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QUALIDADE DO PROJETO NA CONSTRUÇÃO DE EDIFÍCIOS: APLICAÇÃO AO CASO DAS EMPRESAS DE INCORPORAÇÃO E CONSTRUÇÃO

Authors:

Abstract

This thesis proposes guidelines and methods to improve the building design quality, based on technological needs and on constructive rationalization and buildability principles. It results into an innovative design procedure that can be put inside total quality management programs for private building companies. The main concepts related to construction quality are discussed as well as the relationship between building design and production process, which is analyzed under historical and up-dated points of view. The concepts for construction technology development, constructive rationalization and buildability are presented and their effects in changing the building design process and improving the efficiency of the construction activities are analyzed. Two different experiences of innovative design methods are described. The first one involves a prototype-aided design carried on by a civil engineering student training group at this University and the second one is a result of a cooperative research program between a private company and the University. The proposed design methodology includes the quality, rationalization and buildability approaches which results in changes to the traditional design team arrangement, the design development and coordination and help for the quality assurance of the building process as a whole. The difficulties for the implementation of the proposal in private building companies are examined.
ESCOLA POLITÉCNICA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
Silvio Burrattino Melhado
QUALIDADE DO PROJETO
NA CONSTRUÇÃO DE EDIFÍCIOS:
APLICAÇÃO AO CASO DAS EMPRESAS
DE INCORPORAÇÃO E CONSTRUÇÃO
Tese apresentada
à Escola Politécnica da Universidade
de São Paulo para obtenção do título de
Doutor em Engenharia
São Paulo, 1994
ESCOLA POLITÉCNICA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
DEPARTAMENTO DE ENGENHARIA DE CONSTRUÇÃO CIVIL
Área de Concentração: Engenharia de Construção Civil e Urbana
Silvio Burrattino Melhado
QUALIDADE DO PROJETO
NA CONSTRUÇÃO DE EDIFÍCIOS:
APLICAÇÃO AO CASO DAS EMPRESAS
DE INCORPORAÇÃO E CONSTRUÇÃO
Tese apresentada
à Escola Politécnica da Universidade
de São Paulo para obtenção do título de
Doutor em Engenharia
Orientador: Prof. Dr. VAHAN AGOPYAN
São Paulo
agosto de 1994
Ficha Catalográfica
Melhado, Silvio Burrattino
Qualidade do projeto na construção de
edifícios: aplicação ao caso das empresas
de incorporação e construção. São Paulo,
1994.
294 p.
Tese (Doutorado) - Escola Politécnica
da Universidade de São Paulo. Departamen-
to de Engenharia de Construção Civil.
1. Construção civil - Qualidade 2. En-
genharia - Projeto I. Universidade de São
Paulo. Escola Politécnica. Departamento
de Engenharia de Construção Civil II. t
A todos
que acreditam e praticam a idéia
de que as causas coletivas
estão sempre acima
dos interesses individuais.
AGRADECIMENTOS
Ao Prof. Dr. VAHAN AGOPYAN, por vários anos o orientador ideal para muitos
de nós, pelo estímulo dado e pela combinação excepcional de bom senso e
visão crítica.
Ao Prof. Dr. Luiz Sérgio Franco, principalmente por ter criado melhores
condições para escrever este trabalho, mas também por somar a este apoio
um intenso trabalho de coorientação.
À Enga Ana Lúcia Rocha de Souza, pela colaboração irrestrita e pelo auxílio na
revisão e preparação final dos originais.
Ao Prof. Dr. Fernando Henrique Sabbatini, sem dúvida um dos nossos maiores
exemplos como engenheiro e como professor, por proporcionar-nos as
primeiras oportunidades de trabalhar o tema em pesquisas conveniadas com
empresas de incorporação e construção.
Ao Prof. Godofredo Augusto Campos Marques, pelo pioneirismo no estudo da
organização do processo de projeto e pelo seu entusiasmo nas discussões e
nas aulas ligadas ao tema.
Aos amigos engenheiros e colegas professores Mércia Maria Semensato
Bottura de Barros, Racine Tadeu Araújo Prado, Ubiraci Espinelli Lemes de
Souza e Francisco Ferreira Cardoso, por suas importantes sugestões e,
principalmente, pelas constantes demonstrações de amizade.
Aos colegas de pós-graduação, particularmente ao Arq. Marco Antonio Falsi
Violani, pelas opiniões e contribuições surgidas em trabalhos conjuntos.
Aos meus professores da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da
Universidade de São Paulo, que contribuíram com outros elementos para
minha formação, fundamentais para o meu objetivo de compor uma visão
abrangente das relações entre projeto e tecnologia.
Aos meus alunos, tanto os de graduação em Engenharia Civil, quanto os de
cursos de atualização e especialização, que auxiliaram enriquecendo os
debates conduzidos nos últimos anos dentro do tema projeto.
Aos funcionários do Departamento de Engenharia de Construção Civil desta
Escola, por seu trabalho sensível, correto e eficiente no apoio à atividade de
pós-graduandos e professores.
Às empresas LIX DA CUNHA Construtora e SCHAHIN CURY Engenharia e
Comércio, pela cooperação no desenvolvimento e aplicação de métodos
voltados à evolução do projeto de edifícios, proporcionando uma visão real e
objetiva do problema.
SUMÁRIO
Lista de Figuras, i
Lista de Tabelas, iii
Lista de Abreviaturas e Siglas, iii
RESUMO
"ABSTRACT"
1 INTRODUÇÃO 1
1.1 Justificativa 1
1.2 Objetivos 6
1.3 Metodologia 7
1.4 Estruturação do Trabalho 7
2 QUALIDADE E PROJETO 9
2.1 Implementação de Programas da Qualidade 9
2.1.1 O conceito de qualidade e sua evolução 9
2.1.2 A qualidade na empresa de construção de edifícios 14
2.1.3 A qualidade e os custos na construção de edifícios 19
2.1.4 Dificuldades na implementação da qualidade 25
2.2 Importância do Projeto na Busca da Qualidade 29
2.2.1 O projeto e a ocorrência de falhas do produto 29
2.2.2 O ciclo da qualidade e o projeto 31
2.2.3 Garantia da qualidade, qualidade total e o projeto 36
2.2.4 Auditoria da qualidade e o projeto 39
2.2.5 Projeto: um produto ou um serviço? 45
2.3 Considerações Finais Sobre os Temas do Capítulo 2 48
3 O EMPREENDIMENTO DE CONSTRUÇÃO DE EDIFÍCIOS E O
PROJETO 50
3.1 A Construção de Edifícios - Visão Histórica 50
3.1.1 O surgimento e a evolução da atividade de construir 50
3.1.2 O arquiteto, o engenheiro e o construtor 57
3.2 A Evolução do Setor de Construção de Edifícios e o Projeto 66
3.2.1 A insatisfação com a situação atual 66
3.2.2 O papel do projeto 69
3.3 O Conceito de Projeto 74
3.3.1 O significado de "projeto" 74
3.3.2 O significado do projeto no contexto do empreendimento 76
3.4 Considerações Finais Sobre os Temas do Capítulo 3 85
4 EVOLUÇÃO TECNOLÓGICA, RACIONALIZAÇÃO,
CONSTRUTIBILIDADE E O PROJETO DE EDIFÍCIOS 87
4.1 Importância do Projeto para o Desenvolvimento de Tecnologia 87
4.1.1 Os significados de Técnica, Ciência e Tecnologia 87
4.1.2 O desenvolvimento de tecnologia na construção de edifícios 89
4.1.3 Desenvolvimento de tecnologia construtiva para a
habitação popular 92
4.2 Racionalização Construtiva pelo Projeto 106
4.2.1 Conceituação de racionalização construtiva 106
4.2.2 A implementação de ações de racionalização construtiva e
o projeto 108
4.3 Construtibilidade como Filosofia de Projeto 111
4.3.1 Conceituação de construtibilidade 111
4.3.2 A filosofia da construtibilidade e a etapa de projeto 113
4.4 Considerações Finais Sobre os Temas do Capítulo 4 120
5 EXPERIÊNCIAS DE IMPLEMENTAÇÃO DE NOVAS
METODOLOGIAS DE PROJETO 124
5.1 A Experiência do Escritório Piloto na EPUSP 124
5.1.1 Histórico e antecedentes 124
5.1.2 Fases do projeto de reforma do CRUSP 126
5.1.3 Análise dos resultados da experiência 134
5.2 Experiências de Novas Metodologias de Projeto com Participação
do Construtor 138
5.2.1 Sistematização da coordenação de projetos de edifícios 138
5.2.2 Coordenação de projeto em empresas com setor próprio de
arquitetura 151
5.3 Considerações Finais Sobre os Temas do Capítulo 5 154
6 ANÁLISE E PROPOSTAS 156
6.1 Diretrizes para a Estruturação do Processo de Projeto 156
6.1.1 A filosofia da qualidade e o projeto 156
6.1.2 Enfoque sistêmico do processo e qualidade do projeto 159
6.1.3 Projeto do produto e projeto do processo 164
6.1.4 Informações e padronização na elaboração do projeto 169
6.1.5 A atividade de projeto como serviço na construção de
edifícios 175
6.1.6 A multidisciplinaridade do processo de projeto de edifícios 179
6.2 Metodologia de Desenvolvimento e Coordenação de Projetos 184
6.2.1 Organização do processo de projeto 184
6.2.2 Terminologia associada ao projeto de edifícios 194
6.2.3 Garantia da qualidade do projeto 201
6.3 Implementação da Proposta em Empresas de Incorporação e
Construção 213
6.3.1 O contexto da empresa e a viabilidade de implementação
da proposta 213
6.3.2 Passos necessários para implementação 217
6.3.3 O fator humano na implementação da proposta 220
7 CONCLUSÕES 222
7.1 Desdobramentos da Implementação da Qualidade de Projeto em
Empresas de Incorporação e Construção 222
7.2 Recomendações para a Formação de Profissionais de Arquitetura
e Engenharia, para a Atuação no Projeto de Edifícios 226
7.3 Temas para Estudo em Qualidade do Projeto de Edifícios 230
7.4 Conclusões Finais 232
ANEXO: MORFOLOGIA DO PROJETO DE EDIFÍCIOS 235
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 277
i
LISTA DE FIGURAS
Figura 2.1
A
s mudanças de enfoque quanto à qualidade dos produtos
industriais no Japão (MERLI, 1993) 13
Figura 2.2
A
s mudanças de mercado levando a nova forma de compor
custos e preços (adaptado de SOUZA, 1992) 24
Figura 2.3
Origens de problemas patológicos das construções
(MOTTEU & CNUDDE, 1989) 30
Figura 2.4
Ciclo da qualidade (ABNT, 1990c) 32
Figura 2.5
Ciclo da qualidade segundo RAMOS (1992) 33
Figura 2.6
Ciclo da qualidade na Construção Civil (SOUZA, SAMPAIO &
MEKBEKIAN, 1993) 35
Figura 2.7
O ciclo da qualidade na Construção Civil e as relações entre
projeto e os demais participantes do ciclo (MELHADO, 1993) 39
Figura 3.1
Capacidade de influenciar o custo final de um
empreendimento de edifício ao longo de suas fases (CII,
1987)
70
Figura 3.2
O avanço do empreendimento em relação à chance de
reduzir o custo de falhas do edifício (HAMMARLUND &
JOSEPHSON, 1992)
71
Figura 3.3
Gráfico que relaciona o tempo de desenvolvimento de um
empreendimento de edifício e o custo mensal das atividades
(BARROS & MELHADO, 1993)
72
Figura 3.4
Gráfico que relaciona o tempo de desenvolvimento de um
empreendimento e o custo mensal das atividades, com a
idéia de um maior "investimento" na fase de projeto
(BARROS & MELHADO, 1993)
73
Figura 3.5
Os quatro principais participantes que atuam em um
empreendimento de construção de edifícios (MELHADO &
VIOLANI, 1992a)
77
Figura 3.6
O ciclo da qualidade em empresas de incorporação e
construção (PICCHI, 1993) 82
Figura 3.7
O ciclo da qualidade em empresas de construção por
empreitada (PICCHI, 1993) 84
ii
Figura 4.1
Metodologia para o desenvolvimento de sistemas
construtivos (SABBATINI, 1989) 101
Figura 4.2
A implementação da racionalização construtiva em um
programa de evolução tecnológica envolvendo a organização
do processo de projeto
110
Figura 4.3
A
ções de implementação da construtibilidade (O'CONNOR &
TUCKER, 1986) 120
Figura 5.1
A
lterações arquitetônicas propostas para as unidades do
Conjunto Residencial da USP (ESCRITÓRIO PILOTO, 1984) 129
Figura 5.2
Registros fotográficos elaborados durante a execução do
protótipo e das obras de reforma no Bloco F do Conjunto
Residencial da USP (MELHADO, 1986)
133
Figura 5.3
Planta geral do conjunto residencial em Moji-Guaçu 142
Figura 5.4
Características dos edifícios do conjunto residencial
projetado para a cidade de Moji-Guaçu (planta do pavimento-
tipo)
143
Figura 5.5
Características dos edifícios do conjunto residencial
projetado para a cidade de Moji-Guaçu (fachada lateral) 144
Figura 6.1
O subsistema projeto (adaptado de HANDLER, 1970) 161
Figura 6.2
Projeto do produto e projeto da produção, orientados pelo
plano da qualidade da empresa 168
Figura 6.3
Proposta do banco de tecnologia como ligação entre etapas
de projeto e execução e parte do processo de
desenvolvimento tecnológico da empresa
172
Figura 6.4
Os arranjos das equipes de projeto, segundo a forma
tradicional e com o conceito de equipe multidisciplinar
(LUSH, 1988)
180
Figura 6.5
A coordenação de projetos no detalhamento de soluções
(MARQUES, 1979) 182
Figura 6.6
Proposta para o processo de desenvolvimento do projeto
com a ação dos quatro participantes do empreendimento 186
Figura 6.7
Proposta de estruturação para a equipe multidisciplinar
envolvida no desenvolvimento do projeto 189
Figura 6.8
Manuais da qualidade na empresa de incorporação e
construção 216
iii
LISTA DE TABELAS
Tabela 2.1
Desperdício estimado, expresso em percentagem do custo
da obra (PICCHI, 1993)
21
Tabela 2.2
Distribuição dos custos de falhas da qualidade na Suécia,
internas e externas (HAMMARLUND & JOSEPHSON, 1992)
30
Tabela 2.3
Itens constantes de listas de verificação em auditorias
internas a uma empresa de projeto (CUNHA & COBRA,
1991)
44
Tabela 3.1
Evolução da forma de habitar ao longo da Pré-História
(adaptado de AYMARD & AUBOYER, 1977) 53
Tabela 3.2
Mudanças nos papéis de construtores, arquitetos e
engenheiros 63
Tabela 4.1
Resumo comparado dos elementos conceituais envolvidos
no desenvolvimento de tecnologia construtiva, na adoção de
diretrizes de racionalização construtiva e na filosofia da
construtibilidade
123
Tabela 6.1
Resumo da seqüência de reuniões de coordenação ao longo
do desenvolvimento de um projeto (exemplo) 193
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ABNT
Associação Brasileira de Normas Técnicas
ASCE
American Society of Civil Engineers
BNH
Banco Nacional da Habitação
CBIC
Câmara Brasileira da Indústria da Construção Civil
CEPED
Centro de Pesquisa e Desenvolvimento do Estado da Bahia
CEB
Conseil Euro-International du Béton
CIB
International Council for Building, Studies and
Documentation
CII
Construction Industry Institute
iv
COBRACON
Comitê Brasileiro da Construção Civil da Associação
Brasileira de Normas Técnicas
COHAB-SP
Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo
CONESP
Companhia de Construções Escolares do Estado de São
Paulo
CONFEA
Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia
CONTRU
Departamento de Controle de Uso dos Imóveis
COSEAS
Coordenadoria de Saúde e Assistência Social da
Universidade de São Paulo
CPqDCC
Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Construção Civil
da EPUSP
CREA-SP
Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia
do Estado de São Paulo
CRUSP
Conjunto Residencial da USP
EPUSP
Escola Politécnica da Universidade de São Paulo
FDE
Fundação para o Desenvolvimento da Educação do Estado
de São Paulo
FIESP
Federação das Indústrias do Estado de São Paulo
ISO
International Organization for Standardization
ITQC
Instituto Brasileiro de Tecnologia e Qualidade da Construção
Civil
PBQP
Programa Brasileiro da Qualidade e Produtividade
PIB
Produto Interno Bruto
PCC
Departamento de Engenharia de Construção Civil da Escola
Politécnica da Universidade de São Paulo
SFH
Sistema Financeiro da Habitação
SINDUSCON-SP
Sindicato da Indústria da Construção Civil de Grandes
Estruturas no Estado de São Paulo
v
QUALIDADE DO PROJETO NA CONSTRUÇÃO DE EDIFÍCIOS:
aplicação ao caso das empresas de incorporação e construção
RESUMO
O trabalho propõe diretrizes e métodos que contribuem para a qualidade do
projeto de edifícios, orientados tecnologicamente e baseados em princípios de
racionalização e construtibilidade, dando suporte a uma nova organização do
projeto para implementação em programas da qualidade total de empresas
construtoras.
Os principais conceitos da qualidade são discutidos e as relações projeto-
processo de produção são analisadas sob os prismas histórico e
contemporâneo, levando à revisão das funções do projeto no empreendimento
em um enfoque global.
Os conceitos de desenvolvimento tecnológico, racionalização e
construtibilidade são apresentados e analisados, explicitando como eles
alteram o processo de projeto e aumentam a eficiência da produção.
Duas experiências inovadoras de projeto são descritas: o trabalho realizado por
um escritório piloto da Universidade, envolvendo o uso de protótipos; e uma
pesquisa sobre coordenação de projetos, em convênio com empresas de
incorporação e construção.
A metodologia proposta resulta das diretrizes da qualidade, racionalização e
construtibilidade, sugerindo mudanças nos esquemas tradicionais de arranjo de
equipe, desenvolvimento e coordenação de projeto para obter a garantia da
qualidade do processo.
Conclui-se com o exame das dificuldades de implementar a proposta dentro de
programas da qualidade total nas empresas de incorporação e construção.
DESIGN QUALITY FOR BUILDING CONSTRUCTION PROCESS
and its use in private building companies
ABSTRACT
This thesis proposes guidelines and methods to improve the building design
quality, based on technological needs and on constructive rationalization and
buildability principles. It results into an innovative design procedure that can be
put inside total quality management programs for private building companies.
The main concepts related to construction quality are discussed as well as the
relationship between building design and production process, which is analyzed
under historical and up-dated points of view.
The concepts for construction technology development, constructive
rationalization and buildability are presented and their effects in changing the
building design process and improving the efficiency of the construction
activities are analyzed.
Two different experiences of innovative design methods are described. The first
one involves a prototype-aided design carried on by a civil engineering student
training group at this University and the second one is a result of a cooperative
research program between a private company and the University.
The proposed design methodology includes the quality, rationalization and
buildability approaches which results in changes to the traditional design team
arrangement, the design development and coordination and help for the quality
assurance of the building process as a whole. The difficulties for the
implementation of the proposal in private building companies are examined.
1
1 INTRODUÇÃO
1.1 Justificativa
A atividade de construção de edifícios é uma das mais antigas e importantes
realizadas pelo Homem. No Brasil, a Construção Civil como um todo responde
por 7 a 9% do nosso Produto Interno Bruto e desta parcela um valor
significativo corresponde ao setor de construção de edifícios, representando na
cidade de São Paulo a principal atividade desempenhada por 81% das
empresas construtoras
1
, particularmente no ramo habitacional. No Estado de
São Paulo, a atividade de construção de edifícios - excetuando-se as obras
públicas - representa 45% do faturamento das empresas atuantes na
Construção Civil (SINDUSCON-SP, 1991)
2
.
Analisando o comportamento empresarial na Construção Civil, com referência
a práticas comuns no setor de construção de edifícios, ROCHA LIMA JR.
(1993) afirma que a operação de construir até um passado recente foi tratada
como um procedimento de "franca especulação" onde era comum "fazer preço
antes de conhecer os custos", sem estímulo à busca de ganhos quanto à
qualidade.
Hoje, pode-se afirmar que nenhuma outra temática é tão atual, seja nos meios
empresariais ou nos acadêmicos, quanto esta da qualidade, inserida em forte
crítica ao desempenho do setor; a mídia como um todo e as publicações
1
Dados de uma pesquisa realizada pela Faculdade de Economia e Administração da
Universidade de São Paulo, envolvendo a consulta a 108 empresas. (PESQUISA..., 1993.)
2
O sistema de referência bibliográfica adotado apresenta o nome do autor seguido da data de
publicação, podendo os dados completos de cada referência serem encontrados ao final
deste trabalho.
2
especializadas têm dado destaque às deficiências da indústria de construção,
chamando a atenção principalmente para o desperdício de materiais e de mão-
de-obra. Por exemplo, o Jornal do Conselho Federal de Engenharia,
Arquitetura e Agronomia dedicou recentemente suas páginas centrais à matéria
desperdício (CONFEA, 1993); e a revista Construção publicou resultados de
uma pesquisa realizada em 30 canteiros de obras de 5 estados brasileiros,
revelando um índice de ociosidade da mão-de-obra correspondente a 35% da
duração da jornada de trabalho (CÉSAR, 1993).
Nesse quadro, pode-se perceber claramente o quanto as ações que envolvem
a melhoria da qualidade na construção de edifícios significam para o
desenvolvimento da economia nacional, representando melhor utilização de
recursos, levando a melhores produtos, a maior produção e permitindo também
a geração de mais empregos. No entanto, em matéria recentemente publicada
na revista Construção são apresentados dados que indicam que a maior parte,
isto é, 86% das empresas construtoras não possuem nenhum programa da
qualidade implementado em suas organizações, sendo que mais da metade do
total ainda não tomou qualquer iniciativa nesse sentido
3
.
Como salienta WOOD JR. (1993), ao discutir a implementação de sistemas da
qualidade em empresas, apenas mudanças profundas permitem um avanço
verdadeiro; e tais mudanças "somente ocorrem quando rompemos paradigmas,
barreiras e limites estruturais e conseguimos ir além, unindo teoria e prática,
mudando a cognição, a atitude e o comportamento". Para a evolução do setor
de construção de edifícios, seguindo os preceitos da qualidade, a indústria da
Construção Civil deverá passar por transformações significativas. Esse
3
Resultados divulgados pela Revista Construção São Paulo em janeiro de 1994; a pesquisa
abrangeu 378 empresas construtoras. (CAMARGO, 1994.)
3
processo necessário de mudança, o qual já vem sendo experimentado por
algumas empresas, implica em alterações estruturais nessas organizações, por
meio da revisão de suas organizações e da introdução de novos objetivos e
métodos para as várias atividades envolvidas em todo o processo, desde a
formulação dos empreendimentos até a assistência ao comprador na fase pós-
entrega.
Hoje, uma parte das empresas construtoras entende que a forma de pensar e
de elaborar o projeto tem uma participação fundamental na obtenção da
qualidade de um edifício, porém esse potencial nem sempre tem sido
explorado nos empreendimentos realizados no setor, constituindo-se em um
dos pontos críticos no caminho da evolução. A qualidade não é apenas
resultado de cuidados relativos aos insumos utilizados no processo de
produção, envolvendo materiais, mão-de-obra e controle dos serviços
contratados; quando a atividade de projeto é pouco valorizada, os projetos são
entregues à obra repletos de erros e de lacunas, levando a grandes perdas de
eficiência nas atividades de execução, bem como ao prejuízo de determinadas
características do produto que foram idealizadas antes de sua execução. Isso é
comprovado pelo grande número de problemas patológicos dos edifícios
atribuídos a falhas de projeto, os quais podem representar até 46% do total
(MOTTEU & CNUDDE, 1989).
Pode-se, portanto, afirmar que "na implementação de sistemas de garantia da
qualidade na construção de edifícios, é de importância fundamental o fluxo de
informações entre projeto e execução, onde é necessário alcançar uma
integração organizacional e tecnológica entre as duas atividades, entre o que
se concebeu e o que virá a se tornar realidade no canteiro de obras"
(MELHADO & VIOLANI, 1992b). No entanto, em muitas empresas isto não se
verifica, sendo o projeto efetivamente de pouca utilidade à execução.
4
O projeto deveria ser capaz de subsidiar as atividades de produção em canteiro
com informações de alto nível e que não poderiam ser igualmente geradas no
ambiente de obra; a partir de um bom projeto, tornar-se-ia possível elaborar um
planejamento e uma programação eficientes, assim como um programa efetivo
de controle da qualidade para materiais e execução.
Também a tecnologia construtiva deveria estar detalhadamente definida na
etapa de projeto; pois nessa etapa precisa-se ser capaz de formular
alternativas, estudá-las e propor técnicas de construção racionalizadas, dentro
de um processo de criação e otimização que visa antecipar no papel o ato de
construir. Qualquer esforço dispensado durante o projeto repercute em ganhos
sensíveis e possui custos reduzidos quando comparados aos que advêm das
modificações feitas posteriormente, durante a execução, pois as modificações
feitas "no papel" são mais simples de serem efetuadas.
Com esta filosofia, o projeto passaria a participar do processo de evolução
tecnológica, inclusive quanto ao registro das soluções dadas aos problemas
enfrentados em seu desenvolvimento, possibilitando criar uma memória da
tecnologia, somada ao cabedal das empresas ao final de um empreendimento.
Da eficiência na elaboração do projeto depende a qualidade do produto
resultante, justificando-se portanto a adoção de procedimentos
metodologicamente estabelecidos que visem orientar simultânea e
conjuntamente os vários profissionais e estabelecer adequado fluxo de
informação entre eles, além de conduzir as decisões a serem tomadas nesta
fase do empreendimento. Por construírem seus próprios empreendimentos,
unindo concepção de produtos (edifícios) e utilização de processos (atividade
de construção), as empresas incorporadoras e construtoras representam um
5
caso particularmente interessante no desenvolvimento e implementação de
programas da qualidade.
Os pesquisadores do Grupo de Ensino, Pesquisa e Extensão em Tecnologia de
Processos Construtivos do Departamento de Engenharia de Construção Civil
da EPUSP, ao qual pertence o autor deste trabalho, têm estudado a inserção
do projeto dentro da temática da qualidade e, assim, vêm realizando trabalhos
relacionados com o tema desta tese já há alguns anos
4
.
Ao definir o tema e o enfoque adotado para dele, foi proposta uma
implementação experimental em uma empresa de incorporação e construção,
dentro de um contrato de convênio com a Escola Politécnica da Universidade
de São Paulo, originando assim um projeto de pesquisa. O trabalho efetuado
culminou com a publicação de um texto conceitual e metodológico sobre
coordenação de projetos, sendo suas diretrizes e procedimentos parcialmente
implementados, devido a dificuldades geradas internamente àquela empresa.
Esta experiência produziu um manual intitulado "Sistematização da
Coordenação de Projetos de Edifícios Habitacionais" (MELHADO & VIOLANI,
1992b).
Não obstante a consecução parcial dos objetivos iniciais, houve um grande
amadurecimento resultante da experiência obtida nesse contato com os
setores e profissionais de empresas, envolvidos com a produção, contratação
ou utilização de projetos de edifícios e preocupados com a obtenção de
melhores resultados quanto à qualidade. A partir daí, seguiram-se outros
contatos no mesmo sentido, por meio de debates internos a empresas ou em
4
Esses trabalhos, como tratam parcialmente do tema ou de uma sua parte, serão citados e
utilizados como referência bibliográfica em várias passagens do texto.
6
trabalhos de consultoria, estimulando cada vez mais a troca de idéias e
permitindo ampliar o conhecimento sobre qualidade do projeto de edifícios.
1.2 Objetivos
Partindo da premissa de que para o setor de construção de edifícios evoluir e
alcançar maiores índices de competitividade e eficiência tecnológica as
empresas construtoras devem-se reorganizar de modo que a elaboração de
projetos seja parte de um conjunto de atividades de produção, obedecendo a
procedimentos de garantia da qualidade, definiu-se como objetivo para o
desenvolvimento deste trabalho propor e discutir a implementação de uma
nova metodologia para o desenvolvimento de projetos de edifícios.
Para alcançar o objetivo final acima, deve-se passar ainda pelo atendimento
aos seguintes objetivos parciais:
discutir o conceito de projeto e analisar sua participação no
empreendimento, utilizando como referência o mercado de incorporação e
construção de edifícios;
avaliar a contribuição potencial da organização do processo de projeto
para a qualidade na construção de edifícios, bem como os fatores
envolvidos na obtenção da qualidade;
propor de modo sistematizado, a partir de experiências vivenciadas pelo
autor, um conjunto de diretrizes e métodos voltados à elaboração e
controle do projeto, que contribuam para a qualidade do produto final
"edifício", discutindo sua implementação nas empresas de incorporação e
construção.
7
1.3 Metodologia
A revisão bibliográfica dentro dos temas qualidade, construção de edifícios,
desenvolvimento tecnológico e projeto foi um dos principais elementos de apoio
na elaboração deste trabalho. Dada ainda a complexidade e grande amplitude
do tema e levando-se em conta o estágio incipiente em que hoje se encontram
boa parte das empresas de incorporação e construção na implementação de
sistemas da qualidade, mostrou-se fundamental auxiliar a estruturação da tese
a partir dos dados colhidos em empresas.
Portanto, parte-se da análise conceitual a partir de uma extensa revisão crítica
das fontes bibliográficas consultadas e utilizam-se os dados de empresas de
incorporação e construção atuantes no Estado de São Paulo para embasar as
propostas que se seguem, fundamentadas em preceitos de garantia da
qualidade aplicados à elaboração e controle de projetos de edifícios.
1.4 Estruturação do Trabalho
Após esta Introdução, no segundo capítulo, são tratados os dois temas
centrais: Qualidade e Projeto, sendo estabelecida a relação entre eles, no
caminho da evolução do setor de construção de edifícios.
No terceiro capítulo analisa-se as características do empreendimento de
construção de edifícios, a partir de uma leitura histórica e avalia-se o contexto
atual de mercado, com suas implicações para o tema central do trabalho. Em
adição a esta análise, também é discutido o conceito de projeto.
8
Os aspectos tratados no quarto capítulo são elementos fundamentais para
tornar claro o enfoque da tese, que se estrutura dentro de uma visão
tecnológica, voltada ao processo de produção de edifícios. São eles: as
relações entre a qualidade do projeto e a busca de evolução tecnológica; entre
qualidade do projeto e a aplicação de princípios de racionalização construtiva; e
entre a qualidade do projeto e o conceito de construtibilidade.
No quinto capítulo são relatadas algumas experiências vivenciadas pelo autor
no desenvolvimento e implementação de metodologias de projeto, coerentes
com os princípios que nortearam a elaboração desta tese, tendo-se constituído
inclusive em fator de motivação para a sua proposição.
O conteúdo do sexto capítulo é o da proposta feita neste trabalho, tratando das
diretrizes e métodos para elaboração e controle da qualidade do projeto de
edifícios, no contexto de empresas de incorporação e construção, discutindo-se
ao final o processo de implementação da proposta no âmbito de empresas de
incorporação e construção. No Anexo foi incluída uma descrição do conteúdo
dos documentos que são produto da elaboração do projeto de um edifício
habitacional, em cada uma de suas partes e etapas, no sentido de ilustrar as
análises e proposições que são feitas no sexto capítulo e com vistas a dirimir
dúvidas especialmente de natureza morfológica.
As considerações finais deste trabalho, analisando: os desdobramentos da
implementação da proposta; a necessidade de evolução da formação
profissional dentro dos conceitos aqui estudados; e a possibilidade de
colocação de temas futuros na mesma linha de pesquisa em Qualidade do
Projeto, estão no sétimo capítulo, intitulado "Conclusões".
9
2 QUALIDADE E PROJETO
Neste segundo capítulo, serão tratados os dois temas centrais deste trabalho:
Qualidade, tomando como ponto de partida um contexto internacional,
analisando os conceitos que se propagaram nas indústrias como um todo e
o transporte de tal conceituação para o setor de construção de edifícios;
e Projeto, considerado aqui como uma das atividades que compõem o
conjunto daquelas necessárias a qualquer processo industrial.
A relação entre eles, na busca de caminhos para a evolução do setor de
construção de edifícios, será discutida também nesta parte da tese.
2.1 Implementação de Programas da Qualidade
2.1.1 O conceito de qualidade e sua evolução
"A globalização da economia colocou a competitividade e a qualidade na ordem
do dia. As idéias relacionadas à qualidade transcenderam os limites das
empresas industriais e permeiam atualmente quase todas as atividades
humanas. Vive-se hoje a eminência de uma terceira onda da qualidade. A
primeira surgiu ligada ainda ao modelo taylorista-fordista
5
de produção e
consumo em massa. O foco era no controle do produto final e o nome usual
controle da qualidade. A segunda onda surgiu no Japão após a Segunda
5
O engenheiro Frederic Winston Taylor (1865-1915) nasceu na Pensilvânia (EUA) e é
considerado o fundador da organização científica do trabalho, cuja série de princípios
racionais é conhecida como taylorismo; da associação aos princípios criados por Henry Ford
resultou o modelo taylorista-fordista, baseado na produção seriada, na especialização
extrema e no estudo de tempos e movimentos das operações envolvidas no processo, na
visão da organização como máquina. Este assunto não será especificamente enfocado neste
trabalho.
10
Grande Guerra, associada aos sistemas de produção flexíveis. O foco
deslocou-se para o processo e a otimização global do sistema produtivo."
(WOOD JR., 1993.)
A preocupação com a qualidade no meio industrial tem estado presente há
várias décadas. Inicialmente, a partir da necessidade de manter os padrões de
atendimento às especificações de produtos seriados, desenvolveram-se
mecanismos de controle, como forma de minimização de incertezas no
processo e para reduzir a possibilidade de colocação de produtos defeituosos
no mercado.
Mais tarde, a noção de qualidade evoluiu e "controle da qualidade" passou a
ser a denominação dada a "técnicas e atividades operacionais usadas para
satisfazer às necessidades especificadas da qualidade" (JURAN & GRYNA,
1991), ficando a denominação "qualidade" reservada para o aspecto mais
abrangente da questão.
É notório que um grande impulso à qualidade industrial veio com a adoção de
padrões mais rígidos de exigência por parte dos países desenvolvidos,
preocupados em regular as relações entre fornecedores e clientes dentro de
mercados internacionais, surgindo o conjunto de normas ISO 9000
especificamente devido à constituição da Comunidade Européia, completada
em 1993.
Assim, qualidade é definida na atualidade como "a totalidade das propriedades
e características de um produto ou serviço que lhe conferem capacidade de
satisfazer necessidades explícitas ou implícitas" (ISO, 1986). Esta definição
exige que tais necessidades sejam especificadas e, dependendo do enfoque,
11
poderá aproximar-se da idéia de desempenho, ou comportamento em uso, não
se dispensando a existência de normas e padrões mínimos que orientem o
processo que vai gerar o produto ou o serviço em questão.
Segundo afirma FIGUEIREDO (1993), ao comentar a necessidade crescente
de integração econômica entre os países, "a ISO (International Organization for
Standardization) antecipou-se na elaboração de normas de gerenciamento e
garantia de qualidade" e, aprovada a série ISO 9000, "iniciou-se um grande
movimento, considerado hoje um marco histórico no comércio interno e externo
das economias desenvolvidas e em desenvolvimento". O mesmo autor
comenta que um levantamento efetuado pela ISO constatou que estas normas
estão em aplicação em mais de cinqüenta países, como base para a gestão da
qualidade interna e avaliação das empresas fornecedoras.
Um dos benefícios indiretos da implementação de sistemas da qualidade - que
freqüentemente motiva uma empresa a adotar normas de garantia da
qualidade - está no âmbito comercial, pois obter certificação segundo as
normas ISO equivale a demonstrar aos clientes que seu sistema da qualidade
está de acordo com padrões internacionais e, portanto, permite melhorar sua
posição dentro do mercado
6
.
6
A série ISO 9000 básica compreende cinco normas, cujo conteúdo é o seguinte:
ISO 9000 - contém diretrizes para seleção e uso, estabelecendo os conceitos da qualidade
e esclarecendo as diferenças entre as demais normas, que apresentam vários níveis de
abrangência;
ISO 9001 - aplicável desde o projeto até a assistência técnica, é a mais abrangente de todas;
ISO 9002 - diz respeito apenas à produção ou instalação;
ISO 9003 - relativa a inspeção e ensaios, é a mais reduzida das normas;
ISO 9004 - oferece um guia para desenvolvimento de sistemas da qualidade nas empresas.
Para obter certificação segundo a ISO 9000, a empresa é submetida a um processo de
auditoria, que verificará sua conformidade com os procedimentos e demais requisitos
estabelecidos pela(s) norma(s) correspondente(s), que pode ser realizada apenas por
organismos credenciados.
12
A respeito da evolução das políticas da qualidade, BOBROFF (1991) resume
as mudanças ocorridas recentemente: "após uma primeira fase, dedicada à
inspeção, com controles de conformidade, em um enfoque 'a posteriori', a
administração da qualidade descartou o controle de processo para prevenir
falhas." A autora analisa o salto ocorrido com a introdução de conceitos como a
análise de valor e a certificação dos fornecedores, levando a um enfoque da
qualidade "a priori", mais global: a garantia da qualidade. A mais recente fase é
a da qualidade total, que inclui um enfoque organizacional e enfatiza a política
de recursos humanos e o relacionamento intra e inter-empresas, segundo
BOBROFF.
MERLI (1993) apresenta as mudanças no enfoque dado à qualidade na
indústria japonesa, em que as contribuições da inspeção e do controle do
processo para a qualidade foram sendo gradativamente substituídas pela
introdução de características superiores do produto, desde a etapa de projeto.
A evolução analisada por esse autor está expressa na figura 2.1. Todos os
autores reconhecem que a conceituação de que "obter qualidade depende de
controles estabelecidos" foi perdendo espaço para a consideração da influência
dos fatores de caráter humano e organizacional - um campo onde o projeto
pode dar uma importante contribuição.
Na opinião de WOOD JR. (1993), o período mais recente citado por BOBROFF
fez parte da segunda onda da qualidade, quando houve na verdade uma
intensificação do enfoque de processo, por meio do reforço da noção de
qualidade total que acabou trazendo a visão das ciências sociais
contemporâneas e dos sistemas interativos em que ocorrem mudanças
incrementais. Este autor prevê a terceira onda da qualidade, que "admitiria a
13
instabilidade dinâmica e mudanças descontínuas", alternando períodos de caos
e de evolução. De qualquer forma, sem dúvida os conceitos continuarão a
evoluir.
Figura 2.1
s mudanças de enfoque quanto à qualidade dos produtos
industriais no Japão (MERLI, 1993)
Em termos recentes, não se pode deixar de citar ainda o advento da
reengenharia - um enfoque que envolve mudanças radicais na estruturação
das empresas. A reengenharia (business process re-engineering) requer
pessoal com qualificação generalista e flexível, consistindo em um conjunto de
alterações organizacionais que passam pela remoção de níveis intermediários
de gerência, subdivisão das empresas em várias "mini-empresas" interligadas,
além da criação de equipes inter-funcionais para resolver conjuntamente
questões que afetam diversos setores da empresa, dentre outras ações.
14
PLONSKI (1993) define a reengenharia como a mudança radical dos processos
empresariais, com a finalidade de obter resultados expressivos de melhoria de
desempenho, medido pelo custo, qualidade, atendimento e velocidade; esse
autor afirma que a reengenharia nada mais faz do que utilizar a engenhosidade
para reconfigurar a empresa.
Segundo um artigo do periódico The Economist (RE-ENGINEERING..., 1994),
"há toda chance de que a reengenharia não seja apenas mais uma teoria de
gerenciamento da moda", apesar de que muitas empresas européias
empregam o termo como um eufemismo que abriga seus programas de
redução de quadros de funcionários. Sendo recente - segundo o mesmo artigo,
o termo teria sido conceituado pela primeira vez em 1993 - ainda não se tem o
mesmo nível de retorno prático a respeito da sua aplicação, como ocorre com a
filosofia da qualidade total.
Dentro do contexto deste trabalho, voltado a empresas de construção de
edifícios, passa-se então a aprofundar de forma mais específica as questões
ligadas à implementação de programas da qualidade.
2.1.2 A qualidade na empresa de construção de edifícios
Segundo PICCHI (1992), reportando-se ao sistema da qualidade de uma
grande empresa de incorporação e construção, o modelo apresentado pela ISO
9004 pode ser adaptado à Construção Civil, abrangendo seis itens de
exigência:
1 Projeto
2 Suprimento de Materiais
15
3 Execução
4 Uso e Manutenção
5 Recursos Humanos
6 Organização
Como exposto pelo mesmo autor, a preocupação com a qualidade a partir do
projeto é grande e justificável, pois o mesmo "é indicado em todas as
pesquisas como o grande vilão da qualidade na construção".
Usando as palavras de JURAN & GRYNA (1991), qualidade "tem múltiplos
significados", ou seja, em seu uso corriqueiro pode ser interpretada de forma
subjetiva, porém, na acepção mais pura deve estar associada ao julgamento de
alguém, que exprime se determinada coisa atende a requisitos estabelecidos.
Conforme esses autores, são dois os significados principais que podem ser-lhe
atribuídos:
1 "A qualidade consiste nas características do produto que vão ao encontro
das necessidades dos clientes e dessa forma proporcionam a satisfação
em relação ao produto."
2 "A qualidade é a ausência de falhas."
É importante destacar aqui a existência de clientes, isto é, não se define
qualidade sem considerar a existência de um cliente para o produto analisado.
Ainda conforme JURAN & GRYNA, existem dois tipos básicos de clientes:
clientes externos e clientes internos, conforme seja a sua posição face ao
sistema produtivo. Assim, são considerados clientes também aqueles que, para
produzir uma parte ou etapa do processo, dependem de uma parte ou etapa
16
anterior que entra como insumo em seu trabalho e, portanto, são afetados pela
qualidade produzida por outros elementos participantes do processo.
Os autores citados reforçam o conceito: "todos os clientes têm necessidades
que devem ser atendidas (...) isto se aplica tanto a clientes internos quanto a
externos (...) no caso de clientes internos, a resposta determina a
competitividade de produção da empresa, a qualidade (...)".
Pode-se aplicar esse ponto de vista ao relacionamento entre as várias
empresas ou profissionais que estejam envolvidos em etapas de um
empreendimento de construção, portanto, envolvendo as relações entre os
participantes do empreendimento e o projeto. SOUZA & MEKBEKIAN (1993)
exemplificam, afirmando que o construtor ou o departamento de obras da
empresa são clientes internos tanto dos fabricantes de materiais e
componentes quanto dos projetistas, e que "os produtos entregues para a obra
devem ter qualidade assegurada, ou seja, devem satisfazer suas
necessidades".
Um tipo especial de cliente, que participa de modo significativo da apuração da
qualidade é o usuário, que JURAN & GRYNA generalizam como sendo
"clientes que executam ações positivas com relação ao produto (...) empresas
que compram o produto como matéria-prima para seus processos, os
comerciantes que revendem o produto e os consumidores que fazem uso do
produto em sua forma final." Para o usuário, devem estar voltadas grande parte
17
das preocupações com a qualidade do produto, visando a valorização da
imagem e a competitividade da empresa dentro do mercado
7
.
Dentro da busca de competitividade pelas empresas de construção, um
conceito importante a ser aprofundado é o de garantia da qualidade.
Apresentando um ponto de vista que hoje pode ser considerado "clássico",
GARCIA MESEGUER (1991) afirma que um sistema de garantia da qualidade
deve ser capaz de responder aos seguintes três pontos:
1 A qualidade na construção requer cinco ações: defini-la, o que envolve
algumas especificações; produzi-la, o que requer alguns procedimentos;
comprová-la, o que pressupõe um controle de produção; demonstrá-la, o
que exige um controle de recepção; e documentá-la, o que significa
documentar e arquivar tudo que foi realizado.
2 Estas cinco ações devem ser estendidas às cinco fases do processo
construtivo: planejamento, projeto, materiais, execução e uso-manutenção.
3 Em cada uma das medidas adotadas para cumprir o anteriormente
estabelecido, devem ser atendidos dois tipos de fatores: os técnicos
(medidas de caráter técnico) e os humanos (medidas de caráter pessoal,
de organização e de gestão).
7
Neste trabalho, a denominação usuário será empregada geralmente em seu significado
estrito, correspondendo ao comprador (em substituição a consumidor, como propõe ROCHA
LIMA JR., 1993), quando o mesmo fizer uso do edifício ou de uma sua parte, ou aplicável
àquele que efetivamente o utiliza, mesmo que não seja proprietário.
18
Como pôde ser apreciado, o enfoque de GARCIA MESEGUER representa a
ampliação de conceitos de controle e inspeção da qualidade, agregando
fatores humanos aos técnicos.
SOUZA et al. (1993) avaliam que a melhoria da qualidade do setor da
construção depende por um lado da ação individual de empresas líderes que,
em busca de maior competitividade, implementam sistemas de gestão da
qualidade, com isto influenciando todos os envolvidos no processo, desde os
projetistas até os fornecedores de materiais e componentes e a própria mão-
de-obra; e, por outro lado, que deve haver a evolução dos principais
parâmetros que norteiam a qualidade no mercado de construção civil:
desenvolvimento tecnológico do setor, ampliação da normalização técnica
oficial, atualização da legislação pertinente, modernização das relações entre o
Estado e as empresas e entre empresas e trabalhadores, melhoria do ensino
de nível técnico e superior.
De modo genérico, as empresas devem ter definida a sua política da qualidade,
que será amplamente divulgada e conhecida em todos os níveis, sendo essa
política voltada para a consecução de um objetivo permanente - a missão da
empresa - e viabilizada com uma estrutura organizacional coerente e pela
existência de procedimentos adequados.
Especificamente, para a adoção de uma política da qualidade em empresas da
Construção Civil, deve-se observar algumas particularidades; GRAZIA (1988)
analisa a adoção de sistemas da qualidade na Construção Civil, dividindo em
duas categorias as empresas para efeito desta análise, segundo o grau de
industrialização de seus produtos:
19
quando a construção é industrializada: a aplicabilidade de princípios e
técnicas é total (em que o autor cita o exemplo da empresa japonesa
SEKISUI, de Tóquio, onde até mesmo o princípio da manufatura flexível foi
adotado com sucesso, para permitir adaptar a produção às necessidades
de cada cliente);
quando a construção é tradicional, com geração de produtos únicos: não se
tem as mesmas facilidades de implementação, mas o autor considera que a
qualidade, enquanto filosofia, pode contribuir de forma significativa.
A empresa de construção de edifícios, em geral, estará situada na segunda
categoria, por predominarem os processos tradicionais de construção, o que
dificulta a aplicação direta das técnicas e dos princípios da qualidade, portanto.
2.1.3 A qualidade e os custos na construção de edifícios
Nas empresas de construção de edifícios, pelas próprias peculiaridades do
mercado consumidor
8
, a motivação pela implementação de um sistema da
qualidade deve estar predominantemente vinculada à redução de custos finais
dos produtos, já que hoje existe a consciência de que se deve buscar maior
competitividade e que as perdas no processo de produção, os custos de
retrabalho e correções pós-entrega são significativos, embora nem sempre
conhecidos.
8
No mercado da Construção Civil, em muitos de seus segmentos, o usuário final (ou o
"consumidor") ainda não exibe um grande poder de influência sobre as diretrizes de
evolução das empresas, como por exemplo ocorre com a indústria de bens de consumo,
sendo portanto a questão de custos a mais influente para a penetração da empresa no
mercado - este assunto será mais profundamente discutido no capítulo 3.
20
Segundo dados divulgados recentemente pelo Instituto de Engenharia de São
Paulo, no conjunto das várias atividades industriais brasileiras, o país poderia
estar perdendo um terço do Produto Interno Bruto - PIB, devido à falta de
investimento em qualidade; e o setor da Construção Civil entraria com uma
parcela significativa nesse processo, já que é responsável por até 9% do PIB.
(DESPERDÍCIO..., 1993.)
Dentro desta discussão relativa ao desperdício e outros custos provenientes da
chamada "não-qualidade", PICCHI (1993) estima que 30% do custo total da
obra possa estar sendo "desperdiçado" no Brasil
9
. O índice em si é
evidentemente de difícil comprovação, mas é interessante analisar como esse
está composto, segundo o autor (ver tabela 2.1).
Para PICCHI, 6% do custo total da obra refere-se a "projetos não otimizados".
Mas, pode-se inferir que dentro de uma visão mais ampla vários outros itens
apresentados como geradores de desperdício também estão ligados ao projeto
- tais como a geração de entulho, a perda de produtividade e a efetuação de
reparos, que muitas vezes são resultantes de especificações adotadas no
projeto. Assim, a parcela do custo da obra que poderia ser reduzida a partir de
um incremento significativo da qualidade do projeto deve ser maior que aqueles
6% apresentados, o que evidentemente só poderá ser precisado por meio de
uma extensiva apropriação de dados em todo o processo.
FRANCHI et al (1993) apresentam conclusões baseadas em um estudo sobre
desperdício em empresas de pequeno porte, em que se comprovou que,
9
O autor justifica os valores que compõem as parcelas do desperdício estimado por ele, a
partir de alguns conjuntos de dados levantados em obras e publicados por outros autores,
arbitrando alguns índices para concluir acerca do acréscimo de custo correspondente; a falta
de sistemas de apropriação de custos de produção dificulta a elaboração de tais estimativas.
21
considerando-se somente as perdas relativas ao emprego de aço, concreto
pré-misturado, argamassa e tijolos ou blocos de alvenaria, o desperdício de
materiais é da ordem de 5 a 11% do custo dos empreendimentos.
Tabela 2.1 Desperdício estimado, expresso em percentagem do custo da obra
(PICCHI, 1993)
ORIGENS DO DESPERDÍCIO DESPERDÍCIO ESTIMADO
(% sobre o custo da obra)
Entulho gerado 5,0
Espessuras adicionais de argamassas 5,0
Dosagens de argamassa e concreto não otimizadas 2,0
Reparos e resserviços não computados no entulho 2,0
Projetos não otimizados 6,0
Perdas de produtividade devidas a problemas de
qualidade 3,5
Custos devidos a atrasos 1,5
Reparos em obras entregues a clientes 5,0
TOTAL 30,0
Esses últimos autores observam que "existe uma grande parcela de perda que
é causada por problemas relacionados ao projeto, tais como: modificações no
transcorrer do processo construtivo, falta de consulta ou de cumprimento às
especificações e de detalhamento insuficiente de projeto, bem como de
coordenação entre os diferentes projetos".
22
Mais ainda, em um enfoque de caráter global, pode-se ensejar que a partir de
uma mudança de base tecnológica, permitindo alcançar patamares mais
elevados da qualidade de todo o processo - em que o projeto pode ter
importante participação - os custos podem ser significativamente reduzidos, em
comparação aos verificados na construção tradicional de edifícios.
HAMMARLUND & JOSEPHSON (1992) definem uma proporção relativa entre
os custos de prevenção e avaliação e os custos de falhas envolvidos no
processo de construção, em que os primeiros são entendidos como
investimentos no combate às despesas com os outros. Conseqüentemente, em
nenhum caso poder-se-ia almejar um índice nulo de desperdício com a
implementação de sistemas da qualidade, nem seria o objetivo em um sistema
industrial qualquer, ou de um sistema com menor nível de evolução como é o
setor de construção de edifícios.
Porém, há que se determinar as principais origens de desperdícios para
subsidiar a estratégia do programa da qualidade na empresa, equilibrando o
investimento em qualidade e o resultado econômico em redução de custos,
sendo o projeto um dos itens de maior potencial nesse sentido.
Dentro desse debate, o engenheiro Nilton Vargas afirmou, em entrevista à
imprensa, que os desperdícios no setor existem porque "a Construção Civil
dependia do Estado" e que as mudanças realizadas no próprio governo nos
últimos anos levaram a mudanças das estratégias empresariais, as quais
"começaram a não dar mais resultados" (QUALIDADE..., 1993).
23
Em sessão realizada em junho de 1993, a Câmara Setorial da Construção
Civil
10
apontou como razões do desperdício nesse setor de atividade
(DESPERDÍCIO..., 1993):
baixa qualidade e produtividade global do processo, envolvendo os vários
agentes da cadeia produtiva e as várias etapas do processo de produção
(licitação, contratação, planejamento, projeto, fabricação de materiais,
distribuição e revenda, gerenciamento e execução de obras, operação e
manutenção);
desperdício de materiais, retrabalho e tempos ociosos de mão-de-obra e
equipamentos, como decorrência da baixa produtividade global do processo
e falta de articulação da cadeia produtiva;
pouca participação das empresas no papel duplo de cliente e fornecedor e
do consumidor na exigência de qualidade dos produtos.
Dentro da motivação pela evolução do setor empresarial, induzida pelo
Governo, alguns outros fatores podem ser citados: o advento no Brasil do
Código do Consumidor (Lei n
o
8078 de 11/09/1990), em vigência desde março
de 1991, que trouxe maior respaldo legal e agilidade aos processos de
denúncia de falhas ou vícios de construção em edificações; o agravamento da
crise econômica e a redução dos investimentos do Estado, dificultando a
sobrevivência das empresas no mercado e levando a uma reestruturação
destas, em busca de maior competitividade; a criação do Programa Brasileiro
10
Criada em 6 de abril de 1993, é um fórum de debates em que participam consumidores,
governo, trabalhadores e empresários da Construção Civil no Brasil.
24
da Qualidade e Produtividade - PBQP no atual governo e seu desdobramento
na forma de um sub-programa setorial para a construção de edifícios
11
.
SOUZA (1992) ilustra de modo simbólico esta nova situação na Construção
Civil, estabelecendo uma comparação entre dois diferentes modos de
composição entre custos e preços, determinando o lucro da empresa dentro do
mercado, conforme se vê na figura 2.2.
Algumas empresas construtoras assumem então como desafio mudar seu
enfoque de mercado, para garantir uma perspectiva de atuação em um
contexto cada vez mais exigente e competitivo, recorrendo à implementação de
um programa da qualidade para ajudá-las a enfrentar a nova situação.
Figura 2.2
s mudanças de mercado levando a nova forma de compor custos
e preços (adaptado de SOUZA, 1992)
11
A esse respeito, ver publicação do Centro de Tecnologia de Edificações, apresentando o
diagnóstico do setor e suas tendências, objetivos, estratégias e ações propostas pelo PBQP
setorial para a construção de edifícios (CBIC, s.d.).
25
2.1.4 Dificuldades na implementação da qualidade
Dentro desse tema, WOOD JR. (1993) comenta as dificuldades enfrentadas por
empresas em geral na tentativa de implementar seus sistemas da qualidade,
resumindo alguns pontos principais geralmente citados nesses casos:
uma dificuldade comum na implementação em grandes conglomerados é a
oposição entre programas locais (em uma das empresas do grupo ou em
um setor ou departamento) e diretrizes da corporação, nem sempre
sintonizados, levando à paralisação ou retardamento do avanço das
mudanças e até mesmo a retrocessos;
conflito entre objetivos de curto e médio prazos: programas da qualidade
exigem tempo e paciência, nem sempre disponíveis em empresas premidas
por condições desfavoráveis de mercado;
ocorrência do "efeito esponja": o programa da qualidade tende a atrair e
absorver todos os problemas da organização, mesmo os que não consegue
resolver;
geralmente o programa cinde a organização em dois grupos - os
"evangelistas", que acreditam sem ressalvas nele; e os "céticos", que
procuram mostrar suas falhas - que passam a disputar poder e espaço,
configurando situações de conflagração, aberta ou não;
nem sempre os grupos distinguem os meios dos fins e o programa da
qualidade passa a alimentar a si próprio em lugar de servir aos propósitos
da organização;
26
muitas vezes os benefícios são intangíveis ou desproporcionais aos
esforços realizados;
algumas vezes o programa pode piorar uma situação já ruim, deslocando
energias para esforços não prioritários - um programa da qualidade exige
"saúde organizacional".
Um outro ponto que deve ser acrescentado aos acima é a questão da imagem
interna do programa da qualidade, que pode ser interpretado por parte dos
funcionários como uma simples estratégia de marketing, tornando-o superficial
e pouco eficaz na implementação de mudanças.
Vê-se que o enfoque de um programa da qualidade deve ser o mais
abrangente e preciso, levando em consideração as peculiaridades de cada
organização e as reações dos setores internos à sua implementação. Sendo
extremamente conceituais, as premissas da qualidade podem acabar sendo,
erroneamente, interpretadas de modo subjetivo e inadequado.
Assim como SOUZA e WOOD JR., também SNYDER (1993), ao apresentar
um caso bem sucedido de mudança em busca da qualidade, ocorrido na
subsidiária australiana de uma empresa multinacional, destaca o princípio de
que o sucesso de todos os esforços pela qualidade depende de um aspecto
humano: o fator comportamental.
Nessa experiência relatada por SNYDER, foi aplicado um método denominado
"Processo de Liderança da Qualidade" (Quality Leadership Process), que
segundo o autor tem a vantagem de levar a filosofia da qualidade para uma
dimensão prática, que pode ser "colocada no papel".
27
O processo defendido por SNYDER é resumido em dez passos de melhoria de
desempenho, que o compõem:
1 Escolha precisa de um ponto a ser focalizado para melhoria;
2 Definição do processo atual, inclusive seu fluxograma;
3 Identificação de pontos críticos, de comportamento ou rotinas
estabelecidas;
4 Definição de indicadores para medida do progresso obtido;
5 Estabelecimento da linha de partida (desempenho atual);
6 Escolha de metas parciais e finais a serem atingidas;
7 Elaboração do plano de ação: programas e ações de mudança, remoção
de barreiras, implementação de novas idéias;
8 Identificação de ligações a serem estabelecidas com outras áreas ou
empresas, bem como o tipo de envolvimento que será necessário em cada
caso;
9 Retroalimentação do processo, com retorno aos participantes, por meio
de informações sobre os resultados de progresso obtidos;
10 Revisão dos itens 3, 6 e 7, para readequação do processo.
28
A metodologia utilizada por SNYDER tem vários pontos de interesse para
discussão, ao ser hipoteticamente transportada para uma empresa de
construção civil:
como em geral não há a completa formalização e documentação da
estrutura organizacional e procedimentos em vigor, o processo deve ser
iniciado por um diagnóstico da empresa, ou de um subsistema particular da
mesma, antes de qualquer outra iniciativa ligada a um programa da
qualidade que se pretenda introduzir, para permitir maior objetividade e
direcionamento das ações a serem empreendidas no programa;
as empresas devem necessariamente possuir sistemas de apropriação de
dados bastante completos quanto à sua situação atual, bem como para a
aferição dos resultados obtidos a partir da introdução de um programa da
qualidade, sem o que torna-se difícil o sucesso de tal programa - e, como
discutido anteriormente, muitas construtoras não possuem tal sistema;
todo o processo baseia-se no engajamento dos setores e dos indivíduos
direta ou indiretamente envolvidos, que devem estar motivados para seguir
os princípios e cumprir as metas do programa da qualidade.
A introdução dos conceitos da qualidade representa, portanto, a chegada de
uma nova cultura no meio empresarial. Especialmente no setor da Construção
Civil, de comportamento tradicional e conservador, estas mudanças de caráter
cultural assumem proporções significativas. Torna-se importante examinar, a
partir daí, como se altera a participação do projeto nesse contexto de
mudanças.
29
2.2 A Importância do Projeto na Busca da Qualidade
2.2.1 O projeto e a ocorrência de falhas do produto
HAMMARLUND & JOSEPHSON (1992) apresentam um estudo realizado na
Suécia e definem uma distribuição relativa entre os fatores de custo
responsáveis por falhas internas - segundo a ISO 9004, aqueles decorrentes
de reprocessamento antes da entrega do produto - e uma outra distribuição
para os fatores de custo de falhas externas - ocorridos após a entrega do
produto. Pode-se observar que a parcela devida ao projeto representa 20% das
falhas internas e 51% das falhas externas, representando na soma
aproximadamente um terço do total dos custos de falhas da qualidade. Esses
dados estão reproduzidos na tabela 2.2.
E, segundo dados apresentados por HELENE (1988), provenientes de
levantamentos realizados em vários países da Europa, a maior parte dos
problemas patológicos
12
na Construção Civil têm origem na etapa de projeto -
variando de 36% a 49%, conforme o caso.
Outros autores (MOTTEU & CNUDDE, 1989) também apontam a ligação entre
erros de projeto e problemas patológicos, que pode ser visualizada no gráfico
da figura 2.3. Segundo os autores, a fase de concepção e projeto é a principal
origem de defeitos das construções, participando com 46% do total das falhas.
Outra colocação feita por eles destaca o fato de que apenas 22% dos
problemas ligam-se à fase de execução.
12
Correspondentes às falhas externas, dentro da terminologia ISO.
30
Tabela 2.2 Distribuição dos custos de falhas da qualidade na Suécia, internas
e externas (HAMMARLUND & JOSEPHSON, 1992)
ORIGENS DA FALHA INTERNAS
(% relativa) EXTERNAS
(% relativa)
Cliente
3% -
Projeto
20% 51%
Gerenciamento
34% -
Execução
20% 26%
Materiais
20% 10%
Equipamentos
1% -
Pós-ocupação
- 9%
Outros
2% 4%
TOTAL
(face aos custos de produção)
6%
4%
46%
22%
15%
8% 5% 4%
CONCEPÇÃO
E PROJETO
EXECUÇÃO
MATERIAIS
EXECUÇÃO
RÁPIDA
USO
OUTROS
Figura 2.3 Origens de problemas patológicos das construções (MOTTEU &
CNUDDE, 1989)
31
Em qualquer indústria, o papel do projeto deve ser adequadamente
estabelecido para permitir a implementação de sistemas da qualidade. A
própria série ISO 9000 básica confirma isto, ao incluir dentre os itens a serem
avaliados para a certificação de uma empresa a existência de um "controle de
projetos" e o relacionamento entre "projeto" e "fabricação".
Os vários dados apresentados indicam que as decisões tomadas no projeto
são importantes para a qualidade do produto final, mas não identificam
claramente a conjuntura em que são feitos os projetos. Falta, portanto,
entender como o projeto está inserido no processo de construção e tentar
analisar as relações com outras atividades - o que será feito a seguir.
2.2.2 O ciclo da qualidade e o projeto
A norma ABNT NB-9004 (ISO 9004) - "Gestão da qualidade e elementos do
sistema da qualidade - diretrizes" apresenta o ciclo da qualidade, cuja
representação gráfica está reproduzida na figura 2.4.
No ciclo em questão, à atividade de "marketing e pesquisa de mercado",
segue-se, em resposta, um trabalho de "engenharia de projeto, especificação e
desenvolvimento de produto" e as demais fases que passam a compor, então,
uma cadeia produtiva, até atingir junto ao cliente a "instalação e operação",
"assistência técnica e manutenção" e "disposição após uso", retomando o ciclo
no ponto inicial colocado. Na Construção Civil, porém, esse ciclo é reiniciado a
partir da perspectiva de geração de um novo produto, o qual pode apresentar
várias de suas características iguais ou similares às do anterior, mas
certamente não é o mesmo e nem será uma evolução direta a partir dele, como
acontece em produções em série.
32
Figura 2.4 Ciclo da qualidade (ABNT, 1990c)
JURAN & GRYNA definem ciclo da qualidade como:
"um modelo conceitual da interação das atividades que influenciam a qualidade
do produto ou serviço nos diversos estágios, cobrindo desde a identificação
das necessidades até a avaliação sobre se essas atividades estão sendo
satisfeitas".
Assim, confirma-se que o propósito de fixar-se um ciclo não é o de estabelecer
o seqüenciamento das atividades, mas seu inter-relacionamento. Tais modelos
devem ser entendidos como ilustrativos das relações básicas que devem ser
necessariamente estudadas, quando da implementação de programas da
qualidade total.
33
RAMOS (1992) caracteriza um ciclo da qualidade de produtos claramente
seqüencial, dentro de uma visão centrada na empresa produtora, embora
considerando várias das atividades também incluídas pela ISO 9004,
reproduzido na figura 2.5.
Figura 2.5 Ciclo da qualidade segundo RAMOS (1992)
34
Esse último ciclo foi idealizado para os elementos de uma produção seriada e
contínua, em que o efeito de escala é predominante; no entanto, pode-se
discutir sua aplicabilidade a elementos repetitivos de uma produção
descontínua e não seriada - caso da Construção Civil. Dentre as atividades
apresentadas por RAMOS, sobressaem-se algumas que merecem destaque
positivo:
a partir da identificação das necessidades dos clientes, são estabelecidas
especificações de desempenho, e segue-se um trabalho de pesquisa e
desenvolvimento;
o projeto envolve além do produto, o respectivo processo de produção;
um planejamento da qualidade, claramente distinto do planejamento de
compras e produção;
existem tanto a avaliação pelo produtor como a avaliação pelo consumidor,
esta última fazendo a retroalimentação para o ponto inicial do ciclo.
Ambos os ciclos apresentados nas duas figuras anteriores, portanto, adaptam-
se melhor a produtos seriados, caso em que ocorrem as fases ou atividades de
forma seqüencial e contínua. Porém, nada impede que sejam consideradas
para a estruturação do sistema da qualidade na Construção Civil fases ou
atividades análogas, ainda que não exatamente na forma de um ciclo
seqüencial. Este tema será retomado no terceiro capítulo.
SOUZA et al., considerando as peculiaridades deste setor industrial,
apresentam o ciclo da qualidade na Construção Civil, abrangendo um menor
35
número de aspectos, tendo esse ciclo um caráter particularizado, ao exibir
agentes participantes e inter-relacionados no setor (figura 2.6).
Figura 2.6 Ciclo da qualidade na Construção Civil (SOUZA, SAMPAIO &
MEKBEKIAN, 1993)
A definição de um ciclo da qualidade leva ao estudo de um diagrama de
relações entre os vários participantes dentro de um mercado; os ciclos
apresentados aqui exibem inúmeras simplificações, servindo muito mais como
referência para a discussão conceitual em torno da qualidade. Note-se que um
ponto em comum é a inserção bastante clara da atividade de projeto no ciclo,
sempre bastante anterior à produção propriamente dita.
O ciclo da figura 2.6 possui um número reduzido de atividades, o que torna
implícitas diversas outras relações que efetivamente ocorrem nesta área de
atividade, como por exemplo: contratação, venda, assistência pós-entrega,
36
apenas para citar algumas. Também existe implicitamente nesta representação
um tipo de relacionamento que é a princípio temporário, já que o sistema de
produção na Construção Civil é, no caso geral, um sistema de produção aberto.
Portanto, um fornecedor de materiais e componentes de construção, por
exemplo, fornece-os normalmente dentro de especificações genéricas e,
dificilmente, tendo em vista especificações particulares de um dado produto; tal
representação, em conseqüência, é bastante falha e pouco real, por não
explicitar esses aspectos. No próximo capítulo (no item 3.3.2) será aprofundada
esta análise.
A seguir, é enfocado o estabelecimento de relações entre os participantes do
ciclo da qualidade, com destaque para o projeto.
2.2.3 Garantia da qualidade, qualidade total e o projeto
Atualmente, um dos desafios para as empresas construtoras é o de criar um
sistema capaz de aplicar aos seus empreendimentos os princípios de garantia
da qualidade, inclusive à etapa de projeto; para tanto, deve-se buscar
estabelecer parâmetros e exigências a serem atendidos nas relações entre os
participantes.
Pode-se atentar para as dificuldades em especificar e controlar atividades de
projeto, no atual estágio da construção de edifícios, em que as empresas não
possuem uma estrutura organizacional eficiente, para contratação e
coordenação da elaboração de projetos. Muitas vezes, a orientação resume-se
a poucas instruções verbais, ficando o resto "por conta da experiência do
projetista".
37
Quanto ao arquivo e documentação, além daquilo que fica incorporado aos
próprios documentos de projeto, muitas vezes não se faz o adequado registro
das idéias e conclusões geradas a partir de discussões ao longo das etapas de
projeto, com a posterior análise dos resultados em obra, o que seria
fundamental, como já foi dito, para a evolução do setor.
Os problemas apontados, porém, inserem-se no conjunto das relações entre
fornecedor e cliente antes mencionadas, sendo portanto resultado das
características do processo de produção e não intrínsecas ao projeto; por esse
motivo, a garantia de qualidade do projeto dependerá claramente das
características do sistema. Mais adiante, é tratado o tema, ao analisar-se as
relações entre empreendedores, projetistas, construtores e usuários (item 3.3
do capítulo 3).
Para completar o quadro delineado neste item, cabe ressaltar que os fatores
humanos e de relacionamento devem ser considerados na mudança estrutural
do setor em busca da qualidade. SOUZA (1992) destaca que "a padronização e
o controle da qualidade de produtos e processos produtivos são condições
necessárias mas não suficientes para obter a qualidade".
Assim sendo, as ações de organização e gestão são primordiais, em que se
incluem:
adotar métodos gerenciais mais participativos e descentralizados;
implementar a garantia da qualidade por todos e não apenas por meio de
um departamento ou grupo responsável pela qualidade;
38
valorizar a capacidade criativa e de autocontrole dos funcionários;
treinar uma postura ativa frente aos clientes internos e externos.
Esse conceito amplo de qualidade é conhecido por qualidade total, por
significar um comprometimento de todos os setores e funcionários da empresa
com os objetivos do plano da qualidade em implementação.
No caso de um empreendimento de construção, a aplicabilidade do enfoque da
qualidade total é reduzida, por envolver várias empresas e profissionais, que se
alteram freqüentemente com a própria mudança do produto, mas valem os
princípios mencionados.
O relacionamento entre projeto e os demais integrantes do ciclo da qualidade é
deficiente nas atuais condições de atuação do setor; ou seja, para atingir
patamares mais elevados de qualidade, a construção de edifícios precisa
implementar sistemas da qualidade, com subsistemas desenvolvidos em cada
um dos itens do ciclo e adequadamente compatibilizados em seu
relacionamento. A relação entre projeto e os demais participantes é ilustrada na
figura 2.7.
A relação entre projeto e planejamento do empreendimento apresenta hoje
muitas falhas, bem como entre projeto e fabricantes e distribuidores de
materiais, ou execução de obras. Os reflexos de uma participação inadequada
do projeto fazem-se sentir, ainda, nas relações com o usuário e na fase de
operação e manutenção - esses pontos serão retomados no item 3.2.
39
Figura 2.7 O ciclo da qualidade na Construção Civil e as relações entre projeto
e os demais participantes do ciclo (MELHADO, 1993)
2.2.4 Auditoria da qualidade e o projeto
Vale mencionar aqui que um importante mecanismo adotado em sistemas da
qualidade, no âmbito do relacionamento entre vários departamentos ou
empresas dentro de um determinado ciclo produtivo, é o uso de planos de
auditoria; inclusive, o estabelecimento de planos de auditoria é condição
necessária para a certificação da qualidade segundo normas ISO.
Segundo a ISO 9004 (ABNT, 1990c), todos os elementos, aspectos e
componentes referentes ao sistema da qualidade devem ser auditados e
avaliados periodicamente. As avaliações, que devem ser objetivas e realizadas
por pessoal habilitado e independente da área avaliada, podem incluir as
seguintes atividades ou áreas:
40
estruturas organizacionais;
procedimentos administrativos e operacionais;
recursos humanos, materiais e de equipamentos;
áreas de trabalho, operações e processos;
itens sendo produzidos (para estabelecer o grau de conformidade com
normas e especificações);
documentação, relatórios e manutenção de registros.
JURAN & GRYNA (1991) definem auditoria da qualidade e os seus
desdobramentos, com base nas normas ISO:
"Auditoria da qualidade: um exame e avaliação sistemáticos e independentes
para determinar se os resultados e atividades da qualidade são compatíveis
com grupos de ações planejadas e se estes estão efetivamente implementados
e são apropriados para o alcance dos objetivos."
"Auditoria da qualidade do processo: uma análise dos elementos de um
processo e sua avaliação em relação à abrangência, correção das condições e
provável eficácia."
"Auditoria da qualidade do produto: um julgamento, baseado em valores
objetivos, da conformidade de um produto às características especificadas."
41
A primeira análise de interesse para o caso do projeto deve ser, portanto,
aquela ligada a uma auditoria do processo, pois apesar de ser possível encarar
o projeto como produto - com conseqüente verificação da conformidade ou não
das características do projeto - a questão básica levantada por este trabalho
refere-se à participação do projeto no processo do empreendimento, análise
esta que se julga prioritária neste trabalho, embora o projeto possa apresentar
deficiências também no sentido de suas características como produto.
Para melhor compreender o papel de uma atividade de auditoria, no contexto
de um determinado processo, pode-se confrontar os conceitos utilizados para
caracterizá-la com as definições de controle e controle da qualidade (segundo
SOUZA et al., 1993):
"Controle: consiste em assegurar que os resultados obtidos correspondam,
tanto quanto possível, aos planos. Isto implica em estabelecer um padrão,
comparar os resultados obtidos com o padrão estabelecido e exercer a
necessária ação corretiva, quando a execução desviar-se do plano. Não se
controla para punir falhas, mas para corrigir ou evitar erros, principalmente os
de caráter repetitivo."
"Controle da qualidade: as técnicas e atividades operacionais utilizadas para
atender aos requisitos da qualidade."
Vê-se que a atividade de controle integra-se à operação do sistema, fazendo
parte do conjunto de elementos internos ao sistema, enquanto que o processo
de auditoria estabelece uma avaliação desse sistema, com vistas a possíveis
reformulações em seus parâmetros básicos; são, portanto, atividades que se
42
complementam. Esta diferenciação poderia ser ilustrada, simbolicamente,
comparando-se os dois enfoques ao realizar uma viagem: acompanhar e
corrigir a trajetória mantendo-se na mesma estrada (controle) ou avaliar a
trajetória e as possíveis mudanças de rumo necessárias para chegar mais
facilmente ao destino (auditoria).
Para SILVA (1991), auditoria da qualidade pode ser conceituada como "o
exame metódico de uma situação existente em comparação com um
determinado modelo, ou então práticas geralmente aceitas, visando reduzir os
desvios das determinações originais e, sempre que possível, eliminá-los". O
autor afirma que as auditorias devem ser usadas por uma empresa "para
avaliar as suas próprias atividades ou a de seus fornecedores"; seria uma
"ferramenta gerencial" de acompanhamento dos sistemas da qualidade. Pode-
se inferir que, a princípio, esse sistema de avaliação estender-se-ia a todos os
integrantes do chamado "ciclo" da qualidade, inclusive quanto ao projeto.
O processo é baseado em reuniões e na aplicação de listas de verificação
(check-lists), sendo proposto por SILVA o emprego do termo avaliação da
qualidade, em substituição a auditoria, o que a seu ver seria mais adequado ao
papel e enfoque dados a tal sistemática.
Tal avaliação ou auditoria da qualidade em um empreendimento deverá ser
adaptada às suas características peculiares, mantendo no entanto um ponto de
vista independente, especialmente quanto à análise das decisões tomadas e
ao retorno de informações (retroalimentação) para eventuais correções de
rumo.
43
Quanto à auditoria do produto aplicada ao projeto, CUNHA & COBRA (1991)
relatam uma experiência realizada em uma grande empresa projetista,
envolvendo empreendimentos de obras industriais, analisando os resultados
positivos e as dificuldades de implementação de um sistema interno de
auditoria para projetos.
A empresa em que os autores acima conduziram a implementação citada é
constituída por várias unidades operacionais, funcionando com independência
em cinco estados do Brasil, sendo uma delas considerada a unidade "matriz".
O sistema implementado define como produto a ser analisado pela auditoria os
desenhos finais de projeto, já liberados para execução. A análise é feita por
amostragem, sendo que a avaliação de um dado projeto é sempre realizada
por profissionais de uma outra unidade da empresa, não envolvida no
processo. A freqüência de avaliação é a de uma amostragem a cada quatro
meses (matriz) ou seis meses (demais unidades).
Para melhor entendimento do sistema são reproduzidos na tabela 2.3 os itens
de uma lista de verificação usada pela empresa nas auditorias, bem como os
aspectos ainda não contemplados por estas auditorias, mas que foram
apresentados pelos autores referidos como metas futuras, para também
comporem as avaliações.
Pode-se perceber que tal modelo de auditoria não se aplica a qualquer
conformação de empresa de projeto, já que é necessário que ela possua
setores independentes, ou que seja feito por uma entidade externa, para
caracterizar o processo como uma legítima auditoria.
44
Tabela 2.3 Itens constantes de listas de verificação em auditorias internas a
uma empresa de projeto (CUNHA & COBRA, 1991)
ITENS A SEREM VERIFICADOS
1. Construção Civil
1.1 Informações para construção insuficientes
1.2 Informações para construção erradas
2 Fabricação e Pré-Fabricação
2.1 Informações para fabricação ou pré-fabricação, na obra ou em fábrica, insuficientes
2.2 Informações para fabricação ou pré-fabricação, na obra ou em fábrica, erradas
3 Montagem
3.1 Informações para montagem insuficientes
3.2 Informações para montagem erradas
4 Geral
4.1 Falta relação de pendências e ou sua identificação
4.2 Finalidade da emissão inexistente ou errada
4.3 Lista de documentos de referência insuficiente
4.4 Condições de segurança inadequadas
5 Necessidade de Melhoria
5.1 Projeto de difícil execução para construção/montagem/fabricação
5.2 Desenhos de difícil interpretação
5.3 Informações em excesso permitindo confusão na construção/montagem/fabricação
5.4 Outras melhorias
ITENS NÃO VERIFICADOS, MAS DE INTERESSE FUTURO
* Adequação da concepção técnica adotada
* Direcionamento do projeto às características particulares do produto
45
Além disso, o sistema permite realimentar o processo de elaboração de
projetos da empresa, mas não age diretamente sobre esse processo. Resta
estabelecer métodos adequados à minimização de falhas no projeto, algumas
das quais estariam fora do alcance de qualquer auditoria, inclusive - por
exemplo, falhas na interpretação das necessidades do cliente.
Voltando então ao enfoque de processo, é fundamental refletir acerca da
seguinte questão: seria o projeto um produto - cabendo aí a aplicação de
princípios de controle e garantia da qualidade convencionais - ou seria muito
mais um serviço, parte integrante das atividades que compõem o processo do
empreendimento?
Essa discussão será o tema do próximo item deste capítulo.
2.2.5 Projeto: um produto ou um serviço?
RAMOS (1992) define serviço como "uma combinação de recursos humanos e
materiais com o objetivo de aumentar o valor de 'estado'
13
de alguma pessoa
ou objeto, de forma a melhorar sua utilidade".
Como características de um serviço, RAMOS lista cinco principais, que são
citadas a seguir:
1 Intangibilidade: o comprador normalmente não tem possibilidade de avaliar
a qualidade do serviço antes da aquisição e não elabora especificações
formais para este;
13
Observação: o valor de "estado" a que se refere RAMOS deve ser entendido, salvo melhor
definição, como o valor intrínseco de um item em uma determinada fase de um processo.
46
2 Perecibilidade: serviços não podem ser estocados;
3 Heterogeneidade: há uma apreciável variabilidade dos resultados
("saídas") de um serviço;
4 Simultaneidade: a produção e o consumo do serviço dão-se ao mesmo
tempo;
5 Relação cliente-fornecedor: o contato costuma ser pessoal e direto, com
grande volume de transações e circulação de papéis.
A similaridade entre as características de um projeto de edifício, e a definição e
características atribuídas a um serviço, é significativa, já que existem na maior
parte dos projetos: falta de especificações pelo cliente; variabilidade de
resultados; produção e consumo bastante encadeados, ainda que não
exatamente simultâneos; contato pessoal e direto com o cliente. Quanto à
perecibilidade de um projeto, se considerado que um projeto arquivado torna-
se obsoleto face às imposições transitórias do mercado, pode-se entender que
um projeto deva ser "consumido" sempre no menor prazo possível.
RAMOS distingue a avaliação da qualidade de produtos, daquela que se faz
com relação a serviços, destacando que esta última tende a ser "mais
subjetiva", e que a maior variabilidade torna "seu controle mais complicado". De
fato, uma das características de qualquer projeto, que o distingue de um
simples produto, é o fato de cada projeto ser "único" e de difícil avaliação
objetiva, em condições normais.
47
Pelo exposto, será enfatizada neste trabalho a visão de projeto como serviço,
dando destaque à sua inserção no contexto do processo de que o projeto
participa, procurando estabelecer diretrizes que permitam um incremento da
qualidade do processo.
Tal enfoque não elimina a necessidade de também estabelecer padrões do
projeto como produto, definindo seu conteúdo mínimo e a própria forma de
apresentação das informações, padrões esses que devem ser verificados e
eventualmente corrigidos - embora tais padrões, por si só, não sejam
suficientes para garantir sua qualidade, em caso de falhas conceituais, por
exemplo.
Dentro de um contexto de mudanças em busca da qualidade no setor, se não
houver uma mudança nos métodos de elaboração e controle do projeto, os
resultados em termos de produto final ainda estarão aquém do pretendido -
pois torna-se fundamental dar ao projeto, entre outras atribuições, a de servir
como um "canal" para a transmissão da evolução tecnológica.
Os aspectos acima serão alvo do quarto capítulo, em que são tratados os
conceitos que envolvem o desenvolvimento de tecnologia para o setor de
construção de edifícios, sendo ainda relatadas experiências de aplicação desse
ponto de vista em trabalhos realizados junto a empresas construtoras, no
quinto capítulo deste trabalho.
48
2.3 Considerações Finais Sobre os Temas do Capítulo 2
O conceito de qualidade evoluiu, historicamente, desde os tempos em que
predominavam as corporações de ofício - com premissas da qualidade
baseadas na confiança depositada no próprio trabalhador - e passou por fases
de inspeção e controle da qualidade formais, até chegar à atual concepção de
qualidade total, voltada à satisfação do cliente e envolvendo ações
organizacionais e os relacionamentos com todos os participantes do processo,
sejam esses relacionamentos intra ou inter-empresas.
Na atualidade, a disseminação dessas idéias ampliou-se cada vez mais e
chegou a todos os setores da atividade industrial, atingindo inclusive a
Construção Civil. No entanto, a Construção Civil apresenta um conjunto
particular de características, de natureza do processo produtivo e do próprio
mercado, em que a aplicação dos conceitos e procedimentos trazidos pelas
modernas teorias da qualidade encontra uma série de dificuldades e deve
sofrer adaptações, para permitir sua implementação.
Na definição do ciclo da qualidade para a Construção Civil aparecem situações
diversas das que são encontradas em outras indústrias, sem que isto signifique
a invalidação de princípios gerais; atividades de avaliação e auditoria interna,
combinadas a procedimentos de controle da qualidade, somadas a uma
atenção especial às relações formais que se estabelecem entre os integrantes
de um processo, são partes importantes do conjunto de ações necessárias à
garantia da qualidade. Em qualquer processo industrial, como também na
Construção Civil, os métodos de elaboração e controle do projeto participam
dos esforços pela ascensão a padrões elevados da qualidade, servindo como
importante elo na cadeia produtiva.
49
Para que se faça uma adequada análise, é preciso ainda considerar os
aspectos específicos vinculados à estrutura de relações dentro do mercado de
construção, em que as ações voltadas à qualidade realizadas por uma
empresa dependem da participação de outros agentes dentro do mercado e da
criação de um contexto geral do setor, o qual apresenta relações complexas,
dificultando mudanças; isto afeta também a atividade de projeto.
Dentro de um programa de medidas voltadas à implementação de sistemas da
qualidade, centrado na evolução tecnológica e objetivando a revisão das
relações entre os vários integrantes do ciclo, cabe propor medidas que
permitam objetivar mais tanto a avaliação como o próprio controle do projeto - e
isto será enfocado no sexto capítulo, analisando-se a questão metodológica do
projeto inserida no contexto do empreendimento e da empresa de construção
de edifícios.
50
3 O EMPREENDIMENTO DE CONSTRUÇÃO DE EDIFÍCIOS E O PROJETO
Neste terceiro capítulo pretende-se analisar o papel do projeto face às
características peculiares do empreendimento de construção de edifícios; para
tanto, inicia-se por uma leitura histórica da atividade de construir e das
mudanças verificadas nos papéis de arquitetos, engenheiros e construtores.
Também são avaliados a conjuntura atual do mercado de construção de
edifícios e as deficiências de relacionamento entre os participantes dos
empreendimentos, com suas implicações para a qualidade do projeto.
Em adição a essa análise, discute-se as atribuições dadas à palavra projeto,
enfocando sua inserção no contexto de um empreendimento de construção de
edifícios.
3.1 A Construção de Edifícios - Visão Histórica
3.1.1 O surgimento e a evolução da atividade de construir
"A humanidade primitiva usou cavernas e outras formações naturais para
abrigar-se, mas muito cedo tratou de melhorar de maneira artificial o ambiente,
a fim de o adaptar especificamente às necessidades ou fins em vista.
A princípio, o Homem visou apenas à obtenção de um local mais ou menos
confortável, onde pudesse viver com a família razoavelmente seguro contra
as intempéries e contra os animais ferozes. Mas logo passou a desdobrar
essa idéia. As edificações evoluíram de simples habitação de uso privado
para o palácio, a fortaleza e o templo, onde além de recursos utilitários
51
indispensáveis sobressaíam requintes de interesse puramente estético e
artístico." (DALZELL, 1977.)
Também procurando definir a passagem do estágio primitivo ao estágio
posterior da humanidade, MILA (s.d.) resume o processo da seguinte forma:
"O Homem, na sua evolução, desenvolveu o desejo de habitar e o cultivou
como causa da necessidade de abrigar-se. O abrigo natural foi suficiente
enquanto ele não percebeu que podia criar formas que satisfizessem também
àquele desejo. Materializou então a idéia da habitação na criação de um abrigo
artificial - o edifício."
Hoje, com o crescimento populacional e a migração do meio rural para o
urbano, a necessidade de construir edifícios é crescente, estimando-se que no
ano 2000 ter-se-á 76,9% da população vivendo em cidades, na América Latina
(CARDOSO, 1991).
Na definição de Giancarlo Corazza (apud CASTRO NETO, 1994), os edifícios
são "construções destinadas a alojar pessoas, fornecendo a elas as condições
necessárias para desenvolver do melhor modo as atividades previstas",
estabelecendo nos dias atuais uma estreita dependência entre a vida humana
e as características dos edifícios.
E, acerca da influência da atividade de construir sobre a vida dos homens,
MORAIS (1983) cita uma frase atribuída a Winston Churchill: "Moldamos
nossas construções e elas, posteriormente, nos moldam", o que revela quanto
esta atividade pode-se confundir com a própria História.
52
Cabe, portanto, procurar entender como a atividade de construir evoluiu, em
conjunto com as mudanças acontecidas na história da humanidade.
MORAIS (1983) comenta que foi no Homem do período Neolítico que surgiu
pela primeira vez a noção de lar, encerrando-se, a partir daí, o seu
comportamento nômade.
Segundo AYMARD & AUBOYER (1977), o Homem principiou a habitar suas
próprias construções na Pré-História, no período Paleolítico Superior, tendo
ocorrido de forma gradual a passagem do nomadismo à vida sedentária;
inicialmente, habitava as cabanas apenas durante alguns meses do ano, mas
foi gradualmente aperfeiçoando a forma de construí-las, para então poder
abrigar-se nelas em qualquer estação. A tabela 3.1 ilustra as mudanças que
ocorreram ao longo dos períodos mais recentes da Pré-História, no tocante à
habitação.
A construção de edifícios - ou a arquitetura, de modo geral - surgiu como marca
natural da evolução da espécie humana e firmou-se a partir do crescimento das
civilizações urbanas, assumindo aos poucos as mais variadas conotações
sociais, artísticas e culturais.
AYMARD & AUBOYER apresentam alguns traços sociais da habitação nas
antigas civilizações do Oriente: no século 19 a.C., já existia a divisão entre
bairro operário e bairro rico - no primeiro, "pequenas casas estreitamente
ligadas", enquanto que no outro havia "grandes residências". Dentro desta
mesma visão, esses últimos autores afirmam, ao analisar aquelas civilizações:
"a impressão de poder é produzida principalmente pelas realizações
arquitetônicas".
53
Tabela 3.1 Evolução da forma de habitar ao longo da Pré-História (adaptado de
AYMARD & AUBOYER, 1977)
PERÍODO HISTÓRICO MUDANÇAS OCORRIDAS
Paleolítico Superior
surgimento das primeiras habitações
cabanas encontradas no Sul da Rússia, com
planta ovalada, o nível do piso ligeiramente
rebaixado, com cobertura de terra e ramos,
pedras ou peles e ossos
Mesolítico
(aprox.12.000-5000 a.C.) moradias enterradas, para maior proteção
construções utilizando pilares de madeira
forquilhados e bem cravados, suportando
madeiramento horizontal de troncos, recoberto
de paus roliços mais finos, com cobertura final
de terra
Neolítico
(aprox. 5.000-3000 a.C.)
obs.: também denominado Idade da Pedra
Polida - última fase da cultura humana
antes da utilização dos metais
construções de adobe ou cabanas de madeira
mais evoluídas
surgem as habitações sobre pilotis, mais
seguras contra ataque de animais e protegidas
da água
Na Grécia, por volta de 1700 a.C., as casas, apresentando forma retangular,
eram feitas com tijolos engastados em painéis de madeira, que também
serviam-lhe de ornamentação. Existem registros referentes a 500 a.C. que
revelam uma divisão sócio-urbana da cidade grega: os mais pobres alugavam
casas no centro, enquanto os mais ricos migravam para a periferia, em busca
de espaço e de contato com a natureza.
Os romanos construíram casas semelhantes às gregas do mesmo período,
mas se notabilizaram pelo emprego de construções em arco, estruturas que
permitiram a construção não só de edifícios mas também de grandes obras,
como os famosos aquedutos.
54
O princípio do arco, com suas variações, continuou propiciando a construção
de estruturas para vencer vãos com segurança. DALZELL relata o uso dos
principais materiais (madeira, pedra, tijolo, ferro, concreto) ao longo dos
tempos, destacando que os arquitetos europeus dos séculos 11 e 12 criaram
formas intrincadas de arcos e abóbadas a partir de conhecimentos adquiridos
na experimentação empírica, lado a lado com os pedreiros.
A arquitetura medieval, assim como as demais artes naquela época,
desenvolveu-se com um caráter acentuadamente religioso. As catedrais da
Idade Média, na Itália e na França, seguiam nos séculos 11 e 12 os moldes da
Roma Antiga, derivando daí a denominação de estilo românico usada para
diferenciar estas construções das de estilo gótico, que se mostraram mais
leves arquitetonicamente, caracterizadas pelos arcos agudos e ogivas,
surgidas mais ao final da era medieval. (SOUTO MAIOR, 1973.)
PACEY (1980) descreve o trabalho dos arquitetos naqueles tempos, o qual
envolvia não apenas o projeto do edifício, mas também o uso de
conhecimentos de mecânica para o desenvolvimento de máquinas, como no
caso de dispositivos usados para elevar blocos de pedra a grandes alturas.
Esse autor denomina o arquiteto daquela época o "mestre dos artesãos".
Quanto às mudanças ocorridas bem mais tarde, nos séculos 18 e 19,
DALZELL explica que "quando a Revolução Industrial começou exigindo a
criação de edifícios dos quais não havia precedentes - fábricas e docas,
pontes e viadutos para levar as novas estradas de ferro de indústria para
indústria - novos usos foram encontrados para a pedra, mas foram os
engenheiros e não os arquitetos que tiveram mais sucesso em adaptá-la a seu
novo papel.".
55
BURNS (1979) estabelece uma divisão histórica, denominando de Segunda
Revolução Industrial o período posterior a 1860, caracterizado pelo domínio da
ciência na indústria, pelo surgimento da produção em massa e de novos
processos industriais.
Aproximadamente nessa época, a construção de edifícios exibe novas
tendências: as construções metálicas surgem na Europa, dentre elas a mais
famosa - o Palácio de Cristal em Londres (1851). DALZELL comenta que os
arquitetos daquele tempo criticavam o uso de unidades pré-fabricadas de ferro
para construção, "considerando o material indigno da arquitetura séria".
O mesmo comportamento de "rejeição inicial" também teria ocorrido com
relação ao concreto armado, proposto por engenheiros franceses já em 1898 e
empregado por um inglês na construção da estrutura de um edifício nos
Estados Unidos, pela primeira vez, em 1902 .
Para MONNIER (1985), o desenvolvimento do conceito de como projetar e
construir seguiu, no século 20, as influências de grandes mestres da
arquitetura, particularmente das idéias que Le Corbusier difundia em suas
viagens pelo mundo, bem como de escolas de desenho industrial, como a
Bauhaus alemã, cujos seguidores foram denominados "funcionalistas".
O enfoque funcionalista, adotado por Frank Loyd Wright, considerava o edifício
"uma expressão diretamente aplicada ao seu propósito", assim como é o
transatlântico, o avião ou o automóvel (CASTRO NETO, 1994).
Por outro lado, DALZELL (1977) considera que a apreciação da beleza
funcional não foi uma descoberta de Le Corbusier e um produto da era da
56
máquina, mas que se trata de uma controvérsia bastante antiga, citando como
paralelo o confronto entre a arquitetura gótica - funcional, orgânica, de sistema
construtivo aparente e integrado à decoração do edifício - e a renascentista,
esta voltada à forma, muitas vezes "ocultando a natureza da estrutura e dos
materiais".
LEMOS (1982) analisa a evolução do pensamento na arquitetura, destacando a
mudança ocorrida no final do século 19 e início deste, quando os arquitetos
deixaram de ficar "muito presos à construção, às paredes", nas quais eles
antes procuravam descobrir a beleza, chegando então à definição de que "a
arquitetura é a arte de organizar o espaço", enfoque dominante até os dias
atuais.
No século 20 o edifício passou a ser entendido como um objeto com funções
definidas e marcantes, delineadas pela sua própria forma. Para a criação de
formas novas e originais, contribuíram inovações como o concreto protendido,
as cascas de concreto e as estruturas leves de aço.
Segundo CASTRO NETO (1994), Antonio Sant'Elia propôs em 1914 "evitar os
materiais pesados em favor dos flexíveis, que permitam a mobilidade e o
dinamismo: a arquitetura não deve ser permanente, mas efêmera". Mais tarde,
na década de 60, um famoso grupo de arquitetos ingleses - o Archigram - veio
novamente a se manifestar "contra a excessiva duração dos edifícios".
É importante observar, neste ponto, que as fontes bibliográficas de referência
consultadas, em sua maior parte, propõem-se a apresentar aspectos
marcantes de cada época, ou de vanguarda, analisando a atuação de
57
personagens consagrados da arquitetura, não se detendo naquilo que existe ou
existia de mais freqüente e habitual na construção de edifícios.
No entanto, o que se encontra em livros e artigos publicados é significativo por
mostrar o caminho pelo qual as mudanças conseguem fixar-se, influenciando a
formação dos novos profissionais da arquitetura e a visão que estes terão da
atividade de construir.
Observa-se até que o processo tradicional de construção, de modo variável em
termos regionais, foi influenciado em todo o mundo ocidental pelas novidades e
avanços incorporados em edifícios que se tornaram marcos da arquitetura,
sendo perfeitamente possível reconhecer traços arquitetônicos dos grandes
mestres em construções relativamente modestas e corriqueiras.
3.1.2 O arquiteto, o engenheiro e o construtor
ANDRADE (1994), discutindo em termos históricos a origem e o significado das
profissões vinculadas à atividade de construir, analisa o sentido das palavras
engenheiro e arquiteto em latim e grego, concluindo: "ambos os termos
designavam o mesmo profissional, o inventor, o autor, o construtor".
Mais à frente, esses papéis dissociaram-se, diferenciando-se quanto à sua
visão do objeto da atividade. NIEMEYER (1986) expressa assim sua visão de
como mudaram os papéis dos profissionais, especialmente a partir do advento
do concreto armado:
"Nos velhos tempos, nas construções mais remotas, projetar e construir um
edifício representava uma única tarefa. Com o tempo, com a evolução da
58
técnica e os novos programas que a sociedade moderna instituiu, as
construções tornaram-se mais complexas e surgiram o arquiteto e o
engenheiro. O primeiro, projetando edifícios; e o segundo, os meios de
construí-los".
Arquitetos de grande projeção no meio, como Oscar Niemeyer no caso
brasileiro, levaram à disseminação de conceitos como "arrojo" e "formas livres",
a arquitetura como "a obra de arte real".
Comentando as obras projetadas por Niemeyer, ANDRADE (1994) observa
que "as inovações nem sempre foram fáceis em termos construtivos" e que
"formas esculturais, caprichosas, ao lado da beleza que transmitiam ao edifício,
propunham, não poucas vezes, grandes dificuldades". Esse autor relata que a
utilização extensiva do concreto armado na arquitetura levou a soluções
complexas e que "o desempenho dos materiais utilizados era de características
inadequadas ao uso programado, de que resultava em rápida deterioração dos
componentes dos edifícios".
Pode-se perceber a transformação dos papéis, ao comparar esta visão da
atualidade com a situação vivida até antes da Revolução Industrial, quando "o
artista, o arquiteto e o engenheiro eram, a rigor, a mesma pessoa". (PACEY,
1980.)
PACEY também faz referência aos antigos romanos, citando a obra escrita por
Vitrúvio em 30 d.C., onde se tratava de arquitetura e de engenharia,
descrevendo técnicas e máquinas que eram utilizadas pelos arquitetos na
atividade de construção.
59
Em adição ao ponto de vista anterior, MARK (s.d.) afirma que "ao contrário dos
antigos mestres-de-obras, muitos arquitetos de hoje
14
sentem-se totalmente
livres para projetar estruturas com praticamente qualquer forma, não
importando seu tamanho ou o ambiente em que venha a se localizar. Esses
profissionais confiam exageradamente na intervenção dos consultores de
engenharia".
Segundo afirmação desse último autor, a evolução que ocorria naturalmente de
uma obra para outra, a partir da observação dos resultados obtidos com novos
detalhes e soluções construtivas, não tem sido mais possível, pois existe hoje
uma separação entre o escritório de arquitetura e o canteiro de obras.
Outros fatores, como o surgimento da consciência política do valor social da
habitação, juntamente com as tendências da arquitetura de vanguarda, que no
pós-guerra deu espaço à aplicação de teorias de industrialização e pré-
fabricação da construção, colaboraram no sentido de estimular a ruptura da
tradicional forma de se construir.
O projeto de edifícios passou a ser objeto de dois enfoques básicos: um
primeiro, o arquitetônico, buscando uma identidade cultural e a inovação
estética e funcional; e um segundo, o tecnológico, que viveu grande dispersão
de caminhos entre o tradicional, cada vez menos valorizado, e o inovador,
cujos resultados por vezes foram insatisfatórios quanto a requisitos básicos de
desempenho.
14
Quanto ao contexto desta afirmação, pode-se esclarecer que o artigo correspondente é de
autoria de um professor da Universidade de Princeton, publicado com certeza após 1983,
embora a data de publicação não constasse da cópia.
60
A partir do que foi visto até aqui, é interessante salientar que a qualidade do
projeto é, erroneamente, confundida com a qualidade da proposta
arquitetônica, causando assim interpretações distorcidas do papel do projeto.
Esse ponto será melhor discutido no item 3.3.
Não se pode também ignorar o processo de transformação que ocorreu com a
mão-de-obra, no qual o trabalhador da construção, que foi um dia um artesão,
conhecedor de seu ofício e responsável simultâneo pela "concepção",
"execução" e "controle" das operações a ele confiadas pelo arquiteto ou
construtor, resultou hoje em operário desqualificado.
Esse processo sofrido pela mão-de-obra foi descrito, para o caso brasileiro, por
SOUZA & MELHADO (1991), conforme reproduzido a seguir.
"Durante o processo de colonização de nosso país a força de trabalho era
composta por dois diferentes grupos de operários: trabalhadores assalariados
eram auxiliados muitas vezes por escravos do proprietário do empreendimento.
Com a vinda da Família Real para o Brasil e a Abertura dos Portos, muitos
arquitetos estrangeiros passaram a dar contribuições à construção. Nesse
mesmo período surgiram também as primeiras escolas de Engenharia.
O período compreendido entre os anos de 1850 e 1930, aproximadamente,
pode ser considerado o da efetiva formação da Indústria da Construção Civil
Nacional. A construção ferroviária aparece com destaque, sendo que a atuação
de empresas estrangeiras foi de grande influência para o surgimento de uma
classe operária de prestígio e bem organizada politicamente: os operários de
construção.
61
De 1930 a 1950 nota-se uma progressiva interferência do Estado. As
inovações tecnológicas introduzidas, normalmente simplificando muitas das
tarefas do edifício, são acompanhadas de uma gradativa desqualificação do
profissional de construção.
No período de 1955 a 1970 o setor é marcado por uma forte demanda.
Acentuou-se seu papel sócio-econômico como absorvedor da mão-de-obra. O
operário perde o 'status' de elite do início do século e passa à categoria de
operário desqualificado, denominada por muitos como 'peão de obra'."
Pelo exposto, vê-se que um dos efeitos conjuntos das mudanças na postura
dos projetistas e nas características da mão-de-obra foi o distanciamento entre
a concepção e gerenciamento da obra e a sua execução, fazendo com que não
haja uma hierarquia contínua como existe em outras indústrias. Para
determinadas questões surgidas durante o transcorrer da obra, nem o
projetista, nem o engenheiro de obra, nem o mestre ou encarregado e muito
menos o operário, terão respostas adequadas.
A habilidade essencial de construir que o Homem desenvolveu deixou de ser
um conhecimento rudimentar, meramente empírico, transmitido através das
gerações, para tornar-se uma atividade industrial complexa, a partir da
introdução de conhecimentos originados nas ciências. Ao mesmo tempo, arte e
ofício, que eram ligadas na origem da atividade, dissociaram-se e houve uma
perda do valor da mão-de-obra. Desse modo, a produção bastante artesanal
foi-se tornando contrastante com a concepção mais e mais elaborada das
obras. Esse contraste permanece até hoje.
62
Na busca de propostas, acredita-se que é fundamental avaliar de que modo a
participação e o enfoque profissional de arquitetos e engenheiros, em seus
papéis de projetistas e como construtores, influenciam a qualidade na
construção de edifícios. A dissociação progressiva entre a atividade de
construir propriamente dita (execução) e a concepção da obra (projeto) criaram
algumas lacunas no cerne do setor de atividade.
A partir da interpretação dos dados colhidos na bibliografia, elaborou-se um
resumo das principais mudanças na participação de construtores, arquitetos e
engenheiros. Esta análise pode ser visualizada por meio da tabela 3.2.
ANDRADE (1994) relata o princípio da construção de edifícios brasileira,
comentando quanto ao período da colonização: "uma época de primitivismo
construtivo, especialmente em Pernambuco, no Recôncavo e no lagamar de
São Vicente, como conseqüência da implantação das primeiras feitorias e nas
quais o construtor esteve presente levantando paredes e tetos para abrigar
produtos da terra e gente para a sua defesa. Copiavam o processo indígena,
empregando os mesmos materiais, não podendo fugir dos métodos nativos
tradicionais da construção neolítica".
Mais tarde, ainda durante o período de Brasil-Colônia, segundo ANDRADE,
surgiram as primeiras construções significativas, incluindo torres de pedra,
feitorias e capelas, sendo obras de "alguns construtores denominados
indiferentemente Mestres, Arquitetos e até Engenheiros Militares".
63
Tabela 3.2 Mudanças nos papéis de construtores, arquitetos e engenheiros
PERÍODO HISTÓRICO SITUAÇÃO
Pré-História
(até aprox. 3000 a.C.)
surge a atividade de construção de edifícios
construtor, arquiteto e engenheiro são a
mesma pessoa
Antiguidade
(3000 a.C.-476 d.C.)
a construção de edifícios é instrumento de
poder e aproxima-se das artes
o construtor é um feitor de escravos
Idade Média
(476-1453)
o conhecimento de engenharia (uso de
máquinas) torna-se fundamental na atividade
de construção
o construtor é um artesão bastante tradicional
e valorizado
Idade Moderna
(1453-1789)
avanço das ciências, influenciando a
engenharia
confronto entre aspectos funcionais e
estéticos da construção
Idade Contemporânea
da 1
a
Revolução
Industrial (1789) até 1860
mudanças no uso dos materiais estruturais na
construção de edifícios
arquiteto e engenheiro são profissionais
diferentes ligados a construções diferentes
Idade Contemporânea
após 2
a
Revolução
Industrial (1860 em diante)
novas teorias da Arquitetura procuram mudar
seu papel na sociedade
mudança gradual nas características da mão-
de-obra e posterior perda de tradição do
ofício
especialização crescente da Engenharia,
surgindo subdivisões na atuação profissional
divisão de trabalho entre os vários
profissionais de Arquitetura e de Engenharia,
devido à complexidade crescente dos
conhecimentos empregados no projeto e
construção de edifícios
arquiteto e engenheiro são profissionais
diferentes que trabalham de modo
interdependente
64
"Em 1649, D. João 4
o
enviara ao Brasil o engenheiro holandês Miguel
Timermans com encargos profissionais e para ensinar 'a alguns naturais a sua
arte, para que não estejamos dependendo de estrangeiros'; foi um dos pontos
de partida do plano que haveria de imprimir grande desenvolvimento aos
estudos matemáticos e a suas aplicações no campo da cartografia e da
construção" (ANDRADE).
O mesmo autor dá destaque à construção de capelas, igrejas, mosteiros e
conventos: "as mais elaboradas e permanentes construções civis no Brasil
entre os séculos 16 e 18 foram as edificações religiosas (...) as principais
ordens trouxeram em seus quadros inúmeros Mestres de Obras, muitas vezes
denominados arquitetos e, mais raramente, engenheiros, que planejavam e
construiam suas igrejas e casas conventuais".
Em 1816 foi fundada a Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios, que tornou-se
"núcleo das 'mestranças', ou seja, de conselhos de indivíduos mais qualificados
de uma corporação (...) reunidos para decisões administrativas, com referência
à capacitação de pessoas para o exercício profissional - os denominados
mestres de ofícios".
Ainda segundo ANDRADE, foram marcos fundamentais na história da
construção de edifícios no Brasil as fundações das Escolas Politécnicas: a do
Rio de Janeiro em 1874, a de São Paulo em 1893 e a de Porto Alegre, 1896. A
valorização da Engenharia, da Medicina e da Agricultura fazia parte do
movimento positivista brasileiro, bastante intenso naquela época.
O mesmo autor também relata que em 1898 a Escola Politécnica de São Paulo
contava com dois gabinetes, um deles o de Resistência dos Materiais, criado e
65
organizado pelo Prof. Paula Souza e pelo Prof. W. Fischer de Zurique e, o
outro, de Arquitetura, dirigido pelo Prof. Ramos de Azevedo.
A modernização das demais indústrias, especialmente a partir do final da
Segunda Grande Guerra, mostra caminhos para uma revisão dentro do
processo de evolução da atividade de construção de edifícios. Para tanto, será
necessário compreender os fatores que compõem o "atraso" que caracteriza o
setor hoje, bem como as formas pelas quais o projeto pode participar daquele
processo.
ROTSTEIN (1993) avalia que o período de 1950 a 1980 foi aquele em que as
empresas construtoras e de projeto e consultoria "deram um salto no Brasil",
consolidando um patrimônio de conhecimento técnico, o que foi permitido pelo
grande número de obras públicas realizadas. No entanto, a redução mais
recente dos investimentos do Estado mostrou a fragilidade do setor, levando
muitas empresas a buscar novo espaço em empreendimentos privados.
Quanto ao espaço profissional, o confronto entre passado e tendências atuais
indica que não se trata de redefinir as atribuições de engenheiros e arquitetos,
mas de criar novas formas de relacionamento entre eles; poderão também
surgir novos perfis profissionais ligados a atividades que exijam conhecimentos
de métodos de organização e de gerenciamento, na busca de uma saída para
as dificuldades advindas da especialização crescente.
66
3.2 A Evolução do Setor de Construção de Edifícios e o Projeto
3.2.1 A insatisfação com a situação atual
Conforme mencionado na Introdução, os resultados de pesquisas realizadas
em 1993 junto a empresas construtoras indicam que a grande maioria ainda
não iniciou a adaptação aos modernos preceitos da qualidade. Segundo os
resultados publicados em uma conhecida revista especializada, 86% das
empresas não possuem programas internos de qualidade e produtividade; além
disso, os 14% restantes incluem uma parcela (5%) correspondente a
programas voltados apenas à produtividade (CAMARGO, 1994). Na mesma
pesquisa, 60% das empresas "garantiram não ter conhecimento da ISO 9000".
Resultados bastante semelhantes foram obtidos por FRUET & FORMOSO
(1993) em consulta a 45 empresas de Porto Alegre, em que encontraram
políticas definidas para a qualidade apenas em 7 empresas (15%). Por outro
lado, apenas 28% dos entrevistados desconheciam a série ISO 9000.
Em pesquisa realizada junto a empresários, diretores, gerentes técnicos e
administrativos e engenheiros de empresas de São Paulo associadas ao
SINDUSCON, SOUZA & MEKBEKIAN (1992) promoveram uma auto-avaliação
em relação a requisitos da qualidade naquelas empresas.
Nos resultados desta última pesquisa observa-se que as empresas admitem
que seus produtos, serviços e organização apresentam problemas em relação
à qualidade, sendo que o item pior avaliado foi "projeto", em que a
apresentação formal foi considerada geralmente superior ao conteúdo. Dentro
desse item, os pontos mais criticados foram "detalhamento das especificações
67
técnicas" e "controle da qualidade do projeto". Segundo os autores, ficou
revelado que na opinião dos consultados os problemas maiores não se
concentram nas atividades de produção propriamente ditas, mas no âmbito da
direção e gerenciamento das empresas e na concepção dos empreendimentos.
VARGAS (1993), ao analisar as atitudes empresariais no setor, critica as
relações distorcidas entre projetistas e construtores: "historicamente,
arquitetos, projetistas de instalações e calculistas estão voltados para suas
funções particulares (...) sem qualquer ligação com quem vai construir" e, por
outro lado, com freqüência "as construtoras iniciam a obra sem ter o projeto
definitivo".
No Encontro Franco-Brasileiro sobre Qualidade na Construção, ETIENNE
(1993) demonstra que o seguro-construção, implementado na França desde
1978, foi uma iniciativa para melhorar o equilíbrio nas relações entre
empreendedores, projetistas, construtores e os usuários, reduzindo a
incidência de problemas patológicos e estimulando a evolução na busca da
qualidade. Esse seguro está fundamentado em um regime de
responsabilidades, bastante bem definidas, no qual inclusive os projetistas
assumem responsabilidade frente ao usuário (garantia decenal de bom
desempenho).
CAMBIAGHI (1992) afirma que "as exigências dos empreendedores em terem
suas obras concluídas o mais rápido possível para 'aproveitar' os momentos
econômicos ('boom') têm levado a uma diminuição cada vez maior do tempo
para projetos, para planejar, pensar, refletir, aferir e optar por melhores
alternativas." Tal colocação mostra-se bastante legítima na atualidade, se
entendida como uma expressão do tipo de relacionamento que, muito
68
freqüentemente, se estabelece entre empreendedores e projetistas, na área de
construção de edifícios. É possível até que a "pressão psicológica" exercida
pelo empreendedor, motivada por fatores de instabilidade do mercado e pelas
necessidades comerciais envolvidas, seja maior para o projetista do que
realmente tais fatores exigiriam. Nesses casos, isso significaria uma atitude do
próprio empreendedor no sentido de prejudicar a qualidade.
Assim, CAMBIAGHI reforça a idéia de que a atitude do empreendedor
apresenta-se geralmente dentro de um enfoque equivocado, afirmando que "o
tempo 'gasto' com projeto e planejamento 'aborrece' a todos (...). Poucos são
os que valorizam e reconhecem a importância daqueles que produzem idéias
representadas no papel."
TURK (1988), referindo-se à modernização dos empreendimentos necessária
para atender às situações decorrentes da especificação de sistemas de
automação predial, aponta um quadro de dificuldades: "A indústria de
construção de edifícios envolve diferentes participantes com interesses
conflitantes. Cada empreendimento é uma combinação única de pessoas, que
estabelecem relações temporárias para a consecução da tarefa. Os sistemas e
métodos que elas utilizam são determinados pelo seu papel no
empreendimento e práticas estabelecidas. O conceito de sistemas
centralizados de informação empregados na coordenação de projeto é
estranho a muitos membros da indústria de construção de edifícios britânica e
visto com cautela, uma vez que poderia afastar o enfoque competitivo de
organização individual". Essa discussão poderia perfeitamente estar referida à
realidade do mercado brasileiro de construção de edifícios.
69
Também dentro da temática sugerida pelo advento da automação predial,
LUSH (1988) compara a organização convencional da equipe de projetistas,
em que o arquiteto lidera o processo em contato direto com o cliente, com
aquela que seria a ideal, ou seja, uma equipe multidisciplinar envolvida de
modo conjunto desde a concepção inicial a partir do contato com o cliente
(empreendedor). Esse autor avisa que, no caso de edifícios complexos, mas
também possivelmente em todos os casos, os resultados obtidos com a forma
convencional são "pobres".
Dentro do enfoque aqui desenvolvido, fica claro que a evolução do setor de
construção de edifícios deve introduzir novas situações, para as quais a forma
convencional de projetar um edifício não está apta a oferecer respostas
adequadas; faz-se necessária uma maior integração entre os especialistas que
participam do projeto. A tendência de subdivisão cada vez maior do projeto em
partes distintas desenvolvidas por profissionais diferentes, dentro de um nível
de especialização crescente, traz como decorrência a necessidade de uma
coordenação eficiente do processo - tanto no que diz respeito à informação
utilizada (dados de entrada) quanto à decisão (dados de saída).
3.2.2 O papel do projeto
É fundamental, para a obtenção da qualidade, que o empreendedor valorize a
fase de projeto. Na defesa desse ponto de vista, pode-se citar as
considerações feitas pelo grupo do Construction Industry Institute - CII acerca
da importância das fases iniciais do empreendimento: nestas primeiras fases,
as decisões tomadas são as que têm maior capacidade de influenciar o custo
final. Esta influência é ilustrada pela figura 3.1.
70
Figura 3.1 Capacidade de influenciar o custo final de um empreendimento de
edifício ao longo de suas fases (CII, 1987)
Também HAMMARLUND & JOSEPHSON (1992) defendem a idéia de que as
decisões tomadas nas fases iniciais do empreendimento são importantes,
atribuindo-lhes a principal participação na redução dos custos de falhas do
edifício (conforme figura 3.2).
Na observação da figura 3.2, é muito expressiva a importância atribuída pelos
autores às fases iniciais do empreendimento - do estudo de viabilidade à
conclusão do projeto - em que, apesar do baixo dispêndio de recursos,
concentram-se boa parte das chances de redução da incidência de falhas e
dos respectivos custos.
Na prática corrente, porém, muitas vezes o projeto de um edifício é entendido
como um ônus que o empreendedor deve ter antes do início da obra, encarado
portanto como uma despesa a ser minimizada o quanto for possível, já que não
71
se tem inicialmente os recursos financeiros necessários e suficientes para
executar o empreendimento, antes de aprovar o projeto junto aos órgãos
competentes (BARROS & MELHADO, 1993).
Figura 3.2 O avanço do empreendimento em relação à chance de reduzir o
custo de falhas do edifício (HAMMARLUND & JOSEPHSON, 1992)
Como forma de ilustração desta afirmação, os autores acima apresentam um
gráfico que relaciona o prazo de desenvolvimento de um empreendimento e o
custo mensal das atividades envolvidas (figura 3.3).
Observe-se na figura 3.3 a indicação da atividade de projeto, que ocorre na
primeira etapa do empreendimento, apresentando custo reduzido, com a
finalidade clara de não "onerar" o custo inicial e total do empreendimento, além
de ter um prazo restrito, apesar de que entre o término do projeto e o início
efetivo da obra acaba decorrendo um extenso período.
72
Figura 3.3 Gráfico que relaciona o tempo de desenvolvimento de um
empreendimento de edifício e o custo mensal das atividades
(BARROS & MELHADO, 1993)
Em um contexto análogo, mas dirigido à indústria automobilística, FERREIRA
(1993) resume assim a participação da etapa de projeto na obtenção do
sucesso de um produto: "investir mais no projeto pode reduzir em até 60% os
custos de produção e em 40% o tempo total até o lançamento". O autor
enfatiza ainda a grande contribuição dada pelo projeto para os resultados do
produto a longo prazo, econômicos e de penetração no mercado.
Segundo MELHADO & VIOLANI (1992a): "Para obter-se sucesso em um
empreendimento, o projeto não pode ser resumido à caracterização geométrica
no papel da obra a ser construída. O projeto deve conceber, além do produto, o
seu processo de produção; (...) deve assumir o encargo fundamental de
agregar eficiência e qualidade ao produto".
Nesse sentido, acredita-se que o "investimento" em prazo e custo do projeto
deveria assumir um papel diferenciado do atual - ou seja, seria necessário um
maior investimento inicial, para permitir um maior desenvolvimento do projeto,
73
ainda que nesta fase houvesse um deslocamento para cima do custo inicial do
empreendimento e, eventualmente, um tempo maior dedicado à sua
elaboração. Essa idéia é exemplificada no gráfico proposto na figura 3.4.
Figura 3.4 Gráfico que relaciona o tempo de desenvolvimento de um
empreendimento e o custo mensal das atividades, com a idéia de
um maior "investimento" na fase de projeto (BARROS & MELHADO,
1993)
Evidentemente pode-se questionar quais seriam o custo e o tempo ideais para
a elaboração do projeto de um empreendimento, mas a resposta não será
exata. O que se sabe é que em países desenvolvidos o tempo de projeto
muitas vezes chega a ser da mesma ordem de grandeza do tempo dedicado
posteriormente à obra, procurando-se, com isto, evitar as deficiências e os
desperdícios comuns na fase de execução e obter um melhor desempenho do
produto final. No Brasil, porém, não existe tal cultura; o projeto é quase sempre
visto como um "mal necessário" em função das exigências legais. Esse é um
dos motivos que levam os projetos a serem simplesmente indicativos, fazendo
com que parte das decisões que caberiam ao projeto sejam efetivamente
tomadas durante a realização da obra.
74
3.3 O Conceito de Projeto
3.3.1 O significado de "projeto"
A maioria dos conceitos e definições de "projeto", obtidos a partir da bibliografia
relacionada com o tema, estão ligados ao procedimento ou prática de projetar
e, nesse sentido, pode-se entender o projeto como sendo:
"... um processo para a realização de idéias que deverá passar pelas etapas
de: idealização, simulação (análise) e implantação (protótipo e escala de
produção)" (RODRIGUEZ, 1992);
"... um modelo de solução para resolver um determinado problema"
(MARQUES, 1992);
"... uma atividade criativa, intelectual, baseada em conhecimentos (..) mas
também em experiência (...) um processo de otimização" (STEMMER, 1988).
Tem-se nessas definições o enfoque de projeto como criação. Por outro lado, é
possível encontrar também na bibliografia uma série de definições de projeto
de um ponto de vista mais voltado aos resultados, delineando o seu propósito
individual, social, político ou cultural:
"... é uma idéia que se forma de executar ou realizar algo, no futuro"
(FERREIRA, 1986);
"... a atividade de criar propostas que transformem alguma coisa existente em
algo melhor" (McGINTY, 1984);
75
"... o projeto é parte e reflexo de uma atitude global de seu autor e, através
dele, do tempo em que vive" (FERRO, 1979);
"... a ação de intervir ordenadamente, mediante atos antecipatórios, no meio
ambiente. A ação pode manifestar-se em produtos, edifícios, sinais, avisos
publicitários, sistemas, organizações, tanto em estruturas físicas como em
estruturas não físicas" (BONSIEPE, 1983).
Outros conceitos poderiam ser incorporados a esses; no entanto, quando se
fala em projeto de edifícios, acredita-se que se deva extrapolar a visão do
produto ou da sua função. Nesse caso, fica claro que o projeto deva ser
encarado, também, sob a ótica do processo (no caso, a atividade de construir).
E, também nesse contexto, o projeto deve ser encarado como informação, a
qual pode ser de natureza tecnológica (como no caso de indicações de
detalhes construtivos ou locação de equipamentos) ou de cunho puramente
gerencial - sendo útil ao planejamento e programação das atividades de
execução, ou que a ela dão suporte (como no caso de suprimentos e
contratações de serviços), sendo assim de importância crucial.
Entretanto, tem-se verificado em geral o oposto, sobretudo no processo
tradicional de construção, no qual MELHADO & VIOLANI (1992a) apontam
"uma freqüente dissociação entre a atividade de projeto e a de construção,
sendo que o projeto geralmente é entendido como instrumento, comprimindo-
se o seu prazo e o seu custo, merecendo um mínimo de aprofundamento e
assumindo um conteúdo quase meramente legal, ao ponto de torná-lo
simplesmente indicativo e postergando-se grande parte das decisões para a
etapa de obra".
76
Portanto, pode-se perguntar: como fazer, na construção de edifícios, para
harmonizar no projeto a visão do produto com a visão das condicionantes de
produção, integrando as etapas do empreendimento? Como fazer valer os
conceitos de que "projetar é construir no papel" ou ainda que "projetar é
antecipar as possibilidades, prever, predeterminar" (o processo de produção, a
obra), constantes da definição filosófica da palavra, expressa por ABAGNANO
(1981)?
15
Para responder a estas questões deve-se contextualizar o projeto de
edifícios, o que é feito a seguir.
3.3.2 O significado do projeto no contexto do empreendimento
No sentido de permitir o melhor entendimento do contexto no qual tornou-se
distorcido esse papel que seria intrínseco ao projeto, MELHADO & VIOLANI
discutem a composição de participantes envolvidos em um empreendimento na
área de construção de edifícios.
Na maior parte das vezes, pode-se dizer que o processo do empreendimento,
em suas diversas fases, envolve quatro categorias de participantes principais:
o empreendedor, responsável pela geração do produto;
o projetista, atuando na formalização do produto;
o construtor, que viabiliza a fabricação do produto;
o usuário, que assume a utilização do produto.
15
Mais à frente, no capítulo 6, apresenta-se uma definição de projeto, dentro do conjunto de
propostas deste trabalho.
77
Os quatro participantes acima possuem interesses próprios e capacidade
diferente de intervir no processo, como é natural, além de interesses em
comum; dentre esses últimos, inclui-se o sucesso do empreendimento. A figura
3.5 apresenta, de forma esquemática, os participantes envolvidos no
empreendimento e seu relacionamento.
Figura 3.5 Os quatro principais participantes que atuam em um
empreendimento de construção de edifícios (MELHADO & VIOLANI,
1992a)
O empreendedor, o construtor e o usuário podem ser considerados clientes do
projeto, dentro da ótica da qualidade (como visto no item 2.2.3 deste trabalho).
Sendo clientes do projeto, ele deveria levar em conta as necessidades do
empreendedor, do construtor e do usuário, para então melhor satisfazê-las;
78
nesse sentido, pode-se atribuir a cada um desses clientes um conjunto de
aspectos que denotam o ponto de vista pelo qual a qualidade de um dado
projeto seria avaliada:
o empreendedor avaliaria a qualidade do projeto a partir do alcance de seus
objetivos empresariais, que envolvem seu sucesso quanto à penetração do
produto no mercado, a formação de uma imagem junto aos compradores,
bem como - ou até principalmente - pelo retorno que o projeto ajudasse a
proporcionar a seus investimentos, ou pelo menos, pela manutenção dos
custos previstos para o empreendimento;
o construtor avaliaria a qualidade do projeto com base na clareza da
apresentação, importante para facilitar o trabalho de planejamento da
execução, em que o conteúdo, a precisão e a abrangência das informações
podem reduzir a margem de dúvida ou necessidade de correções durante a
execução, além de analisar a potencial economia de materiais e de mão-de-
obra, capazes de proporcionar redução de desperdícios;
o usuário avaliaria a qualidade do projeto na medida da satisfação de suas
intenções de "consumo", envolvendo conforto, bem-estar, segurança e
funcionalidade, somando-se a estas baixos custos de operação e de
manutenção; ressalte-se que este é o cliente externo.
No entanto, o peso da satisfação de cada cliente no conjunto destas relações
pode vir a ser diferenciado, na medida em que o empreendedor tenha função
de maior ascendência, como contratante do projetista, por exemplo. E,
dependendo do caso, construtor e projetista constituirão partes da mesma
79
empresa - os clientes internos, em cada caso, podem ter importâncias
diferentes.
BOBROFF (1993) também coloca a identificação desses vários clientes como
uma das dificuldades no posicionamento do projeto, implicando em piores
condições para o desenvolvimento do produto na Construção Civil, em
comparação com outras indústrias. A proposta que se está trazendo com este
trabalho visa exatamente a valorização dos interesses em comum, a favor da
evolução tecnológica e da qualidade dos produtos neste setor de atividade
econômica.
Em termos ideais, dentro do âmbito dos interesses comuns, o projeto pode
assumir o encargo fundamental de agregar eficiência e qualidade ao produto e
ao processo construtivo, salvaguardando assim o interesse de todos, uma vez
que a qualidade interessa:
ao empreendedor, que, por meio de produtos de fácil aceitação e venda,
obtém resultado econômico e maior competitividade face aos concorrentes;
ao projetista, que pode, com o sucesso do edifício construído e entregue,
obter realização profissional e pessoal e ampliar seu currículo;
ao construtor, que visa cumprir do modo mais eficiente suas tarefas de
execução, minimizando o retrabalho nas fases finais de obra ou após a
entrega das unidades;
ao usuário, pelo desempenho satisfatório do edifício em sua utilização, e
durabilidade adequada ao retorno do capital investido no imóvel.
80
Comparando-se o conjunto das relações mostradas na figura 3.5 com o ciclo
da qualidade, apresentado no item 2.2.2, percebe-se que este focaliza o
problema de forma mais ampla, incluindo os fornecedores e distribuidores de
materiais e componentes; porém, estes não apresentam ligações tão diretas
com os quatro participantes do empreendimento, podendo ser incluídos no
mesmo grupo que contém o construtor.
Uma análise semelhante foi apresentada por BOBROFF (1991), quanto ao
relacionamento entre os "condutores" da indústria de construção de edifícios na
França
16
. Entre outros aspectos, BOBROFF destaca o interesse crescente no
controle do projeto por parte de todos: "a lucratividade e redução dos riscos na
atividade de construção passam obrigatoriamente pelo controle do projeto e a
administração das interfaces", ou seja, são importantes o relacionamento entre
os participantes do processo e a influência que o projeto possui sobre os
resultados do empreendimento. Também CNUDDE (1984) apresenta esses
três participantes como os principais intervenientes no processo da construção
civil ("maître d'ouvrage, architecte/ingénieur, exécutant").
Em função da importância do projeto para todos, apresenta-se e discute-se, na
seqüência, a forma de participação do projeto no ciclo do empreendimento, em
função de algumas características específicas que este possa apresentar. Ao
se definir o ciclo do empreendimento como o relacionamento entre os
participantes anteriormente mencionados, constituídos por grupos com atuação
definida ao longo das fases que compõem esse ciclo, deve-se observar que a
atuação daqueles quatro participantes é variável em função dessas
16
A autora cita como principais condutores da indústria de construção de edifícios:
o cliente investidor;
o arquiteto; e
a empresa construtora.
81
características específicas do empreendimento, particularmente quanto à
importância dada ao projeto (BARROS & MELHADO, 1993).
E, ao se estudar o empreendimento sob a ótica da qualidade, mostra-se
importante retomar a análise do ciclo da qualidade, objetivando viabilizar a
implementação de sistemas da qualidade em empresas construtoras e visando
a garantia da qualidade do produto final. Tal análise foi feita por PICCHI (1993),
em sua tese de doutoramento, apresentando dois ciclos característicos: o de
empresas de incorporação e construção, mostrado na figura 3.6, e o de
construção de edifícios por empreitada (figura 3.7).
Na realidade, o ciclo do empreendimento não exibe a continuidade e a
definição que aparentava haver quando foi analisado o assunto no capítulo 2.
Mais que isso, dependendo das características particulares do
empreendimento, torna-se necessário apresentar as várias relações existentes
de modo a expor as dificuldades que atingem a busca pela qualidade.
Observe-se que essas duas últimas figuras explicitam as descontinuidades e
interferências que ocorrem na realidade, na produção de edifícios. Note-se nas
figuras que há a representação diferenciada de determinadas relações que
acontecem paralelamente às principais, as quais determinam etapas
importantes; por esse motivo, o autor coloca a participação de fabricantes e
distribuidores de materiais e componentes em uma "alça" ligada à área de
suprimentos da empresa considerada - o que é bastante mais representativo
da realidade, comparando-se ao que foi visto no capítulo 2.
82
Figura 3.6 O ciclo da qualidade em empresas de incorporação e construção
(PICCHI, 1993)
Assim, a partir dos ciclos de empreendimento apresentados, é possível
caracterizar um conjunto de dificuldades que levam a distorções do projeto,
quanto à sua função dentro do ciclo, seus objetivos de elaboração e seu
próprio conteúdo (conforme BARROS & MELHADO, 1993).
No âmbito das empresas de construção e incorporação, na construção de
empreendimentos habitacionais (correspondente ao ciclo da figura 3.6), por
exemplo, pode-se apontar as seguintes dificuldades na obtenção da qualidade
do projeto:
83
a elaboração do projeto de arquitetura sofre grande pressão de prazo, pelo
interesse na aprovação do projeto junto aos órgãos competentes (prefeitura
municipal, por exemplo), ou na obtenção de fontes de financiamento;
de modo geral, sobressai a preocupação com os aspectos comerciais,
predominando os interesses de "marketing" em relação aos da qualidade;
o detalhamento do projeto tende a ser exageradamente postergado, tendo
em vista, muitas vezes, a espera pela viabilização de fontes de recursos
para o empreendimento, ou, simplesmente, por não se considerar
necessário tal detalhamento, exceto quando da execução;
em determinados casos, o acabamento das unidades pode ser
personalizado segundo o interesse do comprador, limitando as
possibilidades de intervenção do projeto, que pode ser detalhado apenas
até a chamada "obra bruta";
a contratação de profissionais ou empresas projetistas é conduzida, muitas
vezes, com base em concorrência de preços, constituindo-se no foco
principal das preocupações com a redução dos custos das fases iniciais do
empreendimento;
nesse contexto, o projeto, em resumo, serve para obter aprovação, para
mostrar aos compradores, para conseguir recursos de financiamento, para
fazer orçamento, permitir a contratação por concorrência e, apenas por
último, para ser instrumento útil à execução da obra.
84
Figura 3.7 O ciclo da qualidade em empresas de construção por empreitada
(PICCHI, 1993)
De modo análogo, poder-se-ia traçar um quadro semelhante para ilustrar as
dificuldades que surgem para o aumento da qualidade de projetos de obras
públicas, no contexto de contratos de empreitada - que não são objeto deste
trabalho - onde, por outros motivos, também se apresenta um quadro
desfavorável. Conforme afirma ROTSTEIN (1993), "a tendência ao desperdício,
ao superdimensionamento, à ostentação, é uma constante nos
empreendimentos conduzidos pela burocracia estatal".
85
3.4 Considerações Finais Sobre os Temas do Capítulo 3
As mudanças ocorridas no decorrer do processo histórico de civilização
levaram o Homem a viver em abrigos artificiais por ele construídos, gerando
um ramo básico da atividade humana, que é a construção. Esta atividade
sofreu algumas alterações de enfoque desde sua origem, convivendo hoje uma
série de pontos de vista diferentes e resultando no aumento da complexidade
da atividade de construir. Particularmente, a partir da introdução da tecnologia
em substituição parcial ao empirismo, bem como da especialização profissional
crescente, pode-se perceber que as mudanças não foram adequadamente
absorvidas pela Construção Civil.
Para a implementação de sistemas da qualidade em um setor da Construção
Civil, é importante considerar as peculiaridades que apresentam os seus
produtos, onde pode ser útil a compreensão de sua evolução histórica. E,
dentro desse enfoque, a conceituação da atividade de projeto, distorcido o seu
papel pelas mudanças ocorridas ao longo dos tempos, apresenta-se hoje
incoerente e inadequada, com reflexos negativos sobre a qualidade.
O projeto pode ter vários significados, segundo o enfoque dado à sua definição,
alguns desses merecendo destaque. Pode-se ter a atividade de projeto como
criação, seja esta baseada em arte ou técnica; ou o projeto visando uma dada
finalidade, propósito, dando destaque ao seu resultado como intervenção.
Como contraponto, tem-se o projeto como parte da atividade de construir,
indissociável desta última; e, também associado à atividade de construir, o
projeto como produto informação.
86
Ao analisar a participação do projeto no contexto do empreendimento, em
contraste com a discussão de seu significado, fica constatado o seu
esvaziamento como parte da atividade de construir. Esta importância do projeto
muitas vezes é desprezada em função da orientação do processo que gera o
produto edifício.
Pelas dificuldades apontadas ao longo deste capítulo, demonstra-se
claramente a necessidade de rever a filosofia que conduz o empreendimento,
tendo como conseqüência a formulação de diretrizes diferentes para a
elaboração de projetos. A atuação e responsabilidades dos quatro participantes
do empreendimento deve ser alterada, em favor da qualidade e da
implementação de uma filosofia baseada em princípios de evolução
tecnológica, racionalização e construtibilidade, dando assim um novo conteúdo
ao projeto. Complementando esta visão, esses últimos pontos serão tratados a
seguir, no quarto capítulo deste trabalho.
87
4 EVOLUÇÃO.TECNOLÓGICA,.RACIONALIZAÇÃO,.CONSTRUTIBILIDADE
E O PROJETO DE EDIFÍCIOS
Os elementos tratados neste quarto capítulo do trabalho são considerados
aspectos fundamentais para ajudar a tornar claro o enfoque da tese, uma vez
que as proposições feitas no sexto capítulo serão estruturadas dentro de uma
visão tecnológica, objetivando a qualidade do projeto sempre considerando as
questões básicas que afetam o processo de produção.
Serão tratadas aqui as relações entre a qualidade do projeto e a busca de
evolução tecnológica; entre a qualidade do projeto e a aplicação de princípios
de racionalização construtiva; e, entre a qualidade do projeto e o conceito de
construtibilidade.
4.1 Importância do Projeto para o Desenvolvimento de Tecnologia
4.1.1 Os significados de Técnica, Ciência e Tecnologia
Ao analisar a inteligência humana, BOCHENSKI (1977) coloca a Técnica
dentre as características que distinguem o homem dos outros animais:
"consiste essencialmente em que o homem se serve de instrumentos que ele
mesmo fabrica", enquanto que alguns outros animais fazem uso apenas de
instrumentos disponíveis na natureza.
Além da técnica, BOCHENSKI coloca entre as peculiaridades do homem a
tradição e o progresso: "o homem é inventivo; enquanto que os outros animais
transmitem seu conhecimento de modo fixo e rígido de geração em geração,
entre os homens cada geração sabe mais e mais que a anterior".
88
O autor acima destaca ainda, como comportamento particular do homem, a
busca do saber, ainda que muitas vezes desvinculado da necessidade prática:
a Ciência.
MORAIS (1983), ao analisar os significados diferentes atribuídos a Ciência e
Técnica, observa que "ciência", do latim scientia, provém de scire, ou seja,
aprender ou alcançar conhecimento. Já a palavra "técnica" tem origem grega
(téchné) e desde o princípio significou arte, no sentido de habilidade ou ofício.
Portanto, segundo uma visão tradicional, a ciência representaria o saber e a
técnica, o fazer. Esse autor observa, porém, que nos dias atuais ciência e
técnica são atividades interdependentes.
Analisando a evolução do conhecimento tecnológico, PACEY (1980) faz
referência à atividade dos artesãos e distingue-a da atividade em Tecnologia,
definida como o "conhecimento sistemático das técnicas".
O conhecimento científico produzido pelo Homem, pouco a pouco, incorporou-
se às técnicas, como afirma VARGAS (1979), que conceitua Tecnologia como
"o estudo ou tratado das aplicações de métodos, teorias, experiências e
conclusões das Ciências ao conhecimento dos materiais e processos utilizados
pelas técnicas." Ainda segundo o mesmo autor, a tecnologia só veio a existir
depois do estabelecimento da Ciência Moderna, no século dezessete, sendo
institucionalizada no Brasil a partir da década de 20 deste século, com a
criação dos primeiros laboratórios no Rio de Janeiro, São Paulo e Campinas.
VARGAS cita ainda vários trabalhos realizados no campo das estruturas e
fundações, ao longo das décadas de 30 e 40, e estudos na área de Engenharia
hidráulica, com a utilização de modelos de barragens a partir de 1952.
89
SABBATINI (1989), em sua tese de doutoramento, particulariza o conceito
adotando a seguinte definição de tecnologia construtiva:
"Tecnologia construtiva é um conjunto sistematizado de conhecimentos
científicos e empíricos, pertinentes a um modo específico de se construir um
edifício (ou uma sua parte) e empregados na criação, produção e difusão deste
modo de construir."
4.1.2 O desenvolvimento de tecnologia na construção de edifícios
Dentro desta análise mais específica, voltada ao setor de construção de
edifícios, observa-se que a partir do final da década de 70, dada a preocupação
com o desenvolvimento de soluções inovadoras para a construção de
habitações no Brasil, surgiram trabalhos em universidades e instituições de
pesquisa, ligadas ao desenvolvimento de tecnologia para a Construção Civil.
Para isto, contribuiu muito a introdução do conceito de desempenho.
SABBATINI define a pesquisa de desenvolvimento tecnológico na Engenharia
de Construção Civil como uma atividade caracterizada por seu caráter
investigador e sistematizado, voltado para o desenvolvimento dos meios de
produção de estruturas físicas, com o objetivo de criação e aperfeiçoamento
de novas tecnologias construtivas e tendo como escopo a produção de
inovações tecnológicas na construção.
O mesmo autor avalia que a construção de edifícios dispõe de tecnologia
desenvolvida ao longo dos tempos e de forma quase sempre empírica. Essa
visão sintetiza o caráter básico da atividade, ainda que, mais recentemente,
tenham surgido estudos com caráter científico (não empírico) voltados à
90
evolução da tecnologia de construção. Tais estudos tiveram base no
conhecimento acumulado, porém buscando o aperfeiçoamento das técnicas a
partir de critérios passíveis de comprovação: "tecnologias que, incorporando
um maior cabedal de conhecimentos técnico-científicos, em substituição aos
empíricos, possibilitam o incremento do nível da produção e da produtividade".
Tem-se então o conceito de desenvolvimento de tecnologia construtiva como
uma atividade que, entre outros objetivos, visa "elevar o nível da qualidade de
um produto"
17
.
O autor propõe a consideração de um setor de desenvolvimento tecnológico da
Construção Civil, composto por três núcleos, interagindo entre si:
(a) departamentos internos de desenvolvimento tecnológico em empresas dos
segmentos industriais relacionados com a construção civil
18
;
(b) centros de pesquisa, desenvolvimento e engenharia, mantidos por
consórcios de empresas construtoras e organismos governamentais e
atuando em cooperação com o sistema produtivo;
(c) convênios cooperativos entre universidades e institutos de pesquisa, e o
sistema produtivo.
Ainda segundo esse autor, o setor de desenvolvimento tecnológico existe hoje
no Brasil de forma descoordenada. Isto equivale a afirmar que grande parte
dos esforços feitos não se somam, fazendo decaírem os resultados face aos
17
Nesta afirmação, o autor citado faz referência a produto como resultado final de um
processo, onde na verdade se concentra o desenvolvimento da tecnologia construtiva.
18
Tais empresas incluiriam, por exemplo, fabricantes de materiais e componentes e empresas
de serviços especializados, além das próprias construtoras.
91
que seriam esperados se houvesse a soma de esforços em torno de objetivos
comuns a todos, constituindo-se realmente em um programa nacional.
E, na estruturação de um setor de desenvolvimento tecnológico eficiente a
participação atuante das empresas construtoras, que estão diretamente ligadas
à produção, é de importância crucial para garantir a fixação de tecnologia.
O desenvolvimento tecnológico do setor de construção de edifícios deve,
portanto, implicar na introdução de inovações para melhorar os resultados
obtidos em todas as etapas do empreendimento, levando a maiores índices de
produtividade
19
e permitindo a implementação de sistemas de garantia da
qualidade.
Sobre esse tema, ROCHA LIMA JR. afirma que "ganhos de qualidade estão
associados à inovação" e cita alguns caminhos por onde isto pode vir a ocorrer,
dentre os quais destacam-se:
ajuste dos procedimentos de produção, por meio de ações tecnológicas,
vinculadas ao projeto, materiais, técnicas ou gerenciamento;
ajuste da relação entre qualidade e preço, no sentido de reduzir os riscos
setoriais e aumentar a rentabilidade, aproximando-se dos anseios do
mercado de compradores.
19
"Produtividade" é um tema complexo, cabendo vários enfoques; aqui está-se considerando o
termo em seu sentido mais amplo, onde produtividade é entendida como a relação entre
entradas e saídas de um sistema, ou entre "resultados" e "esforços" despendidos em
qualquer conjunto de atividades.
92
A partir de uma visão baseada na filosofia da qualidade, objetivando aumentar
a satisfação do cliente e a competitividade da empresa, pode-se inferir que é
possível a combinação entre ajustes de natureza tecnológica e de "marketing",
como aliás alguns trabalhos realizados no âmbito de convênios entre empresas
construtoras e a EPUSP já demonstraram. Cite-se como exemplo o
desenvolvimento de processos construtivos racionalizados para atender a
novas tipologias de edifícios habitacionais, dentro do concorrido mercado que
atende a compradores da classe média.
20
Devido ao grande número de programas habitacionais que foram estimulados
pelo governo até recentemente, as empresas atuantes no mercado de
incorporação e construção, em que se incluem a construção de novas unidades
habitacionais para venda, beneficiaram-se também do desenvolvimento de
tecnologia para atender à construção de habitações para famílias de renda
baixa - a assim chamada "habitação popular". Pela sua importância, discute-se
a seguir esta trajetória de evolução tecnológica que passa pela habitação
popular, e que muitas vezes torna-se parte dos canteiros de obras em outras
situações de mercado.
4.1.3 Desenvolvimento de tecnologia construtiva para a habitação
popular
Alguns trabalhos, discutindo o papel do desenvolvimento tecnológico na
evolução do processo de produção de habitações, procuram inserir a questão
20
A este respeito, consultar SABBATINI (1989) - Desenvolvimento de métodos, processos e
sistemas construtivos: formulação e aplicação de uma metodologia; e FRANCO (1992) -
Aplicação de diretrizes de racionalização construtiva para a evolução tecnológica dos
processos construtivos em alvenaria estrutural não-armada.
93
tecnológica em um quadro mais amplo de entendimento do problema
habitacional brasileiro
21
.
Pela sua importância social, o enfoque está centrado na produção de
habitações destinadas às classes de baixa renda - denominada habitação
"popular" ou "de interesse social" - que deve ser diferenciada em certos pontos
da análise, muito embora os conceitos puramente técnicos sejam aplicáveis
indistintamente a quaisquer tipologias habitacionais em que se coloque como
necessária a evolução da tecnologia construtiva empregada.
A política habitacional brasileira foi inaugurada com a criação do Sistema
Financeiro da Habitação (SFH) e do Banco Nacional da Habitação (BNH) pela
Lei n
o
4380 de 21 de agosto de 1964, inscrita em um contexto de crise da
sociedade brasileira (SZUBERT, 1979).
Na época estimava-se um déficit habitacional de 7 milhões de unidades para
uma população de 79 milhões de habitantes. O problema tornava-se mais
grave pela alta taxa de inflação e pela carência de imóveis para aluguel.
No início da década de sessenta, a população urbana representava apenas
cerca de 45% do total, evoluindo para 56% em 1970, para 68% em 1980 e, dez
anos depois, estima-se que se esteja hoje com mais de 78% da população
brasileira aglomerada nas cidades, boa parte dela em condições precárias de
moradia.
21
São exemplos deste tipo de enfoque os trabalhos de: SZUBERT, 1979; MARICATO, 1984;
SOUZA, 1990.
94
Ao longo desse período, viveu-se inicialmente um processo de grande incentivo
ao setor da Construção Civil, procurando vencer a demanda crescente com a
abertura de linhas de financiamento que atendiam desde as classes de menor
renda até a classe média, onde se buscava aumentar o retorno financeiro, já
que atender apenas às classes menos favorecidas não constituiria uma carteira
de crédito interessante. Assim, o BNH não conseguia atender ao seu objetivo
social e acabaria chegando mais tarde à situação de inviabilização financeira e
à paralisação do sistema. Não é objetivo deste trabalho analisar o conjunto de
fatores que determinaram esse colapso da produção de habitações destinadas
às classe menos favorecidas, mas cabe analisar alguns aspectos.
Segundo MARICATO (1984), o preço da terra urbana foi um dos principais
fatores que inviabilizaram o acesso à habitação por parte das camadas de
menor renda da população, tendo sido contornado o problema com a migração
dos conjuntos habitacionais para a periferia dos grandes centros urbanos.
O barateamento das unidades habitacionais destinadas às classes de baixa
renda, a chamada habitação "popular", foi estimulado pelo próprio Banco
Nacional da Habitação - BNH, constituindo-se em desafio lançado às empresas
construtoras. A partir dessa preocupação com os custos da construção
habitacional popular, que se tornou cada vez maior com a progressiva falência
do Sistema Financeiro da Habitação, foram promovidos diversos simpósios,
seminários e encontros abordando o tema.
Desde aquela mesma época até recentemente, foram conduzidas experiências
de desenvolvimento e avaliação de novos processos construtivos para
habitação popular em canteiros experimentais, criados por órgãos
95
governamentais, sendo um dos mais antigos e conhecidos o de Narandiba
(CEPED, 1978).
Pode-se depreender que, na época, havia grande preocupação com a
reprodutibilidade e velocidade de execução, levando à experimentação de
processos com índices de pré-fabricação elevados. Mais tarde, verificar-se-ia
uma reversão desse quadro, revalorizando-se os processos com emprego mais
intensivo de mão-de-obra no canteiro, tais como os processos de paredes
monolíticas moldadas no local, ou de alvenaria, em que se utilizaram princípios
de racionalização construtiva. Nos canteiros experimentais promovidos pela
COHAB-SP em Heliópolis, já no final dos anos oitenta, podia-se notar essa
tendência.
Em trabalhos publicados por PICARELLI & GUIDA, citados por MARICATO
(1984), constatou-se que dos processos construtivos utilizados em canteiros de
habitação popular, apenas 41 a 51% utilizava "know-how" brasileiro. Esse fato
foi alvo de muitas críticas e, em sua tese de doutoramento, SABBATINI (1989)
critica a utilização sem prévia adequação de tecnologia construtiva importada,
apontando-a como um dos sintomas de desorganização do setor de construção
civil que opera nessa faixa de habitações.
Quanto ao desenvolvimento de processos construtivos inovadores, boa parte
das realizações efetuadas apresentaram deficiências graves, seja do ponto de
vista de qualidade como de custo e, principalmente, não tiveram continuidade,
por falta inclusive de uma maior constância de propósitos por parte dos órgãos
governamentais.
96
Algumas dessas iniciativas, avalizadas por instituições governamentais,
culminaram em fracassos estrondosos. Um bom exemplo desses fracassos é o
caso, recentemente trazido à tona, da construção de edifícios empregando
painéis de gesso e cimento nos conjuntos habitacionais de Santa Etelvina e
Carapicuíba em São Paulo - um processo construtivo cujos resultados quanto a
desempenho e durabilidade, devido à incompatibilidade química entre os
aglomerantes usados, eram previsivelmente inadequados. O caso chegou a um
maior conhecimento público em 1991, quando foi contratada a demolição de
nove daqueles edifícios pelo processo de implosões. (ROCHA, 1991.)
No caso citado acima, a COHAB-SP havia aprovado a execução de 3150
unidades, sendo construídas um total de 2213 delas, iniciando-se em 1981 com
360 unidades no conjunto Carapicuíba-7. Em 1986, promoveu-se uma
desocupação em Carapicuíba, visando a recuperação dos edifícios, para mais
tarde concluir pela sua inviabilidade técnico-econômica, em 1989. Nesse
interim, instituições de pesquisa e consultores renomados dividiram-se entre
posições pró e contra a recuperação do conjunto
22
.
Muitas das novas soluções que são trazidas ao canteiro, porém, apresentaram
um caráter de experimentação e ainda não haviam sido adequadamente
avaliadas à época de sua comercialização. Os usuários, portanto, assumiram
riscos imprevisíveis ao habitarem as unidades assim construídas, mas alguns
progressos para a tecnologia construtiva restaram dos erros e acertos
resultantes dessas experiências, incorporando-se às demais obras das
empresas que delas participaram, e daí espalharam-se por todo o mercado. O
recente Programa Nacional de Tecnologia da Habitação considera dentre o
22
A esse respeito, ver artigos publicados na Revista Construção São Paulo n
o
2259 (BAUER,
1991; JOHN & CINCOTTO, 1991).
97
conjunto de suas ações a "difusão das inovações tecnológicas para que o setor
produtivo incorpore efetivamente as novas tecnologias desenvolvidas" (BRASIL
- Ministério da Ação Social, 1991).
O que se pode questionar, diante desse quadro, é:
o que existe efetivamente de comum entre as habitações destinadas a
classe média e alta, comercializadas dentro das regras gerais do setor
imobiliário, e as habitações de baixa renda, estas últimas com regras de
formação de preço e critério de obtenção de financiamento determinados
pelas instituições governamentais?
a tecnologia hoje aplicada na construção de habitações para a classe média
pode ser considerada ineficaz quando aplicada às construções de caráter
"popular", ou o seu gerenciamento precário é que na realidade determina a
sua ineficiência?
o desenvolvimento de um processo construtivo "inovador", como alternativa
de custo, é possível de ser feito pelos construtores no próprio âmbito do
canteiro de obras, ou em canteiros experimentais promovidos pelos órgãos
de governo, sem a participação de instituições de pesquisa?
O que certamente traz dificuldades é a incongruência e a descontinuidade das
iniciativas e estímulos oficiais, bem como o distanciamento entre ações
públicas e privadas, contexto em que o desenvolvimento de tecnologia perde
importância face aos interesses envolvidos. Dentro desta visão mais ampla,
procura-se restringir o grau de importância da tecnologia construtiva ao que
efetivamente pode ser-lhe atribuído, isto é, de instrumento de uma ação maior
98
no âmbito da sociedade, embora a tecnologia possua obviamente um potencial
de influenciar todo o processo.
Após a experiência advinda da participação e acompanhamento de trabalhos
de desenvolvimento tecnológico realizados em diversos níveis, em que houve a
participação de instituições de pesquisa, acredita-se que a interligação entre
todo o setor produtivo e essas instituições é imprescindível para que haja uma
real evolução - e as empresas ou órgãos de governo que tiveram suas
questões tecnológicas assim resolvidas também reconhecem isso.
SOUZA (1990), em artigo enfocando o problema da habitação popular, ao
discutir a busca da qualidade das construções, aponta a necessidade de
definição de padrões mínimos de qualidade para os projetos de construções
habitacionais, a adoção de sistemas de controle da qualidade dos materiais
empregados e dos serviços executados, racionalização da construção e
introdução de novas tecnologias, de forma a diminuir o desperdício e aumentar
a produtividade.
Portanto, sob uma visão puramente tecnológica, enfocando o processo de
produção de habitações poder-se-ia afirmar que a qualidade do produto
habitação depende:
da qualidade dos materiais e componentes empregados;
da qualidade da tecnologia empregada na produção;
da qualidade do seu projeto, entendido não apenas como projeto do
produto, mas também do processo de produção;
99
do gerenciamento e controle ao longo de todas as etapas.
Ao avaliar as condições hoje vigentes, pode-se tecer algumas considerações:
embora a qualidade de materiais e componentes não possa ser
considerada satisfatória em todos dos casos, dentro de uma ótica de
industrialização aberta existem condições para se obter produtos de boa
qualidade;
o conhecimento tecnológico possui deficiências claras no que concerne ao
processo de produção: faltam procedimentos e normas adequados, estando
grande parte dos procedimentos e normas técnicas existentes repletos de
empirismo e deficiências conceituais; isto se acentua quando é colocada
uma meta de redução de prazos e custos de produção, evidenciando a
carência de desenvolvimento tecnológico do setor;
a qualidade dos projetos depende da qualidade do conhecimento
tecnológico que implicitamente contêm e, de modo geral, são incompletos e
até mesmo incorretos, não apresentando as informações qualitativa e
quantitativamente necessárias ao processo de produção;
os métodos de gerenciamento e controle, por sua vez, dependem de
informações e definições claras e adequadas fornecidas pelo projeto, sem
as quais não existe a eficácia destes procedimentos de gerenciamento e
controle.
Após uma série de insucessos ocorridos com processos construtivos
inovadores destinados à construção de habitações em larga escala,
100
reconheceu-se a necessidade de estruturar melhor o setor de desenvolvimento
tecnológico no Brasil, visando atingir uma evolução segura dos processos de
produção, por meio de procedimentos metodologicamente bem definidos.
SABBATINI apresenta uma metodologia formulada para conduzir o
desenvolvimento de processos construtivos. Em seu caráter mais completo, a
metodologia proposta é aplicável a processos construtivos novos e ainda não
usados em escala de mercado, porém seus princípios básicos elucidam
questões presentes em qualquer trabalho de desenvolvimento tecnológico que
se possa empreender, mesmo enfocando processos já em utilização.
O fluxograma da figura 4.1 resume a metodologia proposta em doze etapas,
que se resumem em quatro grandes fases, listadas a seguir.
FASES:
Concepção (etapas 1 a 4);
Verificação (etapas 5 a 7);
Descrição (etapa 8);
Comercialização (etapas 9 a 12).
ETAPAS:
01. Estudos iniciais;
101
Figura 4.1 Metodologia para o desenvolvimento de sistemas construtivos
(SABBATINI, 1989)
102
02. Concepção;
03. Projeto de componentes e elementos;
04. Projeto de produção do edifício (ou suas partes);
05. Produção experimental de componentes e elementos;
06. Projeto e construção de protótipos;
07. Avaliação;
08. Consolidação da tecnologia;
09. Divulgação;
10. Construção em escala piloto;
11. Aperfeiçoamento da tecnologia;
12. Construção em escala de mercado.
A fase de concepção engloba a coleta de informações e o estágio "criativo" do
desenvolvimento, culminando em projetos elaborados para o atendimento a
parâmetros previamente definidos e estudados, que caracterizam o objetivo da
tecnologia em criação.
103
A fase de verificação é centrada na produção e avaliação daquilo que foi
concebido até então, com a finalidade de confrontar "real" e "projetado" e,
principalmente, de aperfeiçoá-lo. Essa fase deve ser desenvolvida em
laboratórios, indústrias e canteiros de execução experimental, onde as
informações serão coletadas para realimentar o projeto, até atingir um grau de
definição e consistência adequado.
Na fase de descrição promove-se a consolidação da tecnologia e planeja-se a
sua implantação no mercado.
A fase de comercialização consiste na introdução e manutenção do processo
construtivo no mercado. Em um primeiro estágio, a implantação é feita em
escala restrita, após a qual pode-se levar a uma comercialização disseminada,
em escala de mercado.
Cabe destacar alguns aspectos implícitos à metodologia proposta; em cada
fase ou etapa, alguns pontos devem ser comentados:
na etapa de estudos iniciais, fundamental para o sucesso da tecnologia que
se proporá desenvolver, são levantadas informações de demanda e
características potenciais dos consumidores, informações de cunho político
e jurídico, de capacidade industrial do setor, de "estado da arte" da
tecnologia construtiva, nacional e internacional, existência de recursos
materiais, humanos, energéticos e financeiros, fatores ambientais e demais
condicionantes, de forma a embasar a proposição e a análise de
alternativas - a qualidade dos estudos conduzidos nesta etapa determinará
a qualidade da solução proposta;
104
o projeto e avaliação de componentes propostos como parte de um
processo construtivo é fundamental e antecede à sua aplicação em escala
de comercialização, pois deve-se garantir desempenho e durabilidade
adequados às suas funções, anteriormente ao contato com o usuário;
ao projeto do edifício deve estar associado um "projeto para produção",
envolvendo equipamentos, canteiro de obras, planejamento da execução,
controles a serem efetuados, entre outros elementos;
após o processo de avaliação realizado a partir da produção experimental,
deve-se proceder a consolidação da tecnologia com uma documentação
adequada em forma de textos, desenhos, fotografias e outros expedientes
necessários ao seu perfeito entendimento;
não obstante o cuidado ao longo de todo o processo até então, o qual visa
garantir as características mínimas esperadas do produto, na fase de
comercialização a tecnologia elaborada sofrerá um contínuo
aperfeiçoamento, gerado naturalmente pela dinâmica de sua aplicação.
Pode-se acrescentar ao exposto que os princípios adotados no
desenvolvimento de sistemas construtivos são, em menor escala, aplicáveis no
sentido da evolução e do incremento da qualidade, em qualquer processo
construtivo utilizado.
Em quaisquer casos, seja a introdução de um sistema construtivo inovador,
industrializado, ou apenas de um detalhe construtivo novo em um processo
tradicional de construção, esta alteração da tecnologia construtiva deve ser
incorporada na etapa de projeto.
105
Para ilustrar esta situação, em que se aplicam princípios inovadores a
subsistemas ou parte deles, mantido o processo construtivo tradicional em seu
todo, pode-se citar o trabalho apresentado por BARROS (1991), voltado à
tecnologia de produção de revestimentos, no qual é proposta uma metodologia
para elaboração do detalhamento construtivo contido no projeto, considerada
fundamental para a consecução da produtividade e do desempenho do
revestimento.
O mesmo foi demonstrado na pesquisa efetuada por SABBATINI et al. (1991),
quanto a paredes de vedação em alvenaria, onde o detalhamento do projeto
seguia, de forma não convencional, princípios que envolvem o estudo das
interferências entre a alvenaria e outros subsistemas do edifício
23
.
Na realidade, como atividade que antecipa o ato de construir, ao se
implementar qualquer inovação tecnológica que represente uma evolução
significativa, o projeto obrigatoriamente deverá sofrer mudanças, para adequar-
se e para ajudar a adequar todo o processo à nova configuração de tecnologia.
A inter-relação entre reestruturação do processo de projeto e desenvolvimento
tecnológico é, portanto, algo natural mas que só recentemente tem sido
explorado sistematicamente. As fontes bibliográficas e as empresas de
construção consultadas apresentam muitos exemplos, nos últimos anos, de
iniciativas de desenvolvimento tecnológico com um enfoque dessa natureza,
sendo que um dos instrumentos utilizados é o emprego de princípios de
racionalização construtiva - e esse será exatamente o tema do próximo item do
capítulo.
23
As duas experiências citadas, envolvendo alterações do detalhamento de projeto para
introdução de inovações tecnológicas, estão descritas em BARROS & MELHADO (1993).
106
4.2 Racionalização Construtiva pelo Projeto
4.2.1 Conceituação de racionalização construtiva
Revelando a origem bastante remota do conceito de racionalização na
indústria, NOGUEIRA DE PAULA (1932) cita uma definição de origem alemã e
publicada em 1925: "racionalização é um sistema de organização que deve
provocar o acréscimo do rendimento econômico e, paralelamente, o acréscimo
da produção, o abaixamento dos preços e o melhoramento da qualidade dos
produtos".
Segundo ROSSO (1980), racionalização, em seu sentido genérico, é "a
aplicação mais eficiente de recursos para a obtenção de um produto dotado da
maior efetividade possível".
Em adição à conceituação transcrita acima, o "Novo Dicionário Aurélio" define
"racionalizar", em uma de suas acepções, como "tornar mais eficiente um
processo pelo emprego de métodos científicos" (FERREIRA, 1986).
Na definição de SABBATINI (1989), racionalização construtiva é "um processo
composto pelo conjunto de todas as ações que tenham por objetivo otimizar o
uso de recursos materiais, humanos, organizacionais, energéticos,
tecnológicos, temporais e financeiros disponíveis na construção, em todas as
suas etapas".
A associação entre racionalização e industrialização da construção também é
estabelecida por esse autor, que considera a racionalização como um
"instrumento" capaz de auxiliar na evolução dos processos construtivos.
107
SABBATINI distingue ainda os conceitos de racionalização construtiva e de
racionalização da construção (do setor da Construção Civil), esta última com
caráter mais abrangente, voltada ao setor, e concebida como um processo
complexo com importantes reflexos para a sociedade e para a economia.
FRANCO (1992), em sua tese de doutoramento, coloca a racionalização
construtiva como uma alternativa à ruptura da base produtiva representada
pela introdução de processos industrializados na construção de edifícios. O
autor também salienta que a aplicação dos princípios de racionalização implica
em uma "mudança de postura" na solução de problemas e destaca o seu
caráter amplo, necessário para que os seus resultados sejam efetivos em um
dado empreendimento.
No trabalho mencionado, FRANCO mostra a aplicação dos princípios da
racionalização construtiva ao projeto e à execução de edifícios de alvenaria
estrutural não armada, apresentando e analisando os resultados obtidos a
partir do desenvolvimento de pesquisas no âmbito do Grupo de Tecnologia de
Processos Construtivos da EPUSP (GEPE-TPC), em cooperação com uma
empresa construtora. Em sua natureza, as mesmas ações de racionalização
construtiva apresentadas por esse autor são aplicáveis a outros processos
construtivos, ou mesmo a uma de suas partes.
Ao se discutir caminhos para acelerar a evolução tecnológica do setor de
construção de edifícios e tomando por ambiente de implementação uma
empresa atuante no setor, não há dúvida de que uma das principais barreiras a
atravessar situa-se no ceticismo e na impaciência quanto aos resultados.
108
ROSSO (1980) avalia que a aplicação de princípios de racionalização
construtiva significa "agir contra os desperdícios de materiais e mão-de-obra e
utilizar mais eficientemente o capital".
Desta forma, fica clara a amplitude do alcance da racionalização, já que a
aplicação das suas diretrizes pode ser estendida às técnicas e métodos em
quaisquer circunstâncias tecnológicas e, assim, a racionalização construtiva
mostra-se como uma importante "ferramenta" em programas de melhoria da
qualidade, com aplicação direta e resultados significativos mesmo a curto
prazo.
4.2.2 A implementação de ações de racionalização construtiva e o projeto
FRANCO & AGOPYAN (1993) fazem referência à importância da
implementação da racionalização construtiva desde as primeiras etapas do
empreendimento, ressaltando que a etapa de projeto é "a mais propícia para a
introdução da maioria das medidas que visam a racionalização".
A racionalização é um princípio que pode ser aplicado a qualquer método,
processo ou sistema construtivo e, no caso do processo construtivo tradicional,
significa a implementação de medidas de padronização de componentes,
simplificação de operações e aumento de produtividade que podem trazer
grandes reduções de custo. No entanto, a maior parte destas medidas têm de
ser adotadas ainda na etapa de projeto, pelas suas implicações quanto a
dimensões, especificações e detalhes que são incorporados.
Nesse sentido, é básica a utilização de componentes padronizados e
coordenados dimensionalmente, por meio da qual atingem-se maiores níveis
109
de produtividade e tem-se redução de desperdícios, pela eliminação de cortes
e ajustes de componentes. Esta medida é um exemplo das que só podem ser
adotadas no projeto; nesse caso particular, em seus primeiros desenhos, já
que incide sobre as dimensões e forma dos principais elementos do edifício.
Tal filosofia aproxima-se, em vários pontos, da engenharia e análise de valor,
bastante difundida no meio industrial, que se baseia na consideração de
relações entre funções e custos desempenhadas por um item ou componente
de um projeto, na busca de alternativas mais simples, econômicas e eficazes.
Como resultado da racionalização construtiva, pode-se ter maior emprego de
componentes pré-moldados, substituindo aqueles normalmente feitos no local,
como por exemplo, no caso de vergas e contravergas de vãos deixados na
alvenaria, representando inclusive um aumento significativo da qualidade da
vedação vertical. Esses componentes pré-moldados, dependendo da
quantidade e repetitividade, podem merecer dimensionamento bastante
apurado e ter sua forma final bastante otimizada quanto a peso, acabamento,
custo e outras características, o que também só é possível na etapa de projeto.
No próximo capítulo deste trabalho, ao relatar algumas experiências realizadas,
serão apresentados situações e exemplos em que a aplicação dos princípios
de racionalização construtiva têm tido importante participação na evolução da
metodologia adotada no desenvolvimento de projetos.
A partir do que foi apresentado até aqui, cabe analisar um dos pontos de vista
fundamentais neste trabalho: a contribuição que a organização do processo de
projeto pode dar, dentro de um programa estabelecido em uma empresa, para
o alcance dos objetivos de evolução tecnológica e racionalização const