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Contributos da arquitetura
vernácula portuguesa
para a sustentabilidade
do ambiente construído
seminário
Editores:
Ricardo Mateus, Jorge Fernandes, Luís Bragança, Manuela Almeida, Sandra Silva,
Paulo Mendonça, Helena Gervásio
Organização
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Contributos da arquitetura vernácula portuguesa para a sustentabilidade do ambiente construído
O contributo dos materiais vernáculos
para sustentabilidade do ambiente
construído
Jorge Fernandes, MSc Ricardo Mateus, PhD Luís Bragança, PhD Carlos Pimenta, MSc
C-TAC – Centro de investigação para o Território, Ambiente e Construção, Universidade do Minho
jepfernandes@me.com; ricardomateus@civil.uminho.pt
RESUMO
A utilização de materiais e técnicas locais é uma das principais características da arquitetura
vernácula. Quando comparados com materiais industrializados, os materiais vernáculos têm reduzido
impacte ambiental, sendo uma alternativa para a construção sustentável. No entanto, com a
industrialização os materiais vernáculos caíram em desuso tendo sido preteridos pelos novos materiais
padronizados que conduziram à homogeneização dos diferentes métodos construtivos, dando origem a
uma arquitetura de cariz universal, muitas vezes sem preocupações com o contexto e com significativos
impactes para o ambiente. No que diz respeito à sustentabilidade, os materiais vernáculos têm potencial
para evoluir e adaptarem-se às necessidades contemporâneas, permitindo reduzir a energia
incorporada e os impactes ambientais. Por estas razões, o presente trabalho aborda as potenciais
vantagens da utilização de materiais e técnicas locais no contexto português. Adicionalmente, este
artigo estabelece uma comparação entre os materiais vernáculos e os materiais produzidos
industrialmente ao nível dos indicadores ambientais (energia incorporada e potencial de aquecimento
global).
INTRODUÇÃO
Com a Revolução Industrial, e mais tarde com o Movimento Moderno, a crescente utilização de
novos materiais padronizados e produzidos industrialmente conduziu à homogeneização dos diferentes
métodos construtivos, até então dependentes dos materiais disponíveis no local. A ampla disseminação
destes novos materiais predominantes e as técnicas e materiais tradicionais caíram em desuso. A
arquitetura moderna, com base na utilização de materiais industrializados, gerou uma arquitetura
universal frequentemente sem preocupações de contexto e muito dependente do consumo de energia
para climatização (Montaner 2001; Graça 2000). Além disso, os materiais produzidos industrialmente
exigem elevados níveis de energia e têm impactes ambientais consideráveis (Mota et al. 2012). Por outro
lado, com o uso de materiais e técnicas alternativas, como os vernáculos (cal, adobe, madeira, abóbadas,
etc.), o total de energia incorporada de um edifício pode ser significativamente reduzido, bem como os
impactes ambientais inerentes (Venkatarama Reddy & Jagadish 2003; Shukla et al. 2009; Sanz-Calcedo
et. al 2012). Por exemplo, materiais como a madeira podem ter impactes positivos na avaliação global do
ciclo de vida (Mota et al 2012).
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Estas questões são particularmente relevantes para o setor da construção, sendo responsável por
quase um terço de todas as emissões de dióxido de carbono (Ürge-Vorsatz et al. 2007) e consumindo mais
energia e matérias-primas que qualquer outro setor económico (Pacheco-Torgal & Jalali 2012) – algumas
desta matérias-primas com previsão de reservas para apenas mais algumas dezenas de anos (Berge 2009).
Atualmente, a eficiência energética e a sustentabilidade dos edifícios são importantes temas de
investigação. À medida que os edifícios se tornam mais eficientes em termos energéticos durante a fase
de operação, a preocupação com a energia incorporada nos materiais de construção é enfatizada,
demonstrando assim, a necessidade de olhar também para a energia utilizada na sua produção (Ramesh
2012). Numa avaliação de ciclo de vida (ACV) de um edifício, são estimados todos os impactes
ambientais associados a todas as fases de vida dos produtos que o compõem (Bragança & Mateus 2011).
Um dos indicadores com maior relevância nesta avaliação é o potencial de aquecimento global,
relacionado com as emissões de gases de efeito estufa (GEE) (Bragança & Mateus 2011), em particular
o dióxido de carbono, que está intimamente relacionado com o consumo de energia, ou energia
incorporada (Cabeza et al. 2013). Neste tópico, a ACV inclui a energia operacional (energia necessária
para o funcionamento do edifício, ou seja, sistema AVAC, iluminação, etc.) e a energia incorporada
(energia necessária para todos os processos de produção, construção no local, demolição final e
eliminação de materiais) (Cabeza et al. 2013). No contexto Português, Mateus et al. (2007) estimaram
para um edifício convencional (com um ciclo de vida de 50 anos) que a energia incorporada nos
materiais de construção representava cerca de 10-15% do total de energia consumida durante a fase de
operação. Recentemente, Pacheco-Torgal et al. (2012) estimaram, para um conjunto de cerca de 100
apartamentos no Porto, que a energia incorporada representava cerca de 25% da energia operacional,
para um ciclo de vida de 50 anos. Os mesmos autores consideram que, com a diminuição da energia
operacional, através da implementação da diretiva EPBD, a energia incorporada irá representar cerca de
400% da energia operacional (Pacheco-Torgal et al. 2012).
Neste sentido, reduzir a energia incorporada nos materiais é uma premissa para reduzir os
impactes ambientais e obter edifícios mais eficientes e sustentáveis (Ramesh 2012). Adicionalmente, irá
também diminuir o custo dos materiais e, consequentemente, do edifício como um todo (Ramesh de
2012).
Atendendo a estas considerações, e sabendo que os materiais de construção têm impactes
ambientais consideráveis, os materiais vernáculos têm, do ponto de vista da sustentabilidade, várias
vantagens que devem ser evidenciadas. Para melhor perceber os capítulos seguintes, os materiais
vernáculos devem ser entendidos como os que têm origem local e que estão estreitamente relacionados
com as condições específicas locais (litologia, clima, cultura agrícola, etc.), sendo um fator de
identificação e diferenciação arquitetónica.
METODOLOGIA
A metodologia de pesquisa deste estudo é baseada em exemplos presentes na arquitetura
vernácula portuguesa, usando uma abordagem dedutiva e combinando análises qualitativas e
quantitativas. Assim, este artigo centra-se especificamente na importância da utilização de materiais e
técnicas de construção locais para o desenvolvimento sustentável. A recolha de dados foi baseada
principalmente em fontes primárias e secundárias. Para relacionar a utilização de materiais vernáculos
com condições locais específicas, foram selecionados vários exemplos no território português. Para além
disso, estabeleceu-se uma relação com a litologia, clima, agricultura e culturas arbóreas. De modo a
avaliar o contributo destes materiais para a sustentabilidade, foi realizada uma comparação entre alguns
materiais vernáculos e industriais, ao nível de indicadores ambientais.
UTILIZAÇÃO DE MATERIAIS E TÉCNICAS VERNÁCULAS DE CONSTRUÇÃO
O contexto português
No que diz respeito à arquitetura vernácula portuguesa é possível afirmar que onde existe pedra
a população utiliza-a como material de construção; na falta desta, constrói-se com terra, madeira ou
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Contributos da arquitetura vernácula portuguesa para a sustentabilidade do ambiente construído
outros materiais vegetais (Oliveira & Galhano 1992). Os materiais utilizados eram obtidos na área
geográfica onde os edifícios foram erguidos. Mesmo em áreas de fronteira litológica os exemplos de
construções que usam pedra de regiões vizinhas são raros, já que os parcos recursos económicos das
populações não lhes permitia aceder a materiais que não fossem de provisionamento local. Apenas as
famílias mais abastadas, ou aquelas com algum desafogo económico, poderiam suportar os custos de
transporte de materiais de outras regiões (AAVV 1980). Com a industrialização veio o hábito de utilizar
materiais industriais, produzidos longe dos locais de construção, o que conduziu ao desuso dos materiais
locais e das técnicas tradicionais.
Mesmo sendo um país pequeno, Portugal possui um território cheio de contrastes, não apenas no
clima – com variações significativas na temperatura do ar e na precipitação (Santos et al. 2002) – mas
também no contraste litológico entre as regiões. Na arquitetura vernácula portuguesa é particularmente
percetível a correlação quase perfeita entre a distribuição dos materiais de construção utilizados e as
características litológicas do território português (Fernandes 2012). Para evidenciar este facto, são
realçados alguns exemplos nos capítulos seguintes.
Vantagens de utilizar Materiais e Técnicas Vernáculas na conceção de Edifícios Sustentáveis.
Os materiais e técnicas vernáculas têm, do ponto de vista da sustentabilidade, inúmeras
vantagens que devem ser realçadas. Entre elas, destacam-se as questões ambientais, mas também os
benefícios sociais e económicos. Neste sentido, os estudos desenvolvidos por Morel et al. (2001) e
Ramesh (2012) concluem que a utilização de materiais locais tem vantagens ambientais e
socioeconómicas, tais como: reduzir a quantidade de energia incorporada nos edifícios; reduzir os custos
de construção; e promoção das economias locais, mediante o pagamento local do custo dos materiais e
de mão-de-obra. Portanto, é pertinente destacar algumas das vantagens da utilização de certos tipos de
materiais vernáculos, em oposição aos atuais materiais produzidos industrialmente, como um dos
caminhos possíveis para a Construção Sustentável.
Vantagens ambientais
Geralmente, as vantagens ambientais mais relevantes relacionadas com os materiais locais são: não
há necessidade de transporte; menor intensidade de energia no processo de produção e
consequentemente menos energia incorporada e menores emissões de CO2; são materiais naturais,
muitas das vezes orgânicos, renováveis e biodegradáveis, com um ciclo de vida "do berço ao berço”;
reduzidos impactes ambientais durante as operações de manutenção. Na Figura 1 é apresentada uma
breve comparação no que concerne aos aspetos ambientais entre os materiais locais e os produzidos
industrialmente. Para comparar os impactes ambientais decorrentes da aplicação dos materiais em
sistemas construtivos, os pesos totais de cada material devem ser quantificados com antecedência.
Nos parágrafos seguintes, serão analisadas algumas das vantagens relacionadas com os materiais e
técnicas utilizados na arquitetura vernácula portuguesa.
Colmo/palha – Em regiões de invernos rigorosos e com culturas de centeio, como a Serra de
Montemuro, as coberturas eram revestidas com palha – um resíduo da produção de cereais. Este revestimento
garantia simultaneamente proteção contra a chuva e algum isolamento térmico. Este material tem a vantagem
de ser um material natural, biodegradável, de baixo custo, com um bom desempenho contra os elementos
naturais, tais como a chuva e a neve, para além das boas propriedades de isolamento. Não há dados
específicos sobre a condutividade térmica da palha aplicada em soluções de cobertura, a aplicação mais
comum na arquitetura vernácula, mas é possível extrapolar esse valor a partir dos fardos de palha (60
centímetros de espessura de palha tem um valor de U entre 0,12 e 0,09 W/m2 °C) (Sassi 2006). As
desvantagens da palha, principalmente em relação às soluções de cobertura em telha cerâmica com
isolamento em poliestireno extrudido são: menor resistência ao fogo e a necessidade de substituição periódica,
mesmo considerando o custo reduzido desse processo. É possível utilizar este material em aplicações
contemporâneas, tendo um bom potencial de integração com novos materiais (Yuan & Sun 2010).
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Figura 1. Energia incorporada e Potencial de Aquecimento Global (do berço ao portão).
Comparação entre alguns materiais de construção vernáculos e de produção industrial. Fontes:
Bragança & Mateus 2011; * Berge 2009. Notas: (1) madeira serrada, seca ao ar, incluindo os
processos de aplainamento.
Taipa e adobe – a taipa é a técnica de construção mais difundida na região do Alentejo. Nesta área,
a boa qualidade do solo para este tipo de construção reflete-se na sua profusa utilização (AAVV 1980;
Fernandes & Correia, 2005). A forte inércia térmica que caracteriza as construções em terra permite
responder de forma apropriada ao intenso calor que caracteriza o verão alentejano. Nas regiões costeiras,
como o estuário do Vouga, onde não há grande disponibilidade de pedra, mas onde abundam os solos de
aluvião e as argilas, os edifícios são construídos essencialmente de adobe. Estes são dois bons exemplos
de materiais tradicionais feitos a partir do solo do local de construção, sendo um recurso abundante e
com reduzidos impactes ambientais associados a sua extração (Sassi 2006). Embora a maioria destas
construções sejam encontradas em países em desenvolvimento, o número de construções em países
desenvolvidos tem vindo a aumentar graças à importância atribuída à construção sustentável. A
arquitetura em terra, devido às suas múltiplas vantagens, continua a fazer sentido no contexto português,
especialmente em áreas onde tradicionalmente tem sido utilizado este material. Algumas das vantagens,
entre muitas outras, são (Wargocki et al 1999; Gutiérrez et al, 2005): i) forte inércia térmica ii)
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Contributos da arquitetura vernácula portuguesa para a sustentabilidade do ambiente construído
capacidade de influenciar positivamente a qualidade do ar interior, uma vez que não tem COVs
associados; iii) inércia higroscópica, isto é, age como regulador de humidade, mantendo-a nas
proporções adequadas para a saúde humana (de 40 a 60%), contribuindo para a estabilidade do
microclima interior; iv) baixa energia incorporada; v) baixas emissões de carbono e baixo impacto
ambiental; vi) material de baixo custo; vii) se realizada em terra crua pode ser reutilizada
indefinidamente. No caso de construções em adobe, a avaliação de ciclo de vida realizada por Shukla et
al. (2009) a uma habitação construída principalmente em adobe, concluiu que para cada 100m2 de área
construída a habitação em adobe apresentava um valor de energia incorporada de 475 GJ, enquanto a
habitação convencional apresentava um valor de energia incorporada de 720 GJ.
As desvantagens normalmente associadas à arquitetura em terra podem ser vistas de uma perspetiva
diferente, nomeadamente: estes edifícios podem ter uma grande durabilidade; existem inúmeros casos de
edifícios com centenas de anos e alguns com mais de 1000 anos de idade (Pacheco Torgal & Jalali-
2012); e apesar da necessária manutenção periódica para garantir a sua durabilidade, esta não implica um
custo elevado.
Os estudos desta temática demonstram que ainda há potencial para melhorar as propriedades destes
materiais, como exemplificado no estudo conduzido por Pereira & Correia da Silva (2012). Os autores
demonstraram a capacidade de melhorar a resistência térmica de paredes de taipa, de forma a cumprir os
regulamentos portugueses de desempenho térmico, sem alterar as suas características ambientais, através
da adição de inertes como argila expandida e cortiça granulada.
Tectos abobadados – A utilização desta técnica começou a desaparecer no início do séc. XX, com a
crescente disseminação das lajes de betão armado. No entanto, estudos recentes revelam que a utilização
desta técnica em tijolo tradicional é mais sustentável do que as lajes de betão convencionais. Uma
análise ciclo de vida dos tetos abobadados tradicionais, em comparação com as lajes de betão armado,
exigem na sua construção 75% menos energia, produzem 69% menos CO2, tem um custo médio menor
ou semelhante e produzem menos 71% dos resíduos (Sanz-Calcedo et al. 2012). O mesmo estudo indica
que é uma técnica que cumpre os atuais requisitos de sustentabilidade e que pode ser integrada em
técnicas de construção correntes, sendo muito económica e funcional. Os ensinamentos deste estudo vêm
corroborar que as abóbodas continuam a ser viáveis na construção contemporânea, para além contributo
para a sustentabilidade do ambiente construído. A necessidade de mão-de-obra mais qualificada é
apresentada como uma desvantagem, mas tendo em consideração que o custo destas estruturas não é
superior às lajes de betão convencionais, a alocação do custo da estrutura aos recursos humanos parece
ser uma mais-valia. Para que esta técnica seja devidamente valorizada é necessário divulgar as suas
vantagens entre todos os intervenientes do setor da construção e que novos profissionais possam ser
treinados na aplicação desta técnica.
Coberturas em barro / salão - Na ilha de Porto Santo, existem alguns exemplos de construções
vernáculas que utilizam este método construtivo. Este sistema é localmente identificado como "salão".
Este tipo de barro da ilha distingue-se pelo seu comportamento físico dinâmico, perfeitamente adaptado
ao clima da ilha (temperaturas elevadas, seca e baixos índices pluviométricos), ou seja, no verão, o barro
fissura permitindo uma ventilação contínua; no inverno, com as primeiras chuvas, e devido à sua goma
natural, rapidamente se agrega tornando-se impermeável (Mestre 2002). Além das vantagens
enumeradas é também um material económico e de fácil de manutenção (Mestre 2002). Além disso, é
um material ecológico e, embora não haja dados detalhados e publicados sobre esta técnica, por
afinidade com outros materiais, como a taipa e o adobe, é possível afirmar que tem uma baixa energia
incorporada. A sua aplicação na construção não requer tratamento especial e a sua manutenção é levada
a cabo com a simples aplicação de uma outra camada de terra argilosa. Esta técnica está atualmente em
desuso na ilha, onde a utilização de revestimentos cerâmicos é dominante (Mestre 2002). A fim de
proteger e reintegrar esta técnica, futuros estudos económicos e de viabilidade são necessários para
sustentar cientificamente a adequada utilização no contexto específico da ilha de Porto Santo.
Madeira – Este material de construção é omnipresente na arquitetura vernácula portuguesa.
Dependendo da disponibilidade local, a sua utilização na construção varia do uso ocasional, como
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elemento estrutural, à construção integral do edifício. Quanto aos últimos, os edifícios em madeira da
costa, os "palheiros", e as casas de Santana são exemplos notáveis. A cobertura florestal nessas áreas
facilitava a obtenção da matéria-prima e permitia que a construção fosse quase inteiramente construída
neste material. No litoral, principalmente nas construções mais próximas da costa, a construção em
madeira é a mais adequada na relação com o solo arenoso e com a humidade do mar (AAVV 1980). As
vantagens da construção em madeira, já visíveis nos exemplos vernáculos existentes, são: material
renovável, biodegradável e reciclável; requer pouco processamento para ser utilizado na construção; e
permite a pré-fabricação – o que contribui para reduzir o desperdício na construção. Dependendo do
método de construção pode-se também considerar a possibilidade de uma manutenção mais económica e
eficiente, com a possibilidade de substituir peça-a-peça, como nos "palheiros", sem alterar a estrutura do
edifício. Uma vez que requer pouco processamento para ser aplicado na construção, tem um valor de
energia incorporada relativamente baixo. O estudo de Coelho et al. (2012) sobre a avaliação do ciclo de
vida de uma casa de madeira, revela a importância da utilização de recursos locais e da produção local de
modo a reduzir as necessidades de transporte que afetam o desempenho ambiental deste tipo de
construção. Tendo em consideração as vantagens da construção em madeira acima mencionadas, este
tipo de construção deve ser incentivado, especialmente nos locais onde é adequado. Os incentivos para a
construção em madeira podem ser também um incentivo ao ordenamento florestal sustentável. Este
último é necessário para combater as mudanças climáticas que impõem novos desafios à preservação da
floresta, incluindo a manutenção dos ecossistemas viáveis, para garantir a produtividade e a retenção dos
serviços ambientais da floresta (Silva 2007). O planeamento florestal tem ainda várias vantagens
ambientais, incluindo a capacidade de aumentar a retenção de carbono, ajudar a regular o clima,
controlar a erosão do solo, reter a água no solo e criar condições para o desenvolvimento da
biodiversidade (fauna e flora) (Marques 2008).
Vantagens socias e económicas
Para alcançar um desenvolvimento verdadeiramente sustentável, é também necessário ter em conta
as dimensões sociais e económicas. No sector da construção é fundamental ter a capacidade de
compreender estas três dimensões. Edum-Fotwe & Price (2009) dividem o processo de construção em
três níveis – urbano, edifícios e materiais – e para o último definem um conjunto de parâmetros sociais
para melhorar a sustentabilidade do ambiente construído, tais como: emprego; saúde; segurança; bem-
estar; educação e habilitações; e cultura/património. Analisando, ainda que superficialmente, os
potenciais benefícios da utilização de materiais vernáculos, podemos concluir que estes se encaixam em
todos os parâmetros sociais acima referidos.
No que diz respeito ao emprego, vários estudos referem a grande necessidade de mão-de-obra
qualificada como uma desvantagem para as técnicas de construção tradicionais. Mas tendo em conta que
o custo direto destes materiais e estruturas é muitas vezes inferior ao dos sistemas de construção
convencionais, a alocação do custo da estrutura à mão de obra afirma-se como uma vantagem. A
distribuição do rendimento por mais intervenientes é socialmente mais justo do que alocá-lo apenas ao
preço do material. A produção local de materiais não é só economicamente mais barata, como também
permite a criação de mais postos de trabalho locais (Sanya 2007 citado em Pacheco Torgal & Jalali-
2012). Além disso, a necessidade de mão-de-obra qualificada conduz à formação e educação sobre os
sistemas construtivos vernáculos, contribuindo não só para melhorar as qualificações dos diversos
públicos do setor da construção, mas também para preservar o património cultural. A educação na
construção de sistemas vernáculos é também crucial para os políticos, sociólogos e economistas que
tomam decisões sobre o ambiente construído (Oliver, 2006).
O facto de estes materiais serem originários das mesmas condições climáticas onde foram aplicados
tem as seguintes vantagens: maior adaptabilidade, economia e maior durabilidade (Singh et al 2011).
Em matéria de saúde, as vantagens estão relacionadas, principalmente, com o facto de estes
materiais serem de origem natural, com baixa toxicidade, ausentes de compostos orgânicos voláteis,
alguns deles com propriedades capazes de regular a temperatura e a qualidade do ar interior (Berge
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Contributos da arquitetura vernácula portuguesa para a sustentabilidade do ambiente construído
2009), como se refere no exemplo da arquitetura em terra.
Em termos económicos, Goodman (1968 citado em Berge 2009) argumenta que uma indústria de
construção ecológica deve ter as suas unidades de produção próximas do local de consumo, utilizando
recursos renováveis locais, com foco em processos que requerem pouca energia e que sejam pouco
poluentes. Além disso, argumenta que a descentralização pode aumentar os centros de decisão das
empresas por forma a que estas tenham uma ideia mais clara sobre o contexto em que operam, em
especial as relações entre os decisores e os recursos locais. Neste sentido Oliver (2006) também
argumenta que o discurso sobre a sustentabilidade é demasiado orientado para a escala das cidades, pelo
que se requere a implementação de políticas de descentralização que contribuam para a regeneração das
áreas rurais. A reabilitação destas áreas pode ser uma maneira de desacelerar a expansão das cidades.
A fim de promover e implementar este tipo de intenção, é necessário envolver as autoridades
locais. Cada local tem suas próprias idiossincrasias que devem ser levadas em consideração na definição
de políticas específicas, adaptadas ao seu contexto (Dumreicher & Kolb 2008). O apoio ao
desenvolvimento sustentável local significa também preservar um património cultural de conhecimentos
inerentes às regiões.
CONCLUSÃO
No passado, devido à falta de soluções tecnológicas capazes de produzir materiais mais avançados
e de os transportar por longas distâncias, os materiais utilizados nas construções vernáculas têm um
perfil com baixo índice tecnológico e estavam restritos ao local de construção. Estes eram
principalmente naturais, com pouco processamento, reduzido custo energético e, consequentemente,
reduzidos impactes ambientais. Em oposição, a tecnologia existente hoje permite a produção de
materiais com elevado índice tecnológico, disponíveis à escala global, embora geralmente necessitem de
um processamento energeticamente intensivo. Além disso, a produção centralizada destes materiais
implica grandes necessidades energéticas para o transporte, do ponto de extração das matérias-primas
para a distribuição final do produto. Tendo em consideração que os materiais tradicionais estão
intimamente relacionados com as condições locais e têm significativamente menos impactos ambientais
e energia incorporada que os materiais de construção atuais, a sua utilização significa um potencial de
redução dos impactes ao longo do ciclo de vida dos edifícios, numa abordagem “do berço ao portão”, e
em alguns casos, numa abordagem “do berço ao berço”
Analisando os exemplos vernáculos acima referidos é percetível que a pluralidade do território
português oferece uma expressão profusa de diferentes materiais de construção vernáculos. Estes
exemplos ilustram uma estreita relação com as características dos locais (litologia, clima, culturas e
cobertura florestal) onde são utilizados. Os materiais e técnicas utilizadas na arquitetura vernácula
portuguesa têm potencial para contribuir positivamente para a sustentabilidade do ambiente construído.
No entanto, no contexto português há ainda escassez de dados sobre este tema. Portanto, apesar dos
materiais de construção vernáculos serem reconhecidos como mais “amigos do ambiente”, não existem
estudos de base científica que provem o que o seu desempenho ambiental é melhor. Assim, são
necessários mais estudos de forma a interpretar e compreender as técnicas vernáculas, para que possam
ser melhoradas e transpostas para a contemporaneidade, a fim de serem cientificamente validadas,
dando-lhes credibilidade e incentivando a sua utilização entre os diversos intervenientes do setor da
construção.
Assim, para alcançar a sustentabilidade, a arquitetura deve procurar a integração entre a tradição e
contemporaneidade, utilizando o melhor de ambos em tecnologias e materiais. Para além das questões
ambientais, promover o uso de materiais locais pode ter um impacto positivo sobre o desenvolvimento
social e económico local. Cabe aos projetistas utilizar a sua criatividade para melhorar e adaptar essas
técnicas às novas exigências funcionais da construção.
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AGRADECIMENTOS
Os autores gostariam de agradecer o apoio concedido pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia
(FCT), com a referência EXPL/ECM-COM/1801/2013, que foi fundamental para a realização e
apresentação deste estudo.
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