Introdução à Composição,
designação esta do ensino profi ssional. Esta disciplina do ensino
público não tinha no entanto qualquer programa, nem tem até
hoje, sendo que a resolução para este problema foi encontrada
pelos professores de Composição deste conservatório que elabo-
raram planifi cações anuais e trimestrais que se enquadravam e
1 Programa de Introdução à Composição elaborado pelo Gabinete da
Educação Tecnológica, Artística e Profi ssional (GETAP).
Percursos 2014 Secção 4 A criatividade no ensino da música 227
adaptavam aos conteúdos e objetivos da disciplina de ITC. A dis-
ciplina de ITC era, assim, parte integrante do currículo do ensino
básico e funcionava nos 8º e 9º anos com a carga horária de 90
minutos semanais.
No ano letivo de 2000/2001 (Figura 1) iniciei com um grupo de
três alunos do Conservatório de Música Calouste Gulbenkian de
Braga (Ana Seara, Sara Claro e Osvaldo Fernandes) o primeiro,
e até à data, único Curso de Composição de nível secundário em
Portugal, com base naquilo que já estava escrito, e apenas no
papel, no Mapa nº 6 da Portaria nº 1196/1993 de 13 de novem-
Figura 1: Texto de Ana Seara (uma dos três fi nalistas do primeiro curso
de Composição em 2003) publicado no “Musicalmente falando...”,
jornal da Associação de Estudantes.
228 Secção 4 A criatividade no ensino da música Percursos 2014
bro. Neste curso, constavam para além da disciplina tradicional
de estudo geral da área da Composição, ATC, as novas disci-
plinas de Composição (disciplina nuclear do curso), Laboratório
de Composição (LC) e Leitura de Partituras (LP). Elaborei os
programas de duas das três novas disciplinas do referido curso
(Composição e Laboratório de Composição), sendo que os su-
cessivos Ministérios da Educação se limitaram a aprová-los uma
vez que não teriam nas suas equipas de educação profi ssionais
especializados na área para executar cabalmente este tipo de ta-
refa. No entanto, tal situação nunca inibiu as várias equipas res-
ponsáveis do Ministério da Educação (ME) de, no momento do
uso das suas competências tutelares, decidir o que colocar ou
retirar dos currículos do ensino especializado sem que as opi-
niões dos professores e das escolas tenham sido devidamente
tidas em conta2.
A 25 de junho de 2009 é publicada a Portaria nº 691 que apre-
senta um modelo de ensino igual ao nível do ensino básico em
todas as escolas de ensino especializado público e do ensino
particular e cooperativo do país onde exclui, para além de ou-
tras, a disciplina de ITC. Como seria de esperar, os efeitos des-
tas decisões da Agência Nacional para a Qualifi cação (ANQ),
não se fi zeram tardar e, no ano letivo de 2011/2012, não houve
no Conservatório a disciplina de ITC. O efeito da extinção des-
ta disciplina verifi cou-se logo no ano letivo seguinte, 2012/2013:
pela primeira vez, e doze anos depois de se ter iniciado o único
Curso de Composição público no secundário, não houve alunos
2 É oportuno referir que também o ME acabou em data que não posso precisar
a disciplina de ATC no ensino profi ssional substituindo-a pela disciplina de
Teoria e Análise Musical, ou seja, uma área sem qualquer ligação à parte
criativa da Composição numa mistura arbitrária de conceitos teóricos da
formação musical e da análise musical.
Percursos 2014 Secção 4 A criatividade no ensino da música 229
inscritos neste curso. Era uma consequência óbvia e previsível,
uma vez que a disciplina de ITC funcionava claramente como um
primeiro despertar para os alunos mais criativos e que preten-
diam enveredar no Ensino Secundário pela área da Composição.
O Ministério da Educação e Ciência (MEC), nova designação do
ME, entretanto, agravou ainda esta situação, nesse mesmo ano
letivo, ao fazer entrar em vigor o Decreto Lei nº 139/2012 de 5 de
julho e Portaria nº 243-B/2012 de 13 de agosto3 que extinguiram
o Curso de Composição nos moldes anteriores (o da Portaria nº
1196/1993 de 13 de Novembro) retirando, a título de exemplo, as
disciplinas de Laboratório de Composição, Leitura de Partituras,
1º instrumento, Orquestra, entre outras.
Da legislação saída do poder tutelar verifi cam-se resultados
muito prejudiciais, uma vez que em quatro anos, com duas refor-
mas do ensino especializado da música, se acabou com várias
disciplinas e com um curso, nomeadamente, ITC a funcionar de
1994 até 2012 e o Curso de Composição a funcionar de 2000 até
2012.
No ano letivo seguinte, 2013/2014, os órgãos competentes do
Conservatório de Música Calouste Gulbenkian de Braga aprovam
a reintrodução da referida disciplina de ITC, agora como consta
no artigo 4º, de Oferta de Escola, da Portaria nº 691/2009, do
Terceiro Ciclo do Ensino Básico, contemplando-se no ponto 1 des-
ta Portaria a criação da referida disciplina de Oferta Complementar
de forma anual, bienal ou trienal. Segundo o ponto 3 da mes-
3 Revisão da Estrutura Curricular dos Cursos básicos e secundários do Ensino
Artístico Especializado do MEC que tinha como objetivo o de salvaguardar
e valorizar a especifi cidade curricular do ensino artístico especializado,
assegurando uma carga horária equilibrada na qual, progressivamente,
predomine a componente artística especializada (Portaria nº 243-B/2012 de
13 de agosto - 4398 - (19).
230 Secção 4 A criatividade no ensino da música Percursos 2014
ma Portaria, e de acordo com o respetivo plano de estudos, a
carga horária desta disciplina seria de 45 minutos semanais nos
7º, 8º e 9º anos. No ano letivo presente, um ano depois desta
reintrodução da disciplina de ITC no Ensino Básico como Oferta
Complementar, houve de imediato cinco alunos matriculados no
Curso de Composição no 10º ano do Ensino Secundário do, ago-
ra reduzido, modelo4 de Curso de Música elaborado pela Agência
Nacional para a Qualifi cação e Ensino Profi ssional (ANQEP) do
Ministério da Educação e da Ciência (MEC).
As consequências nefastas da aplicação de toda esta legisla-
ção foram claras, uma vez que ao retirar disciplinas como ITC do
currículo impediam aos alunos qualquer tipo de contacto até ao
fi nal do Terceiro Ciclo com a criatividade composicional, a técnica
de escrita de vários estilos, as noções básicas de estilo musical
em cada época, a audição de obras e leituras de partituras5, os
primeiros passos da análise musical, e, acima de tudo, o cultivar
de um gosto diferenciado e de alto nível, no que à música diz res-
peito, procedendo assim à amputação de uma possível vocação
detetada nesta fase de estudos para prosseguimento no ensino
secundário.
A acrescentar a estes factos relevantes, diz-nos também o
senso comum que é praticamente impossível no ensino secundá-
rio um aluno fazer uma opção consciente por um futuro na área
da Composição, se até à data não teve qualquer contacto com a
mesma. Em resumo, o papel do sistema educativo português, no
que diz respeito à criatividade musical, tem sido essencialmente o
de provocar profundos cortes nas disciplinas e nos cursos.
4 Decreto Lei nº139/2012 de 5 de julho e Portaria nº 243-B/2012 de 13 de
agosto.
5 Texto introdutório do Programa de Introdução à Composição elaborado pelo
Gabinete da Educação Tecnológica, Artística e Profi ssional (GETAP).
Percursos 2014 Secção 4 A criatividade no ensino da música 231
Cabe-me agora, dentro do espaço limitado de algumas pala-
vras, relatar o papel da criatividade nestas disciplinas e no Curso
de Composição iniciado em 2000 e de como foi, e é, o meu en-
volvimento neste processo de ensino já com uma signifi cativa
“história”. Para iniciar os primeiros passos desta “aventura” passo
agora a citar os objetivos gerais do programa da disciplina de
Composição:
(...) Esta disciplina abrange a compreensão da
organização da matéria sonora ao longo dos
tempos, que pode, no entanto, não exercer-se
numa perspectiva histórica, para que haja um
permanente enquadramento crítico articulado com
as perspectivas do nosso tempo. O que se propõe
não é uma viagem histórica até à actualidade, mas
sim a caracterização das técnicas de Composição
empregues em todos os tempos e a sua articulação
com problemas estilísticos atuais, e a partir dai
tentar reconstruir o conceito de audição e escrita
desde sempre. (...) a disciplina apela a que o
aluno, mercê da prática de exercícios simples
e outros trabalhos mais complexos, e sempre
apelando à sua musicalidade/sensibilidade para
a época e técnicas em causa, construa, participe,
perceba e veja, de um modo mais personalizado,
a problemática da tradição musical da qual ele é
herdeiro.6
Os resultados vistos ao longo destes anos, foram de exponen-
cial quantidade e qualidade, ao vermos dezenas de alunos a in-
6 Programa fi nal de Composição (3ª versão - 2003) aprovado em Conselho
Pedagógico no Conservatório de Música Calouste Gulbenkian de Braga e,
seguidamente, aceite sem reservas pelo ME.
232 Secção 4 A criatividade no ensino da música Percursos 2014
gressar nos Cursos de Composição no ensino superior e um cres-
cimento signifi cativo do número de compositores em Portugal nos
últimos vinte anos, sensivelmente. Esta constatação poderia não
passar de uma mera imprecisão não fosse a visibilidade e os ca-
sos concretos dos alunos oriundos deste Curso de Composição,
único em Portugal, e por estes candidatos serem recebidos em
todo o ensino superior, universitário e politécnico, regularmente
com as melhores classifi cações. Tratou-se, logo aí de um novo
paradigma, uma vez que estes alunos estavam efetivamente pre-
parados para acederem aos Cursos de Composição com um ní-
vel acima da média. É aqui necessário referir que estes alunos le-
vavam nos seus saberes musicais no fi nal do Ensino Secundário
um percurso de dois anos de ITC nos 8º e 9º anos, e fi nalmente
no secundário, um curso de Composição todo ele voltado para a
sua futura área de especialização. Assim, a saber, estes candi-
datos ao ensino superior já tinham tido, por exemplo, disciplinas
como Composição, Laboratório de Composição (LC) e Leitura de
Partituras (LP), todas estas disciplinas específi cas do seu curso.
Nelas trabalharam técnicas e conceitos específi cos como motivo,
variação, transposição, direção, continuidade, métrica, desloca-
ção, repetição, inversão, fórmulas rítmicas da métrica da poesia
grega, sprechgesang, omissão, junção, inserção, interpolação,
colagem, mudança de compassos, ritmo harmónico, estático, vi-
sual, e psicológico, amplitude, clusters, klangfarbenmelodie (me-
lodia de timbres), teoria dos eixos, serialismo, pontilhismo, o alea-
tório, novas notações, forma aberta segundo Humberto Eco, série
de Fibonacci, regra de ouro, espetralismo, entre muitos outros.
Estes alunos compuseram obras para instrumentos solo, grupos
de câmara, pequenas orquestras, música eletrónica, trabalharam
novas ferramentas da análise musical, como a teoria das clas-
Percursos 2014 Secção 4 A criatividade no ensino da música 233
ses de alturas, exercícios de orquestração, etc. Lidaram de for-
ma detalhada e exaustiva com o estudo dos naipes e de cada
um dos seus instrumentos, começando pelas madeiras e cordas,
avançando depois para os metais, percussão, harpa, entre ou-
tros. Em LC aprenderam o que é a informação MIDI, o domínio
geral de vários tipos de software, desde o editor de partitura, ao
sintetizador, ao sampler, até aos processos de gravação e con-
sequente manipulação áudio, etc. Conheceram uma boa parte da
música essencial do século XX e XXI através de partituras, DVDs
e CDs. Realizaram e organizaram anualmente concertos com as
suas obras executadas por colegas de instrumento e também por
professores. Nesta prolífera descoberta os alunos foram apro-
fundando o seu conhecimento da obra dos compositores mais
notáveis do século XX e XXI, de Bartók, Debussy, Stravinsky,
Schoenberg, Webern, Berg, passando por Boulez, Stockhausen,
Berio até Lopes-Graça, Ligeti, Kurtág, Reich, Lutoslawski,
Górecki, Gubaidulina, Pinho Vargas, Adams, entre muitos ou-
tros, passando por todas as estéticas e técnicas da vanguarda
mais ou menos radicais, aos pós-modernismos mais ou menos
comprometidos, até a outras fi guras da Composição dos nossos
dias com quem muito puderam aprender ouvindo e lendo música,
vulgo partituras, quer esta fosse proveniente dos países centrais
da europa e do resto do mundo, Alemanha e França, Inglaterra,
Estados Unidos, quer dos chamados países de cultura conside-
rada como periférica e subalterna7 como os de leste, nórdicos,
Holanda, Japão, Portugal, etc.
Este ressurgimento de mais e novos compositores em Portugal
7 Conceito e ideia chave do livro e Tese de Doutoramento de António Pinho
Vargas: Pinho Vargas, António, (2011) Música e Poder – para uma sociologia
da ausência da música portuguesa no contexto europeu, Coimbra, Almedina.
234 Secção 4 A criatividade no ensino da música Percursos 2014
não foi, no entanto, algo de exclusivo dos alunos vindos do cur-
so deste conservatório, uma vez que tal vinha a acontecer ad
hoc desde o início da década de noventa à qual aliás, enquanto
compositor, pertenço. No entanto não é sobre esta primeira gera-
ção de compositores8 dos anos noventa que me estou a debruçar
neste artigo, mas sim na geração seguinte, ou seja, a geração
do novo século XXI. E é um facto que este curso ministrado no
Conservatório de Música Calouste Gulbenkian de Braga mu-
dou de alguma forma a ideia do “candidato tipo” a um curso de
Composição, uma vez que as próprias faixas etárias eram com-
pletamente opostas. Convém referir que o candidato comum a
um Curso de Composição no ensino superior era, e ainda o é em
muitos casos, alguém que tinha normalmente mais de vinte anos,
que, frequentemente já tinha um primeiro curso concluído, e que
só a um dado momento da sua vida se teria sentido preparado
para enfrentar um Curso de Composição. Durante muitos anos
sentiu-se a ideia pré-concebida de que para se fazer um curso
de Composição seria necessário ter capacidades musicais acima
da média e de que seria um curso para uma pequena elite. Uma
das grandes vantagens do Curso de Composição do secundário
ministrado neste conservatório foi precisamente a de provar que
esta era uma falsa questão, uma vez que os alunos vindos des-
te curso entravam no ensino superior com dezassete a dezoito
anos, logo a seguir a terem concluído o 12º ano, com as mais
elevadas classifi cações e com um portefólio composicional ante-
rior já muito signifi cativo. Destaca-se ainda o efeito de surpresa
e de algum espanto, inclusivamente de uma certa “luta” por parte
8 São desta época todos os compositores nascidos essencialmente da
década de sessenta podendo aqui destacar alguns exemplos como Carlos
Caires, Eduardo Patriarca, João Madureira, Luís Tinoco, Nuno Côrte-Real,
Pedro Amaral, Sérgio Azevedo, entre muitos outros.
Percursos 2014 Secção 4 A criatividade no ensino da música 235
das instituições superiores para cativarem estes alunos para as
suas escolas, dada a preparação técnica e artística específi ca
que estes jovens compositores demonstravam logo no início do
seu percurso no ensino superior. Em suma, e mais não fosse pelo
aspeto acima referido, estes alunos foram um novo paradigma da
Composição em Portugal.
Este Curso de Composição demonstrou de forma clara os seus
objetivos9 na função de formar futuros e novos compositores em
9 Pretende-se que esta disciplina seja um espaço criador, onde o
aluno possa, de alguma forma, desenvolver as suas potencialidades
criativas. O aluno terá de compreender as grandes linhas de
pensamento musical através da observação e desmontagem de
excertos e obras completas, desde a antiguidade até aos nossos
dias. Ao coordenar a capacidade de seleção e organização do
aluno, o professor deve, no entanto, ter o cuidado de não infl uenciar
a liberdade de escolha de cada um. Ao iniciar este estudo, o aluno
exercitará a sua imaginação e criatividade num campo de vastos
exercícios técnicos, os quais o farão entender estruturas capitais,
como sejam a verticalidade, a horizontalidade e a obliquidade.
Terá também de aprender a articular conceitos como modalidade/
tonalidade/atonalidade, tensão/distensão, consonância/dissonância
e forma. Deste modo, com o início da aplicação do programa de
Composição, o aluno ver-se-á confrontado com a necessidade de
um maior desenvolvimento da sua cultura e formação musical. (...)
A percepção e desenvolvimento musicais devem proporcionar uma
participação ativa do aluno, de forma a conduzi-lo à descoberta do seu
processo criativo. Esta proposta deve envolver também a articulação
da música com as artes plásticas e cénicas, com os meios multimédia,
além de relatos de experiências, vivências e exemplifi cações de
grandes vultos da arte. (...) Assim, o aluno trabalhará a sua audição,
não só como espectador (ouvinte), mas também como construtor de
música, com referências nos mais variados campos da arte, que não
sejam limitados a parâmetros estéticos e históricos pré-defi nidos.
Parâmetros essenciais como a improvisação, a abstração, a intuição
não devem nunca ser postos em segundo plano, uma vez que são
absolutamente compatíveis com o rigor estilístico e técnico de
cada época (...). Será absolutamente necessário e desejável que
a aplicação deste programa contemple outro tipo de vertentes, que
236 Secção 4 A criatividade no ensino da música Percursos 2014
Portugal. Estas pretensões demonstravam de forma clara o que
se pretendia desenvolver nas competências dos alunos sendo
que esta foi a minha vivência pedagógica diária com um número
signifi cativo de jovens desde há catorze anos. A simples noção
de criatividade, algo que é relativamente inato num jovem ado-
lescente, era explorada numa idade em que os lugares comuns
da música são avassaladores, o que pode nem ser prejudicial se
o professor de uma área criativa como a Composição os souber
integrar, articular a partir da vivência pessoal do aluno e integrar
de forma consciente em obras pessoais com algum rigor técnico
e estético. Esta tem sido a minha função essencial de professor,
a de estimular a manutenção, a motivação de uma série de gera-
ções para a área da Composição na sua vida profi ssional. O que
temos podido observar é que uma grande parte destes ex-alunos
têm uma atividade reconhecida como compositores e estão no
mercado do ensino a lecionar na sua área de especialização10.
Para concluir esta pequena “história” dos últimos anos da
Composição em Portugal e de alguma forma demonstrar a cria-
ção de um novo paradigma neste contexto, resta-me destacar al-
guns factos referentes a esta nova geração de compositores. As
até hoje, e de uma maneira geral, tem sido excluídas no ensino
especializado da música. Estas têm necessariamente que ter em
conta o individualismo psicológico de cada aluno, o meio musical de
onde provém, a sua experiência musical, e acima de tudo o papel do
professor, que deve ser decisivo na formação do aluno motivando-o
ao seu próprio respeito, autocrítica e liberdade individual. Assim,
abrir-se-ão possivelmente outros caminhos a novos Compositores
em Portugal.
10 Estes jovens compositores nascidos essencialmente da década de
80 para década de 90 foram destacados por Eurico Carrapatoso
numa conferência na Escola Superior de Música de Lisboa como
representando aquilo a que chamou de “Segundo Renascimento da
Composição Portuguesa”.
Percursos 2014 Secção 4 A criatividade no ensino da música 237
obras destes alunos foram apresentadas e registadas de forma
sistemática em concertos e recitais de Composição com obras de
música de câmara, obras a solo, obras de orquestra, de música
eletrónica, em audições de alunos de 8º e 9º anos de ITC, etc.
Concluindo, é absolutamente necessário que o público em ge-
ral dê uma atenção especial ao trabalho destes compositores que
têm, neste momento, sensivelmente idades entre os 18 (os que
ainda estão em formação) e os 30, entre outros vindos de outros
meios e escolas, pela obra apresentada já como profi ssionais no
nosso país e fora dele11.
11 Ana Seara foi premiada no 3º Concurso Internacional de Composição
do Festival Internacional de Música da Póvoa de Varzim, nas
categorias de música de câmara, com o 2º Prémio e música de
orquestra, com o 1º Prémio, com as peças “Poema, Mensagem”
e “Le Foncé ciel de la Nuit Glacée”, respetivamente. Estas obras
estão editadas em CD pela Numérica. Esta compositora esteve em
Itália, para uma série de cinco concertos/conferências estreando
uma obra para violino solo, encomenda da Fondazione Adkins
Chiti: Donne em Musica. Como bolseira da Fundação Gulbenkian,
participou no Workshop de Composição para voz, em LOD, Ghent
– Bélgica promovido pela ENOA em dezembro de 2013 e dezembro
de 2014. Entre outros, tem programados concertos em Itália, para
quarteto de saxofones, encomenda da Fondazione Adkins Chiti :
Donne em Musica e para a temporada de 2013/2014 um concerto
com uma nova obra encomendada pela Orquestra Gulbenkian
que já foi estreada. Na temporada da Casa da Música 2014 –
Porto, Ana Seara é a jovem compositora residente; o compositor
Osvaldo Fernandes tem já alguns discos gravados com obras suas
destacando-se “Mudam-se os Tempos” pelo Coro de Pequenos
Cantores de Esposende, “Canções de Lemúria” interpretadas
por Marina Pacheco e Olga Amaro, para além de uma intensa
colaboração com o Decateto de metais Portugueses Brass e com
o Coro de Pequenos Cantores de Esposende do qual é compositor
residente. Osvaldo Fernandes tem uma vasta obra de música sacra
sendo que já compôs, sob inspiração de textos sacros, “Salmo 28”,
“Puer Natus”, “Paixão Segundo S. João”, “Motete Laudate Dominum”
e um “Agnus Dei”, obra ainda em fase de preparação para estreia;
238 Secção 4 A criatividade no ensino da música Percursos 2014
Apesar de todos os constrangimentos externos, nomeadamen-
te toda a legislação “cega” vinda do/a ME, MEC, ANQ e ANQEP,
esta, e a anterior, geração tem construído e continua a fazê-lo
de forma inequívoca, tal como disse no programa da disciplina
de Composição (nota de rodapé nº 6), “outros caminhos a novos
a compositora Sara Claro tem publicado um número de obras
signifi cativo na Scherzo Editions. Em 2004 realizou a banda sonora
da curta-metragem “E Se Eu Fosse Lá Abaixo Rir Um Bocado”,
realizada por Samuel Amaral. Foi compositora convidada no CD
da pianista Olga Prats, “Piano Singular”, lançado em Dezembro de
2007; a compositora Sofi a Sousa Rocha recebeu o 1º prémio do
Concurso de Composição da ESML/Museu Nacional de Arqueologia
(2008) na categoria de orquestra. Teve obras encomendadas pela
Antena 2/Prémio Jovens Músicos (2008) e participou no II Atelier
de Leitura da Orquestra do Algarve (2008). Tem tido encomendas
onde constam por exemplo “Inês morre” pequena ópera estreada no
Teatro Nacional de São Carlos, sob direção musical de João Paulo
Santos e encenação Luís Miguel Cintra. Este ano, após a realização
do Atelier para Jovens Compositores da Orquestra Clássica do Sul,
sob a direção do maestro Cesário Costa e orientação do compositor
António Pinho Vargas, a sua obra "Flutuante" foi escolhida para
integrar a Temporada 2014/15 desta orquestra; duas alunas deste
curso de Composição, Ana Lima e Helena Gandra, prosseguiram
os seus estudos superiores em Composição, imediatamente depois
de concluírem o 12º ano, em Londres na City University e Middlesex
University estando neste momento a fazer pós-graduações na
Alemanha e Áustria; cinco alunos estão neste momento a estudar
Composição na Escola Superior de Música de Lisboa no 1º e 2º
anos, sendo este respetivamente, Ana Catarina Barros, Jorge
Ramos, João Tiago Araújo, Pedro Lima e Francisco Fontes. Estes
compositores todos provenientes do Conservatório de Música
Calouste Gulbenkian de Braga não foram, no entanto, caso único
nesta geração de compositores uma vez que houve e há outros
compositores jovens de outras proveniências. No entanto, devo
referir que foram estes jovens, os vindos da denominada “Escola
de Composição de Braga” (desconheço o autor desta denominação
embora ela seja ouvida e relativamente comum) que iniciaram um
certo fenómeno de boom de compositores que aparecem no novo
milénio.
Percursos 2014 Secção 4 A criatividade no ensino da música 239
Compositores em Portugal” criando assim o que denomino de um
novo paradigma da Composição portuguesa.
Quadro 1
Legislação e seus efeitos diretos na área da Composição
Portaria nº 1196 /
1993 de 13 de no-
vembro. Diário da
República, 1ª sé-
rie B – Nº 266
Criação do Curso de Composição do Ensino
Secundário nos planos curriculares do Con-
servatório de Música Calouste Gulbenkian de
Braga.
Portaria nº 691 /
2009 de 25 de ju-
nho. Diário da Re-
pública, 1ª série –
Nº 121
Criação dos Cursos Básicos de Dança, de
Música e de Canto Gregoriano e respetivos
planos de estudo nos quais desaparece a dis-
ciplina de ITC.
Decreto Lei
nº139 / 2012 de 5
de julho. Diário da
República, 1ª sé-
rie – Nº 129
Estabelece os princípios orientadores da or-
ganização e da gestão dos currículos dos en-
sinos básico e secundário anulando assim os
Planos Curriculares do Conservatório de Mú-
sica Calouste Gulbenkian de Braga previstos
na Portaria nº 1196/1993 de 13 de novembro.
Portaria nº 243B
/ 2012 de 13 de
agosto. Diário da
República, 1ª sé-
rie – Nº 156
Tendo como base o Decreto Lei nº139/2012
de 5 de julho esta Portaria apresenta os no-
vos currículos do Ensino Vocacional anulando
os Planos Curriculares do Conservatório de
Música Calouste Gulbenkian de Braga previs-
tos na Portaria nº 1196/1993 de 13 de novem-
bro desaparecendo com o agora denominado
Curso Secundário de Música (em vez de Cur-
so de Composição) as seguintes disciplinas:
Laboratório de Composição, Leitura de Par-
tituras, Orquestra, Instrumento I, Instrumento
de Tecla, Educação Vocal, História da Música
e Acústica e Organologia.
240 Secção 4 A criatividade no ensino da música Percursos 2014
Referências
Azevedo, S. (1998). A invenção dos sons, Uma panorâmica da
Composição em Portugal hoje. Lisboa: Caminho.
Decreto Lei nº139/2012 de 5 de julho. Diário da República, 1ª série – Nº
129 – Ministério da Educação e Ciência, Lisboa.
Gabinete de Educação Tecnológica, Artística e Profi ssional – Ministério
da Educação, n.d. Programa de Introdução à Composição, Lisboa.
Ministério da Educação (2000, 2003). Programa de Composição, Lisboa.
Ministério da Educação (2000, 2003). Programa de Laboratório de
Composição, Lisboa.
Ministério da Educação (2000). Programa de Leituras de Partituras,
Lisboa
Pinho Vargas, A. (2011). Música e Poder – Para uma sociologia da
ausência da música portuguesa no contexto europeu. Coimbra:
Almedina.
Portaria nº 1196/1993 de 13 de novembro. Diário da República, 1ª série
B – Nº 266 – Ministério da Educação, Lisboa.
Portaria nº 691/2009 de 25 de junho. Diário da República, 1ª série – Nº
121 – Ministério da Educação, Lisboa.
Portaria nº 243-B/2012 de 13 de agosto. Diário da República, 1ª série –
Nº 156 – Ministério da Educação e Ciência, Lisboa.
P
Currículos
242 Participantes Percursos 2014
Alexandra Vilela (página 197)
Nasceu o dia 9 de maio de 1967. Licenciada em Sociologia, na
Universidade Nova de Lisboa (1991). Na atualidade é Vogal exe-
cutiva do PO Potencial Humano (POPH).
Anteriormente ejerceu as seguintes funções:
2005/2007: Gestora do PRODEP III (Programa de Apoio ao
Desenvolvimento Educativo de Portugal) no âmbito do QCA 2000
-2006;
2003/2005: Assessora da Direção Geral do Desenvolvimento
Regional, Ministério do Ambiente, do Ordenamento do Território
e do Desenvolvimento Regional;
2002/2003: Coordenadora da Unidade de Missão Inovação e
Conhecimento (UMIC) para a área da Inovação;
2000/2002: Gestora dos Eixos Prioritários «Qualifi car para
Modernizar a Administração Pública» (Programa Emprego,
Formação e Desenvolvimento Social/FSE) e «Estado Aberto —
Modernizar a Administração Pública» (Programa Sociedade da
Informação/FEDER) —EAGIRE_AP/QCA III, acumulando compe-
tências no encerramento do Programa PROFAP/QCA II;
1998/2000: Perita Nacional Destacada na Comissão Europeia —
DG Emprego e Assuntos Sociais (FSE/Portugal);
1995/1998: Chefe de Divisão de Avaliação na Direção Geral do
Desenvolvimento Regional (DGDR);
1992/1995: Acompanhamento de programas do QCA II na DGDR;
1992: Técnica Superior de 2.ª Classe, Departamento de
Acompanhamento e Avaliação, Ministério do Planeamento.
Percursos 2014 Participantes 243
Ana Maria Caldeira (página 187)
Nasceu em 1958 na cidade da Horta, ilha do Faial, e é atualmente
a Diretora do Conservatório de Música Calouste Gulbenkian de
Braga. Cidade onde estudou e se licenciou em História e Ciências
Sociais, pela Universidade do Minho, e onde também concluiu,
em 2001, o Mestrado em Educação, Área de Especialização em
Organizações Educativas e Administração Educacional.
Foi professora de História e formadora de pessoal docente nas
áreas do currículo, relações interpessoais e administração educa-
cional. O contacto com as orientações normativas e políticas edu-
cativas relativamente ao ensino especializado da música foi sen-
do adquirido, nos 25 anos em que foi docente no Conservatório
de Braga, nos anos de 1987 a 1990 em que foi Vice-presidente e
Presidente do Conselho Diretivo, e num trabalho de investigação
que desenvolveu há mais de 10 anos. A 7 de novembro de 2011
voltou à direção deste Conservatório.
Ana Seara (página 137)
Estudou no Conservatório de Música Calouste Gulbenkian de
Braga, na Escola Superior de Música de Lisboa e na Universidade
de Évora. Nas 2ª e 3ª edições do Concurso Internacional de
Composição da Póvoa de Varzim, recebeu um 1º e dois 2º pré-
mios nas categorias Música para Orquestra e Música de Câmara.
Recebeu encomendas e estreias da Orquestra de Câmara de
Cascais e Oeiras, Sinfoniettade Lisboa, OrchestrUtopica, PJM
– Antena2, Sond’Ar-te Electric Ensemble, Orquestra do Algarve,
Fondazione Adkins Chiti: Donne in Musica, Grupo de Música
Contemporânea de Lisboa.
Em 2012 participou no Workshop da Orquestra Gulbenkian
(ENOA) para Jovens Compositores, com Luca Francesconi e re-
244 Participantes Percursos 2014
cebeu encomenda da OG para 2013/14. Foi nomeada para o 1º
Prémio Jovem Compositor do Festival de Música de Verbier 2013
e como bolseira da Fundação Gulbenkian, participano Workshop
de Composição para voz, em LOD, Ghent e Festival Aix-en-
Provence 2014. É a Jovem Compositora Residente da Casa da
Música - 2014.
António Moreira Jorge (página 127)
Natural de Crestuma, Vila Nova de Gaia, onde nasceu a 10 de
Outubro de 1962.
Diplomado em Clarinete pelo Conservatório de Música do Porto
e pela Escola Superior de Música da mesma cidade, tendo tam-
bém estudado no Conservatório Nacional, com os professores de
Clarinete, António Gomes, Alberto Costa Santos e António Saiote.
Prémio Fundação Eng. António de Almeida em 1989.
Integrou a Banda de Música da Força Aérea Portuguesa e a
Orquestra do Norte desde a sua fundação até 1996.
Professor de Formação Musical no Colégio dos Órfãos do Porto e
na Escola Preparatória da Maia.
Professor de Clarinete do Curso de Música Silva Monteiro e da
Escola Municipal de Música da Póvoa de Varzim. Desde 1988
Professor de Clarinete no Conservatório de Música do Porto.
Licenciado em Administração Escolar e Administração Educacional
pela Escola Superior de Educação do Porto.
Pós-Graduado em Ciências da Educação com Especialização em
Administração e Organização Escolar pela Universidade Católica
do Porto.
Presidente do Conselho Executivo do Conservatório de Música
do Porto entre 2005 e 2009. Diretor do Conservatório de Música
do Porto desde 2009.
Percursos 2014 Participantes 245
António Pacheco (página 107)
Licenciado em Ensino de Música pela Universidade de Évora
e Mestre em Estudos da Criança – Educação Musical pela
Universidade do Minho, com a tese O Ensino da Música em
Regime Articulado no Conservatório do Vale do Sousa: Função
Vocacional ou Genérica?. Realizou a parte lectiva do Curso de
Mestrado em Musicologia-Etnomusicologia pela Universidade
de Aveiro. Doutorou-se em 2013 na Especialidade de Educação
Musical: Doutoramento em Estudos da Criança do Instituto de
Educação da Universidade do Minho com uma tese subordinada
ao tema O Ensino da Música em Regime Articulado. Projecto de
Investigação-Acção no Conservatório do Vale do Sousa, sob a
orientação da Prof. Helena Vieira.
O seu interesse centra-se no âmbito dos problemas do ensino
artístico especializado da música em Portugal, área em que tem
desenvolvido a sua actividade pedagógica e de investigação.
Lecciona no Conservatório do Vale do Sousa – Lousada e no
Instituto de Educação da Universidade do Minho.
Catarina Martins (página 21)
Nascida no Porto em 1973. Licenciada em Línguas e Literaturas
Modernas, mestre em Linguística. Co-fundadora, em 1994, da
companhia de teatro Visões Úteis e dirigente da Plateia - asso-
ciação de profi ssionais das artes cénicas, entre 2004 e 2006.
Deputada à Assembleia da República desde 2009. Porta-voz na-
cional do Bloco de Esquerda.
Daniel Moreira (página 149)
Nasceu no Porto em 1983. É licenciado em Economia (Faculdade
de Economia/Universidade do Porto), mestre em Composição e
246 Participantes Percursos 2014
Teoria Musical (ESMAE/Instituto Politécnico do Porto) e douto-
rando em Composição (King’s College/Universidade de Londres).
Estudou composição com Dimitris Andrikopoulos, Fernando Lapa
e George Benjamin; música electrónica com Carlos Guedes; e
teoria e análise musical com Miguel Ribeiro-Pereira, José Oliveira
Martins e Silvina Milstein. Participou ainda em seminários e/ou
teve aulas ocasionais com Helmut Lachenmann, Klaas de Vries,
Magnus Lindberg, Jonathan Harvey e Kaija Saariaho. Em 2009,
foi Jovem Compositor em Residência na Casa da Música. Desde
então, têm-lhe sido regularmente encomendadas novas obras
(Casa da Música, Festival Musica Strasbourg, European Concert
Hall Organisation, Chester&Novello, Banda Sinfónica Portuguesa,
Antena2/RDP). É docente na ESMAE desde 2009; investigador
no CITAR/Universidade Católica Portuguesa desde 2014; e mem-
bro do Coral de Letras da Universidade do Porto desde 2004.
Eugénia Martins (página 75)
Iniciou os estudos musicais com onze anos, concluindo a sua
Licenciatura em Música – Saxofone, na Universidade do Minho,
em 2011 sob a orientação do professor António Luís Ribeiro.
Desde então estuda a título particular com o professor Antonio
Felipe Belijar. Foi laureada com uma Menção Honrosa no
Concurso “Vítor Santos” (5º Festival Internacional de Saxofone
de Palmela), em 2014; com o 2º Prémio em Saxofone no 9º
Concurso Internacional de Chieri, em Itália, em 2009; 1º Prémio
em Saxofone no I Concurso Nacional de Instrumentos de Sopro
“Terras de La Salette” (Categoria Júnior), em Oliveira de Azeméis
em 2008; 2º Prémio no I e II Concurso Interno de Sopros da
A.M.V.M.S. em 2007 e 2008, respetivamente; Menção Honrosa
em Saxofone nos Prémios “David Russell” para Jovens Talentos,
Percursos 2014 Participantes 247
em Vigo , em 2007. Trabalhou em masterclass com os profes-
sores Antonio Felipe Belijar, Jean Denis Michat, Christian Wirth,
Jerôme Laran, Otis Murphy, Mario Marzi, Vincent David, Arno
Bornkamp, entre outros.
É professora de Saxofone na Academia da Sociedade Filarmónica
Vizelense, na Companhia da Música (Braga) e no Conservatório
de Música de Felgueiras.
Concluiu o Mestrado em Ensino da Música em 2013, na
Universidade do Minho com a tese intitulada “O desenvolvimen-
to da criatividade musical em contexto de mini-grupo: sugestões
pedagógicas para o ensino do saxofone”, sob a orientação da
Professora Doutora Maria Helena Vieira.
Eugénia Moura (página 185)
Pianista, é Licenciada em História, Mestre em Música pela
Universidade de Boston e realizou uma Pós-Graduação em
História da Música e Musicologia na Sorbonne. Foi docente
do IPVC de 1985 a 2006 e Presidente da Academia de Música
Fernandes Fão (AMFF), de 1987 a 2014. Atualmente, é docente
no Conservatório de Música de Barcelos. Convidada de vários
concursos de piano e como colaboradora, em várias Instituições,
no país e no estrangeiro, para seminários no âmbito da avaliação
do ensino artístico, tem artigos publicados em revistas de espe-
cialidade, nas áreas de História e de Música, em Portugal e no
Brasil. A sua carreira como música tem-se desenvolvido, essen-
cialmente, em Portugal, França, Áustria e Marrocos.
Eva Neiva (página 51)
Iniciou os seus estudos em 1998 na Escola Profi ssional de Viana
do Castelo na classe de violino do professor Armando Gonzalez.
248 Participantes Percursos 2014
Em Setembro de 2004 entra na Escola Superior de Artes Aplicadas
na classe de violino do professor António José Miranda. Em 2006
pede transferência para a classe de viola d´arco do professor
Jorge Alves. Em 2009 acaba a licenciatura com média de 16 valo-
res. Participou em Master Classes com Ana Bela Chaves, Joyce
Tan, António Carrilho, Toby Hoffman, Timothy Russel, Pedro
Amaral, Christopher Bochmann, e Xavier Gagnepain.
Em Setembro de 2009 ingressou no curso de pós-graduação na
área de especialização em viola d´arco na Escola Superior de
Artes Aplicadas, tendo como classifi cação fi nal 17 valores.
Ingressou em 2011 no Mestrado em Ensino de Música na
Universidade do Minho, fi nalizando-o em 2013 com 17 valores,
com a tese intitulada “A disciplina de Música de Câmara do 3º
grau. Construção partilhada de um portefólio de sugestões didáti-
cas” sob orientação da professora Maria Helena Vieira.
Fernando C. Lapa (página 205)
Nasceu em Vila Real, em 1950. Fez os seus estudos musicais
no Conservatório de Música do Porto, onde concluiu o Curso
Superior de Composição, na classe do prof. Cândido Lima. É au-
tor de uma obra considerável, tendo estreado até ao presente
mais de duas centenas de peças, de todos os géneros. Muitas
obras suas têm sido repetidamente executadas, em muitas cente-
nas de concertos, tanto no país como no estrangeiro, sendo algu-
mas delas transmitidas pela RDP, RTP e outras estações de rádio
e televisão, nacionais e estrangeiras. Está representado em nu-
merosas gravações em CD e tem partituras editadas em Portugal
e na Alemanha. Dirigiu o Coro Académico da Universidade do
Minho durante 16 anos. Assinou cerca de três centenas de textos
de crítica musical no jornal “Público”, entre 1994 e 2006. Tem lec-
Percursos 2014 Participantes 249
cionado em diversas escolas de todos os níveis de ensino, nome-
adamente na ESMAE. É professor no Conservatório de Música
do Porto desde 1984.
M. Helena Vieira (páginas 13, 19, 33, 51 e 91)
Professora Auxiliar da Área de Educação Musical no Departamento
de Teoria da Educação, Educação Artística e Física do Instituto de
Educação da Universidade do Minho. É Directora do Mestrado em
Ensino de Música e Membro do Conselho Científi co do Instituto
de Educação da Universidade do Minho.
Foi membro da Comissão Directiva do Doutoramento em Estudos
da Criança e Responsável pelo respectivo Itinerário de Estudos
Artísticos entre 2009 e 2013 na mesma universidade. É membro
do Centro de Investigação em Estudos da Criança (CIEC) e os
seus interesses de pesquisa são a pedagogia, as didácticas, o
currículo e as políticas educativas do ensino da música, áreas em
que orientou já dezenas de alunos de mestrado e vários alunos
de doutoramento.
Hugo Brito (página 91)
Nasceu em Coimbra em 1985. Iniciou os estudos de violino no
Conservatório de Música de Águeda e terminou o Curso de
Instrumentista de Cordas na Escola Profi ssional Artística do Vale
do Ave. Na Escola Superior de Música e das Artes do Espectáculo
do Instituto Politécnico do Porto fi nalizou a Licenciatura em Violino
(2008) e o Mestrado em Interpretação Artística (2012) na classe
do Professor Doutor Radu Ungureanu. A dissertação de mestrado
intitulou-se: “O Violino como Instrumento Polifónico: Evolução e
Interpretação” e teve como orientador o Professor Doutor Francisco
Monteiro. Durante o seu percurso trabalhou com Yuri Nasushkin,
250 Participantes Percursos 2014
Marina Kouzina-Koiffman, Aníbal Lima, Daniel Rowland, Alexei
Michlin, Boris Kuniev, Roman Nodel, René Kubelik. Teve também
a oportunidade de trabalhar com Iwona Boesche, Bela Katona,
Arun Menon, Dona Lee Croft e Cynthia Fleming.
Concluiu o Mestrado em Ensino de Música no Instituto de
Educação da Universidade do Minho (2013) sob a orienta-
ção da Professora Doutora Maria Helena Vieira, com o relató-
rio de estágio: “Contributos para uma Etnopedagogia Musical”.
Frequenta o Programa de Doutoramento em Estudos da Criança
na Especialidade de Educação Musical sob a orientação da
Professora Doutora Maria Helena Vieira. É professor de violino
no Conservatório de Coimbra e colabora no Instituto de Educação
da Universidade do Minho.
Joana Castro (página 211)
Natural de S. João da Madeira. Iniciou os seus estudos em Piano
e Canto na Academia de Música dessa cidade. Concluiu os es-
tudos de Canto Clássico no Conservatório de Música do Porto
com a professora Cecília Fontes, tendo também estudado com
Isabel Alcobia e Fernanda Correia. Licenciou-se em Formação
Musical pela ESMAE e conclui o Mestrado em Ensino de Música
na Universidade de Aveiro sob a orientação de Vasco Negreiros.
Profi ssionalmente lecciona as disciplinas de Formação Musical e
Classe de Conjunto na Escola de Música da Póvoa de Varzim e
na Universidade do Minho. Paralelamente à sua actividade pro-
fi ssional, fez formações na área da Direcção Coral com Vasco
Negreiros, Vassalo Lourenço, Bárbara Francke, Magna Ferreira
entre outros, é maestrina do CCSJM, membro do grupo vocal
Canto Nono e reforço do Coro da Casa da Música.
Percursos 2014 Participantes 251
Maria Helena Cabral (página 117)
Doutorada pela Universidade do Minho em Estudos da Criança,
Especialidade de Educação Musical, é Professora de Educação
Musical do 2.°e 3.° Ciclo do Ensino Básico, exercendo, nes-
te momento, a função de subdiretora na Escola Básica do 2.°e
3.° Ciclo Sophia de Mello Breyner. É ainda autora de manuais
escolares da Porto Editora não só para Portugal, como também
para Moçambique e Timor, e formadora acreditada pelo Conselho
Científi co-Pedagógico da Formação Contínua. Tem publicado ar-
tigos científi cos, em Portugal, no Brasil e em Espanha.
Concluiu a sua formação musical no Conservatório de Música do
Porto, fazendo atualmente parte de diversos grupos de música
de câmara e orquestras. Foi orientadora de estágios e professora
do ensino superior na Universidade Católica e no Instituto Piaget,
bem como em diferentes Academias e Conservatórios de Música.
Miguel Tiago (página 25)
Brasil, Agosto de 1979. Geólogo, eleito pelo PCP na Assembleia
da República desde 2005. Dirigente da Juventude Comunista
Portuguesa, tendo integrado a Comissão Política e a Direcção
Nacional, bem como a Coordenadora Nacional do Ensino
Secundário e a Direcção Central do Ensino Superior, integrando
o Secretariado desta.
Actualmente é membro da Direcção da Cidade de Lisboa do PCP,
eleito na Assembleia Municipal de Lisboa pelo PCP. Integra a
Comissão de Ambiente, Ordenamento do Território e Poder Local
e a Comissão de Orçamento, Finanças e Administração Pública
na Assembleia da República e é responsável pela área da Cultura
no Grupo Parlamentar do PCP.
252 Participantes Percursos 2014
Paulo Bastos (página 225)
Iniciou os seus estudos musicais na Escola de Música do
Porto, sob orientação da Professora Hélia Soveral. Concluiu a
Licenciatura em Composição na Escola Superior de Música e
Artes do Espetáculo, onde foi distinguido com o “Prémio para o
melhor aluno do curso” do Instituto Politécnico do Porto em 1994.
É Mestre em Música pela Universidade de Aveiro. Muitas das
suas obras musicais têm sido apresentadas em Portugal, bem
como noutros países da Europa.
É professor no Conservatório de Música Calouste Gulbenkian de
Braga onde ensina Análise, Composição e Música Electrónica.
Atualmente leciona também Análise e Técnicas de Composição na
Escola Companhia da Música em Braga. Algumas das suas obras
estão publicadas pela AVA Musical Editions, pela Bar&Company,
pela APEM e pela Universidade do Minho.
Rafael Araújo (página 163)
Natural de Vila de Punhe iniciou os seus estudos musicais com 6
anos de idade tendo estudado piano com uma professora parti-
cular. Ingressou na Academia de Música Fernandes Fão com 12
anos. Licenciado pela Universidade de Aveiro em Direção, Teoria
e Formação Musical e Mestre em Ensino de Música (Formação
Musical) pela mesma Universidade. Estudou na Hochschule
für Musik Kalsruhe, na Alemanha, Direção Coral e Direção de
Orquestra. Como compositor participou em diversos concursos
nos Estados Unidos, Holanda, Itália tendo já algumas obras estre-
adas. Atualmente é professor no Orfeão de Leiria-Conservatório
de Artes. Tem realizado algumas palestras sobre o ensino de mú-
sica e as crianças. É maestro do Royal Voices Choir, actividade
que leva a cabo desde janeiro de 2014.
Percursos 2014 Participantes 253
Rudesindo Soutelo (páginas 9, 135 e 203)
Nasceu em Tui, na Galiza, o 29 de fevereiro de 1952. Compositor
e Mestre em Educação Artística (com uma tese sobre a criação
de um conto musical, intitulada A complexidade do simples) e em
Ensino de Música (Sons e Silêncios duma vida).
Foi professor na Escola Superior de Educação do Instituto
Politécnico de Viana do Castelo, nas Academias de Música de
Vila Praia de Âncora e Ponte de Lima e é professor de História da
Música no Conservatório de Música do Porto.
Em 1972 fundou as Juventudes Musicais de Vigo e em 1976, com
o grupo Letrinae Musica, apresentou o movimento novo-neo-new-
-dadá Quadrado de Pi, ligado ao movimento Fluxus. Em 1980
criou em Madrid uma editora de música e também promoveu e
fi nanciou revistas polémicas e irreverentes. Em 1986, junto com
Janos Meszaros, elaborou o projecto para uma escola interna-
cional de música no conjunto histórico de Nuevo Baztán, povo e
palácio barroco construído por Churriguera a 45 km de Madrid.
Como compositor, alguns dos títulos das suas obras, como o
Oppius dei-Quadros duma máfi a musical espanhola, parecem
ter uma intencionalidade beligerante, mas são só uma maneira
algo irreverente, divertida e sonora de se rir das capelinhas de
medíocres que pretendem controlar a música. Há teses de dou-
toramento onde se estuda e analisa a sua obra compositiva mas
auto-exclui-se do mercado de concertos de estreia, da bajulação
de críticos, da sedução de empresários e das parafernálias da
instituição ‘mundo da arte-música’ que confere, a quem se sub-
mete, o estatuto de artista-compositor.
Desde 2003, com a rúbrica O Bardo na Brêtema, publica artigos
sobre música em diversos jornáis.
É Académico Fundador da AGLP (Academia Galega da Língua
254 Participantes Percursos 2014
Portuguesa) a quem dedicou a suite para guitarra Deu-la-deu, es-
treada nos atos da sessão inaugural. Defende a forma signifi can-
te e a atitude estética para combater o olhar vazio que produz a
arte sem sonho da decadência.
Rui Paulo Teixeira (página 219)
Todas as noites da sua infância, adormecia embalado pelo ra-
diozinho da bisavó a tocar música clássica. Hiperdinâmico nos
dias de juventude, prepara-se para seguir Gestão, mas o apelo
da Música troca-lhe as voltas. Especializa-se em Direcção Coral,
dedica-se à composição e assina obras encomendadas por vá-
rias instituições públicas e privadas. Os amigos dizem que deixa
um rasto de fogo por onde passa, ele diz que onde precisa estar,
é lá que se encontra. É director musical na Aspera Hartmann –
Spirit & Strategy, empresa criada com o objectivo de introduzir a
Filosofi a no Mercado Mundial, especializada em design no seu
sentido mais amplo e mais original: como uma arte e como uma
estratégia. É director musical no Coro Académico da Universidade
do Minho e no Coro Anonymus. Como orador, destaca duas pa-
lestras apresentadas no Brasil, a convite do Conservatório de
Música de Tatuí: 1) Música Coral e a Renascença Portuguesa; 2)
Autores Contemporâneos de Portugal para Canto Coral.
Rui Pintão (página 33)
Completou o 12º ano de escolaridade na Escola Secundária
de Valadares em 1988. Realizou o Curso Superior de Piano
no Conservatório de Música do Porto com o Prof. Fernando
Azevedo, tendo terminado o curso em 1988 com distinção, na
classe do Prof. Fausto Neves. Durante esse período e até mea-
dos dos anos 90 teve aulas particulares com a Prof. Helena Sá
Percursos 2014 Participantes 255
e Costa. Durante a sua formação frequentou vários cursos com
pianistas portugueses e estrangeiros - Jorge Moyano, Sequeira
Costa, Arthur Greene, Nicole Henriot, Fernando Layres, Luiz de
Moura Castro, Nina Svetlanova e Helena Sá e Costa entre ou-
tros. Em 1992 terminou o curso “Artist Diploma “ na Hartt School
of Music (E.U.A.) com Luiz de Moura Castro e no mesmo país
efectuou o “ Master`s in Piano Performance “, no New England
Conservatory ( Boston) com a professora Veronica Jochum, em
1996. Concluiu o Doutoramento em 2014 na Especialidade de
Educação Musical do Programa de Doutoramento em Estudos da
Criança do Instituto de Educação da Universidade do Minho, com
uma tese intitulada “O ensino de piano em grupo para uma nova
literacia musical. Projecto de Investigação-Acção numa Escola
Pública”, sob a orientação da Prof. Helena Vieira.
Tiago Lestre (página 175)
Tiago Lestre nasceu em Vila de Cucujães, Oliveira de Azeméis
a 13 de Maio de 1991. Cedo integra a Sociedade Filarmónica
Cucujanense onde inicia os seus estudos musicais, consolidan-
do-os durante a sua adolescência na Academia de Música de
Oliveira de Azeméis. Consumido por uma crescente paixão pela
música, aprofunda os estudos em Composição na Universidade
de Aveiro, onde estuda com Isabel Soveral, João Pedro Oliveira,
Luís Postiga, Rui Penha, Virgílio Melo, Sara Carvalho, Petra
Bachratá e Evgueni Zoudilkine. Presentemente está a conclui o
Mestrado na Universidade de Aveiro, sob a orientação de Isabel
Soveral.
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Simpósio Nacional
09h00
Secretariado
10h00 - 13h00
Inauguração - Políticas
no Ensino da Música
Rui Pintão (UM): O ensino de piano em grupo para
o desenvolvimento da literacia musical.
Painel: Abel Baptista (CDS-PP) - Catarina
Martins (BE) - Miguel Tiago (PCP).
Moderação: M. Helena Vieira (UM).
15h30 -18h00
Trabalhos académicos
sobre ensino de música
Apresentações de: Eva Neiva (AMFF/UM) - Eugé-
nia Martins (AMSFV/UM) - Hugo Brito (EME/UM).
- ❧ -
15h00
Maria de Lourdes Rodrigues, Ex-Ministra da
Educação: palestra e debate.
16h30 - 18h30
Pedagogias
no Ensino da Música
Painel: José Alexandre Reis (ARTAVE) - António
Pacheco (CM Vale do Sousa/UM) - António Moreira
Jorge (CM Porto) - Maria Helena Cabral (EB 2 e 3
Sophia de Mello Breyner).
Moderação: M. Helena Vieira (UM).
21h00 - 24h00
Concerto-Debate:
Construindo Percursos na Música
Como nasce um
compositor em Portugal
Painel: Ana Seara, Daniel Moreira, Rafael Araújo e
Tiago Lestre (Compositores).
Moderação: Rudesindo Soutelo (AMFF/UM)
- ❧ -
10h00 - 13h00
A Gestão
no Ensino da Música
Painel: Ana Maria Caldeira (CMCGB) - Alexandre
Santos (EPME) - João Correia (AMDF/Ensemble) -
Alexandra Vilela (POPH).
Moderação: Eugénia Moura (AMFF).
16h00 - 19h00
A Criatividade
no Ensino da Música
Painel: Fernando Lapa (ESMAE) - Joana
Castro (UM) - Paulo Bastos (CMCGB) - Rui Paulo
Teixeira (Coro Anonymus e Coro UM).
Moderação: Rudesindo Soutelo (AMFF/UM).
19h00
Encerramento das sessões
- ❧ -
Comissão organizadora: M. Helena Vieira (Universidade do Minho), Rudesindo Soutelo (AMFF).
Informação: www.academiafernandesfao.pt/projetos/simposio
e-mail: simposio.ensinodemusica@academiafernandesfao.pt
Inscrições on-line: 30 € (após 30 de junho: 40 €).
Professores e alunos da Universidade do Minho e AMFF: 15 € (após 30 de junho: 20 €).
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Percursos do
Ensino da Música
Ponte de Lima: 7, 8 e 9 de julho de 2014
Universidade do Minho
Instituto de Educação
Centro de Investigação em
Estudos da Criança
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