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1
Juventude trabalhadora:
algumas razões para a não sindicalização
Anderson Campos
*
Resumo: O artigo busca apresentar duas razões para a reduzida taxa de filiação
de jovens às organizações sindicais de trabalhadores. Sustenta que a
manutenção do padrão de inserção ocupacional extremamente precarizado e a
influencia da cultura do novo capitalismo são fatores fortemente limitadores
para a sindicalização de jovens trabalhadores.
Palavras-chave: mercado, trabalho, cultura, sindicato, inserção ocupacional.
O período de hegemonia política e
econômica do neoliberalismo no Brasil
foi marcado pela diminuição da renda
dos salários, do aumento do desemprego
e pela mais profunda mercantilização
dos direitos sociais já ocorrida em nosso
país. Com efeito, ocorreu o
rebaixamento do nível de vida das
famílias ao mesmo tempo em que
aumentou o custo de vida, uma vez que
o acesso a direitos básicos foi
profundamente mercantilizado, bem
como novas necessidades surgiram,
pressionando o orçamento familiar.
Essa condição social forçou
adolescentes e jovens a buscar trabalho
como forma de sobrevivência coletiva
(CAMPOS, 2010).
O resultado é a constituição de um tipo
de força de trabalho mais desqualificado
e com menor experiência. Foram os
jovens oriundos de famílias de mais
baixa renda os principais afetados pelo
fenômeno do dessalariamento. Passaram
a sofrer, portanto, maior exclusão dos
benefícios da legislação social e
trabalhista (POCHMANN, 2005).
Desde 2003, quando inicia-se a reversão
do quadro negativo do mercado de
trabalho brasileiro, desenvolve-se certa
recuperação das taxas de sindicalização
no país. No entanto, o mesmo não
ocorre com a parcela jovem desse
mercado, que permanece com sua taxa
de sindicalização estagnada. O presente
artigo sugere que dois fatores são
preponderantes para tal: a não alteração
do padrão de inserção ocupacional da
juventude, extremamente negativo e a
supremacia da cultura do novo
capitalismo sobre o comportamento dos
jovens.
O artigo está dividido em três seções,
além desta introdução. Na primeira
seção, é tratada a dinâmica da
sindicalização na história brasileira e a
especificidade da filiação de jovens aos
sindicatos. Na segunda seção, são
apresentadas, de forma sintética,
algumas características centrais para
definir o padrão de inserção
ocupacional de jovens no país. A
terceira seção procura discutir a
influência da cultura do novo
2
capitalismo sobre o padrão de
comportamento político da juventude,
tratado aqui como limitador para
construção de identidade de classe.
1. Sindicalização no Brasil e
filiação sindical de jovens
O comportamento das taxas de
sindicalização possui relação direta com
o contexto de mudanças no perfil do
mercado de trabalho. No caso brasileiro,
as taxas de sindicalização têm sido
crescentes desde que o país optou pela
industrialização nacional e pela
urbanização, nos anos 1930. O Estado
assumiu, então, o papel de promotor do
desenvolvimento nacional, construindo
as bases para constituição de uma
economia industrial e urbana. Assim,
houve um processo de estruturação do
mercado de trabalho e progressiva
ampliação dos protegidos pela
legislação trabalhista.
A classe trabalhadora que emerge nesse
processo está, portanto, adequada à
sindicalização e passa a ter a negociação
coletiva de trabalho como a forma mais
legítima para lograr conquistas e a
manutenção de direitos e ganhos
econômicos.
O crescimento do poder sindical só é
interrompido com o golpe militar de
1964. A ausência de liberdades
democráticas atingiu em cheio o
principal instrumento da classe
trabalhadora para a ampliação de
direitos e ganhos econômicos. Por mais
que o período tenha sido marcado por
crescimento econômico, os anos da
ditadura militar demonstraram
patamares recordes de desigualdade
social. A impossibilidade de ação dos
sindicatos evitou o aparecimento de
reivindicações de reajustes salariais e de
outros mecanismos que afetariam
diretamente a distribuição de renda
(HENRIQUE, 1988).
Após o período autoritário, as taxas de
sindicalização voltam a crescer a
patamares tão superiores aos anos de
regime militar que, entre 1979 e 1989,
atingiu o patamar de quase 1/3 dos
ocupados do país (POCHMANN, 2007)
A década de 1990, por sua vez, foi
marcada pelo ajuste neoliberal,
responsável por níveis recordes de
desemprego e elevação acelerada dos
índices de trabalho informal, o que
impactou negativamente as taxas de
sindicalização do período. De acordo
com Pochmann (2007), de 1992 a 2002
sofremos uma queda de quase 18% na
taxa de sindicalização.
As profundas mudanças em nossa
economia e no papel do Estado afetaram
diretamente o perfil do mercado de
trabalho: privatizações, terceirizações
no setor público, maior flexibilização
trabalhista, surgimento de novas formas
de contratação. Para Krein (1999), as
alterações impostas às relações de
trabalho foram adequadas ao ajuste
neoliberal. O autor conclui que o
conjunto das medidas do Governo FHC
para alterar as relações de trabalho
(...) modifica direitos existentes na
legislação e o próprio papel do
Estado na sociedade,
particularmente no âmbito do
conflito entre capital e trabalho,
assim como indica novas
perspectivas e limitações para o
processo de negociação coletiva e,
conseqüentemente, à ação e
organização sindical (KREIN,
1999: 278).
As mutações sofridas na estrutura do
trabalho no Brasil foram fruto de
escolhas políticas, como instrumento do
ajuste neoliberal dos anos 1990
(TAVARES, 1998). Os impactos sobre
a capacidade da ação sindical foram
diretos: caiu a taxa de sindicalização no
período. A pressão pela flexibilização
dos direi
tos trabalhistas obteve mais
vitórias do que a capacidade de
resistência sindical. Tratava
adequar o mundo do trabalho (leis
flexíveis e sindicatos frágeis) à
imposição da inserção brasileira na
globalização capitalista.
Cardoso (2003)
constata que
de filiados cresceu onde houve
crescimento do emprego, ocorrendo o
inverso onde houve queda no emprego
(CARDOSO, 2003: 227)
pensássemos a dessindicalização como
um problema exclusivo da organização
sindical (crise de representação, de
orientaç
ão política, de falta de
estratégia), incorreríamos no erro de não
verificar a sua relação com o c
do mercado de trabalho (CAMPOS,
2007).
A recuperação do emprego e das taxas
de sindicalização é retomada na
primeira década dos anos
2000, mesmo
que d
e maneira leve, possibilitada por
um contexto favorável. No período
compreendido entre 1999 e 2005,
GRÁFICO 1 |
Brasil: evolução da taxa geral de sindicalizaç
ocupação total)
Fonte: IBGE/PNAD Apud
Pochmann (2007
A quantidade de jovens com até 24 anos
filiados a sindicatos cresceu apenas 2%.
Até 24 anos
20,119
20,5
tos trabalhistas obteve mais
vitórias do que a capacidade de
resistência sindical. Tratava
-se de
adequar o mundo do trabalho (leis
flexíveis e sindicatos frágeis) à
imposição da inserção brasileira na
constata que
o número
de filiados cresceu onde houve
crescimento do emprego, ocorrendo o
inverso onde houve queda no emprego
(CARDOSO, 2003: 227)
. Se
pensássemos a dessindicalização como
um problema exclusivo da organização
sindical (crise de representação, de
ão política, de falta de
estratégia), incorreríamos no erro de não
verificar a sua relação com o c
ontexto
do mercado de trabalho (CAMPOS,
A recuperação do emprego e das taxas
de sindicalização é retomada na
2000, mesmo
e maneira leve, possibilitada por
um contexto favorável. No período
compreendido entre 1999 e 2005,
percebeu-
se uma expansão de 13,7
milhões de novos ocupados com
carteira, entre os quais foram detectados
4,2 milhões de novos sindicalizados.
“Ou seja, a ca
da 100 trabalhadores que
encontravam uma ocupação, 31
terminaram sendo sindicalizados”
(POCHMANN, 2007: 17)
Esse
contexto favorável impulsionou a
recuperação dos índices de filiação
sindical. Em 2005, verificou
aumento de 15,7% na taxa nacional de
s
indicalização comparada com a de
1998. O percentual de sindicalizados
sobre o total de ocupados no país em
2005 era de 18,4%
representava 15,9% (POCHMANN,
2007).
No entanto, a
sindicalização de jovens
trabalhadores/as permaneceu estagnada.
Houve
crescimento considerável em
todas as faixas etári
as acima de 24 anos.
O Gráfico 1
apresenta a elevação das
taxas de sindicalização em um período
de dez anos (
1995 a 2005).
Brasil: evolução da taxa geral de sindicalizaç
ão
por faixa etária
Pochmann (2007
)
A quantidade de jovens com até 24 anos
filiados a sindicatos cresceu apenas 2%.
Quando comparamos com as ou
colunas, as demais faixas etárias
Até 24 anos
25 a 49 anos 50 e mais
23,2
12,4
24,6
12,5
20,5
27,5
16,4
1995
1999
2005
3
se uma expansão de 13,7
milhões de novos ocupados com
carteira, entre os quais foram detectados
4,2 milhões de novos sindicalizados.
da 100 trabalhadores que
encontravam uma ocupação, 31
terminaram sendo sindicalizados”
(POCHMANN, 2007: 17)
.
contexto favorável impulsionou a
recuperação dos índices de filiação
sindical. Em 2005, verificou
-se um
aumento de 15,7% na taxa nacional de
indicalização comparada com a de
1998. O percentual de sindicalizados
sobre o total de ocupados no país em
2005 era de 18,4%
- em 1998
representava 15,9% (POCHMANN,
sindicalização de jovens
trabalhadores/as permaneceu estagnada.
crescimento considerável em
as acima de 24 anos.
apresenta a elevação das
taxas de sindicalização em um período
1995 a 2005).
por faixa etária
(em % da
Quando comparamos com as ou
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colunas, as demais faixas etárias
apresentam crescimento considerável.
No caso da última faixa etária (50 e
mais), de
1995 a 2005 houve uma
elevação de 32,2% no número de
sindicalizados. Apenas a juventude
trabalhadora co
m até 24 anos não
apresenta crescimento considerável
nesse período.
A situação dos/as jovens
trabalhadores/as é sintoma da
desestruturação do mercado de trabalho.
Esse processo transforma
segmento mais vulnerável. Por
conseguinte, sua filiação sindic
mais frágil, mesmo no momento de
recuperação das taxas de sindicalização.
É preciso compreender quem é esse
jovem, seus modos de vida e suas
perspectivas, para, assim, construir as
ferramentas mais adequadas para uma
estratégia de filiação.
O conceito de
padrão de inserção ocupacional ajuda
nos a verificar a situação da juventude
trabalhadora no atual mercado de
trabalho. Significa traçar a trajetória
predominante do segmento juvenil da
GRÁFICO 2 |
Distribuição dos ocupados pela idade em que começaram a trabalhar
2006 (em %)
Fonte: DIEESE (2008), Anuário dos Trabalhadores. Com base na PNAD 2006.
A sistematização de diversos estudos
sobre a s
ituação da juventude no
mercado de trabalho brasileiro está
apresentam crescimento considerável.
No caso da última faixa etária (50 e
1995 a 2005 houve uma
elevação de 32,2% no número de
sindicalizados. Apenas a juventude
m até 24 anos não
apresenta crescimento considerável
A situação dos/as jovens
trabalhadores/as é sintoma da
desestruturação do mercado de trabalho.
Esse processo transforma
-os no
segmento mais vulnerável. Por
conseguinte, sua filiação sindic
al é a
mais frágil, mesmo no momento de
recuperação das taxas de sindicalização.
É preciso compreender quem é esse
jovem, seus modos de vida e suas
perspectivas, para, assim, construir as
ferramentas mais adequadas para uma
O conceito de
padrão de inserção ocupacional ajuda
-
nos a verificar a situação da juventude
trabalhadora no atual mercado de
trabalho. Significa traçar a trajetória
predominante do segmento juvenil da
população em idade ativa (PIA) em sua
transição da cond
ição de inatividade
para o mundo do trabalho
(POCHMANN, 1998).
2.
O padrão de inserção
ocupacional da juventude
A inserção ocupacional dos jovens
sofreu alterações profundas nas décadas
de 1980 e 1990. Nas economias centrais
e na periferia do capitalismo m
são observados os sinais de piora no que
diz respeito à
integração dos jovens no
mundo do trabalho (POCHMANN,
1998). As pessoas de 15 a 29 anos de
idade constituem o segmento etário
mais afetado negativamente pelo
processo de flexibilização das rela
de emprego e pelo crescimento do
desemprego aberto. Quanto menor a
idade de ingresso, mais precária é a
relação de trabalho e maior é a sua
exploração (CAMPOS, 2010). Mais do
que a metade dos trabalhadores
brasileiros começou a trabalhar antes da
idad
e legalmente permitida para o
ingresso no mercado de trabalho.
Distribuição dos ocupados pela idade em que começaram a trabalhar
Fonte: DIEESE (2008), Anuário dos Trabalhadores. Com base na PNAD 2006.
Apud
Campos (2010)
A sistematização de diversos estudos
ituação da juventude no
mercado de trabalho brasileiro está
apresentada em Campos (2010), que
recorre a
seis características
fundamentais
para explicar o
4
população em idade ativa (PIA) em sua
ição de inatividade
para o mundo do trabalho
O padrão de inserção
ocupacional da juventude
A inserção ocupacional dos jovens
sofreu alterações profundas nas décadas
de 1980 e 1990. Nas economias centrais
e na periferia do capitalismo m
undial
são observados os sinais de piora no que
integração dos jovens no
mundo do trabalho (POCHMANN,
1998). As pessoas de 15 a 29 anos de
idade constituem o segmento etário
mais afetado negativamente pelo
processo de flexibilização das rela
ções
de emprego e pelo crescimento do
desemprego aberto. Quanto menor a
idade de ingresso, mais precária é a
relação de trabalho e maior é a sua
exploração (CAMPOS, 2010). Mais do
que a metade dos trabalhadores
brasileiros começou a trabalhar antes da
e legalmente permitida para o
ingresso no mercado de trabalho.
Distribuição dos ocupados pela idade em que começaram a trabalhar
– Brasil
Campos (2010)
apresentada em Campos (2010), que
seis características
para explicar o
padrão de
inserção ocupacional dos/as jovens
brasileiros/as.
Em primeiro lugar, o desemprego é a
marca
mais contundente da inserção de
jovens no
mercado de trabalho no
Brasil. A redução do desemprego,
verificada nos anos recentes, não tem
GRÁFICO 3 |
Taxa de desocupação por faixa etária, Brasil, 1995 e 2009, em %
Fonte: Microdados PNAD 1995 e 2009 (ú
Em segundo lugar, os vínculos de
trabalho são mais frágeis para o contrato
de jovens. A flexibilização dos
co
ntratos de trabalho favorece o
estabelecimento de relações disfarçadas
de emprego. É disfarçada porque,
apesar da contratação não ser realizada
por um contrato de trabalho regular,
mantém a subordinação nas relações de
emprego, mas com menor proteção
socia
l, porque dribla a regulamentação
0,0%
5,0%
10,0%
15,0%
20,0%
25,0%
De 16 a 17
anos
De 18 a 24
anos
13,8%
10,6%
23,9%
inserção ocupacional dos/as jovens
Em primeiro lugar, o desemprego é a
mais contundente da inserção de
mercado de trabalho no
Brasil. A redução do desemprego,
verificada nos anos recentes, não tem
atingido da mesma
forma
trabalhadora. Jovens negros de 16 a 24
anos, por sua vez, representam a grande
maio
ria dos jovens desempregados
(55,9%) nas regiões metropolitanas
(DIEESE, 2008).
Taxa de desocupação por faixa etária, Brasil, 1995 e 2009, em %
Fonte: Microdados PNAD 1995 e 2009 (ú
ltima disponível)
Em segundo lugar, os vínculos de
trabalho são mais frágeis para o contrato
de jovens. A flexibilização dos
ntratos de trabalho favorece o
estabelecimento de relações disfarçadas
de emprego. É disfarçada porque,
apesar da contratação não ser realizada
por um contrato de trabalho regular,
mantém a subordinação nas relações de
emprego, mas com menor proteção
l, porque dribla a regulamentação
do emprego vigente no país (KREIN,
2007: 159).
A terceira característica são as longas
jornadas de trabalho a que são
submetidos os/as jovens. O percentual
de trabalhadores jovens que exercem
uma jornada de trabalho seman
da legalmente permitida (44h) alcança
37,% (DIEESE apud
CORROCHANO
et al, 2008).
A consequência mais
imediata é não conciliação entre
De 18 a 24
anos
De 25 a 29
anos
De 30 a 59
anos
60 anos ou
mais
10,6%
6,1%
3,7%
1,4%
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5,2%
2,0%
1995 2009
5
forma
a juventude
trabalhadora. Jovens negros de 16 a 24
anos, por sua vez, representam a grande
ria dos jovens desempregados
(55,9%) nas regiões metropolitanas
Taxa de desocupação por faixa etária, Brasil, 1995 e 2009, em %
do emprego vigente no país (KREIN,
A terceira característica são as longas
jornadas de trabalho a que são
submetidos os/as jovens. O percentual
de trabalhadores jovens que exercem
uma jornada de trabalho seman
al acima
da legalmente permitida (44h) alcança
CORROCHANO
A consequência mais
imediata é não conciliação entre
TOTAL
6,1%
8,3%
6
trabalho e estudo. Apenas 15% dos
jovens que trabalham conseguem
conciliar com os estudos. Os que
conseguem conciliar acabam dedicando
praticamente todo o tempo de vida ao
trabalho e ao estudo, sendo o tempo
livre apenas residual (CARDOSO,
2009).
A quarta característica é o trabalho
doméstico, imposto particularmente às
jovens mulheres. O trabalho doméstico
remunerado é uma das principais
formas de inserção ocupacional das
jovens no mercado de trabalho (OIT,
2007). Já o trabalho doméstico não
remunerado é a principal ocupação das
jovens que não estudam e que não estão
no mercado de trabalho (trabalhando ou
procurando trabalho). Estão
condicionadas ao trabalho reprodutivo –
familiar e de cuidados. O crescimento
da participação das mulheres no
mercado de trabalho não reduziu o
tempo que elas dedicam às tarefas
domésticas, sendo que 94% delas
executam trabalho doméstico não
remunerado (BRASIL, 2007).
A quinta característica é a situação da
saúde do trabalhador. Em 2007, cerca
de 40% dos acidentes de trabalho
registrados na Previdência Social
vitimaram pessoas com até 29 anos de
idade. Sendo obrigadas às piores
condições de trabalho e dada a ausência
de mecanismos fortes de proteção
social, a juventude trabalhadora está
cada vez mais sujeita a acidentes e
doenças provocadas pelo trabalho
(CAMPOS, 2010: 45).
Por fim, a sexta característica é a baixa
remuneração consequência do grau de
precarização dos postos de trabalho
ocupados por jovens. Se o principal
motivo de sua entrada no mercado de
trabalho é a possibilidade de
complementar a renda familiar, “aceita-
se” a remuneração que lhe é oferecida.
Esse/a jovem não está em condições de
impor negociação nem tem informações
suficientes para tanto.
A cultura do novo capitalismo
A juventude tornou-se alvo principal do
projeto societário dominante,
tensionando-a para reprodução da
sociedade de mercado. Tal
tensionamento pressiona homens e
mulheres a se deixar seduzir pela
propaganda de mercadorias, a
assumirem uma identidade flexível –
conciliável, portanto, às novas relações
de trabalho – e a submeterem suas vidas
às sensações, organizando-a de acordo
com as satisfações imediatas. Costa
(2004: 76) compreende que esse modo
de comprometer-se apenas com aquilo
que é imediato acaba por excluir as
satisfações que exigem projetos de
longo prazo.
Os sistemas de produção flexíveis
possibilitaram imensamente a
aceleração do ritmo de inovação das
mercadorias. Mas, para que essa
aceleração da produção pudesse garantir
o giro do capital, foi necessário reduzir
drasticamente o tempo de consumo das
mercadorias (HARVEY, 2008: 148). A
forma encontrada, segue Harvey, foi a
diminuição do tempo de duração da
mercadoria. Criar, ininterruptamente,
novas necessidades de consumo tornou-
se a regra básica. A importância dada às
modas fugazes e à mobilização dos mais
diversos artifícios para induzir novas
necessidades resultou em fortes
impactos culturais. Para o autor, essa
mudança é baseada na “instabilidade de
uma estética que celebra a efemeridade,
o espetáculo, a moda e a mercadificação
de formas culturais”.
Viver a juventude passou a significar
viver apenas o presente. A sensação da
vida que é vivida no imediato,
descomprometida com planos, é
7
compatível com o consumo de
mercadorias de vida curta. Assim como
a adolescência, as mercadorias também
passaram a ficar obsoletas em tempos
cada vez mais curtos. A imagem da
juventude, como bem analisa Fontenelle
(2002), foi apuradamente
mercantilizada. A imagem da juventude
tornada ela própria uma mercadoria,
poderia ser vendida e comprada por
adultos e idosos. A cultura jovem foi
integrada à produção de mercadorias em
geral, processo intensificado
conjuntamente com o uso da
propaganda e da publicidade pela
concorrência empresarial.
O poder midiático e da cultura de
massa, a educação voltada para a
competitividade, a cotidiana quebra de
laços de solidariedade, dentre muitos
outros, são ferramentas bastante
poderosas e eficazes para a adaptação.
Se a organização sindical é decorrente
da solidariedade de classe, a ausência
desta põe em risco a vitalidade da ação
coletiva de trabalhadores e
trabalhadoras.
A dificuldade de planejar iniciativas de
atração de jovens para ações sindicais
tem relação direta com a forma de
organização e com o conteúdo das
pautas de reivindicação sindical. Tem
relação, acima de tudo, com as
possibilidades de identificação coletiva
a partir do resgate de laços de
solidariedade desde sua condição de
classe. As direções sindicais podem
optar entre resguardar o formato atual
de representação ou incrementar a ação
sindical com sindicalismo militante
renovado, capaz de atrair a imensa
massa de jovens trabalhadores a partir
de uma identidade de classe
profundamente enraizada (CAMPOS,
2007; 2010).
Se, por um lado, o padrão de inserção
ocupacional é um limitador forte para a
sindicalização de jovens, por outro, a
influência da cultura do novo
capitalismo sobre o comportamento
juvenil apresenta-se como obstáculo
importante mesmo aos jovens em
melhores condições no mercado de
trabalho.
Referências
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domésticos: um estudo com base nos dados
da PNAD de 2001 e 2005. Brasília: IBGE,
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In: MERCADANTE, A. (Org.). O Brasil Pós-
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*
ANDERSON CAMPOS é Sociólogo
pela UFRN, Especialista em Economia do
Trabalho e Sindicalismo pelo Centro de Estudos
Sindicais e Economia do Trabalho, da Unicamp,
autor do livro Juventude e Ação Sindical: crítica
ao trabalho indecente (Rio de Janeiro: Letra e
Imagem, 2010).