INTRODUÇÃO. No presente texto procura-se fazer o levantamento e balanço dos principais trabalhos e linhas de investigação sobre a vegetação Quaternária em Portugal. Globalmente este âmbito de estudos entre nós é ainda extraordinariamente pobre, sendo ainda impensável uma síntese sobre vegetação quaternária em Portugal. Optamos assim por reflectir aqui (a título de revisão crítica), não o conteúdo dos escassos resultados obtidos até hoje, mas antes a especificidade informativa de cada contexto sedimentar estudado, e as capacidades de reconstituição paleoecológica das várias metodologias e percursos de pesquisa iniciados entre nós. Quanto a este último aspecto, iremos considerar para cada frente de investigação revista, os seus materiais primários de trabalho (componentes fósseis observados); os seus objectivos e filosofias ("sub-disciplinares") de abordagem; as "ferramentas" heurísticas utilizadas (técnicas de análise, descrição, conceitos operatórios, modelos de análise e interpretação); enfim, as suas temáticas de síntese. O nosso tema é a vegetação-a fitocenose. Ficarão assim de fora os estudos de paleoetnobotânica (aqui refenciados apenas sumariamente) e os aspectos paleoflorísticos propriamente ditos (flora não-actual), domínio de estudo aliás quase inexistente em Portugal no que respeita ao Quaternário. Serão referidos trabalhos minimamente significativos de disciplinas como a Palinologia, Macropaleobotânica, Antracologia, Carpologia... ASSOCIAÇÕES FITOCLÁSTICAS, TANATOCENOSES E ENVELOPES MATRICIAIS... Como ponto prévio ao nosso balanço, consideremos sucintamente os fundamentos contextuais da Paleoecologia e da História da Vegetação, sobretudo no que respeita às condições de preservação dos materiais e dos seus contextos de fossilização (envelopes matriciais). A "tanatocenose" vegetal (etimologicamente "associação morta" de (morte) + (reunir)) é o reflexo de uma fitocenose concreta (unidade de vegetação) que em parte fossiliza num processo a quatro tempos: (1) produção; 2) dispersão/deposição; 3) incorporação; 4) diagénese. Concretizando: Num primeiro momento 1) a fitocenose dá origem (produção primária líquida) a uma associação local de fitoclastos (associação fitoclástica, "fitoclastocenose"). Na sua origem estão os processos do metabolismo vegetal (específicos para cada espécie)-produção de estruturas (pólenes, sementes, folhas regeneráveis), vida e morte das herbáceas anuais e vivazes, o cair dos troncos envelhecidos... 2) Através do vento, da água, do transporte animal (processos naturais fortuitos, ou mecanismos de dispersão mais precisos e funcionais), a associação fitoclástica local (ou inicial) passará a um estado de movimento, dispersão e deposição. 3) Num terceiro momento, mecanismos de incorporação (penetração, sedimentação de matriz envolvente...) fazem desta associação uma tanatocenose de incorporação, que finalmente 4) ficará sujeita a processos de diagénese (tanatocenose fóssil). Se introduzirmos aqui uma dimensão temporal, falaremos então de associação fitoclástica sazonal, anual, decadal etc... escala temporal que se poderá aplicar aos próprios processos de "dispersão-fossilização" (incorporação sazonal, diagénese centenária...) conforme a duração dos processos em causa. Facilmente se depreenderá que haverá sempre uma perca de sinal em cada momento do processo que será irremediavelmente incorporada no reflexo fitocenótico da tanatocenose fóssil. Os paleoecologistas, no entanto, dão ao termo tanatocenose um sentido mais amplo-o de um conjunto de fósseis com individualidade matricial-o que para nós corresponderá a um "complexo" (ou grupo) tanatocenótico. Na verdade as associações fitoclásticas/tanatocenoses simples (reflexo de uma fitocenose singular) raramente têm individualidade matricial evidente, existindo geralmente uma mistura de tanatocenoses-simples sincrónicas, provenientes de uma paisagem vegetal diversificada (zonada, em mosaico...). Note-se ainda que ao processo "dispersão-fossilização" referido (dito primário) poderão associar-se processos secundários, de reposição.