Content uploaded by Vasco Silva
Author content
All content in this area was uploaded by Vasco Silva on Jul 12, 2015
Content may be subject to copyright.
Bouteloua 21: 123-133 (VI-2015). ISSN 1988-4257
123
A mata de dragoeiros do Parque Palmela em Cascais
(Portugal), contributos para a sua valorização
Vasco Manuel Almeida da SILVA
Centro de Ecologia Aplicada “Prof. Baeta Neves” (CEABN), Instituto Superior de Agronomia,
Universidade de Lisboa, Tapada da Ajuda, 1349-017 Lisboa, Portugal.
RESUMO: No maciço de dragoeiros existente no Parque Palmela em Cascais (Portugal) foram identificados 4 exem-
plares de Euphorbia piscatoria Aiton que se propõe incluir na classificação de interesse público. Avalia-se o estado de
conservação da vegetação e apresentam-se medidas de gestão.
Palavras-chave: Árvores monumentais. Euphorbia piscatoria, Madeira, parques históricos, plantas ornamentais.
ABSTRACT: Four arboreous specimens of Euphorbia piscatoria Aiton were identified in the forest dragon trees
existing at Palmela Park in Cascais (Portugal). The vegetation conservation status is assessed and management measu-res
are presented.
Keywords: Euphorbia piscatoria, historic parks, Madeira, monumental trees, ornamental plants.
INTRODUÇÃO
O Parque Palmela é um parque urbano inserido
na malha construída de Cascais (d’ Encarnação,
2007). Situa-se no troço jusante da ribeira da Cas-
telhana, linha de água que nasce a sul de Alcabide-
che e que desagua na praia da Duquesa em Cascais
(Barruncho, 1873). No vale a vegetação natural
surge fragmentada pois trata-se de uma ribeira ur-
bana muito antropizada, encontrando-se sebes es-
pinhosas de silvas (Rubus ulmifolius Schott) com
abrunheiro-bravo (Prunus spinosa L.) e pontual-
mente nas encostas indivíduos arbóreos de zambu-
jeiro (Olea europaea L. var. sylvestris (Mill.) Hegi)
e pinheiro-de-alepo (Pinus halepensis Mill.) (Vas-
concellos, 1964; V. Silva, obs. pess.).
Dentro dos limites do Parque a flora é essen-
cialmente exótica (Silva, 2013), uma fascinante co-
leção botânica aos olhos de Edmond Goeze que por
aqui confluiu enquanto jardineiro-chefe do Jardim
da Escola Politécnica de Lisboa (Goeze, 1876).
Passados mais de 140 anos da existência do Par-
que, analisa-se o estado atual do maciço de dra-
goeiros (Dracaena draco (L.) L.) classificado de
“Interesse Público” pela exAutoridade Florestal
Nacional (Aviso nº 5/2012, http://www.icnf.pt/por
tal/florestas/aip/resource/docs/12-clas/av-5-12),
que embeleza a chegada de quem visita Cascais.
Enquadramento histórico
No artigo Jardins Notáveis de Portugal, Cas-
caes, Goeze (1876) apresenta uma descrição detal-
hada do jardim dos Duques de Palmela e das con-
dições peculiares da vila de Cascais para o desen-
volvimento de plantas vindas de outros continen-
tes. Para além do desenho atrativo do jardim, o que
mais impressionou o botânico alemão foi a dispo-
sição dos espécimes ajustados à topografia e expo-
sição do terreno ao mar, denotando a preocupação
em constituir agrupamentos que recriassem de al-
guma forma os ambientes de onde as plantas pro-
vinham, o que para a época não era comum em
Portugal (S. Carmo-Pereira, com. pess.). Nesta
mesma obra, o autor assinala “centenares de fortes
exemplares da Dracaena draco (…)” e “as Eu-
phorbias gordas seguem-se a estas plantas”, ao
que parece cultivadas sob direção do jardineiro Ja-
cob Weiss (Goeze, 1876), o mesmo horticultor que
veio da escola do Jardin des Plantes de Paris para
dirigir outro jardim notável do Duque de Palmela
no Lumiar (Goeze, 1875).
Em Cascais o desenvolvimento da arborização
iniciou-se por volta de 1870 com orientação da
própria Duquesa (Barruncho, 1873; Goeze, 1876).
Pela consulta de cópias microfilmadas dos Livros
de Contabilidade do Fundo Casa Palmela do Ins-
tituto dos Arquivos Nacionais / Torre do Tombo
(DGARQ, 2008) indicam-se nomes de jardineiros
que por ali sucederam: registo de pagamentos ao
jardineiro Joaquim Pedro Rato por despesas feitas
com a Mata de Cascais, de janeiro de 1869 a ou-
tubro de 1870 (AN/TT, mf. 5506), passando Ro-
drigo dos Santos a jardineiro e feitor da Quinta, por
pagamentos de que se encontrou registo até 1882
(AN/TT, mfs. 5506-5508); posteriormente em
1902 aparece João Possidónio como jardineiro res-
ponsável da quinta de Cascais e também de outras
quintas dos Duques de Palmela (AN/TT, mf.
A mata de dragoeiros do Parque Palmela em Cascais (Portugal), contributos para a sua valorização
Bouteloua 21: 123-133 (VI-2015). ISSN 1988-4257 124
5512).
Em 1889 com a construção da linha ferroviária
até Cascais o parque acaba por se desagregar do
palacete (Henriques, 2011) (figs. 1 e 2). O fim do
século XIX traz a proliferação de casas de veraneio
na zona do Monte Estoril e consequentemente a re-
dução da mata da Casa Palmela (Colaço & Archer,
1943). Após construção da estrada marginal em
1940, passa a ser propriedade municipal e transfor-
mado em parque público urbano, continuando
aquém da dignidade de um parque histórico de re-
creio e lazer (d’Encarnação, 2007; V. Silva, obs.
pess.).
RESULTADOS
Idos mais de 140 anos sabe-se que da centena
de pés de dragoeiro plantados no Parque Palmela
(Goeze, 1876) resta um maciço de 36 árvores clas-
sificado de interesse público (Ficha da Árvore de
Interesse Público, nº processo KNJ3/074,
http://www.icnf.pt/portal/florestas/ArvoresFicha?P
rocesso=KNJ3/074&Concelho=&Freguesia=&Dist
rito=) (fig. 3).
Por visita ao local, determinaram-se os exem-
plares de dragoeiro como pertencentes a Dracaena
draco (L.) L. subsp. draco, subespécie proveniente
da Madeira e Canárias (Marrero & Almeida Pérez,
2012) (figs. 4 e 5). A par dos espécimes de Dra-
caena draco entre outros introduzidos como orna-
mentais no Parque Palmela (Silva, 2013), identi-
ficaram-se 5 exemplares de Euphorbia piscatoria
Aiton (Eggli, 2002) (figs. 6, 7 e 8), um dos quais
tombado no inverno de 2014 num período particu-
larmente chuvoso (fig. 9). Inicialmente pelo porte
julgou-se pertencerem a Euphorbia longifolia Lam.
[= E. mellifera Ait.] (Molero & Rovira, 2005), no
entanto as características de nervura principal pá-
lida e inflorescência paniculada desta entidade não
se verificam nos indivíduos determinados (Press &
Short, 1994). Voltando ao trabalho de Goeze
(1876), além de E. piscatoria, são indicadas para o
Parque: E. canariensis L., E. balsamifera Aiton, E.
atropurpurea Brouss. ex Willd. e E. tirucalli L. [=
E. rhipsaloides Willd.], flora que não se teve opor-
tunidade de observar.
Euphorbia piscatoria Aiton
(Euphorbiaceae)
E: 29SMC6483, Cascais, Parque Palmela, V. Silva.
1-V-2015 (LISI 30/2015)
Árvore pequena, atingindo 8 m de altura, de
copa arredondada, tronco não ramificado até 1-1.5
m, com 0.2 m de diâmetro, de ritidoma cinzento
com estrias reticuladas; caules muito ramificados,
sem folhas na parte abaxial; folhas líneares a li-
near-lanceoladas, obtusas, glaucas, até 1 cm de lar-
gura; inflorescências umbeladas, simples, com 4-6
raios; ciatos de brácteas tão compridas quanto lar-
gas, livres, caducas antes da maturação; glândulas
florais 4-5 verde amareladas, transversalmente ova-
das ou emarginadas; cápsulas 4-6 x 7-8 mm, gla-
bras; sementes 2.5-3 mm, rugulosas. É uma planta
nativa da Madeira, Porto Santo e Desertas onde ha-
bita arribas e escarpas rochosas litorais normal-
mente até aos 300 m de altitude (Press & Short,
1994).
Pelo seu porte notável de “árvore monumen-
tal”, idade e raridade em Portugal, propõe-se a in-
clusão dos 4 exemplares de Euphorbia piscatoria
em bom estado vegetativo e sanitário (Portaria n.º
124/2014, https://dre.pt/application/ file/25677140)
na classificação de arvoredo de interesse público
do maciço de dragoeiros do Parque Palmela em
Cascais.
Estado atual e medidas de gestão
A mata de dragoeiros do Parque Palmela apre-
senta sinais de ameaça por práticas desajustadas
devido ao desconhecimento do seu valor histórico
e cultural que está identificado (figs. 10, 11 e 12)
(http://www.cm-cascais.pt/noticia/mata-dos-dragoe
iros-de-cascais-passa-ter-bilhe te-de-identidade). A
existência de lixo e o estado da vegetação denuncia
ainda falta de manutenção (figs. 13 e 14).
Deve ser feita uma gestão do espaço que salva-
guarde e favoreça o bom estado fitossanitário das
árvores de dragoeiro e eufórbia pela: a) remoção de
vegetação sem interesse (e.g. Pinus halepensis, Ai-
lanthus altissima (Mill.) Swingle) em conflito com
exemplares classificados; b) remoção de lixos, ma-
nutenção de trilhos e muros de pedra; c) remoção
de painéis publicitários e plantas do novo jardim
em conflito com exemplares classificados.
Agradecimentos: A A. Amado por levantar a cu-
riosidade dos cem pés plantados de dragoeiro, G.
Luckhurst por indicar a referência do Goeze sobre
o parque, M. Lisboa pelo alcance de bibliografia
histórica, J. Molero e T. Vasconcelos pelo apoio na
determinação dos exemplares.
BIBLIOGRAFIA
BARRUNCHO, P. L. S. B. (1873) Apontamentos para a
História da Villa e Concelho de Cascaes. Typogra-
phia Universal, Lisboa.
COLAÇO, B. d. G. & M. ARCHER (1943) Memórias da
Linha de Cascais. Edição fac-similada de 1999 da
V. SILVA
Bouteloua 21: 123-133 (VI-2015). ISSN 1988-4257 125
Câmara Municipal de Cascais e Câmara Municipal
de Oeiras. Cascais, Oeiras.
DGARQ [Direcção-Geral de Arquivos] (2008) Instituto
dos Arquivos Nacionais / Torre do Tombo, CPLM
Casa Palmela 1286/1989, Gestão Patrimonial, Ad-
ministração das propriedades, Livros de contaba-
lidade [PT/TT/CPLM/E-A/2], liv. 30, 31, 33, 34, 36,
39, 40 e 56. http://digitarq.arquivos.pt/details
?id=4161924. Acedido Dezembro 2014.
D' ENCARNAÇÃO, J. (2007) Recantos de Cascais.
Edições Colibri e Câmara Municipal de Cascais,
Lisboa.
EGGLI, U. (ed.) (2002) Illustrated Handbook of Suc-
culent Plants: Dicotyledons. Springer-Verlag Ber-
lin.
GOEZE, E. (1875) Jardins notaveis em Portugal, Lu-
miar. Jornal de Horticultura Pratica 6: 230-233.
GOEZE, E. (1876) Jardins notaveis de Portugal, Cas-
caes. Jornal de Horticultura Pratica 7: 8-13.
HENRIQUES, J. M. (2011) Da Riviera Portuguesa à
Costa do Sol (Cascais, 1850-1930). Edições Coli-
bri e Câmara Municipal de Cascais, Lisboa.
MARRERO, A. & R. S. ALMEIDA PÉREZ (2012) A
new subspecies, Dracaena draco (L.) L. subsp. Ca-
boverdeana Marrero Rodr. & R. Almeida (Dracae-
naceae) from Cape Verde Islands. International
Journal of Geobotanical Research 2: 35-40.
MOLERO, J. & A. M. ROVIRA (2005) Typification of
some Macaronesian and Mediterranean dendroid
spurges. Taxon 54(2): 472-474.
PRESS, J. R. & M. J. SHORT (eds.) (1994) Flora of
Madeira. The Natural History Museum, London.
SILVA, V. (2013) Vegetação de Parques e de outros Es-
paços Verdes Urbanos de Cascais. Relatório in-
terno. Cascais Ambiente, E.M. 6 pp. + cartografia
digital formato vetorial escala 1:5000, Cascais.
VASCONCELLOS, J. C. (1964) Vegetação Natural do
Concelho de Cascais. VI Centenário da Vila de Cas-
cais. Câmara Municipal de Cascais, Cascais.
( Recibido el 7-V-2015) (Aceptado el 10-V-2015).
Fig. 1. Cascais, Parque Palmela, no início do século XX. Fonte: Arquivo Histórico Municipal de Cascais
[PT/CMCSC-AHMCSC/AESP/CMES/238].
A mata de dragoeiros do Parque Palmela em Cascais (Portugal), contributos para a sua valorização
Bouteloua 21: 123-133 (VI-2015). ISSN 1988-4257 126
Fig. 2. Comboio a vapor junto à Casa Palmela, em Cascais, no primeiro quartel do século XX. Fonte: Arquivo
Histórico Municipal de Cascais [PT/CMCSC-AHMCSC/AESP/CMBP/065].
Fig. 3. Mata de Dracaena draco, Parque Palmela, Cascais.
V. SILVA
Bouteloua 21: 123-133 (VI-2015). ISSN 1988-4257 127
Fig. 4. Mata de Dracaena draco, Parque Palmela, Cascais.
A mata de dragoeiros do Parque Palmela em Cascais (Portugal), contributos para a sua valorização
Bouteloua 21: 123-133 (VI-2015). ISSN 1988-4257 128
Fig. 5. Dracaena draco, aspeto dos frutos e folhas, Parque Palmela, Cascais.
V. SILVA
Bouteloua 21: 123-133 (VI-2015). ISSN 1988-4257 129
Fig. 6. Euphorbia piscatoria na mata de dragoeiros, Parque Palmela, Cascais.
A mata de dragoeiros do Parque Palmela em Cascais (Portugal), contributos para a sua valorização
Bouteloua 21: 123-133 (VI-2015). ISSN 1988-4257 130
Fig. 7. Euphorbia piscatoria, aspeto da copa, Parque Palmela, Cascais.
Fig. 8. Euphorbia piscatoria, aspeto das inflorescências e cápsulas, Parque Palmela, Cascais.
V. SILVA
Bouteloua 21: 123-133 (VI-2015). ISSN 1988-4257 131
Fig. 9. Euphorbia piscatoria, exemplar tombado pela saturação de água do solo, Parque Palmela, Cascais.
Fig. 10. Painel publicitário em conflito com exemplares de dragoeiro, Parque Palmela, Cascais.
A mata de dragoeiros do Parque Palmela em Cascais (Portugal), contributos para a sua valorização
Bouteloua 21: 123-133 (VI-2015). ISSN 1988-4257 132
Fig. 11. Árvores do novo jardim em conflito com exemplares de dragoeiro, Parque Palmela, Cascais.
Fig. 12. Ameaças à qualidade estética: painel publicitário e novo jardim em conflito com exemplares de
dragoeiro, Parque Palmela, Cascais.
V. SILVA
Bouteloua 21: 123-133 (VI-2015). ISSN 1988-4257 133
Fig. 13. Pinus halepensis em conflito/competição com exemplares de dragoeiro, Parque Palmela, Cascais.
Fig. 14. Ameaças à qualidade ambiental: deposição de lixos, destruição do muro de pedra e regeneração de
Ailanthus altissima no trilho, Parque Palmela, Cascais.
BOUTELOUA
Publicación sobre temas relacionados con la flora ornamental ISSN 1988-4257
BOUTELOUA
VOLUMEN 21. VI-2015 - ISSN 1988-4257
Índice
Cylindropuntia ´Río Turia´. D. Guillot & E. Laguna …..………..……..………..3
Taxonomía actual del genero Jasminum (Oleaceae), secciones Primulina y Trifoliata:
descripción y clave. J. I. De Juana……………………….......................................9
Kalanchoe daigremontiana Raym.-Hamet & H. Perrier ‘Iberian Coast’. D. Guillot, J.
López-Pujol, E. Laguna & C. Puche …………..…….……………………….. 35
Sida cordifolia L. (Malvaceae), nuevo polizón para la flora valenciana. P. P. Ferrer-
Gallego, I. Ferrando & E. Laguna..............................................................................49
Primera cita de Euphorbia tirucalli L. (Euphorbiaceae) como planta alóctona en la
Península Ibérica y Europa. M. A. Gómez, E. Laguna & D. Guillot….………….52
Claves para las especies y taxones infraespecíficos alóctonos del género Agave L. en la
Península Ibérica e Islas Baleares. D. Guillot …………………............................57
Flora ornamental valenciana: nuevos datos sobre especies y variedades comercializa-
das. D. Guillot…………….……………..………………………….…….... 62
Doce láminas del "Real Establecimiento de cebollas de flores P. van der Meer Cson S.
a. Noorwijk", de cultivares del género Dahlia Cav., comercializados en España a prin-
cipios del siglo XX. D. Guillot….…..………….……………….……………...85
Vitex trifolia L. nuevo taxon ornamental en España. E. Sánchez & E. D. Dana ..100
Primera cita europea y mediterránea de la especie invasora Cylindropuntia prolifera
(Engelm.) F. M. Knuth (Cactaceae). E. Laguna, V. Deltoro & P. P. Ferrer-Ga-
llego……………………………………………………………………….105
Parkinsonia aculeata L. (Caesalpiniaceae), una amenaza más para el medio ambiente
de Extremadura (España). J. Blanco & F. M. Vázquez ……………………… 111
Lusus naturae plantae in Cistus heterophyllus subsp. carthaginensis lus. obstinatus
(Cistaceae). P. P. Ferrer-Gallego, I. Ferrando & E. Laguna………………….…116
A mata de dragoeiros do Parque Palmela em Cascais (Portugal), contributos para a sua
valorização. V. Silva ……………………………………………………….123
Notas breves
Primera cita de Agave americana L. var. marginata aurea. Trel. en Navarra. J. Ló-
pez-Pujol* & D. Guillot………………………….…………………………134